Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | DURO MATEUS CARDOSO | ||
Descritores: | EXECUÇÃO CRÉDITO LABORAL HIPOTECA TERCEIRO INSOLVÊNCIA | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 07/11/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | ALTERADA A DECISÃO | ||
Sumário: | I - O art. 149.º do CIRE ao mencionar bens arrestados ou penhorados, está a referir-se a bens assim onerados para garantia de créditos sobre o insolvente, e não de créditos sobre o terceiro que depois transmitiu os bens ao insolvente, sendo quanto a este terceiro ineficaz a transmissão dos bens onerados com tais garantias feita pelo seu devedor, tudo se passando como se não tivesse ocorrido. II- O nº 2 do art. 149º do CIRE está relacionado com o nº 1 do mesmo preceito e com o art. 46º-1 do CIRE e, por isso, pressupõe que se tratam de bens que integravam a massa insolvente à data da declaração de insolvência. III- O nº 2 do art. 149º do CIRE reporta-se aos casos em que, declarada a insolvência e determinada a apreensão dos bens integrantes da massa insolvente, entre essa determinação e a concretização da apreensão ocorra a venda de qualquer bem pertencente à massa insolvente. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa I- AAA instaurou na Secção do Trabalho de Lisboa a presente execução comum fundada em acordo extrajudicial, mediante embargos, CONTRA, BBB, LDA, e CCC II- PEDIU a penhora e subsequente venda de um imóvel sito na Freguesia de Loures para pagamento da quantia de € 62.509,02. III- ALEGOU, em síntese, que: - A executada BBB foi condenada por sentença transitada em julgado em 17/1/2008, a pagar uma PAV de € 3.283,00, devida desde 11/5/2005, bem como diversas quantias a título de IT’s e despesas, decorrentes de um acidente de trabalho em que o exequente foi sinistrado; - Para garantia do pagamento registou a seu favor, em 25/6/2008, uma hipoteca a seu favor sobre um imóvel sito na Freguesia de Loures, então pertencente à executada BBB; - A 7/7/2008, foi registada a venda do mesmo imóvel a favor do executado (…), que era gerente da executada BBB, mantendo-se a hipoteca existente. IV- O referido imóvel sito na Freguesia de Loures foi penhorado a 14/6/2011 (fols. 31) e a sua venda acabou por se realizar a 20/8/2018 pelo valor de € 272.500,00 (fols. 542 a 550). A fols. 580, o Administrador da Insolvência no P. nº 2268/18.7T8VFX, a correr termos na Comarca de Lisboa Norte – Juízo de Comércio de Vila Franca de Xira-J3 veio informar que o aqui executado (…), por sentença de 20/9/2018 (cuja cópia consta de fols. 601 a 607), foi declarado em estado de insolvência e requerer a suspensão da presente execução bem como a transferência para a conta da massa insolvente do valor da venda, ao abrigo do disposto no art. 149º-2 do CIRE. A fols. 586 a 587, o exequente veio opor-se à transferência do valor da venda para a massa insolvente considerando, em síntese, que: - A hipoteca judicial é anterior à aquisição do imóvel pelo insolvente (…) e a venda é ineficaz em relação ao exequente. - O executado (…) apenas foi demandado por ser adquirente de bem com garantia real, a hipoteca, nos termos do art. 54º-2 do CPC; - A massa insolvente só poderá receber eventual remanescente do valor da venda depois de satisfeito o crédito do exequente e demais despesas do processo. Por despacho de fols. 589 foi a presente execução suspensa contra o executado declarado insolvente. A fols. 593 e 594, o Administrador da Insolvência no P. nº 2268/18.7T8VFX, veio salientar que quer à data da penhora quer à data da venda do imóvel nesta execução, o mesmo era propriedade do aqui executado (…), reafirmando que a execução não pode prosseguir e o produto da venda deve ser apreendido para a massa insolvente nos termos dos arts. 88º e 149º-2 do CIRE. A fols. 586 a 587 e 613, o exequente voltou a opor-se à transferência do valor da venda para a massa insolvente considerando, em síntese, que: - O executado (…) não é devedor de qualquer quantia ao exequente mas apenas proprietário de bem sobre o qual incidia garantia real, razão pela qual foi a presente execução