Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
502/17.0T9LRS.L1-9
Relator: CLÁUDIO DE JESUS XIMENES
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
CRIME DE ABUSO E SIMULAÇÃO DE SINAIS DE PERIGO
SISTEMA DE TELEASSISTÊNCIA - PROTEÇÃO DA VÍTIMA
NECESSIDADE DE AUXILIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: I - Como é do conhecimento comum o sentimento de segurança, de perigo ou de medo é subjectivo por natureza; varia de pessoa para pessoa. Situações que geram sentimento de insegurança, de perigo ou de medo na pessoa A, pode não o gerar na pessoa B; o grau da intensidade do sentimento de insegurança gerado pela mesma situação também varia de pessoa para pessoa. Portanto, é contra as regras da experiência o juiz basear-se apenas nas declarações das testemunhas para se convencer de que a arguida não sentiu insegurança, perigo ou medo quando ela própria declara na audiência que se sentia insegura, em perigo ou com medo. Só porque “a arguida não disse que estava em perigo, não disse que havia sido ameaçada” não podemos concluir que ela não se sentiu em perigo ou ameaçada;

II -  Na apreciação da prova num caso em que a arguida é acusada do crime previsto pelo artigo 306.º do Código Penal por usar o sistema de teleassistência abusivamente ou para simular a necessidade de auxílio o Tribunal tem obrigação de compreender o fenómeno da violência doméstica, aperceber-se das formas da sua manifestação, ter em conta os seus efeitos nas vítimas e de colaborar no esforço nacional e internacional para combater essa praga. Não pode ignorar as razões e os objectivos subjacentes à concessão da teleassistência na apreciação da prova em que a utente da teleassistência é acusada por crime pelo seu uso indevido;

