Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
16532/18.1T8SNT-B.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I. O executado pode deduzir oposição à execução invocando a compensação do crédito exequendo com contracrédito seu, sem necessidade de que o mesmo esteja judicialmente reconhecido ou demonstrado em documento com força de título executivo.
II. Por força da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral (acórdão do Tribunal Constitucional, de 12.5.2015, n.º 264/2015), da norma constante do artigo 857.º, n.º 1, do CPC de 2013, quando interpretada “no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória”, por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da CRP, perde relevância a discussão doutrinária ou jurisprudencial acerca da aplicação dos critérios de temporalidade e meio de prova dos fundamentos de oposição à execução, previstos na alínea g) do art.º 729.º, no que concerne à compensação de créditos, quando a execução em causa tem como título executivo requerimento de injunção a que foi aposta fórmula executória.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
Em 14.6.2018 L Lda apresentou no Balcão Nacional de Injunções requerimento de injunção contra Global, S.A., pedindo que esta fosse notificada para lhe pagar o total de € 269 930,75, correspondente, no essencial, à contraprestação de serviços de consultoria, gestão e fiscal e de planeamento, que a requerente prestara à requerida.
Em 14.9.2018 foi aposta fórmula executória no dito requerimento.
Em 21.9.2018 a supra referida “L” instaurou, contra a requerida, ação de execução para pagamento de quantia certa, com processo sumário e o valor de € 275 309,20, apresentando como título executivo o requerimento de injunção com a fórmula executória.
Em 29.10.2018 a executada deduziu embargos à execução, por exceção e por “impugnação”. Por exceção, arguiu a nulidade da notificação do requerimento de injunção, a falta de título executivo e a compensação de créditos. A título de “impugnação”, reiterou o alegado em sede de exceção, concluindo pela extinção da execução.
Em 05.11.2018 foi proferido despacho em que se indeferiu liminarmente a oposição à execução quanto à compensação de créditos e se admitiu a oposição na parte restante, determinando-se a notificação da embargada para a contestar.
A embargante apelou dessa decisão, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões:
a) A Apelante deduziu oposição à execução com fundamento (i) na nulidade da notificação do requerimento de injunção; (ii) da falta de título executivo; e (iii) da compensação de créditos.
b) Por despacho datado de 05.11.2018, o Tribunal a quo julgou improcedentes os embargos deduzidos pela Apelante, relativamente ao fundamento – contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos - previsto no art.º 729.º, alínea h) do CPC, por entender que a compensação não é admissível pois, quanto aos demais fundamentos invocados, foi a oposição à execução admitida.
c) O Tribunal a quo entendeu que “na fase executiva, sob pena de perversamente se privilegiar o executado embargante, só pode considerar-se exigível judicialmente e, por conseguinte, compensável, em sede de oposição à execução, o crédito do embargante executado com igual força executiva, ou seja, que seja exequível, podendo autonomamente dar causa a uma acção executiva contra o embargado exequente – (…). O que no caso dos autos não sucede. Logo a compensação não é admissível, o que se julga.”
d) A Apelante vem interpor o presente recurso por não concordar com tal interpretação pois a redacção da alínea h) do art.º 729.º do CPC, veio permitir que o contracrédito a compensar, seja provado por qualquer meio, mesmo sendo deduzido no âmbito de uma oposição à execução.
e) Para fundamentar a sua posição, o douto Tribunal a quo refere que, nos termos do disposto no art.º 847.º do Código Civil, “Quando duas pessoas são reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos: a) Ser o seu crédito exigível judicialmente …”.
f) E, que “só pode considerar-se exigível judicialmente o crédito do embargante executado com igual força executiva, ou seja, que seja exequível podendo autonomamente dar causa a uma acção executiva contra o embargado exequente”.
g) É com base no argumento – de o contracrédito invocado não estar judicialmente reconhecido e, consequentemente, não ter força executiva – que o Tribunal a quo indefere liminarmente os embargos de executado apresentados pela Apelante, no que à “compensação” diz respeito, o que não se concebe.
h) Não obstante as divergências jurisprudenciais e doutrinais quanto a esta matéria, a posição actual converge no sentido de que a “compensação”, invocada ao abrigo do disposto no art.º 729.º, alínea h) do CPC, é fundamento de oposição à execução, não sendo necessário que o crédito que justifica a respectiva invocação esteja judicialmente reconhecido.
i) Nesse sentido, o mais recente acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa: «Em suma, exige-se o reconhecimento judicial do crédito para que a compensação possa ser invocada na execução – ou que ele seja aceite, ou não seja controvertido, ou não careça de apreciação judicial, o que tudo é o mesmo -, sem qualquer base legal para o efeito já que as normas do CPC relativas à execução claramente não o exigem, como resulta do art. 729/-h e 731.  (…) Argumento que não é aceitável, pois se a lei admite a dedução da compensação, sem restrições, não pode ser a jurisprudência a decidir o contrário com base em razões que ditariam outra opção legislativa».
j) Nos presentes autos estamos perante uma execução que se funda em requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória, pelo que ao abrigo do disposto no art.º 857.º, n.º 1 do CPC, apenas podem ser alegados os fundamentos de embargos previstos no art.º 729.º, com as devidas adaptações (…).
k) O art.º 729.º do CPC, dispõe que um dos fundamentos de oposição à execução é: “h) Contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos;” daqui não resultando qualquer restrição relativamente à exigibilidade judicial, prevista no art.º 847.º, n.º 1, al. a) do CC.
l) Assim, estavam preenchidos os requisitos para a dedução de embargos de executado com fundamento, entre outros, na existência de um contracrédito a seu favor com vista à obtenção da compensação de créditos.
m) Em sede de embargos, a Apelante alegou que é credora da Apelada da quantia de €383.074,00, por conta do fee que está na origem do contrato de prestação de serviços celebrado entre as partes e, por sua vez a Apelada é credora da quantia de €246.000,00, por conta dos alegados serviços prestados ao abrigo do referido contrato, à aqui Apelante, encontrando-se assim ambas na posição de credoras/devedoras.
n) A Apelante comunicou à Apelada, por carta registada, que pretendia exercer o seu direito à compensação, mediante acerto de contas, tudo conforme documentação que se encontra junta aos autos.
