Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
128/15.2JBLSB-B.L3-9
Relator: FERNANDO ESTRELA
Descritores: PROCESSO DE ESPECIAL COMPLEXIDADE
CASO JULGADO FORMAL
REQUISITOS LEGAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/04/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I- A análise da especial complexidade de um processo, nos termos do artº 215º nº 3 do C.P.P. não se apresenta igual em todas as fase do processado uma vez que as diligências a efetuar em cada uma delas difere. Assim, pode um processo ter especial complexidade durante a fase de inquérito e depois em sede de julgamento o não ser, ou pode, pelo contrário, não ser de especial complexidade durante o inquérito, mas em fase de julgamento pode vir a sê-lo face ao número de testemunhas a ouvir, ao número de factos elencados na acusação ou pronúncia e à análise da prova documental existente nos autos que carece de ser analisada, ou seja pode existir no desenrolar do processo uma alteração dos pressupostos ou circunstâncias em que assentaram aquela decisão;
II- O Tribunal não decide em sentido contrário a um primeiro acórdão do Tribunal da Relação, nem este faz caso julgado para todas as fases do mesmo processo, quando aquele apreciou a complexidade na fase do inquérito, e agora em momento posterior se volta a discutir tal questão em fase de julgamento com base na sobrevinda  alteração dos pressupostos de facto onde aquela se tinha ancorado, e a decisão é alterada;
III- A violação de caso julgado formal apenas pode afirmar-se se não tiver ocorrido qualquer alteração superveniente das condições que se verificavam e foram atendidas na decisão inicial, enquadrada num conjunto de circunstâncias que, em parte, não existiam e nem sequer eram previsíveis à data em que a decisão recorrida e confirmada pelo Tribunal da Relação foi proferida. Ora verificando-se “in casu” a alteração superveniente dos pressupostos que levaram, á prolação da segunda decisão inexiste qualquer violação de caso julgado formal.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 9.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – No Proc. n.º 128/15.2JBLSB-B, da Comarca de Lisboa, Juízo Central Criminal de Lisboa, Juiz 2, por despacho judicial de 30 de novembro de 2018, foi declarada a especial complexidade relativamente aos presentes autos em que é  arguido AA nos termos do art. 215.° n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Penal.
 