III - Para praticar o crime de abuso e simulação de sinais de perigo previsto no artigo 306.º do Código Penal é necessário que o agente (a) utilize abusivamente sinal ou chamada de alarme ou de socorro ou (b) faça crer através de simulação que é necessário auxílio alheio em virtude de desastre, perigo ou situação de necessidade colectiva. É necessário ainda que essa conduta seja acompanhada de dolo directo ou necessário (sumário elaborado pelo relator).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acórdão da 9.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I. AA recorre da sentença que a condenou, como autora de um crime de abuso e simulação de sinais de perigo previsto e punido pelo artigo 306.º, do Código Penal, na pena de 40 dias de multa, à razão diária de €5,00 a que correspondem, subsidiariamente, 26 dias de prisão. Pretende ser absolvida da acusação ou ser condenada em pena inferir à aplicada.
Termina a motivação do recurso com as seguintes conclusões:
1. O Tribunal a quo julgou como provado o ponto 5, 6 e 7. Acontece que nenhuma testemunha esteve presente durante os acontecimentos que motivaram a Arguida a acionar o dispositivo de teleassistência e que lhe provocaram o justo receio vivido por aquela, ao ponto de solicitar ajuda através do uso aquele dispositivo, nomeadamente, através das injúrias, do receio pela sua integridade física e psicológica, do sofrimento que esta já viveu nas mãos do seu ex-marido, do histórico de violência que a Arguida sofreu, das perseguições e das esperas que aquele lhe fez... de tal forma que não foi de ânimo leve que a arguida foi acompanhada pelo dispositivo de teleassistência cerca de ano e meio! Dispositivo esse concedido através de medida atribuída pelo próprio tribunal que agora a condena!
2. Como podem duas pessoas discutir ou estar envolvidos em agressões verbais sem estarem exaltados ou nervosos??
3. Como pode não ter havido motivo para chamar a intervenção da polícia, se o próprio segurança (testemunha PP) do Centro Comercial (1) foi chamado ao local porque estavam a haver um desacato; (2) ele próprio comunicou o sucedido à PSP (3) foi acalmar uma situação que não havia exaltação ou nervosismo?!
4. Estas duas testemunhas intervieram depois da Arguida ter acionado o dispositivo de teleassistência, e ambas confirmaram que:
d) também tinham ligado à PSP – por procedimento ou não;
e) ocorreu algo de anormal que motivou a comparência de dois seguranças ao local onde a Arguida e o seu ex-marido se encontravam – “discussão” e “agressões verbais”.
f) A ocorrência motivou afastarem a Arguida e o ex-marido, “por medida de precaução”.
5. Só por estes elementos podemos considerar que houve um justo fundamento para que a Arguida acionasse o dispositivo de teleassistência e que a polícia fosse ao local.
6. O pedido da comparência à PSP foi feito por um assistente da teleassistência à PSP! Houve uma triagem prévia! Se não houvesse um justo receio, fundamentado que foi apresentado ao assistente, se esse não fosse um procedimento comum neste tipo de situações, este assistente não tinha solicitado a comparência da PSP ao local para o efeito.
7. Os Seguranças também comunicaram o ocorrido à PSP – houve um incidente digno de ser registado e que levou à intervenção de terceiros!
8. Ora, dizer que a Arguida utilizou abusivamente um sinal ou chamada de alarme ou socorro simuladamente é extremamente grave, desproporcional e inaceitável, considerando que estamos a falar de uma vítima de violência doméstica, sinalizada e acompanhada por vários técnicos que, entre outras coisas, dão acompanhamento psicológico e estão formados e sensibilizados para o efeito.
9. Convenhamos, que a PSP foi ao local porque a teleassistência assim solicitou depois da Arguida ter acionado o dispositivo, porque se assim não fosse, os seguranças também comunicaram à PSP a ocorrência. Só não foram ao local a pedido dos seguranças, porque já iam a caminho daquele verificar a mesma ocorrência...
10. Ora, se não houve necessidade de a teleassistência ter chamado a PSP ao local, porque razão os seguranças do Loures Shopping também não foram acusados por abuso e simulação de sinais de perigo?!
11. Cabe nos salientar ainda quais são as atribuições da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG), que é a entidade pública responsável pela instalação e manutenção do sistema de teleassistência (nº5 do art. 2º da Lei 112/2009, de 16 de setembro), entre outras:
a) Garantir uma intervenção imediata e adequada em situações de emergência, através de uma equipa especializada e da mobilização de recursos técnicos proporcionais ao tipo de situação apresentada;
b) Mobilizar os recursos policiais proporcionais ao tipo de emergência;
c) Atenuar níveis de ansiedade, aumentando e reforçando o sentimento de proteção e de segurança das vítimas, proporcionando apoio e garantindo a comunicação 24 horas por dia com o Centro de Atendimento;
12. Há que referir ainda que no termo de responsabilidade que a ora Arguida assinou, in https://www.cig.gov.pt/teleassistencia-a-vitimas-de-violencia-domestica/ , refere no seu artigo 2º o direito de receber uma resposta de proteção adequada às situações de emergência que venham a verificar-se – é notório que após a exposição da Arguida, a Teleassistência achou adequado que a PSP acompanhasse a Arguida a casa, leia-se a local seguro.
13. Assim, com base no supra exposto, nomeadamente pelo depoimento das testemunhas PP e NN, conjugado com o procedimento e atribuições da teleassistência e da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG):
f) o ponto 5 da matéria dada como provada - Aí chegados, os agentes dirigiram-se à arguida a qual os informou que não sentiu qualquer receio, mas que precisava de transporte para casa – deve ser substituído por outro que refira que os agentes dirigiram-se à arguida a qual informou que sentiu receio que o seu ex-marido lhe fizesse mal, e que precisava que a acompanhassem a casa.
g) O ponto 6 da matéria dada como provada - Ao agir de forma descrita a arguida sabia que não estava em perigo e que mão tinha qualquer motivo para acionar o sistema de teleassistência – deve ser dado parcialmente provado no sentido em Ao agir de forma descrita a arguida sabia que estava em perigo e que mão tinha motivos para acionar o sistema de teleassistência
h) O ponto 7 da matéria dada como provada - Ainda assim a arguida acionou o aparelho, solicitando dessa forma a presença no local de meios de socorro, sabendo que deles não necessitava e que os mesmos poderiam ser necessários para auxiliar alguém que deles realmente precisasse – deve ser substituído por outro que referida que a arguida acionou o dispositivo de forma legitima, tendo a teleassistência solicitado a presença no local de meios de socorro, pois deles necessitava, como os seguranças também solicitaram os referidos meios.
i) O ponto 8 da matéria dada como provada- A arguida agiu com o propósito alcançado de acionar os meios de socorro e de os fazer deslocar ao local onde se encontrava, sabendo que deles não necessitava – deve ser dado como não provado.
j) O ponto 9 da matéria dada como provada A arguida agiu livre, deliberada e conscientemente bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei- deve ser dada como não provada.
14. A atuação da Arguida não se consubstancia um abuso no facto de ter acionado o dispositivo de teleassistência: dadas as circunstâncias em que a Arguida ora recorrente se encontrava e a medida que esse dispositivo visa prosseguir aos seus utilizadores – pelo contrário foi uma utilização legítima e fundamentada.
15. Não se demonstra subsumível a atuação da Recorrente à ilicitude que o tipo de crime obriga, nem se verifica um abuso de atuação quanto ao enquadramento da própria legislação inerente ao procedimento de utilização da mesma.
16. Além do mais, não houve em momento algum por parte da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG), que é a entidade pública responsável pela instalação e manutenção do sistema de teleassistência não informou em momento algum o presente processo de que a Arguida acionou indevidamente o dispositivo de Teleassistência, queixa ou participação nesse sentido.