o) Pese embora o crédito reclamado pela Apelante não se encontre judicialmente reconhecido, o mesmo é judicialmente exigível pelos fundamentos constantes da Oposição à Execução.
p) Ao ser-lhe vedado nesta sede comprovar o seu contracrédito, fica a Apelante prejudicada na defesa dos seus direitos na medida em que se viu obrigada a pagar desde logo o crédito exequendo (atenta a penhora levada cabo na presente execução que se iniciou sem citação prévia), sem ter a certeza de alguma vez poder obter o pagamento do contracrédito (imagine-se por exemplo a situação de a exequente vir a ser declarada insolvente).
q) Ao decidir pela não admissibilidade da compensação, o Tribunal a quo olvida a função da compensação e impede o funcionamento da sua garantia, assim como desvirtua a letra e o espírito constantes da alínea h) do artigo 729.º do CPC, na medida em que não resulta do mesmo qualquer obstáculo à dedução da compensação invocada pela Apelante.
r) A compensação constitui um facto extintivo (total ou parcial) da obrigação, pode, pois, a mesma ser invocada como fundamento de oposição à execução e para que possa operar exige-se que o crédito seja exigível judicialmente e não proceda contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material.
s) «A exigibilidade judicial da obrigação nada tem a ver com a existência de título executivo, sendo a obrigação judicialmente exigível se, em determinado momento, o credor tem o direito de exigir em tribunal o seu cumprimento imediato, seja através de acção executiva (se estiver munido de título executivo) ou através de acção declarativa (se não tiver título) onde possa obter decisão que, reconhecendo a existência e exigibilidade da obrigação, condene o devedor ao seu cumprimentos imediato … é na acção onde é deduzida a compensação que deve ser apreciada e constatada a existência de exigibilidade do crédito, por forma a concluir se tal crédito existe e se pode ou não ser invocado para efeitos de compensação».
t) Tal como refere o Prof. Lebre de Freitas: “Compensação. A nova qualificação processual que se pretendeu dar à compensação no art. 266-2-c levou à sua autonomização como fundamento de embargos de executado. É que, excedendo a reconvenção a função defensiva dos embargos, a caracterização adjectiva da compensação como reconvenção levaria a negar a sua invocabilidade na dependência da acção executivo, o que seria contrário ao seu regime substantivo. (…) A nova norma tem a utilidade de deixar claro que, seja como for, a compensação (até ao montante da obrigação exequenda) pode constituir fundamento de embargos de executado. (…) mas quer o seu crédito seja igual ou inferior, quer seja superior ao do exequente, élhe permitido deduzir excepção de compensação, seja como objecção (no caso de já extrajudicialmente querer compensar), seja como excepção propriamente dita (no caso de essa declaração ser feita no requerimento de oposição.
A consideração do fundamento da compensação em alínea separada da dos restantes factos extintivos da obrigação exequenda liberta o executado do ónus de provar através de documento, quer o facto extintivo do contracrédito e as suas características relevantes para efeito do art.º 847.º do CC, quer a declaração de querer compensar (art. 848 CC), no caso de esta ter sido feita fora do processo”.
u) No mesmo sentido veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães: «Assim, afigura-se-nos que, na conjugação da alínea g) do apontado artº 729º com a previsão normativa ora introduzida pela alínea h) do mesmo preceito, não será obstáculo à compensação o facto de o contracrédito invocado pelos executados não se encontrar ainda reconhecido judicialmente.».
v) É, por demais evidente que no processo executivo é admissível a compensação e, considerando ainda que não tendo a Apelante sido notificada da injunção, este será o momento legalmente admissível para exercer o seu direito.
w) O art.851.º do CC exige reciprocidade de créditos, resultando assim que a compensação pode operar entre pessoas que sejam reciprocamente credor e devedor, o que se verifica no caso dos autos atenta a factualidade alegada em sede de embargos.
x) Com a compensação opera-se a “extinção de créditos recíprocos por encontro de contas, para evitar às partes um duplo acto de cumprimento perfeitamente dispensável; e verificados determinados requisitos, a lei prescinde do acordo de ambos os interessados, para admitir a extinção de dívidas compensáveis, por simples oposição de um deles ao outro”.
y) De tudo o que antecede decorre que a posição dominante actual na jurisprudência e unânime na doutrina é a de que a exigibilidade judicial do crédito nada tem a ver com o reconhecimento judicial dele. 
z) Tudo isto vale, sem qual especificidade, no âmbito das acções executivas, pois que não existe qualquer norma processual a exigir qualquer requisito adicional.
aa) “Com efeito, quanto às execuções baseadas em sentenças, o art. 729/-h do CPC limita-se a dizer que a oposição pode ter como fundamento um contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de crédito e, quanto às execuções fundadas noutros títulos, o art. 731 do CPC diz que podem ser alegados quaisquer fundamentos de oposição que possam ser invocados como defesa no processo de declaração. Repete-se que destas normas não decorre qualquer requisito adicional para o exercício da compensação nas execuções”.
bb) No mesmo sentido, também o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, defende que «o conceito de contracrédito judicialmente exigível, a que alude a primeira parte da alínea a), do n.º 1, do art.º 847º do Cód. Civ., se basta com a possibilidade do crédito do executado sobre o exequente, estar vencido e não pago, facultando-lhe o recurso imediato à tutela judicial, tanto por via da instauração de acção declarativa condenatória no cumprimento do contracrédito, como de acção executiva, havendo para o efeito o suficiente título executivo. Tese que se nos afigura consentânea com a redacção da alínea h), do n.º1, do art.º 729º do NCPC, que veio permitir que o contracrédito a compensar, seja provado por qualquer meio, mesmo sendo deduzido no âmbito de uma oposição à execução baseada em sentença. Demonstrada a interpretação harmónica do disposto na primeira parte da alínea a), do n.º1, do art.º 847º do Cód. Civ., com o disposto na h), do n.º1, do art.º 729º do NCP, torna-se evidente que no âmbito da oposição à execução baseada noutro título, regulada pelo art.º 731º do NCPC, o credor pode deduzir Oposição à Execução por Embargos, alegando contracrédito vencido e não pago, a compensar com o crédito exequendo, que poderá provar por qualquer meio admissível em processo declarativo
cc) E, ainda as posições defendidas nos seguintes acórdãos: «… da conjugação com a alínea g) do apontado art. 729 com a previsão normativa ora introduzida pela alínea h) do mesmo preceito, não será obstáculo à compensação o facto de o contracrédito que o embargante invoque não se encontrar ainda reconhecido judicialmente.»