II – Inconformado, o arguido AA interpôs recurso formulando as seguintes conclusões:
1. O Tribunal a quo, com o Despacho que declara a especial complexidade do processo, efetua uma interpretação inconstitucional do artigo 215° n° do Código de Processo Penal, do Código de Processo Penal, através da qual a invocação da alteração dos pressupostos de facto de decisão anterior sobre a mesma matéria permite ultrapassar a exceção de caso julgado e a autoridade de caso julgado em processo penal, interpretação esta que viola o disposto nos artigos 219° n°1, 20° n°s 1 e 4 e 32° n°1 da Constituição da República Portuguesa, artigo 6° n°1 e n°3, alínea a) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e artigos 47°, 2° paragrafo e 48°, 2° paragrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, na medida em que viola o princípio da legalidade, o princípio do acesso a um processo justo e equitativo, o princípio da igualdade de armas e da proibição da indefesa, o princípio da lealdade processual, o princípio da vinculação temática da acusação e o princípio do respeito pela Autoridade de Caso Julgado, coartando os mecanismos de defesa dos Arguidos, que se vêm assim privados de invocar a seu favor uma decisão favorável já transitada em julgado e que tem implicações diretas com o prazo de manutenção das medidas privativas de liberdade a que se encontram sujeitos.
2. Face o exposto, verificando-se a violação do disposto nos artigos 219° n°1, 20° nos 1 e 4 e 32° n°1 da Constituição da República Portuguesa, artigo 6° n°1 e n°3, alínea a) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e artigos 47°, 2° paragrafo e 48°, 2° paragrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, a Douta Decisão Instrutória encontra-se inquinada por invalidade, nos termos do disposto no artigo 3° n°3 da Constituição da República Portuguesa, a qual deve ser declarada, para todos os efeitos legais.
3. O Tribunal Recorrido nunca poderia declarar, com o seu despacho de 30 de novembro de 2018, a especial complexidade dos presentes Autos, uma vez que existe decisão já transitada em julgado sobre esta matéria no âmbito do presente processo, mormente o Acórdão de 11 de julho de 2018, proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, com o número de processo 128/15.2JBLSB-G.L1 -3, que manteve a douta decisão recorrida, ou seja, não declarando a especial complexidade do presente processo de acordo com a decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz de Instrução.
4. O Acórdão acima referenciado encontra-se, pois, transitado em julgado, tendo-se formado caso julgado sobre o facto submetido à apreciação do Tribunal superior e novamente colocado à apreciação - a especial complexidade - o que equivale a dizer que, com tal decisão, encontra-se este Tribunal vinculado intraprocessualmente à mesma, de onde resulta a preclusão de qualquer poder de nova apreciação sobre este tema e, acima de tudo, a imutabilidade dos pressupostos em que assenta a não verificação, in casu, da especial complexidade.
5. Mesmo que tal não se verificasse e não se encontrasse o Tribunal a quo impedido de sobre esta matéria se pronunciar novamente, o ora Arguido toma seu a decisão vertida no Aresto supra citado, ou seja, não se verificam os pressupostos de declaração da especial complexidade, pois inexistem, neste momento processual, qualquer dificuldade de investigação, por força da prolação do despacho de acusação, nem se verifica, como já firmado, qualquer especial organização do crime em análise, não tendo sido, sequer, utilizadas técnicas de investigação extraordinárias ou extremamente complexas.
6. Na verdade, em vista da devida estabilização processual e da preservação do exercício das garantias de defesa e, sobretudo, do contraditório, sendo a acusação que define o objeto do julgamento, os limites de cognição do tribunal e a extensão do caso julgado, a especial complexidade nunca poderá ser apreciada mais de uma vez no mesmo processo.
7. Inclui-se ainda no princípio da vinculação temática, após a prolação do Despacho de Acusação, a anterior decisão sobre a não verificação dos pressupostos de que depende a especial complexidade do processo.
8. Do mesmo modo, a autoridade do caso julgado visa evitar que a questão decidida pelo órgão jurisdicional possa ser validamente definida, mais tarde, em termos diferentes por outro ou pelo mesmo tribunal e que possui também um valor enunciativo, que exclui toda a situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na decisão transitada e afasta todo o efeito incompatível, isto é, todo aquele que seja excluído pelo que foi definido na decisão transitada.
9. Assim, quando a anterior decisão que estabelece não ser aplicável ao caso sub judice a especial complexidade do processo se encontrar já transitada, não é possível que nova decisão venha colocar a mesma em causa, ofendendo assim o caso julgado já formado no processo, relativamente à mesma matéria em apreço.
10. Termos em que, sob pena de violação da exceção de caso julgado e, do mesmo modo, em obediência à autoridade do caso julgado, nunca poderá ser declarada a especial complexidade dos presentes Autos, em função da decisão já anteriormente transitada em julgado que determinou não ser aplicável aos presentes Autos tal especial complexidade.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverão:
1. Julgar o presente Recurso procedente, por provado e, consequentemente,
2. Revogar a douta decisão recorrida, por violação da autoridade de caso julgado e da exceção de caso julgado, declarando não poder ser declarada a especial complexidade dos Autos quando decisão anterior, já transitada em julgado, determinou não ser encontrarem preenchidos os requisitos do artigo 215° n°s 3 e 4 do Código de Processo Penal.

III – Em resposta, veio o Ministério Público na 1.ª instância manifestar-se no sentido da improcedência do recurso interposto.