17. A Arguida e ora Recorrente deve ser Absolvida.
18. Equacionando por cautela de patrocínio a manutenção daquela qualificação jurídica, se vislumbra defeito na ora recorrida decisão, pelo que cumpre pugnar pela diminuição da pena aplicada à arguida.
19. Na verdade a pena aplicada à Arguida apresenta-se excessivamente severa e desproporcional aos fins de prevenção geral e especial que lhe cabe alcançar.
A resposta à motivação do recurso apresentada pela Sra. Procuradora-Adjunta junto da 1.ª instância, com a adesão total da Sra. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal da Relação, termina com as seguintes conclusões:
1 – O recorrente, na sua motivação não impugna correctamente a decisão sobre a matéria de facto, não preenchendo os respectivos requisitos legais, nomeadamente o disposto no art 412º, nº3 do C.P.;
2 – Ora, o recorrente, no nosso entender, e pese embora, indique os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, não cita sequer uma única passagem, ou depoimento, ou parte dele que transcreva, nem indica suportes magnéticos, limitando-se a dizer por palavras suas, pois que não são citações, partes de alguns depoimentos, que no seu entender levam a determinadas conclusões, que extrai de modo próprio, não referindo assim passagens que traduzam, ou consistam, em provas concretas que impõem decisão diversa da recorrida, na medida em que, nada indica que contrarie a prova indicada na sentença, em que a Mmª Juiz se alicerçou, nem os factos descritos na mesma, limita-se a tirar conclusões suas, que diga-se desde já erradas, sendo certo que até os aspectos que refere indicam é conclusões exactamente ao contrário do que pretende e que corroboram os factos dados como provados exactamente como o foram dados;
3 - Não se vislumbra da motivação quais os fundamentos, ou os motivos da recorrente para considerar que não se deviam ter dado como provados, ou que devem ser alterados, os factos que constam como tal na sentença;
4 - Não são minimamente respeitados os requisitos legais para se recorrer da matéria de facto, nem é apontado em concreto onde se encontra o erro notório sendo certo que o mesmo tem que resultar do texto da decisão;
5 - Refere primeiramente o recorrente que, os factos que indica foram incorrectamente julgados na medida em que nenhuma testemunha esteve presente quando a arguida accionou o equipamento de modo a saber o que lhe provocou o justo receio pela sua integridade física, e portanto o que sentiu;
6 - Ora, parece esquecer-se o ora recorrente que tal como consta da sentença, se é certo que não foi indicado qualquer testemunha que tivesse ao pé da arguida no momento exacto em que faz a chamada para a teleassistência, de modo e constatar como esta se encontrava bem como o seu ex-marido, a testemunha FF, agente da PSP, referiu que desde a chamada que receberam até comparecerem no local terão demorado cerca de 2 ou 3 minutos;
7 - Assim, indica que não passou muito tempo desde que a situação com o seu ex-marido tinha começado, sendo certo que a mesma, como quer que fosse, ainda estava a decorrer porque quando a PSP chegou ao local, junto da arguida, ainda esta e o seu ex-marido aí se encontravam, e como referiram a situação estava calma, embora já estivessem separados pelos seguranças, e momentos antes quando os seguranças tinham chegado ao local, portanto antes da PSP, então ainda menos tempo tinha decorrido e os mesmos referiram igualmente que a arguida estava normal, nem a arguida ou o ex-marido estavam exaltados ou nervosos;
8 - Inclusive, alguma agitação que existia, como foi referido pela testemunha LL, vigilante, quando chegou ao local havia uma discussão entre duas pessoas, com a voz alterada, portanto o que por si só já indica que não era muito acesa pois que só havia alteração de voz, e que e tom de voz alterado era a arguida, foi ela quem levantou a voz, com um grito de pessoa zangada, a refilar;
9 - Assim, a alteração, ou exaltação que existia era da arguida, ninguém referiu sequer, que também existisse por parte do ex-marido, ou seja havia uma alteração do tom de voz por parte da arguida, mas como é referido pela testemunha PP, também vigilante, não estavam exaltados ou nervosos, era uma alteração do tom de voz que nem chegava a um tom exaltado, seria apenas mais elevado, mas sem exaltação;
10 - Não pode nos instantes imediatos que se seguiram à chamada efectuada pela arguida para a teleassistência, que foi o que os vigilantes presenciaram, estar a situação calma, em que apesar de existir um elevar a voz, e por parte da arguida, nem sequer exaltação existe e note-se muito menos qualquer receio ou medo da arguida, pois que tal não foi referido quer pelos vigilantes, quer pelos agentes da PSP., e nos momentos imediatamente antes estar a arguida muito receosa de modo a accionar os meios da teleassistência, e depois esquecer-se de mencionar esse receio quer aos vigilantes, quer aos agentes da PSP!
11 - Note-se ainda que o procedimento de ter sido chamada a PSP ao local, teve a ver por um lado com a inexperiência de um dos vigilantes que era o primeiro trabalho que fazia e com referiu não sabia o que fazer, e com o que foi transmitido pela própria arguida quando faz a chamada, sendo certo que a teleassistência não tem câmaras para visualizar o estada da pessoa, ou a situação em concreto, e portanto tem de aceitar/confiar, no que lhe é descrito pela própria pessoa;
12 - Portanto, se a pessoa diz que está cheia de medo, até que o outro está a ser agressivo e que receia pela sua vida ou integridade física e atendendo ao que motivou a sujeição a esse tipo de medida, não pode nem deve, quem atende a chamada, concluir o contrário do que lhe está a ser transmitido;
13 - É a própria pessoa que tem que ter a noção se está a usar tais meios de forma correcta, legítima, se na verdade está numa situação de perigo e fundamentado, não apenas ilusório e se existe motivo para receio naquele momento, e não é um receio fruto de diversas situações que existiram anteriormente, ou um mero transtorno pela presença do ex-marido que se reconhece poder ser transtornadora, ou para afastar uma hipótese de ser seguida sem factos que o fundamentem;
14 - Note-se que conforme foi referido pelos agentes o que a arguida solicitou de imediato é que a transportassem a casa, sendo certo que era dia feriado e não existiam transportes e estava calma, bem como o ex-marido não havendo qualquer sinal de perigo ou alerta, e que só ficou alterada quando lhe transmitiram que não era essa a função da PSP, que foi esse estado de alteração perante a recusa da PSP, que foi presenciado pela testemunha sua prima, sendo que nem esta viu qualquer atitude em nenhum momento do ex-marido, não afastando deste modo, como refere a Mmª Juiz e bem, os depoimentos prestados pela PSP, não os contrariando;
15 - Os agentes da PSP, referiram de forma inequívoca, que ficaram convencidos que o pretendido pela arguida, era pura e simplesmente, que a levassem a casa, que lhe dessem ”boleia”, e não por estar receosa do que quer que fosse, tanto assim, que o agente DD referiu que a arguida disse claramente que não foi perseguida, que não esteve em situação de perigo, só queria que a PSP a levasse a casa e que ele não visionou qualquer situação de perigo, nem lhe foi comunicado, inclusive pela arguida, que estava calma, serena, quer a falar com a polícia, quer a falar com o ex-marido, que só ficou nervosa e irritada quando soube que a PSP, não a ia levar a casa, portanto, mesmo perante o ex-marido, não mostrou qualquer receio;
16 - Por ultimo note-se ainda que é a própria arguida que ao descrever o comportamento do ex-marido, refere que mesmo quando apareceram os seguranças que os isolaram um do outro, este não alterava o seu comportamento (de insistência e injurias) e que foi essa persistência que a faz accionar a teleassistência, mas depois não foi nada disso que relataram os seguranças, antes pelo contrário, é manifestamente contrariado, cujo depoimento se mostrou claro, objectivo e isento, admitindo até um deles que como era o primeiro serviço, não sabia bem como agir e que não houve nada, tendo sido sempre mantidos afastados um do outro;