«Para efeitos de compensação, a exigibilidade judicial do crédito activo é requisito da declaração de compensação sendo que o reconhecimento judicial do mesmo é condição da sua eficácia
dd) Contrariando o entendimento plasmado pelo douto Tribunal a quo, o facto de o contracrédito não estar judicialmente reconhecido, não é, por regra, impedimento à admissibilidade da compensação creditória, em sede de oposição à execução, tendo a Apelante adoptado defesa por excepção para provar a existência do seu invocado crédito e a sua exigibilidade.
ee) O contracrédito da Apelante pode e deve ser comprovado judicialmente na oposição por embargos, que se traduz numa autêntica acção declarativa, como aliás decorre do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra: “A oposição por embargos assume o carácter de uma petição de uma acção declarativa tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo. Podendo a compensação ser invocada como fundamento de oposição à execução não fundada em sentença”, como é o caso presente.
ff) Em suma, não se verificando qualquer obstáculo legal à dedução da compensação pela Apelante, cujo crédito se encontra vencido e não pago, é líquido e exigível, não podiam ser os embargos indeferidos quanto a este fundamento.
gg) Ao decidir como o fez, o douto Tribunal a quo violou a disposição legal invocada – o art.º 729.º, al. h) do CPC e ainda o art.º 847.º, n.º 1 do CC -, retirando à Apelante a possibilidade de compensar o seu crédito.
hh) Pelo que, andou mal o douto Tribunal a quo, tendo a Oposição à Execução por Embargos de proceder quanto à alegada excepção de compensação e o processo continuar para apreciação do invocado contracrédito, a compensar. 
A apelante terminou pedindo que o despacho recorrido fosse revogado e substituído por outro que admitisse a exceção da compensação alegada pela apelante nos termos da alínea h) do art.º 729.º do CPC, nos termos constantes das alegações.
A embargada/exequente contra-alegou, tendo rematado as suas alegações com as seguintes conclusões:
I. O recurso interposto pela executada e embargante (…) Global, S.A. é legalmente inadmissível, em face do disposto, desde logo, no art. 853.º/1 CPC, bem como nos termos do art. 644.º/1/a) CPC (e do seu n.º 2, este a contrario), sendo impugnável, apenas, com a decisão final a proferir no âmbito dos embargos, segundo o princípio geral da impugnação unitária, actualmente consagrado na lei processual em matéria recursos, devendo, por isso, ser rejeitado, nos termos do art. 652.º/1/b) CPC.
II. As “conclusões” do recurso deduzido pela recorrente, ao invés de serem isso mesmo, ou seja, conclusões (uma síntese conclusiva da alegação, que delimita o objecto do recurso) contêm uma reprodução, praticamente equivalente – em conteúdo e extensão – às alegações que as antecedem, sendo que tal prática redunda em inexistência de conclusões do recurso, pelo que o mesmo deve ser liminarmente rejeitado, nos termos do art. 641.º/2/b) CPC ou, sem conceder, deve a recorrente ser convidada a sintetizar tais conclusões, nos termos do art. 652.º/1/a) CPC.
III. Sem prejuízo de a lei processual prever, desde a Lei n.º 41/2013, no art. 729.º/h) do CPC, a invocação de contracrédito do executado sobre o exequente, como fundamento da oposição à execução, tal não significa que o executado possa opor, contra o exequente, a pretensa titularidade de qualquer crédito, esteja ou não titulado, seja ou não anterior à formação do título (em especial quando são invocados créditos que poderiam ter sido compensados na fase declarativa da acção da qual resultou a sentença, ou na fase de oposição no procedimento de injunção).
IV. No caso sub judice, nem sequer estão reunidos os pressupostos da compensação de créditos, porque falta, desde logo, a reciprocidade de créditos (art. 847.º/1 CC), porquanto, a julgar pelo r.i. dos embargos de executado, a recorrente invoca um alegado crédito que pertenceria a um terceiro (a Global S.A.) do qual seria devedor um terceiro, que não a sociedade L, exequente nos autos a quo.
V. Ainda assim, a compensação de créditos nunca poderia constituir fundamento de oposição à execução, a partir do momento em que o contracrédito que é invocado pela recorrente não se encontra demonstrado por meio de um título de crédito, quando é certo que, na senda da Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, bem como de recentes Acórdãos da Relação de Lisboa, tal constitui condição sine qua non para que a compensação possa fundamentar a procedência de embargos de executado, desde logo porque, neste caso, tal é condição essencial para a exigibilidade do crédito.
VI. Estando em causa, da parte da executada, um alegado contracrédito que é manifestamente litigioso, e não tendo a mesma usado tal suposto contracrédito como fundamento de defesa no procedimento de injunção, obtendo – na acção de dali resultaria – o reconhecimento judicial da validade e eficácia da declaração de compensação de créditos (verificados que estivessem os seus pressuposto, o que não acontece), não está em causa um crédito que se possa dizer “judicialmente reconhecido” e que, como tal, possa constituir fundamento de uma oposição à execução com base na dita compensação (art. 729.º/h) CPC).
VII. Sem conceder, apenas se poderia admitir que a compensação de créditos poderia ser invocada, como fundamento na oposição à execução, sem a detenção, pelo executado, de um título de crédito contra o exequente, se estivessem em causa créditos que não pudessem ter sido compensados em momento anterior à formação do título que é usado pelo credor (nomeadamente, como defesa / reconvenção em acção declarativa, ou oposição em procedimento de execução), por serem créditos constituídos após o momento em que seria possível fazer valer essa causa de extinção das obrigações, o que também não sucede, no caso sub judice
VIII. Admitir o contrário seria dar um privilégio ao executado, totalmente inadmissível à luz do princípio da igualdade das partes (art. 4.º CPC), sendo certo que a forma como o devedor pode fazer uso da compensação de créditos não pode, obviamente, ser igual, quer se esteja no âmbito de uma acção declarativa, ou já na fase de execução da sentença que resultou dessa mesma acção (o mesmo é dizer, o requerimento com fórmula executória que resultou de procedimento de injunção).