também intentada contra este; - O imóvel vendido nestes autos, porque efectuado nos presentes autos, já não pertence ao executado insolvente, pelo que não faz parte da massa insolvente, nem tão pouco o produto da venda do mesmo; - Os bens que se destinam a integrar a massa insolvente têm de garantir dívidas do insolvente, o que não é o caso. A fols. 615, o Banco (…), SA, na qualidade de credor reclamante, requerendo a transferência do valor depositado nos autos executivos e produto da venda do imóvel e a suspensão da execução quanto ao executado (…), porque, em síntese: - Face ao art. 88º do CIRE a execução tem de ser suspensa quanto ao executado (…); - Atento o disposto no art. 47º do CIRE, os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, são considerados credores da insolvência, pelo que o crédito do exequente é sobre o insolvente e não sobre um terceiro (a executada BBB); - O crédito do exequente está garantido por um bem que integraria a massa insolvente, não fosse a sua venda concretizada em data anterior à declaração de insolvência; - O exequente terá de reclamar os seus créditos no processo de insolvência a fim de ser pago pelo produto da venda. Seguidamente foi proferido a fols. 617 e 618, o seguinte despacho: “A questão em apreço nestes autos é, na verdade, muito simples quanto a nós. É que em causa não se encontra qualquer graduação de credores com garantia real. Não se trata de saber se a penhora prevalece sobre a hipoteca. Em causa está apenas um bem cuja propriedade registada à data da venda estava em nome do executado (…). Este bem foi vendido nestes autos e o produto da venda encontra-se à ordem destes autos. Uma vez que ainda não houve pagamento, e tendo presente que o executado foi declarado insolvente a execução suspende-se, e todos os bens penhorados e valores relativos ao executado insolvente passam para o processo de insolvência. É naqueles autos que os credores devem reclamar os seus créditos e serem pagos pela totalidade da liquidação de acordo com a graduação naqueles autos efectuada. Não nestes. Aqui é irrelevante saber quem tem prioridade no pagamento. Só releva saber de quem era o imóvel pois sendo do insolvente (e o direito de propriedade registado estava em nome deste, e de ninguém mais) então os bens passam para o processo de insolvência. E isso mesmo se determina. Notifique, incluindo o senhor administrador de insolvência e transfira o produto da venda para aqueles autos, prosseguindo estes autos apenas contra o executado pessoa colectiva.” Deste despacho o exequente recorreu (fols. 66 v. a 72), apresentando as seguintes conclusões: I. O Tribunal “a quo” decidiu erradamente transferir para a massa insolvente do executado (…) (agora insolvente) o produto da venda do bem imóvel penhorado e vendido nos presentes autos sobre o qual incidia hipoteca judicial a favor do Recorrente para garantia do crédito que este detinha em relação ao anterior proprietário, executado BBB. II. Tal decisão violou os art.ºs601º, 622.º, 686.º e 818.º do Código Civil, III. E interpretou erradamente o art.º 149.º n.º 1 alinea a) do CIRE ao entender que todos os bens arrestados ou penhorados propriedade do insolvente devem ser apreendidos para a massa. Porquanto, IV. Entende o Recorrente, sustentado no Acórdãos do STJ de 21.03.2017 e no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21.11.2016 (ambos in www.dgsi.pt) que a referida disposição legal deverá ser entendida no sentido de excluir dos bens a apreender para a massa, aqueles que estivessem penhorados, arrestados ou, por qualquer meio apreendidos ou detidos (i) mas que garantam dívidas de terceiro e (ii) cujo ónus fosse anterior à aquisição do mesmo por parte do insolvente. V. Pelo que, sustentado no entendimento sufragado nos supra referidos Acórdãos, o produto da venda do bem imóvel em apreço não deveria ser transferido para a massa insolvente da insolvência do executado Rui antes da elaboração da conta e pagamento do crédito do aqui recorrente. VI. Ora, o Recorrente registou sobre o bem imóvel penhorado e vendido nos presentes autos uma hipoteca judicial para garantir o seu crédito em relação à Executada BBB, crédito esse reconhecido por sentença transitada em julgado. VII. Após o registo da garantia real em apreço, a executada BBB transmitiu para o Executado (…) o bem imóvel, razão pela qual a execução foi intentada também contra este (art.