17 - Deste modo, bem concluiu a Mmº Juiz, que as declarações e explicações da arguida, não foram convincentes, se mostraram pouco seguras e não mereceram credibilidade, sendo certo que a restante prova contrariou a sus versão dos factos, prova essa que se mostrou clara, objectiva, segura e portanto credível, pelo que serviu, e bem, para alicerçar a convicção do tribunal;
18 - Concluindo, resultou da prova produzida em julgamento, nomeadamente pelos diversos depoimentos, vigilantes e agentes da PSP, e prova documental de modo inequívoco, a prática pelo arguido do crime de abuso e simulação de sinais de perigo, pelo que, outra não poderia ser a decisão senão de condenação da mesma;
19 - Na verdade, o que o recorrente pretende, é discordar da valoração que a Mmº Juiz deu aos diversos depoimentos, principalmente aos agentes de autoridade, mas, acontece que, os mesmos são intocáveis, no sentido de merecer inteira credibilidade, pela forma objectiva, clara, coerente, e isenta, pelo que os factos que o ora recorrente diz estarem incorrectamente julgados, não estão, resultando da prova, sendo contrariado e manifestamente pela prova produzida é o que o recorrente pretende;
20 - Concretamente quanto ao ponto 5, nunca poderia ser dado como provado que a arguida informou os agentes que sentiu receio que o seu ex-marido lhe fizesse mal, porque nem a própria referiu isso no seu depoimento, que informou os agentes de tal facto, mas disse apenas que foi o que sentiu, nem qualquer outra testemunha o referiu, pelo contrário o agente FF e o agente DD, referiram, que a arguida não disse que estava em perigo, não disse que havia sido ameaçada, queria apenas que a PSP a levasse a casa e que estava calma, dizendo que não tinha existido qualquer situação de perigo, pelo que a dar-se como provado os factos da forma que pretende o ora recorrente, aí sim, contrariava manifestamente a prova produzida;
21 - Quanto ao ponto 6, deve seguramente tratar-se de mero lapso do ora recorrente ao pretender que fosse dado como provado que ao agir da forma descrita a arguida SABIA que estava em perigo e que NÃO tinha motivos para accionar o alarme da teleassistência, pois que é uma contradição, dar-se como provado que a arguida sabia estar em perigo e depois que não tinha motivos para accionar o alarme, além de que se sabia que não tinha motivos para accionar o alarme, então e o faz, comete o ilícito em causa. Também este facto, resulta inequivocamente da prova produzida, exactamente como a Mmª Juiz o deu como provado;
22 - No que respeita ao ponto 7, a teleassistência é accionada com base no que a arguida informa, sendo certo que da prova produzida resultou que o que informou não correspondia à realidade, como resultou manifestamente da prova produzida em audiência, como já referimos;
23 -Os pontos 8 e 9, atendendo a tudo quanto já referimos também resulta inequivocamente da prova produzida;
24 - Não houve, desse modo, qualquer erro na apreciação da prova, tendo a Mmª Juiz valorado a mesma de modo correcto;
25 - Assim, não estando preenchidos os requisitos para recorrer da matéria de facto, ficaria o recurso restrito à matéria de direito, pois que, igualmente, não se verifica nenhum dos vícios expressos no art. 410° n°2 do C.P., na medida em que, tem que resultar do texto da decisão recorrida;
26 –Toda a matéria dada como provada na sentença, resulta de modo inequívoco da prova produzida em julgamento, o que o recorrente pretende, é discordar da valoração da prova efectuada pela Mmª. Juiz;
27 -Por conseguinte, tendo sido o depoimento dos agentes de autoridade e dos vigilantes perfeitamente coerentes, plausíveis, relatando os factos descritos na acusação de um modo claro e objectivo, mostrando se portanto credível, como aliás é referido pela Mmª Juiz na sentença, e além de, tal depoimento, ser ainda sustentado com a prova documental junta aos autos e restante prova testemunhal, é inequívoco a prática pela arguida do crime de abuso e simulação de sinais de perigo, pelo que, outra não poderia ser a decisão senão de condenação da mesma;
28 – elo que respeita, a impugnação, da matéria de direito, também, não respeita os requisitos legais, expressos no art. 412° n°2 do C.P., na medida em que, não é indicado uma única norma jurídica violada ou principio, e muito menos indica o sentido em que, segundo o seu entendimento, o tribunal recorrido interpretou cada norma, ou com que a aplicou e o sentido em que ela deveria ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada, o que é insuficiente;
29 – O tribunal, não está de modo algum impedido de se socorrer de raciocínios lógico-dedutivos, antes pelo contrário, deve fazê-lo, para extrair determinadas ilações, que de modo algum se consideram presunções, para chegar, dessa forma, a conclusões inequívocas, vigorando o princípio da livre apreciação da prova, expresso no art. 127° do C.P.P.
30 – Assim, a Mmª. Juiz apreciou e valorou correctamente toda a prova produzida em julgamento e todos os factos dados como provados tem suporte probatório;
31 - Por conseguinte, bem decidiu a Mmª Juiz, ao considerar provados os factos descritos na acusação, valorando correctamente a prova, e em consequência, bem decidiu, ao condenar a arguida pelo crime de abuso e simulação de sinais de perigo, respeitando a sentença todos os requisitos legais expressos no art. 374º do C.P.P., não sendo deste modo nula, nos termos do artº 379º do C.P.P., não tendo assim, violado qualquer norma legal;
32 - Quanto à determinação da medida da pena a pena jamais pode exceder a medida da culpa ou o máximo que a culpa do agente consente, independentemente de, assim, se conseguir ou não atingir o grau óptimo da protecção dos bens jurídicos.
33 - Desta forma, o espaço possível de resposta às necessidades de reintegração social do agente é o que se define entre aquele mínimo imprescindível à prevenção geral positiva e o máximo consentido pela sua culpa.”
34 - A arguida cometeu um crime de simulação de sinais de perigo p.p pelo art. 306 do C.P..
35 - A arguida não tem antecedentes criminais, conforme se constata da análise do seu CRC e está social familiar e profissionalmente inserida.
36 – O grão de ilicitude é mediano e a culpa da arguida elevada, não tendo mostrado qualquer arrependimento, tendo mantido uma versão dos factos que se mostrou incoerente e por isso não mereceu a credibilidade do tribunal, nem tido a mínima consciência e apesar de já ter passado por uma situação de violência doméstica, da importância dos meios usados e que ao se recorrer aos mesmos indevidamente se está a limitar ou dificultar que se possa atender as situações que são realmente de perigo e portanto, “salvar” as vitimas que na verdade precisam e que estão em perigo, não denotando deste modo a mínima censurabilidade da sua conduta;
37 - Qualquer outra pena, não seria justa, nem adequada, nem proporcional e seguramente não acautelaria as necessidades de prevenção quer geral, quer especial e muito menos, realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, tendo sido aplicada uma pena próximo do mínimo legal.
38 - O tribunal ponderou todos os factores, que atendeu na determinação da medida da pena, respeitando os critérios estabelecidos no art 71, 72, 73, do C.P., e fundamentou, devidamente a sentença, indicando expressamente as razões que levaram a Mmª Juiz a optar por uma pena de multa nos termos em que o fez.
39 - Ponderando as circunstâncias expostas e considerando a atinente moldura penal abstracta, afigura-se-nos razoável e justa a pena aplicada à arguida.
40 - Por conseguinte, bem decidiu a Mmª Juiz, ao considerar provados os factos descritos na acusação, valorando correctamente a prova e em consequência condenar a arguida pelo crime de abuso e simulação de sinais de perigo, nos exactos termos em que o fez, não tendo assim, violado qualquer norma legal.