IV- Transcreve-se a decisão recorrida.
Tendo os arguidos sido notificados para se pronunciarem quanto à declaração de especial complexidade veio o ilustre procurador a não se opor tendo os mandatários se oposto, alegando que durante o inquérito houve já decisão proferida em sede de recurso pelo Tribunal da Relação decidir tal questão e a não considerar de especial complexidade o inquérito.
Cumpre decidir.
Antes de mais cumpre distinguir as fases processuais que um processo ao longo da sua decorrência pode ter, sendo que a complexidade numa determinada fase pode não existir noutra fase e vice-versa.
Com efeito, a análise da complexidade de um processo não se apresenta igual em todas as fase do processado uma vez que as diligências a efetuar em cada uma delas difere. Assim, pode um processo ter especial complexidade durante a fase de inquérito e depois em sede de julgamento o não ser, ou pode, pelo contrário, não ser de especial complexidade durante o inquérito mas em fase de julgamento pode vir a sê-lo face ao número de testemunhas a ouvir, ao número de factos elencados na acusação ou pronúncia e à análise da prova documental existente nos autos que carece de ser analisada.
Assim, com o devido respeito pela opinião contrária, o Tribunal não decide em sentido contrário a um acórdão do Tribunal da Relação nem este faz caso julgado para todas as fases de um processo, quando aquele apreciou a complexidade na fase do inquérito e agora se volta a discutir tal questão em fase de julgamento. E isto porque se alteraram os pressupostos de facto onde assentou a dita decisão.
Com efeito, à data da prolação do referido acórdão os arguidos investigados eram 41 (quarenta um), pelo crime de tráfico de estupefacientes. Agora os arguidos que vão a julgamento são 66 (sessenta seis), não só pelo crime de tráfico de estupefacientes agravado, mas também pelos crimes de branqueamento de capitais, detenção de arma proibida e associação criminosa; o processo conta já com 33 volumes e 61 (sessenta e um) apensos; a acusação/pronúncia tem 270 artigos e engloba os NUIPC 597/17.OT9LSB, NUIPC 88/16.2SVLSB, NUIPC 83/17.4PQLSB, além de que, quanto à prova testemunhal há que atender, para além da prova indicada pela acusação, ao rol apresentado pelos sessenta e seis arguidos.
Aliás foi esta ponderação que determinou que no momento da distribuição estes autos fossem distribuídos como de especial complexidade.
Ora, neste momento, para atender à especial complexidade ou não destes autos, há que tomar em consideração as diligencias que o Tribunal terá que realizar em sede de julgamento. Assim, há que conjugar o elevado número de factos que constam da acusação (270) e que carecem de prova, à delonga previsível na inquirição das testemunhas quanto a declarações, com a necessidade de se proceder à análise dos diversos relatórios periciais, com especial relevo para a perícia financeira e que compreende mais de duzentas páginas - fls. 9450 a 9663 - a análise das interceções telefónicas que abrangem vários apensos, as informações bancárias e fiscais juntas aos autos, para além dos autos e diligências de busca e CRCs dos arguidos e ainda posteriormente os relatórios sociais atinentes aos sessenta e seis arguidos.
Por tudo isto o Tribunal entende declarar de especial complexidade estes autos, nos termos do art. 215°, n°3 do CPP.
(…)

VI – Nesta Relação a Exma Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.

VII - Cumpre decidir.
1. O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cf., entre outros, os Acs. do STJ de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respectivamente, nos BMJ 451° - 279 e 453° - 338, e na CJ ( Acs. do STJ), Ano VII, Tomo I, pág. 247, e cfr. ainda, arts. 403° e 412°, n° 1, do CPP).
2. O recurso será julgado em conferência, atento o disposto no art.º 419.º n.º 3 alínea b) do C.P.Penal.
3. Recorre o arguido do despacho judicial de 1 de Abril de 2016, que declarou os autos de especial complexidade, nos termos do disposto no art.º 215.º n.º 3 do C.P.Penal.
4. Vejamos.
Verifica-se que, na forma, o despacho recorrido não contém qualquer irregularidade – encontra-se claro e conciso, fundamentado, aplicando correctamente o facto à lei, e o raciocínio no mesmo plasmado revela-se perfeitamente cristalino e clarividente para qualquer destinatário normal e médio, que é o suposto ser querido pela ordem jurídica, não merecendo qualquer dúvida de interpretação, não sendo, em consequência, merecedor, nesta parte, de crítica (vd. art.º 97.º n.º 5 do C.P.Penal).
Como aponta Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal, Ed Univ. Católica, pag.268,a fundamentação “é um raciocínio argumentativo que possa ser entendido e reproduzido (nachvollziehbar) pelos destinatários da decisão”.
 Em conclusão, o despacho obedeceu ao requisito da fundamentação consagrado no art. 97.°, n.° 5, do Código de Processo Penal.
5. A decisão judicial recorrida declarou os presentes autos de especial complexidade por, respectivamente, considerar verificados os requisitos previstos no artigo 215.°, n.° 3, do Código de Processo Penal e por considerar que