IX. O propósito do legislador, ao introduzir a alínea h) do art. 729.º CPC, foi apenas deixar em aberto a possibilidade, em tese, de ser invocada a compensação de créditos como fundamento da oposição à execução, mas apenas porque a mesma – a compensação – em sede declarativa, passou a ser invocável por meio de reconvenção, quando é certo que o pedido reconvencional é inadmissível, do ponto de vista processual, na acção executiva.
X. E, em qualquer caso, a invocação do contracrédito apenas é admitida com as limitações que se impõem pelo facto de estarmos no âmbito de um incidente declarativo da acção executiva, no qual (i) o exequente vem já munido de título executivo e esse incidente não serve para formar títulos executivos a favor do executado e (ii) os meios facultados às partes, em termos de prova e de discussão da matéria de facto e de Direito, não são, naturalmente, equivalentes aos previstos para a fase declarativa. Admitir o contrário é o mesmo que dizer que ao executado é permitido formular um verdadeiro pedido reconvencional na execução!
XI. Pelo que, ao rejeitar liminarmente os embargos de executado, na parte em que a exequente invoca uma compensação de créditos, a Douta Decisão recorrida respeita, integralmente, o disposto na lei, nomeadamente no artigo 729.º/h) do CPC, não sendo, por isso, susceptível de qualquer censura. Como tal, deve ser mantida.
O recurso foi admitido, como apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo – com invocação, pelo relator, do disposto nos artigos 853.º e 644.º n.º 1 al. b) do CPC.
Foram colhidos os vistos legais.
FUNDAMENTAÇÃO
A única questão objeto deste recurso é a admissibilidade da arguição da compensação de créditos invocada pela apelante como fundamento (parcial) da oposição à execução que deduziu.
Além do que já consta supra no Relatório, importa o seguinte
Factualismo
A embargante alegou, para sustentar a compensação de créditos, o seguinte (transcreve-se parte do articulado da oposição à execução):
c) Da Compensação de créditos
50.º A Embargante não deve à Embargada o montante reclamado por esta.
51.º Com efeito, a Embargante dispõe de um contra-crédito sobre a Embargada.
Senão vejamos:
52.º Em 20.08.2013, foi celebrado entre Embargante e Embargada um contrato de prestação de serviços de consultadoria de gestão, fiscal e de planeamento, no âmbito do qual «a L [Embargada] compromete[u]-se a prestar à Global [ora Embargante] (…) apoio consultivo na área da gestão, fiscal e planeamento, por recurso a consultores técnicos especializados, cujos serviços serão, para o efeito, cedidos pela L» (cfr. Cláusula 1.ª, n.º 1 do Doc. 7, que ora se junta).
53.º O presente contrato manter-se-ia em vigor desde que “se mantivesse a garantia pessoal prestada por M. P. A., a favor da Caixa Económica Montepio Geral, ao abrigo do contrato de mútuo, no valor de €4.000.000,00, concedido à Global. Caso a supra referida garantia pessoal não se mantenha em vigor, o presente Contrato apenas se renovará com o consentimento escrito dos membros do conselho de Administração da Global que representem a TCP Publishing Holdco, S.a.r.L”, cfr. cláusula 1.ª, n.º 3 do Doc. 7 ora junto.
54.º No referido Contrato, ficou previsto o pagamento de um valor anual de €200.000,00 à Embargada (cfr. cláusula 3ª, n.º 2, do Doc. 7).
55.º A pretensão deduzida pela Embargada radica no referido Contrato e, em concreto, no facto de a Embargante não ter pago a factura n.º 191/2016, datada de 14.12.2016, de cobrança do referido fee de € 200.000,00 relativo ao ano de 2016 (cfr. Doc. 8).
56.º Sucede que, ao abrigo do Frame Agreement, celebrado em 14.08.2013, contrato que, entre vários outros aspectos, regula as remunerações dos membros do Conselho de Administração da Embargante, M. P. A. enquanto Presidente do Conselho de Administração, tinha acesso a um conjunto de direitos e regalias (cfr. Doc. 9).
57.º Regalias essas que foram sendo usufruídas por aquele, em nome pessoal e/ou em nome de empresas por si indicadas.
58.º Por conveniência financeira estas remunerações eram satisfeitas pela empresa Global, S.A., detida indirectamente a 100% pela Embargante.
59.º Em 29.04.2016, MPA renunciou ao cargo de Presidente da Global (aqui Embargante), e não obstante continuou a usufruir destas regalias em nome pessoal e/ou em nome de empresas por si indicadas, até 23.10.2017 (vd. Doc. 3, Insc.6, Av.2, AP30/20169429).
60.º Uma vez que estas regalias eram indevidas, pois já não era Presidente do Conselho de Administração, e considerando que foram detectadas “regalias” em excesso em anos anteriores, face ao estipulado no referido frame agreement, apurou-se um valor total a mais de €383.074,00 (cfr. Doc. 9).
61.º Pelo que, a Embargante tem a receber de MPA e das empresas por si indicadas (entre elas a Embargada) a quantia de €383.074,00, e a Embargada a quantia de €218.750,00 (cfr. mapa de custos ora junto como Doc. 10).
62.º Por esse motivo a Embargante, por carta registada, datada de 25 de Outubro de 2017, comunicou-lhe que pretendia exercer o seu direito à compensação, mediante acerto de contas, uma vez que o “fee” está na origem do contrato e consubstancia a factura reclamada (cfr. Doc.11). 
63.º Por cartas datadas de 15 de Novembro de 2017 e 20 de Novembro de 2017, respectivamente, a Embargada e MPA responderam a esta última carta referindo, em suma, e para o que ora interessa, que o crédito reclamado pela Embargada era sobre aquela e não sobre este (cfr. Docs. 12 e 13)
64.º Tal argumento, porém, não procede.
65.º De facto, a Embargada mais não é que uma empresa “fachada” constituída por MPA somente para funcionar como “véu.
66.º Na verdade, em face do supra exposto, verifica-se que estamos perante uma inequívoca identidade entre a Embargada L e a Embargante Global, ao nível dos elementos societários fundamentais.
67.º Porém é patente que tal facto não tem origem numa mera coincidência, mas antes, numa utilização ilícita e abusiva da personalidade jurídica societária, por parte de MPA, que de forma dolosa prejudicou os interesses da aqui Embargante.