II. De acordo com as conclusões da motivação do recurso temos que decidir aqui (a) se a decisão recorrida contém erro quanto matéria de facto e (b) se, perante os factos provados, a recorrente deve ser condenada pelo crime de abuso e simulação de sinais de perigo previsto e punido pelo artigo 306º, do Código Penal e, nesse caso, se a pena concreta deve ser inferior à aplicada.


1. Se a decisão recorrida contém erro quanto matéria de facto

A recorrente defende que a prova produzida não permite concluir que ela praticou os factos pelos quais foi condenado.
E tem razão.
Nos termos do artigo 127.º do CPP, salvo disposição legal em contrário, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente. No caso presente não existe disposição legal em contrário; e a entidade competente para a apreciação da prova é Juiz do julgamento.
Como temos afirmado em decisões anteriores, o princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127.º do CPP significa que na decisão sobre a matéria de facto (a) é o juiz quem faz a valoração da prova produzida, (b) o juiz tem que fazer essa valoração de acordo com a sua própria convicção e não segundo a convicção do Ministério Público, do assistente ou do arguido, mas (c) o juiz deve valorar a prova de forma racional e crítica e não de forma puramente subjectiva ou arbitrária. A convicção só pode ser de quem faz a apreciação, mas as regras da experiência, que são aquelas adquiridas pelo julgador e pela generalidade das pessoas ao longo da vida, impõem que a valoração não seja meramente subjectiva. Cada uma das provas produzidas tem que valorada de forma crítica e racional em si mesma e também no seu confronto com as outras. Não se pode dizer sem mais que determinado facto está provado ou não está provado apenas com base em parte da prova produzida com exclusão da restante. A motivação da decisão, imposta pelo artigo 97.º, n.º 5, do CPP e pelos artigos 205.º, n.º 1, 32.º, n.º 1, e 202.º, n.º 1, da Constituição para garantir o controlo da actividade decisória exercida em nome do povo, permite, depois, ao leitor da decisão saber se a apreciação da prova foi feita dentro desses parâmetros legais.
Como diz Santos Cabral[1] “(n)a formação da convicção judicial intervêm provas e presunções, sendo certo que as primeiras são instrumentos de verificação directa dos factos ocorridos e as segundas permitem estabelecer a ligação entre o que temos por adquirido e aquilo que as regras da experiência nos ensinam poder inferir. É clássica a distinção entre prova directa e prova indiciária. Aquela refere-se aos factos probandos, ao tema da prova, enquanto a prova indirecta, ou indiciária, se refere a factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência, uma ilação quanto ao tema da prova (v. g., uma coisa é ver o homicídio e outra encontrar o suspeito com a arma do crime). Na prova indiciária, mais do que em qualquer outra, intervêm a inteligência e a lógica do juiz. A prova indiciária pressupõe um facto, demonstrado através de uma prova directa, ao qual se associa uma regra da ciência, uma máxima da experiência ou uma regra de sentido comum. Este facto indiciante permite a elaboração de um facto-consequência em virtude de uma ligação racional e lógica (v. g., a prova directa — impressão digital — colocada no objecto furtado permite presumir que o seu autor está relacionado com o furto; da mesma forma, o sémen do suspeito na vítima de violação). Aliás, é importante que se refira que a prova indiciária, ou o funcionamento da lógica e das presunções, bem como das máximas da experiência, é transversal a toda a teoria da prova, começando pela averiguação do elemento subjectivo de crime, que só deste modo pode ser alcançado, até à própria creditação da prova directa constante do testemunho (a intenção de matar infere-se da zona atingida; da arma empregada; da forma de utilização) ”. O Código Civil define as presunções como as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (artigo 349.º) e diz que as presunções judiciais são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (artigo 351.º).
O Tribunal recorrido julgou provados os seguintes factos:
1- No dia 01 de Janeiro do 2017, pelas 19h35m, a arguida AA deslocou-se ao Centro Comercial …, sito na …, Loures, a fim de aí receber do ex-marido, JJ, o filho de ambos.
2- Após receber a criança do pai, a arguida, dirigiu-se a uma das saídas do centro comercial existente junto da farmácia, tendo então constatado que, por ser feriado, as portas de saída na sua maioria encontravam-se fechadas, à excepção das portas junto à zona da restauração.
3 - Nesse momento voltou à zona da restauração e ao avistar, novamente, o pai do seu filho accionou o sistema de teleassistência móvel ligado à Cruz Vermelha Portuguesa, de que era portadora.
4 - Ao ser accionado tal sistema a Polícia de Segurança Pública fez deslocar para o local três viaturas policiais, em marcha de urgência.
5 - Aí chegados, os agentes dirigiram-se à arguida a qual os informou que não sentiu qualquer receio mas que precisava de transporte para casa.
6 - Ao agir da forma descrita a arguida sabia que não estava em perigo e que não tinha qualquer motivo para accionar o sistema de teleassistência.
7- Ainda assim a arguida accionou o aparelho, solicitando dessa forma a presença no local de meios de socorro, sabendo que deles não necessitava e que os mesmos poderiam ser necessários para auxiliar alguém que deles realmente precisasse.
8 - A arguida agiu com o propósito alcançado de accionar os meios de socorro e de os fazer deslocar ao local onde se encontrava, sabendo que deles não necessitava.
9 - A arguida agiu livre, deliberada e conscientemente bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
10 - A arguida não tem antecedentes criminais registados, conforme certificado do registo criminal actualizado de fls. 54, dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
11 - A arguida é divorciada; reside sozinha; tem um filho a quem presta, a título de pensão de alimentos, a quantia mensal de €50.
12 - A arguida é assistente operacional de profissão auferindo, em média e mensalmente, a quantia de cerca de €600.
13 - A arguida tem, como habilitações literárias, o 9º ano.
Como motivação da sua convicção quanto aos factos provados a Sra. Juíza autora da decisão escreve:
Considerando que no nosso ordenamento jurídico processual penal vigora o princípio da livre apreciação da prova, legalmente produzida, de acordo com as regras da experiência e livre convicção do julgador, sujeita tal produção ao princípio da imediação e do contraditório que tanto pode assentar em prova directamente colhida, como em prova indiciária, a convicção do tribunal, relativamente aos factos que considerou provados, teve por base as declarações prestadas, em audiência de julgamento, pela arguida e os depoimentos das testemunhas resultando, a versão apresentada pela arguida, isolada, sendo a versão apresentada pelas testemunhas em tudo semelhante à da acusação sendo que nem o depoimento da prima da arguida contrariou a acusação, para além da própria prova documental que corroborou a acusação.
Assim, o Tribunal formou a sua convicção, para dar como provados os factos acima referidos, sob os números 1 a 13 (inclusive), em toda a prova produzida, nos seguintes termos:
a) Nas declarações da arguida.
A arguida não assumiu os factos.
Começou por corrigir afirmando que no dia dos factos não foi entregar, mas buscar o seu filho.
Explicou que o seu ex-marido ao entregar-lhe o filho de ambos, não se afastou dela, ao contrário, dirigiu-se a ela, sendo que a declarante se tentou afastar dele, mas aquele insistiu e injuriou-a.
Apesar de a arguida se afastar dele, não havia luz, acrescentando que o ex-marido, assim, actuou à frente do filho.
Entretanto, disse, apareceram dois seguranças que os isolaram um do outro, a arguida do ex-marido, mas o ex-marido não alterava o seu comportamento o que a obrigou a accionar a teleassistência.
Explicou que a quem a atendeu, disse que precisava de ajuda, que o ex-marido estava a poucos metros dela.
Relatou, ainda, que quando a PSP chegou ao local, falou com o seu ex-marido, sendo que a declarante lhes disse ter sido a própria a chamá-los, ao que os agentes da PSP perguntaram à arguida se aquele a tinha agredido, tendo a declarante esclarecido que não o tinha feito fisicamente, mas verbalmente.
Terá sido nestas circunstâncias que a PSP lhe terá dito que assim sendo não havia uma situação de perigo, pelo que a deixaram no local, acabando a arguida por encontrar, no centro comercial em causa, uns primos que a levaram a casa.
Explicou que teve teleassistência durante cerca de 1 ano e meio e que já a havia accionado uma vez.
Reforçou que accionou a teleassistência, no dia dos factos, por que se sentiu ameaçada, uma vez que o ex-marido lhe dirigia palavrões e estava muito perto dela.
Acabou por dizer que quando accionou tal serviço, estava apenas a própria, o filho e o ex-marido, tendo ideia que ainda não estariam os referidos seguranças e que só depois é que estes apareceram, sendo que não foi a declarante quem os chamou.
Finalizou, insistindo que tinha receio que o ex-marido se escondesse no caminho que a declarante teria que fazer para regressar a casa e que a abordasse, sentindo medo por ela e pelo filho.
As suas declarações e explicações, por si só consideradas, foram apresentadas de forma pouco convincente, pouco segura, sem que se lhes possa atribuir credibilidade, o que se confirmou perante a demais prova produzida que em nada corroborou a sua versão.
b) No depoimento das testemunhas
1 - FF, agente da Polícia de Segurança Pública, que apenas conheceu a arguida no dia dos factos, reconhecendo-a em julgamento e que não presenciou os factos, mas chegou ao local pouco depois de os mesmos ocorrerem.
Localizando no espaço e tempo os factos, disse que foram chamados ao local porque tinha sido accionado um serviço de teleassistência.