º 54 n.º 2.º do CPC). VIII. Ora, a transmissão do bem após o registo de uma garantia real é ineficaz para com o credor que registou o referido ónus, Tendo, pois, o recorrente direito de sequela em relação ao mencionado bem, ou seja, o direito do recorrente mantém-se mesmo que o bem tenha sido transmitido para outra pessoa, o que decorre dos art.ºs 601º, 686.º e 818.º do Código Civil A este propósito, em Acórdão relacionado com um arresto que incidia sobre um bem posteriormente transmitido a terceiro insolvente, entendeu o STJ, no seu Acórdão de 21.03.2017, o seguinte: É verdade, entretanto, que o art. 149.º (v. nº 1 alínea a)) do CIRE estabelece que, decretada a insolvência, se procede à apreensão de todos os bens integrantes da massa insolvente, ainda que estes tenham sido, e nomeadamente, arrestados ou penhorados. Simplesmente, os bens arrestados ou penhorados de que aí se fala são os bens assim onerados para garantia de créditos sobre o insolvente, e não de créditos sobre o terceiro que depois transmitiu os bens ao insolvente. Quanto a este terceiro, repete-se, a transmissão dos bens onerados com tais garantias feita pelo seu devedor é ineficaz, tudo se passando como se não tivesse ocorrido. Ora, como se aponta adequadamente no acórdão recorrido (corrigindo assim os equívocos da sentença da 1ª instância), in casu a sociedade insolvente não é a devedora do credor Condomínio (o Autor do presente processo), nem foi contra ela que o arresto foi requerido e decretado. A devedora do Autor é bem a sociedade CCC, Lda., que transmitiu à Insolvente as fracções mas levando estas consigo o dito encargo (arresto). E assim e em rigor as fracções em causa não integram (pelo menos no imediato) a massa insolvente, podendo e devendo dela ser afastadas (conforme o art. 141º, nº 1, alínea c,) in fine do CIRE), sem prejuízo de o remanescente (após a venda judicial) poder vir a reverter para a massa (o que de certa forma equivale a uma espécie de apreensão imediata). Exactamente como resulta do acórdão recorrido. IX. Pese embora o Acórdão incida sobre um arresto, o tratamento jurídico a uma situação de hipoteca, por maioria de razão, sendo uma garantia real, tem o mesmo tratamento jurídico. X. Assim sendo, o produto da venda do bem sobre o qual incidia a hipoteca judicial a favor do recorrente para garantia de crédito de terceiro (BBB), por ser anterior à venda ao insolvente (…), não pode ser apreendida para a massa insolvente deste, por ser tal venda ineficaz em relação ao Recorrente. Nestes termos e nos melhores de Direito, deverá ser revogada a decisão que ordenou a transmissão do produto resultante da venda do bem penhorado e vendido nos presentes autos para a massa insolvente do executado (…), mantendo-se a referida quantia à ordem dos presentes autos para ser pago o crédito do exequente, ora recorrente, fazendo-se, assim, justiça! O credor Reclamante Banco (…) contra-alegou (fols. 633 v. a 635) pugnando pela improcedência do recurso e a confirmação do despacho recorrido estribando-se no art. 149º do CIRE. Correram os Vistos legais tendo a Digna Procuradora-Geral Adjunta do Ministério Público emitido Parecer (fols. 648 e 649), no sentido da revogação do despacho e substituição do mesmo por outro que mantenha o produto da venda do bem à ordem dos autos de execução e consequente afectação ao pagamento da quantia exequenda. VI- Os factos com interesse para apreciação do presente recurso são os que constam do Relatório supra. VII- Nos termos dos arts. 635º-4, 637º-2, 639º-1-2, 608º-2 e 663º-2, todos do CPC/2013, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação; os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas pelas partes, salvo se importar conhecê-las oficiosamente. Atento o teor das conclusões das alegações apresentadas pelas apelantes, a