68.º A conduta de MPA, na qualidade de gerente da Embargada e de Presidente do Conselho de Administração da Embargante, consubstancia uma clara actuação abusiva da personalidade jurídica para, através daquela alcançar os seus propósitos.
69.º A utilização por MPA de diversas sociedades “fachada”, como é o caso da aqui Embargada L, que nunca prestou quaisquer serviços à Embargante ao abrigo do referido contrato, mais não é do que um “véu”, de modo a permitir que ao longo do tempo MPA recebesse na esfera jurídica pessoal, os direitos e regalias próprios, mediante o pretenso pagamento à L pelos alegados “serviços” nunca prestados.
70.º Assim, nas palavras do sumário do Acórdão da Relação de Coimbra de 03.07.20138:
I – A desconsideração ou levantamento da personalidade colectiva surgiu na doutrina e, posteriormente, na jurisprudência como meio de cercear formas abusivas de actuação, que ponham em risco a harmonia e a credibilidade do sistema.
II – No fundamental, ela traduz-se numa delimitação negativa da personalidade colectiva por exigência do sistema ou “exprime situações nas quais, mercê dos vectores sistemáticos concretamente mais poderosos, as normas que firmam a personalidade colectiva são substituídas por outras normas.
III – O recurso a esse instituto é possível quando ocorram situações de responsabilidade civil assentes em princípios gerais ou em normas de protecção, nomeadamente dos credores, ou em situações de abuso de direito e não exista outro fundamento legal que invalide a conduta do sócio ou da sociedade que se pretende atacar, ou seja, a desconsideração tem carácter subsidiário.
IV – De entre elas avultam a confusão ou promiscuidade entre as esferas jurídicas de duas mais pessoas, normalmente entre a sociedade e os seus sócios (ainda que não tenha de ser obrigatoriamente assim); a subcapitalização da sociedade, por insuficiência de recursos patrimoniais necessários para concretizar o objecto social e prosseguir a sua actividade; e as relações de domínio grupal.
V – Em todas estas situações verifica-se que a personalidade colectiva é usada de modo ilícito ou abusivo para prejudicar terceiros, existindo uma utilização contrária a normas ou princípios gerais, incluindo a ética dos negócios.
VI – A desconsideração tem de envolver sempre um juízo de reprovação sobre a conduta do agente, ou seja, envolve sempre a formulação de um juízo de censura e deve revelar-se ilícita, havendo que verificar se ocorre uma postura de fraude à lei ou de abuso de direito.”
71.º  E, no mesmo sentido, «Quando a personalidade colectiva é usada de modo ilícito e abusivo, para prejudicar terceiros, existe uma utilização contrária a normas ou princípios gerais, incluindo a ética dos negócios, é possível proceder ao levantamento da personalidade colectiva: é o que a doutrina designa pela desconsideração ou superação da personalidade jurídica colectiva», como defende Menezes Cordeiro, que sugere, ainda, como sub-hipótese particular, o recurso a “testas de ferro” que autorizaria a procurar o real sujeito das situações criadas ou, ainda, a da confusão das esferas jurídicas, que se verifica «quando, por inobservância de certas regras societárias, ou mesmo, por decorrências puramente objectivas, não fique clara, a separação entre o património da sociedade e o do sócio ou sócios»
72.º  «Para além destas situações, também se podem perfilar outras em que a sociedade comercial é utilizada pelo sócio para contornar uma obrigação legal ou contratual que ele, individualmente, assumiu, ou para encobrir um negócio contrário à lei, funcionando como interposta pessoa»
73.º Ora, devido a comportamentos abusivos que não são substancialmente da sociedade mas dos que estão por detrás da sua autonomia e a controlam, a mesma pode ser utilizada desonestamente e, funcionalmente, ao arrepio do seu fim social, para servir de “véu” para encobrir uma realidade ou para mascarar uma situação, o que se verifica no presente caso, conforme já devidamente supra explanado, na medida em que o crédito reclamado pela Embargada é da responsabilidade de MPA.
74.º Em face da factualidade supra exposta, estão reunidos os requisitos para ser desconsiderada a personalidade jurídica da Embargada para efeitos do exercício do direito à compensação de que é titular a Embargante.
75.º Assim, ao abrigo do disposto no art.º 729.º, alínea h), do CPC, aplicável por remissão do art.º 857º, n.º 1, do mesmo Código, vem a Embargante invocar o contra-crédito que detém sobre a Embargada, com vista a obter a respectiva compensação de créditos.
O Direito
A compensação creditória importa a extinção de obrigações: reconhecendo-se a existência de um crédito opõe-se um contracrédito que libera o devedor na sua exata medida (art.º 847.º do Código Civil).
A compensação depende da verificação dos seguintes requisitos: a) reciprocidade dos créditos; b) que o crédito seja exigível judicialmente (e não proceda contra ele exceção perentória ou dilatória de direito material); c) que as duas obrigações tenham por objeto coisas fungíveis da mesma espécie ou qualidade.
Conforme expende Vaz Serra (“Compensação”, estudo publicado em 1952 como separata do n.º 31 do Boletim do Ministério da Justiça, páginas 5 e 6), “a compensação baseia-se na conveniência de evitar pagamentos recíprocos quando o devedor tem, por sua vez, um crédito contra o seu credor. E funda-se ainda em se julgar equitativo que se não obrigue a cumprir aquele que é, ao mesmo tempo, credor do seu credor, visto que o seu crédito ficaria sujeito ao risco de não ser integralmente satisfeito, se entretanto se desse a insolvência da outra parte.”
A compensação opera mediante manifestação de vontade (art.º 848.º, n.º 1 do Código Civil) e os seus efeitos, feita a declaração de compensação, produzem-se retroativamente, considerando-se os créditos extintos desde o momento em que se tornaram compensáveis (art.º 854.º do Código Civil).
O Código Civil de 1867 não admitia a compensação de dívidas ilíquidas (art.º 765.º n.º 1). A compensação de dívidas ilíquidas tinha de ser antecedida de uma intervenção judicial (a chamada compensação judiciária): por via de reconvenção o crédito era liquidado e só depois dessa liquidação se produzia a compensação (cfr., v.g., Castro Mendes, Direito Processual Civil, II volume, AAFDL, 1978/1979, páginas 297 a 300).