Assim, relatou, chegados ao local foram informados, pelos seguranças, da situação, o que os levou a irem ter com o casal e falarem com a arguida e com o ex-marido. Foi, então, esclareceu que a arguida disse que os tinha chamado porque queria ir para casa com o filho e não queria que o ex-marido a seguisse e soubesse onde era a sua casa.
O depoente explicou que, no local, a arguida não disse que estava em perigo, não disse que havia sido ameaçada, queria apenas que a PSP a levasse a casa.
Na verdade, acrescentou, a arguida estava calma, disse que não tinha sido qualquer situação de perigo, sendo que o depoente, na altura, explicou à arguida que não havia situação que justificasse que a PSP a transportasse e terá sido, nessa altura, que a arguida ficou nervosa ao saber que a PSP não a ia transportar a casa.
Mais, disse, a arguida e o seu ex-marido não estavam a dialogar, estavam distanciados um do outro.
Finalizou, dizendo que os seguranças estavam à porta do Centro Comercial à espera da PSP e que desde a chamada até à chegada ao local terão demorado cerca de 2 a 3 minutos.
Depoimento que não sendo de natureza presencial, entrou em contacto com a situação logo que a mesma ocorreu e que relatou os factos que presenciou de forma lembrada, segura, inequívoca, lógica e escorreita, imparcial, credível, de onde resulta a participação activa da arguida na prática dos factos.
2 - DD, agente da Polícia de Segurança Pública, que acompanhava a testemunha supra inquirida, tendo conhecido a arguida no dia dos factos e reconhecendo-a em julgamento, lembrando-se da situação concreta.
Explicou que ao chegaram ao pé da arguida a situação estava calma, as partes estavam separadas, tratando-se da entrega de uma criança sendo que, na altura, o pai da criança explicou que havia questionado a arguida por que motivo não tinha cumprido o que resultava do acordo das responsabilidades parentais.
Por sua vez, a arguida disse que ao receber o filho se deslocou à saída, ao pé da Farmácia, mas as portas estavam fechadas, pelo que regressou à zona da restauração, o ex-marido ainda estava no local e terá sido nessas circunstâncias que accionou a teleassistência.
Mais, esclareceu que a arguida disse que não foi perseguida, não esteve em situação de perigo, só queria que a PSP a levasse a casa.
O depoente não visionou qualquer perigo, a arguida não lhe comunicou qualquer situação de perigo, estava calma, serena quer a falar com a polícia, quer a falar com o ex-marido.
Na verdade, só ficou nervosa e irritada quando soube que a PSP não a ia levar a casa.
Finalizou, reforçando que a situação não era justificada para que a PSP transportasse a arguida a casa.
Depoimento prestado de forma lembrada, pormenorizada, segura, explicada, lógica, consentâneo com o prestado pela testemunha supra, assumindo credibilidade.
3 - VV, esclareceu que é prima em 3º grau da arguida e que se lembra da situação.
Esclareceu que no dia dos factos se encontrava no L… e que já era de noite, quando viu a prima, a arguida e algum aparato à sua volta, sendo que quando chegou ao pé da arguida já se encontrava acompanhada dos agentes policiais, mostrando-se nervosa, sendo que a depoente optou por levar o filho da arguida para ao pé dos seus próprios filhos, afastando-o da situação.
Explicou que viu os polícias a acalmar o ex-marido da arguida e a dizerem à arguida que a PSP não era um serviço de táxi.
Insistiu que a sua prima estava nervosa, a chorar, enquanto o ex-marido estava exaltado, a falar alto, sendo que a depoente não se conseguiu lembrar o que dizia em concreto.
Depoimento prestado por quem assistiu à situação já depois da PSP ter chegado ao local não contrariando, no essencial, o relatado pelas demais testemunhas – os agentes policiais disseram que a arguida ficou nervosa quando soube que não ia ser transportada a casa pelos agentes policiais - sendo que em relação à exaltação do ex-marido, não soube esclarecer o que dizia, em concreto, o mesmo já que, segundo a depoente, falava alto, não assumindo, nestes termos, credibilidade.
4 - PP, disse ser vigilante no C… onde ocorreram os factos e que conheceu a arguida no dia dos factos, lembrando-se da situação concreta.
Explicou que nesse dia foi informado por um colega que havia um casal com um menor e que estariam envolvidos em agressões verbais, embora não falassem muito alto.
Assim, o depoente deslocou-se ao local para acalmar a situação, tendo optado por chamar a PSP o que fez porque era o 1º serviço que fazia e não sabia o que fazer. Veio depois a saber que a polícia já tinha sido chamada e que tinha sido a arguida. Explicou que se tratava da entrega de uma criança e que a arguida estava normal, não estavam - nem a arguida, nem o ex-marido – exaltados ou nervosos. Depoimento prestado de forma segura e lógica, tendo tido contacto com a situação e corroborando o essencial do relatado pelos dois agentes policiais, bem como a própria acusação e contrariando a versão apresentada pela arguida.
5- LL, disse ser vigilante no L… e que conhece a arguida de vista.
Confirmou que havia uma discussão entre duas pessoas, com a voz alterada e que as chamou para lados separados, tendo a situação ficado calma.
Esclareceu que quando existe tom de voz alterado de ambas as partes, num espaço fechado, optam por separar as pessoas como medida de precaução e que foi isso que fizeram no caso dos autos.
Mais, disse que que quem tinha o tom de voz alterado era a arguida, foi ela quem levantou a voz, com um grito de pessoa zangada, a refilar.
Confirmou que foi chamada a PSP, mas que tal só aconteceu por ser procedimento normal, nada mais.
Depoimento prestado de forma segura e lógica, tendo tido contacto com a situação e corroborando o essencial do relatado pelos dois agentes policiais, bem como a própria acusação e contrariando a versão apresentada pela arguida.
Foi, ainda, considerado o documento de fls. 49, dos autos, que consubstancia a informação prestada pela entidade que monitorizou o serviço de teleassistência da arguida e que corrobora a versão da acusação, bem como o depoimento dos agentes policiais no sentido de que a arguida, no dia dos factos, ao accionar o serviço, em causa, solicitou a intervenção da PSP para a acompanhar a casa.
Foi, finalmente, tido em atenção o certificado de Registo Criminal, actualizado, de fls. 54, quanto à inexistência de antecedentes criminais registados da arguida.
O extracto transcrito mostra claramente que o Tribunal recorrido decidiu contra a prova produzida e contra as regras da experiência que devem governar a apreciação dessa prova ao dar como provado que
5 - Aí chegados, os agentes dirigiram-se à arguida a qual os informou que não sentiu qualquer receio mas que precisava de transporte para casa.
6 - Ao agir da forma descrita a arguida sabia que não estava em perigo e que não tinha qualquer motivo para accionar o sistema de teleassistência.
7- Ainda assim a arguida accionou o aparelho, solicitando dessa forma a presença no local de meios de socorro, sabendo que deles não necessitava e que os mesmos poderiam ser necessários para auxiliar alguém que deles realmente precisasse.
8 - A arguida agiu com o propósito alcançado de accionar os meios de socorro e de os fazer deslocar ao local onde se encontrava, sabendo que deles não necessitava.
9 - A arguida agiu livre, deliberada e conscientemente bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Como é do conhecimento comum o sentimento de segurança, de perigo ou de medo é, por natureza, subjectivo; varia de pessoa para pessoa. Situações que geram sentimento de insegurança, de perigo ou de medo na pessoa A pode não o gerar na pessoa B; o grau da intensidade do sentimento de insegurança gerado pela mesma situação também varia de pessoa para pessoa. Portanto, é contra as regras da experiência o juiz basear-se apenas na percepção das testemunhas para se convencer de que a arguida não sentiu insegurança, perigo ou medo quando a própria ofendida declara na audiência que se sentia insegura, em perigo ou com medo. Só porque “a arguida não disse que estava em perigo, não disse que havia sido ameaçada” não podemos concluir que ela não se sentiu em perigo ou ameaçada.
Na motivação da convicção a Sra. Juíza autora da decisão, escreve que na audiência a arguida “[r]eforçou que accionou a teleassistência, no dia dos factos, por que se sentiu ameaçada, uma vez que o ex-marido lhe dirigia palavrões e estava muito perto dela”; disse “quando accionou tal serviço, estava apenas a própria, o filho e o ex-marido”; disse que “tinha receio que o ex-marido se escondesse no caminho que a declarante teria que fazer para regressar a casa e que a abordasse, sentindo medo por ela e pelo filho”; “[e]xplicou que o seu ex-marido ao entregar-lhe o filho de ambos, não se afastou dela, ao contrário, dirigiu-se a ela, sendo que a declarante se tentou afastar dele, mas aquele insistiu e injuriou-a”; disse que “apareceram dois seguranças que os isolaram um do outro, a arguida do ex-marido, mas o ex-marido não alterava o seu comportamento o que a obrigou a accionar a teleassistência”; disse que “[e]xplicou que a quem a atendeu, disse que precisava de ajuda, que o ex-marido estava a poucos metros dela”; “[e]xplicou que teve teleassistência durante cerca de 1 ano e meio e que já a havia accionado uma vez”.
Essa versão dos factos é confirmada pelo depoimento da testemunha FF, agente da PSP, que foi ao local e, como está escrito na motivação, na audiência “esclareceu que a arguida disse que os tinha chamado porque queria ir para casa com o filho e não queria que o ex-marido a seguisse e soubesse onde era a sua casa” e disse que “a arguida e o seu ex-marido não estavam a dialogar, estavam distanciados um do outro”.
É confirmada pelo depoimento da testemunha DD, agente da PSP que, como está escrito na motivação, “[e] Explicou que ao chegaram ao pé da arguida a situação estava calma, as partes estavam separadas, tratando-se da entrega de uma criança sendo que, na altura, o pai da criança explicou que havia questionado a arguida por que motivo não tinha cumprido o que resultava do acordo das responsabilidades parentais” e que “a arguida disse que ao receber o filho se deslocou à saída, ao pé da Farmácia, mas as portas estavam fechadas, pelo que regressou à zona da restauração, o ex-marido ainda estava no local e terá sido nessas circunstâncias que accionou a teleassistência”.