questão que fundamentalmente se coloca no presente recurso é saber-se se a quantia obtida com a venda do imóvel efectuada nestes autos não pode ser aprendida no âmbito do processo de insolvência e, consequentemente, não pode ser para aí transferida. VIII- Decidindo. Resulta dos factos provados que, por força do disposto no art. 54º-2 do CPC, o exequente intentou a presente acção executiva contra a BBB, Lda, porque da mesma é credor em virtude de sentença judicial condenatória, e contra (…) porque este adquiriu da devedora BBB, a 7/7/2008, um imóvel onerado com uma hipoteca judicial, nos termos do art. 710º do CC, constituída pelo exequente em data anterior àquela transmissão (registo de 25/6/2008). Efectuada a penhora do imóvel em questão a 14/6/2014, veio o mesmo a ser vendido judicialmente no âmbito destes autos a 20/8/2018. Já o adquirente e executado Rui Tavares foi declarado insolvente a 20/9/2018, ou seja, exactamente um mês depois. Escreveu-se no despacho recorrido que “a questão em apreço nestes autos é, na verdade, muito simples, quanto a nós” ali se entendendo que como à data da venda o imóvel tinha como titular do direito de propriedade o executado (…), que agora é insolvente, e ainda não foi dado pagamento aos credores nesta execução, a execução tem de suspender-se, os credores desta execução têm de reclamar os seus créditos no processo de insolvência e o produto da venda judicial do imóvel obtido nestes autos transferido para os autos de insolvência. Ora ainda que admitindo que a questão a dirimir possa eventualmente ser muito simples, como se diz no despacho recorrido, nem por isso a mesma dispensava mais alguma aprofundada reflexão, sendo que a solução ali encontrada não se mostra, nem acertada, nem consentânea com as normas legais aplicáveis que lhe estão subjacentes que, aliás, o mesmo despacho nem sequer explicitamente invoca ou refere. Vejamos então. Decorre do art. 149º-1-a) do CIRE que proferida a sentença declaratória de insolvência procede-se à imediata apreensão de todos os bens integrantes da massa insolvente, ainda que tenham sido arrestados ou penhorados, seja em que processo for. Da interpretação deste preceito já se ocuparam recentemente o Ac. da Rel. do Porto de 21/11/2016, P. nº 335/12.0TYVNG-G.P1 (Rel. Desemb. Carlos Querido) bem como o Ac. do STJ de 21/3/2017 (Rel. Cons. José Rainho) que recaiu sobre recurso de Revista apresentado daquele Ac. da Rel. do Porto, disponíveis, respectivamente, em www.dgsi.pt/jtrp e www.dgsi.pt/jstj. Ora naquele Ac. do STJ muito claramente se escreveu que “É verdade, entretanto, que o art. 149.º (v. nº 1 alínea a)) do CIRE estabelece que, decretada a insolvência, se procede à apreensão de todos os bens integrantes da massa insolvente, ainda que estes tenham sido, e nomeadamente, arrestados ou penhorados. Simplesmente, os bens arrestados ou penhorados de que aí se fala são os bens assim onerados para garantia de créditos sobre o insolvente, e não de créditos sobre o terceiro que depois transmitiu os bens ao insolvente. Quanto a este terceiro, repete-se, a transmissão dos bens onerados com tais garantias feita pelo seu devedor é ineficaz, tudo se passando como se não tivesse ocorrido. Ora, como se aponta adequadamente no acórdão recorrido (corrigindo assim os equívocos da sentença da 1ª instância), in casu a sociedade insolvente não é a devedora do credor Condomínio (o Autor do presente processo), nem foi contra ela que o arresto foi requerido e decretado. A devedora do Autor é bem a sociedade CC, Lda., que transmitiu à Insolvente as frações mas levando estas consigo o dito encargo (arresto). E assim e em rigor as frações em causa não integram (pelo menos no imediato) a massa insolvente, podendo e devendo dela ser afastadas (conforme o art. 141º, nº 1, alínea c,) in fine do CIRE), sem prejuízo de o remanescente (após a venda judicial) poder vir a reverter para a massa (o que de certa forma equivale a uma espécie de apreensão mediata). Exatamente como resulta do acórdão recorrido.” Não havendo qualquer dúvida nos autos que (…) não é devedor do exequente, mas apenas