O Código Civil de 1966 inverteu tal doutrina, passando a admitir a compensação de dívidas ilíquidas (art.º 847.º, n.º 3).
Segundo Vaz Serra, “embora a liquidação seja demorada, a verdade é que o credor não deve ser prejudicado com esse facto, quando, se o montante do crédito estivesse determinado, poderia socorrer-se das vantagens que a compensação lhe assegurava”. E acrescenta: “Mal se compreende que um credor, porque o seu crédito é líquido, possa prevalecer-se dessas vantagens, dispensando-se, por exemplo, de pagar ao seu credor insolvente o que lhe deve, e que outro credor, só porque teve a infelicidade de o seu crédito não estar liquidado, não possa aproveitar-se de idênticas vantagens” (“Compensação”, separata do n.º 31 do Boletim do Ministério da Justiça, 1952, pág. 65).
A declaração de compensação é uma declaração recetícia (art.º 224.º), que tanto pode ser feita por via judicial, como extrajudicialmente.
Conforme opinião maioritária, à luz do CPC de 1961, a compensação constituía uma exceção perentória, conducente à absolvição do pedido, que só teria de ser deduzida em reconvenção quando o contracrédito excedesse o crédito a compensar, formulando-se então o pedido de condenação na parte excedente (artigos 487.º n.º 2, 493.º n.º 3, 274.º n.º 2 alínea b) do Código de Processo Civil; v.g., STJ, 02.7.1974, BMJ 239, pág. 120; STJ, 24.5.2006, internet, dgsi-itij, processo nº 05S369; para análises sintéticas desta controvérsia, cfr., v.g., Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 12.ª edição, Almedina, páginas 1106 a 1109; Lebre de Freitas, A acção declarativa comum, À Luz do Código Revisto, Wolters Kluver – Coimbra Editora, 2010, reimpressão, páginas 108 a 113; Remédio Marques, Acção Declarativa à luz do Código Revisto, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2009).
No atual CPC (aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26.6) optou-se por, aparentemente, alocar à compensação a forma processual da reconvenção: nos termos do art.º 266.º n.º 2, alínea c), a reconvenção é admissívelquando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor”. Poderá dizer-se que o legislador quis consagrar a tese que se apresentava como minoritária (compensação-reconvenção, em oposição à tese da compensação-exceção), pelo que o réu que pretenda obter tão só o efeito extintivo do crédito do autor (e não formular um pedido de condenação pelo excesso) terá ainda assim o ónus de reconvir. Porém, a formulação utilizada não é feliz (“a reconvenção é admissível” – inculcando a ideia da facultatividade; “para obter a compensação” – o que aparentemente pressupõe estar em causa compensação ainda não declarada, assim se excluindo do campo necessário de atuação da reconvenção a compensação extrajudicial), justificando o quase “desabafo” de Lebre de Freitas, segundo o qual “Pessoalmente, estou em crer que, pese embora a intenção do legislador de 2013, a melhor interpretação a fazer do regime do CPC de 2013 é a de que com ele nada mudou, permanecendo a reconvenção fundada em compensação meramente facultativa” (vide Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 4.ª edição, 2017, Gestlegal, pág. 155).
Seja como for, não sendo admissível, em processo de execução, a dedução de reconvenção (v.g., Lebre de Freitas, A Ação Executiva À luz do Código de Processo Civil de 2013, 7.ª edição, 2017, Gestlegal, páginas 209 e 210), poderia questionar-se se a compensação de créditos seria invocável em sede de oposição à execução (vide Lebre de Freitas, A Ação Executiva …, citado, páginas 203 e 204). Resolvendo essa dúvida, o novo CPC passou a prever expressamente, na alínea h) do art.º 729.º do CPC, como fundamento da oposição à execução, “contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos”, autonomizando a compensação do âmbito de previsão da alínea g) do mesmo artigo, onde poderia caber (“qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação…”).
Como se disse, um dos requisitos da compensação é o de o contracrédito ser exigível judicialmente (art.º 847.º n.º 1 alínea a) do Código Civil).
Parte da jurisprudência defende (ou defendia) que para o efeito da compensação só se considera judicialmente exigível o crédito que está reconhecido, seja pelo devedor, seja por força de decisão judicial transitada em julgado, sendo pois suscetível de efetivação por meio de ação de execução (neste sentido, v.g. cfr. acórdão da Relação de Lisboa, de 06.7.2005, processo 4145/2005-8; Rel. de Lisboa, 21.10.1992, processo 0079424; Porto, 18.3.2004, processo 0431206; Porto, 21.3.1994, processo 9320682; STJ, 20.4.1993, processo 082184; STJ, 03.4.1984, processo 071887 – todos na internet, dgsi-itij). Um crédito que não se encontre nessas condições não pode ser invocado em juízo para o efeito de extinção do crédito principal por compensação.
Outra corrente defende que, para o efeito da compensação, o crédito ativo é judicialmente exigível quando ao credor respetivo assiste o direito de exigir em tribunal o cumprimento imediato, seja por via de ação executiva, seja mesmo através de ação declarativa para reconhecimento da existência e exigibilidade da obrigação, na qual se condene o devedor no cumprimento imediato (cfr. Relação de Lisboa, 15.11.2012, processo 3342/11.66YYLSB-D.L1-6; Relação do Porto, de 09.5.2007, processo 0721357; STJ, 02.7.1985, processo 073052; STJ, 24.5.2006, processo 05S369 – implicitamente -, STJ, 14.02.2008, processo 07B4401, todos na internet, dgsi-itij; STJ, 30.6.1988, BMJ 378, pág. 703). Essa interpretação da norma, pelo menos no que concerne à compensação invocada no seio de ação declarativa, será atualmente maioritária, como se dá conta no acórdão do STJ de 27.9.2018, proc. n.º 1829/95.5TVLSB.L1.S1. Veja-se também, neste sentido, que parece não suscitar grandes dúvidas na doutrina, Vaz Serra, estudo citado, n.º 29, maxime páginas 174 e seguintes; e na Rev. de Legisl. e Jurisp, ano 104.º, páginas 340 e 341, 356 e 357; Almeida Costa, obra citada, págs 1102 e 1103; Antunes Varela, Das obrigações em geral, vol. II, 7.ª edição, 2006, Almedina, páginas 204 e 205).