É confirmado pelo depoimento da testemunha PP, vigilante do C…, que, como está escrito na motivação, “[e]xplicou que nesse dia foi informado por um colega que havia um casal com um menor e que estariam envolvidos em agressões verbais, embora não falassem muito alto” e “deslocou-se ao local para acalmar a situação, tendo optado por chamar a PSP o que fez porque era o 1º serviço que fazia e não sabia o que fazer”.
É confirmado pelo depoimento da testemunha LL, vigilante do C…, que, como está escrito na motivação, “[c]onfirmou que havia uma discussão entre duas pessoas, com a voz alterada e que as chamou para lados separados, tendo a situação ficado calma”, [e]sclareceu que quando existe tom de voz alterado de ambas as partes, num espaço fechado, optam por separar as pessoas como medida de precaução e que foi isso que fizeram no caso dos autos”, “disse que que quem tinha o tom de voz alterado era a arguida, foi ela quem levantou a voz, com um grito de pessoa zangada, a refilar” e “[c]onfirmou que foi chamada a PSP, mas que tal só aconteceu por ser procedimento normal, nada mais”.
Lembramos que, de acordo com o que consta do auto de notícia, os factos ocorreram por volta das 19.30 do mês de Janeiro, portanto, já de noite escura.
De acordo com a experiência comum, é normal que uma pessoa que tivesse sido vítima de violência doméstica e se encontrasse na situação em que a arguida estava se sinta ameaçada e em perigo e recorresse à teleassistência que lhe tinha sido concedido pelo Tribunal para sua protecção e segurança. Ela encontrou-se com o ex-marido para receber deste o filho de ambos. O ex-marido aproximou-se dela. Discutiram. A testemunha DD confirma que se tratava “da entrega de uma criança sendo que, na altura, o pai da criança explicou que havia questionado a arguida por que motivo não tinha cumprido o que resultava do acordo das responsabilidades parentais” e que “a arguida disse que ao receber o filho se deslocou à saída, ao pé da Farmácia, mas as portas estavam fechadas, pelo que regressou à zona da restauração, o ex-marido ainda estava no local e terá sido nessas circunstâncias que accionou a teleassistência”. As testemunhas SS e LL confirmaram as agressões verbais. Este último disse que a arguida “levantou a voz com grito de pessoa zangada, a refilar” – o que é uma prática aconselhada a quem se sinta em perigo, como forma de chamar atenção, e que no caso levou à intervenção dos vigilantes do C…
É inaceitável o entendimento que transparece nas declarações feitas na audiência e calmamente aceites de que a violência verbal não é geradora de sentimento de segurança, de perigo ou de medo que justifique o recurso à teleassistência. A experiência mostra que a maioria dos casos de violência doméstica começa na discussão e violência verbal. O artigo 152.º, n.º 1, inclui a violência verbal na conduta típica do crime de violência doméstica ao utilizar a expressão “infligir maus tratos físicos ou psíquicos” (violência verbal é uma das formas do mau trato psíquico).
Além de toda a prova mencionada, é ainda fundamental não esquecermos que a arguida dispunha na data dos factos de protecção por teleassistência – o que quer dizer que ela era uma pessoa considerada pelo Tribunal como vítima de violência doméstica para quem essa protecção era imprescindível, ao abrigo do artigo 20.º, n.º 4, da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, que diz:
O juiz ou, durante a fase de inquérito, o Ministério Público, devem determinar, sempre que tal se mostre imprescindível à proteção da vítima e obtido o seu consentimento, que lhe seja assegurado apoio psicossocial e proteção por teleassistência, por período não superior a seis meses, prorrogável se circunstâncias associadas à proteção da vítima o justificarem.
Estando sob protecção por teleassistência por um ano e meio, significa que o Tribunal que lhe concedeu esse tipo de assistência já apreciou mais do que uma vez e mais de uma vez concluiu que ela continuava a estar em situação de perigo que impunha essa protecção.
Tem a recorrente razão quando diz nas conclusões do seu recurso:
“dizer que a Arguida utilizou abusivamente um sinal ou chamada de alarme ou socorro simuladamente é extremamente grave, desproporcional e inaceitável, considerando que estamos a falar de uma vítima de violência doméstica, sinalizada e acompanhada por vários técnicos que, entre outras coisas, dão acompanhamento psicológico e estão formados e sensibilizados para o efeito”.
A propósito do sistema de teleassistência a Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG) diz num texto para site de texto para site 28.05.2018:
O sistema de teleassistência a vítimas de violência doméstica tem como objectivo fundamental aumentar a proteção e segurança da vítima, garantindo, 24 horas por dia e de forma gratuita, uma resposta adequada quer a situações de emergência, quer em situações de crise. Preconiza os seguintes objetivos específicos:
• Garantir uma intervenção imediata e adequada em situações de emergência, através de uma equipa especializada e da mobilização de recursos técnicos proporcionais ao tipo de situação apresentada;
• Mobilizar os recursos policiais proporcionais ao tipo de emergência;
• Atenuar níveis de ansiedade, aumentando e reforçando o sentimento de proteção e de segurança das vítimas, proporcionando apoio e garantindo a comunicação 24 horas por dia com o Centro de Atendimento;
• Aumentar a autoestima e a qualidade de vida das vítimas, estimulando a criação e/ou reforço de uma rede social de apoio;
• Minimizar a situação de vulnerabilidade em que as vítimas se encontram, contribuindo para o aumento da sua autonomia e a sua (re)inserção na sociedade.
O Tribunal tem obrigação de estar alerta para o fenómeno da violência doméstica, para as formas da sua manifestação, para os seus efeitos nas vítimas e de colaborar no esforço nacional e internacional para combater essa praga. Nos inícios do passado Março a comunicação social tem divulgado que, segundo informações da Polícia Judiciária (PJ), 11 dos 23 inquéritos abertos por homicídio consumado em Janeiro e Fevereiro deste ano tiveram como cenário casos de violência doméstica[2]. Não pode ignorar as razões e os objectivos subjacentes à concessão da teleassistência.
É irónico que uma vítima de violência doméstica a quem o Tribunal concede teleassistência por a considerar dela necessitada seja condenada ou sequer seja submetida a processo-crime por fazer uso dessa assistência numa situação que claramente o justifica. 
É também inegável também que o fenómeno da violência é complexo.
Um rápido olhar pelos autos mostra-nos que a seguir ao auto de participação dos factos de 05.01.2017 (de fls. 1 e 3) consta um aditamento em que se informa, em aditamento a essa participação que em 03.01.2017 JJ, o ex-marido da arguida, ao posto policial para “entregar uma carta por si redigida manualmente sobre o assunto relatado na Participação supracitada” (fls. 4). Essa carta encontra-se a fls. 5. Nela o ex-marido da arguida, depois descrever o regime da regulação do exercício do poder paternal sobre o filho de ambos fixado pelo tribunal, dizia: “AA abusa e abusa no uso desse mesmo aparelho [de teleassistência] fazendo deslocar os vossos meios sem motivo com o objectivo de me tirarem o menino não é por acaso que assinou um documento para o tribunal a dizer que eu não encontrava bem da cabeça pediu a guarda total do menino e 400 euros de pensão acompanhado do documento de um psicólogo que nunca me avaliou dizendo que eu sofria de patologia do foro psicológico e que era paranóico e que o ambiente da figura paternal era patogénico (doentio). A senhora AA dizia durante 30 anos que eu era um excelente maria e um bom pai mas a partir do momento que a minha mãe fez uma queixa na protecção de menores por maus tratos ao meu filho a nossa casa virou um inferno e as discussões começaram com empurrões, chegou ao ponto de me dar um soco no peito em casa, receio dela ma atingir na cara agarrando-lhe nos dois braços mas quando me aconselhei com dois agentes em Lisboa quando saí do serviço disseram para me afastar dela e eu entendi que ela queria era ter um motivo para sair com violência doméstica mas passado algum tempo ela aproveitou num momento em que ela puxava pelo documento e em também ela chamou a polícia e em dois segundos fui acusado fui acusado quero realçar e valorizar o profissionalismo dos srs. agentes da esquadra de Santo António dos Cavaleiros porque actualmente uma mulher que queira destruir a vida de um homem é muito fácil quando fui a investigação criminal estranhei em saber como um filho quase igual ao meu ainda bem que as autoridades estão atentas a estas situações em que elas simulam agressões inventam violência doméstica quando querem a guarda dos filhos ou querem uma indemnização que é o caso da mãe dos meus filhos não estou a fazer o papel de vítima porque vítima é o meu filho que já assistiu várias vezes a mãe a chamar a polícia para o pai e sofre e já chorou porque sabe que o pai é uma pessoa pacífica senão não queria ficar na situação de guarda partilhada porque esta última vez como tem 12 anos ele pediu para que continuasse com guarda partilha. Mas a sra. AA como não paga advogado e anda a 2 anos com esse tal aparelho que é pago por todos nós anda a humilhar um homem que nunca fez nada nem teve problemas com a polícia e só tem que ser assim não faço mais que o meu dever trabalhar pagar os meus impostos respeitar toda a gente agora aos …anos vem uma senhora destruir a minha vida? Quero valorizar o profissionalismo de todos os agentes que fizeram no dia 1.1.2017”.
Os documentos de fls. 21 e 22 mostram consta do registo dos serviços do Ministério Público vários processos do DIAP-Loures em que AA e JJ aparecem como intervenientes e em que qualidade, como indicamos nos quadros seguintes:

ProcessoIntervenienteQualidadeTipo de crimeDecisão final
1086/13.3PBLRSAAOfendido Arquivado
230/15.0PCLRSAAOfendidoViolência doméstica contra cônjuge ou análogosAcusação
709/15.4T9LRSAAOfendido Arquivado
30/17.3T9LRSAADenunciadoDifamação
502/17.0T9LRSAADenunciadoSimulação de crime



ProcessoIntervenienteQualidadeTipo de crimeDecisão final
30/17.3T9LRSJJOfendido
230/15.0PCLRSJJArguidoViolência doméstica contra cônjuge ou análogosAcusação


Contudo, nem o Ministério Público no inquérito nem o Tribunal do julgamento parece ter procurado compreender a relação que a utilização da teleassistência tinha com aparentes conflitos que existiam entre a arguida e o seu ex-marido, as razões que levaram à decisão judicial que atribuiu a teleassistência a AA e as razões que levaram o Tribunal a fixar o regime do exercício do poder paternal sobre o filho menor de ambos.
É certo que a deslocação dos agentes policiais foi determinada pela circunstância de a arguida ter accionado o sistema de teleassistência. Mas a decisão sobre o número de carros a deslocar ao local é da autoridade policial que se espera ser tomada com base em critérios da eficiência na gestão dos recursos no caso concreto.
Em conclusão, a prova produzida não pode levar a dar como provados os referidos factos constantes dos pontos 5 a 9 mas à decisão contrária. A decisão recorrida contém erro manifesto na apreciação da prova.
Perante o manifesto erro na apreciação do prova, ao abrigo 431.º, alíneas a) e b), do CPP, temos que alterar a decisão recorrida no sentido de julgar não provados os factos nela dados como provados nos pontos 5 a 9.


2. Se, perante os factos provados, a recorrente deve ser condenada pelo crime de abuso e simulação de sinais de perigo previsto e punido pelo artigo 306º, do Código Penal e, nesse caso, se a pena concreta deve ser inferior à aplicada

A recorrente defende que ela deve ser absolvida da crime de abuso e simulação de sinais de perigo previsto e punido pelo artigo 306º, do Código Penal.
E tem razão.
Está escrito no artigo 306.º do CP:
Quem utilizar abusivamente sinal ou chamada de alarme ou de socorro, ou simuladamente fizer crer que é necessário auxílio alheio em virtude de desastre, perigo ou situação de necessidade colectiva, é punido com pena de prisão até l ano ou com pena de multa até 120 dias.
Para praticar o crime de abuso e simulação de sinais de perigo é necessário que o agente (a) utilize abusivamente sinal ou chamada de alarme ou de socorro ou (b) faça crer através de simulação que é necessário auxílio alheio em virtude de desastre, perigo ou situação de necessidade colectiva. É necessário que esse conduta seja acompanhada de dolo directo ou necessário[3].
Perante a conclusão a que chegamos no número anterior, os factos provados são apenas estes:
1- No dia 01 de Janeiro do 2017, pelas 19h35m, a arguida AA deslocou-se ao C…, sito , Loures, a fim de aí receber do ex-marido, JJ, o filho de ambos.
2- Após receber a criança do pai, a arguida, dirigiu-se a uma das saídas do centro comercial existente junto da farmácia, tendo então constatado que, por ser feriado, as portas de saída na sua maioria encontravam-se fechadas, à excepção das portas junto à zona da restauração.
3 - Nesse momento voltou à zona da restauração e ao avistar, novamente, o pai do seu filho accionou o sistema de teleassistência móvel ligado à Cruz Vermelha Portuguesa, de que era portadora.
4 - Ao ser accionado tal sistema a Polícia de Segurança Pública fez deslocar para o local três viaturas policiais, em marcha de urgência.
A acusação que se encontra a fls. 26 a 28 não contém sequer factos concretos a partir dos quais se possa concluir que a arguida utilizou a teleassistência abusivamente, ou seja, em termos que merecem censura.
Portanto, não estão verificados os elementos objectivos e subjectivos do crime de abuso e simulação de sinais de perigo previsto e punido pelo artigo 306º, do Código Penal por que a recorrente foi condenada.
         Assim, temos alterar a decisão recorrida no sentido de absolver a recorrente da acusação.

III. Perante a procedência do recurso, a recorrente (arguida) não tem que suportar as custas do processo (artigo 513.º, n.º 1, do CPP).

IV. Pelo exposto, deliberamos, por unanimidade,
a) Julgar procedente o recurso interposto por AA; e
b) Alterar a decisão recorrida no sentido de absolver AA do crime de abuso e simulação de sinais de perigo previsto e punido pelo artigo 306.º, do CP que lhe está imputado.


Lisboa, 11 de Abril de 2019

Os Desembargadores
Relator – Cláudio de Jesus Ximenes
Adjunto – Manuel Almeida Cabral

[1] Santos Cabral, Prova indiciária e as novas formas de criminalidade, Julgar, n.º 17- 2012.
[2] Ver: https://observador.pt/2019/03/12/vitimas-de-violencia-domestica-sao-quase-metade-dos-homicidios-de-2019/ e https://www.dn.pt/pais/interior/dois-meses-e-11-dias-23-pessoas-mortas-14-por-violencia-domestica-10667254.html
[3] CRISTINA LÍBANO MONTEIRO, Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra Editora, 1999 (Comentário ao artigo 306.º)