aquela pessoa que adquiriu o imóvel da devedora BBB então já onerado com hipoteca judicial e sobre o qual veio, consequentemente, a recair a penhora dos autos e posterior venda judicial, tanto bastaria para a improcedência da perspectiva acolhida no despacho recorrido e acompanhada pelo credor reclamante Banco (…). Há, porém, outos aspectos a considerar no caso concreto que agora nos ocupa. Como se viu, o art. 149º-1 do CIRE determina a apreensão de todos os bens integrantes da massa insolvente. Mas quais são os bens da massa insolvente ? O conceito de “massa insolvente” está plasmado no art. 46º-1 do CIRE que nos esclarece que “abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo”. Ora, também aqui, não existem dúvidas que à data da declaração de insolvência de (…), já o imóvel em causa não pertencia ao seu património por ter sido vendido judicialmente um mês antes, pelo que, naturalmente, o mesmo não integrava a massa insolvente do mesmo. Será então, como perpassa de diversos requerimentos juntos aos autos, se deveria fazer uso do disposto no art. 149º-2 do CIRE onde se estipula que “Se os bens já tiverem sido vendidos, a apreensão tem por objecto o produto da venda, caso este ainda não tenha sido pago aos credores ou entre eles repartido” ? Também não. Aquele nº 2 do art. 149º do CIRE está relacionado com o nº 1 do mesmo preceito e com o art. 46º-1 do CIRE e, por isso, pressupõe que estamos a tratar de bens que integravam a massa insolvente à data da declaração de insolvência. Ora se, como já vimos, o imóvel vendido nesta execução não integra a massa insolvente de (…), logo não tem aqui aplicação o disposto no nº 2 do art. 149º do CIRE (veja-se em sentido divergente o Ac. do STJ de 20/5/2014, P. nº 3055/11.9TBBCL-N.G1.S1, Rel. Cons. João Camilo, disponível em www.dgsi.pt/jstj). Aliás, se através do disposto no art. 149º-2 do CIRE se pudessem atingir indiscriminadamente os efeitos de actos de disposição realizados antes da declaração de insolvência, mal se compreendia as restrições e exigências estabelecidas pelo arts. 120º e 121º do CIRE para a resolução em benefício da massa insolvente relativamente a actos prejudiciais à massa praticados dentro de dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência, o que, no caso específico dos autos, exigiria que na venda judicial do imóvel a compradora tivesse agido de má-fé (art. 120º-4 do CIRE). Perguntar-se-á então, qual é afinal o seu âmbito de aplicação ? Apesar de ter um campo de aplicação restrito, nem por isso o legislador quis deixar de acautelar a possibilidade da sua ocorrência. O referido nº 2 do art. 149º do CIRE reporta-se aos casos em que, declarada a insolvência e determinada a apreensão dos bens integrantes da massa insolvente, entre essa determinação e a concretização da apreensão ocorra a venda de qualquer bem pertencente à massa insolvente. De tudo o exposto resulta que, tendo a venda do imóvel ocorrido antes da declaração de insolvência do executado (…), não podia ter sido determinada a transferência do produto da venda aqui efectuada para os autos de insolvência. Questão diversa tem a ver com a possibilidade de se vir a apurar algum remanescente nestes autos relativamente ao produto da venda, depois de pagos todos os credores desta execução e satisfeitos os demais encargos e despesas. Apurando-se um remanescente, aí, e só nesse caso, o insolvente/executado adquire o direito a uma parte do produto da venda, o qual deverá então ser remetido para o processo de insolvência porque, nos termos do art. 46º-2 do CIRE e como atrás se viu, os bens e direitos que o insolvente adquira na pendência do processo de insolvência fazem parte da massa insolvente. Procede deste modo a apelação do exequente. IX- Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogam o despacho recorrido e determinam que o processo prossiga a sua tramitação normal, designadamente com a concretização dos pagamentos aos credores desta execução. Custas da apelação a cargo da credora reclamante Banco (…). Lisboa, 11 de Julho de 2019 DURO MATEUS CARDOSO ALBERTINA PEREIRA LEOPOLDO SOARES |