Já, porém, no que concerne à invocação da compensação como fundamento de oposição à execução, existe uma forte corrente jurisprudencial, ancorada em acórdãos do STJ, que vem entendendo que é necessário que o crédito apresentado pelo executado não seja controvertido. Tem que estar judicialmente reconhecido, ou demonstrado em documento com força de título executivo, isto é, não pode carecer de reconhecimento a ser efetuado nos próprios autos de oposição à execução, uma vez que ao processo de execução não cabe a averiguação e o reconhecimento de direitos (cfr., v.g., acórdão do STJ, de 14.03.2013, processo 4867/08.6TBOER-A.L1.S1 – www.dgsi.pt e CJ STJ, Ano XXI, Tomo I, pág. 166 e seguintes; acórdão do STJ, de 14.12.2006, processo 06A3861; acórdão do STJ, de 02.6.2015, processo 4852/08.8YYLSB-A.L1.S2). Como se diz no acórdão do STJ de 14.12.2006, supra citado (em citação de um outro acórdão do STJ), “permitir que o executado utilizasse os embargos para ver, neles, reconhecido judicialmente o seu contra-crédito, seria abrir o caminho para entorpecer, ou até inviabilizar, a sua actividade de cobrança rápida e eficaz de créditos, como é a específica finalidade da execução para pagamento de quantia certa.” Ou, como se expende no citado acórdão do STJ de 02.6.2015, a consagração da tese contrária poderia, mesmo, “traduzir-se em concessão de privilégio ao executado (e inerente violação do princípio da igualdade das partes), estimulando-o ao uso de meros expedientes dilatórios, em cotejo com o exequente a quem é exigido o “salvo-conduto” dum título executivo corporizador e meio de prova da existência, titularidade e objecto da obrigação para poder ingressar nas portas da acção executiva”.
Esta relutância em aceitar a invocação de contracréditos em face de créditos já judicialmente reconhecidos ou com força de título executivo releva do mesmo tipo de atitude que já Vaz Serra apontava à jurisprudência francesa, segundo a qual “o juiz pode rejeitar a reconvenção no caso de o autor ser prejudicado com a demora resultante da liquidação” (RLJ, ano 104.º, n.ºs 3442-3465, p. 340, nota 2) e, bem assim, ao direito comum, nos termos do qual “a compensação não era admitida quando a fixação do montante do crédito oposto em compensação requeria muito mais tempo do que a do outro crédito – o que se destinava a impedir que se protraísse a realização do crédito accionado contra o que deduzia a compensação” (idem, pág. 340).
A referida jurisprudência contida nos citados acórdãos do STJ tem tido forte acolhimento ao nível dos tribunais de Relação, de que são exemplo o acórdão da Relação do Porto, 28.04.2014, processo 3/09.0TBGDM-A.P1, acórdão da Relação de Coimbra, de 16.02.2017, processo 859/13.1TBACB-A.C1, acórdão da Relação de Guimarães, de 12.10.2017, processo 1588/14.4TBGMR-A.G1, acórdão da Relação de Évora, de 13.9.2018, processo 925/17.4T8SLV-A.E1, acórdão da Relação de Lisboa, de 29.11.2018, processo 24270/16.3T8SNT-A.L1-6, acórdão da Relação de Guimarães, de 31.01.2019, processo 3003/17.2T8VNF-A.G1, acórdão da Relação de Lisboa, de 14.02.2019, processo 461/14.0YRLSB-B.L1-6.
Mas a verdade é que, há que reconhecê-lo, esses arestos, na sua fundamentação, não encontram arrimo em qualquer disposição legal, mas tão só na alegada “uniformidade da jurisprudência”, proveniente do STJ.
Ora, ao nível dos tribunais de Relação, aquela visão das coisas tem sofrido forte contestação, forjando-se uma corrente jurisprudencial contrária, de que são exemplo os acórdãos da Relação de Coimbra, 22.9.2015, processo 877/11.4TBSCD-A.C1; Relação de Évora, 20.10.2016, processo 119/14.0TBABT-A.E1; Relação de Coimbra, 15.11.2016, 1751/13.5TBACB-A.C1; Relação do Porto, de 15.12.2016, processo 1418/13.4TTVNG-A.P1; Relação de Coimbra, 20.3.2018, processo 5837/16.6T8CBR-A.C1; Relação de Lisboa, 10.5.2018, processo 20814/11.5YYLSB-A.L1; Relação do Porto, 11.7.2018, processo 67/05.5TMMTS-0.P1; Relação de Évora, 06.12.2018, processo 38620/16.9YIPRT.E1;; Relação de Guimarães, de 31.01.2019, processo 3003/17.2T8VNF-A.G1; Relação de Lisboa, 07.02.2019, processo 21843/15.5T8SNT-A.L1-2.
Boa parte da doutrina também aponta a falta de fundamentação jurídica da referida exigência, atendendo a que na alínea h) do art.º 729.º do CPC se não condiciona a invocação da compensação ao aludido requisito (e nem mesmo a al. g), que sujeita a prova documental a alegação, em sede de oposição à execução baseada em sentença, de “qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação…”, impõe a aludida exigência formal especial de demonstração do facto jurídico invocado) e bem assim a forte restrição que tal posição impõe ao exercício de um direito e de uma garantia conferidos pelo direito substantivo, colocando o direito adjetivo ao serviço do interesse de uma das partes (o exequente), que injustificadamente se sobreporá ao interesse, igualmente legítimo, de outra (o executado) (vide, criticando a referida tese jurisprudencial, v.g., Lebre de Freitas, A ação executiva…, cit., p. 204, nota 22; Rui Pinto, A Ação Executiva, 2018, AAFDL Editora, 2018, p. 422, e “A problemática da dedução da compensação no código de processo civil de 2013”, pág. 32, post publicado no Blog do IPPC em 24.5.2017; Miguel Teixeira de Sousa, “Sobre a oposição à execução com fundamento em contracrédito sobre o exequente (3)”, post publicado no Blog do IPPC em 22.3.2016).
No sentido da apontada jurisprudência do STJ, veja-se Paulo Ramos de Faria e Ana Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, volume II, 2014, Almedina, p. 250 e Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, A Ação Executiva Anotada e Comentada, 2016, Almedina, 2.ª edição, pp. 236 e 237.
Ao nível da jurisprudência recente do STJ, não deixamos passar em claro a afirmação, em jeito de obiter dictum, contida no acórdão de 19.12.2018, processo 31/13.0TBCDN-A.C2.S2 (relator Abrantes Geraldes) - que tinha por objeto questão distinta: “A 1ª instância, embora reconhecendo a existência de defeitos na execução da subempreitada imputáveis à exequente e o direito da embargante a haver daquele a quantia que despendeu com a sua reparação, considerou que não ficou demonstrado o valor despendido. Integrando essa defesa na figura da “compensação de créditos”, concluiu que o reconhecimento do contra-crédito da executada correspondente a tal reparação apenas poderia ser apreciado numa ação declarativa e não nos embargos de executado (fls. 515) (nisto contrariando, de forma direta, quer o disposto no art. 729º, al. h), do CPC, quer o regime substantivo da compensação previsto nos arts. 847º e ss. do CC, designadamente o nº 3 do art. 847º que legitima a invocação desse meio de defesa mesmo quando se trate de créditos ilíquidos)” (sublinhado nosso).
Afigura-se-nos (e aqui o ora relator modifica a posição que outrora defendia, nomeadamente no acórdão datado de 16.11.2017, processo n.º 10968/11.6YYLSB-A.L1), que as preocupações de celeridade na efetivação do direito do exequente, subjacentes à aludida jurisprudência, não podem fazer obnubilar o legítimo interesse do executado que, sendo simultaneamente credor do exequente, reúne os requisitos de direito substantivo necessários à extinção, total ou parcial, de ambos os créditos, quiçá evitando uma inútil continuação dos esforços persecutórios do seu património, inerentes à execução.
Poderá relembrar-se aqui a lição de Vaz Serra, que aventava a aplicação, se pertinente, do instituto do abuso de direito: “Se a declaração de compensação for manifestamente destituída de seriedade (por ex., o demandado declara a compensação com um contracrédito de longa e difícil liquidação, apenas para protelar a realização do crédito do autor), o tribunal deve rejeitá-la (Cód. Civil, art. 334.º)” (RLJ, ano 104.º, p. 356). E, embora já a jusante, também poderá aplicar-se, se for o caso, o mecanismo repressivo da litigância de má-fé (art.º 524.º do CPC).
O tribunal a quo rejeitou a oposição à execução na parte em que esta se fundou na invocação da compensação do crédito exequendo com um contracrédito titulado pela executada, na medida em que, na linha da jurisprudência restritiva supra citada, entendeu que, para a sua apreciação em sede de oposição à execução, era necessário que o contracrédito gozasse de igual força executiva, ou seja, fosse exequível.
Ora, já vimos que essa exigência não é de sufragar, por razões que não vamos repetir.
Restaria enfrentar a questão da superveniência da situação de compensação face ao momento do “encerramento da discussão no processo de declaração” – ou outro momento a considerar, porventura mais ajustado ao fenómeno da compensação -, exigida na alínea g) do art.º 729.º, que pelo menos parte da jurisprudência e da doutrina reputam aplicável à compensação, nesse sentido devendo ser interpretada a alínea h) do art.º 729.º (cfr. Rui Pinto, A problemática…, estudo citado, pág. 28; Relação do Porto, 11.7.2018, processo 67/05.5TMMTS-O.P1). E também poderíamos ter de abordar o problema da exigibilidade de prova documental (que não com força executiva) para fundar a compensação, que também é defendida, no âmbito das execuções assentes em sentença, por parte da doutrina e pela jurisprudência (v.g., Rui Pinto, “A problemática…”, pp. 31 e 32; acórdão da Relação de Coimbra, de 21.4.2015, processo 556/08.0TBPMS-A.C1).
Não iremos abordar essas questões porque, in casu, tal não é necessário.
A presente execução tem como título executivo um requerimento de injunção, a que foi aposta fórmula executória. Mais precisamente, trata-se de requerimento de injunção respeitante a crédito emergente de transações comerciais, com valor superior a € 15 000,00, pelo que a dedução de oposição converteria o procedimento em ação com processo comum, onde seria possível invocar a compensação por meio de reconvenção (art.º 10.º n.º 2 do Dec.-Lei n.º 62/2013, de 10.5).
Por outro lado, trata-se de execução com processo sumário.
Ora, o n.º 1 do art.º 857.º do CPC determina que se a execução se fundar em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, apenas poderão ser alegados os fundamentos de embargos previstos no art.º 729.º, com as necessárias adaptações, sem prejuízo das situações previstas nos n.ºs 2 e 3 (que irrelevam para o específico problema aqui em análise).
Daí adviria a necessidade de abordarmos os mencionados aspetos da superveniência dos fundamentos de oposição e dos meios de prova desses fundamentos.
Porém, a verdade é que a aludida equiparação deste título executivo à sentença foi julgada inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 264/2015, de 12.5.2015, publicado no D.R., 1.ª série, de 08.6.2015, por violação do princípio da proibição da indefesa. De facto, nesse aresto entendeu-se que a restrição dos meios de oposição dedutíveis contra execução assente em sentença não se justifica em relação a execução emergente de injunção não contestada, na medida em que são relevantemente diversas, na citação que antecede a sentença, e na notificação que antecede a aposição de fórmula executória no requerimento de injunção, as garantias de esclarecimento do devedor acerca dos efeitos preclusivos da sua inatividade na apresentação de defesa.
Por conseguinte, à oposição à execução que tenha como título executivo requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, não se aplicam as restrições ínsitas no art.º 729.º do CPC – antes se aplica o regime previsto no art.º 731.º do CPC.
Não há, pois, que impor à presente oposição as aludidas exigências temporais e probatórias.
Sendo certo que a apreciação da verificação dos requisitos substantivos da compensação, ou seja, desse fundamento aduzido para sustentar os embargos de executado, é matéria de mérito, que caberá ao tribunal a quo, não constituindo objeto do presente recurso.
A apelação é, assim, procedente.

DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a apelação procedente e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida, na parte impugnada, e em consequência determina-se que a oposição seja recebida também quanto à compensação invocada.
As custas da apelação são a cargo da apelada, que nela decaiu (art.º 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC).

Lisboa, 11.7.2019

Jorge Leal
Pedro Martins
Laurinda Gemas