6. Vejamos.
Vem o arguido recorrer do despacho que declara a especial complexidade do processo. Alega, em síntese que:
- Ao invocar a alteração dos pressupostos de facto de decisão anterior para ultrapassar a excepção de caso julgado, a decisão recorrida efectua uma interpretação inconstitucional do art. 215° do Código de Processo Penal e viola os arts. 219°, n°1, 20°, n°s 1 e 4 e 32°, n°1 da Constituição da República Portuguesa, art. 6°, n°1 e n°3, al. a) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e arts. 47°, n°2 e 48°, n°2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
- O Tribunal recorrido nunca poderia declarar, com o seu despacho de 30/11/2018 a especial complexidade dos presentes autos uma vez que existe já decisão transitada em julgado sobre esta matéria no âmbito do presente processo, mormente o acórdão de 11/7/2018, proferido pelo Venerando Tribunal da Relação que manteve a decisão recorrida, ou seja, não declarando a especial complexidade de acordo com a decisão proferida pelo Mmo. Juiz de Instrução.
- O Tribunal recorrido encontra-se vinculado intraprocessualmente ao acórdão do Tribunal da Relação, donde resulta a preclusão de qualquer poder de nova apreciação sobre este tema e, acima de tudo, a imutabilidade dos pressupostos em que assenta a não verificação, in casas, da especial complexidade.

Termina requerendo a revogação do despacho recorrido, por violação da autoridade do caso julgado e a sua substituição por outro que determine não poder ser declarada a especial complexidade dos autos quando decisão anterior, já transitada em julgado entendeu não estarem preenchidos os requisitos do art. 215°, n°s 3 e 4 do Código de Processo Penal.
Entendemos não assistir razão ao recorrente pelas razões que em seguida se explanam, que no essencial se reconduzem aos fundamentos do próprio despacho recorrido, com cuja fundamentação concordamos inteiramente.
A análise da complexidade de um processo depende de uma análise concreta em cada fase processual uma vez que as diligências a efectuar em cada uma delas difere. Assim, pode um processo ter especial complexidade durante a fase de inquérito e deixar de ter em sede de julgamento ou o contrário também pode suceder face ao número de testemunhas a ouvir, ao número de factos elencados na acusação ou pronúncia e à análise da prova documental existente nos autos que carece de ser analisada.
Assim, o Tribunal a quo não decidiu em sentido contrário ao acórdão do Tribunal da Relação nem este faz caso julgado para todas as fases do processo, quando aquele apreciou a complexidade na fase do inquérito e agora se volta a discutir tal questão em fase de julgamento. E isto porque se alteraram os pressupostos de facto onde assentou a dita decisão.
Com efeito, como se salienta na decisão recorrida, "à data da prolação do referido acórdão os arguidos investigados eram 41 (quarenta uni), pelo crime de tráfico de estupefacientes. Agora os arguidos que vão a julgamento são 66 (sessenta seis), não só pelo crime de tráfico de estupefacientes agravado, mas também pelos crimes de branqueamento de capitais, detenção de arma proibida e associação criminosa; o processo conta já com 33 volumes e 61 (sessenta e um) apensos; a acusação/pronúncia tem 270 artigos e engloba os NUIPC 597/17.0T9LSB, NUIPC 88/16.2SVLSB, NUIPC 83/17.4PQLSB, além de que, quanto à prova testemunhal há que atender, para além da prova indicada pela acusação, ao rol apresentado pelos sessenta e seis arguidos".
Assim, para apreciar no momento actual a especial complexidade dos presentes autos, a Mma. Juiz a quo tomou em consideração - como não poderia deixar de ser - as diligências que o Tribunal terá que realizar em sede de julgamento, conjugando "o elevado número de factos que constam da acusação (270) e que carecem de prova, à delonga previsível na inquirição das testemunhas quanto a estes factos, para além do depoimento de sessenta e seis arguidos caso pretendam prestar declarações, com a necessidade de se proceder à análise dos diversos relatórios periciais, com especial relevo para a perícia financeira e que compreende mais de duzentas páginas, a análise das intercepções telefónicas que abrangem vários apensos, as informações bancárias e fiscais juntas aos autos, para além dos autos e diligências de busca e CRCs dos arguidos e ainda posteriormente os relatórios sociais atinentes aos sessenta e seis arguidos."
Ora, uma breve análise da Jurisprudência dos Tribunais superiores permite efectivamente distinguir duas situações distintas, sendo que a violação de caso julgado formal apenas pode afirmar-se se não tiver ocorrido alteração superveniente das condições que se verificavam e foram atendidas na decisão inicial.
Numa situação em que o tribunal decide, por despacho transitado em julgado a respeito da excepcional complexidade, não pode o mesmo tribunal e no mesmo processo e perante idêntico quadro factual e jurídico, pronunciar-se novamente em sentido contrário, pois violaria o caso julgado formal.
Situação diversa é a dos autos, na qual, tal como sucedia no caso apreciado, por exemplo, no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto no Processo n° 881/16.6JAPRT-AP.P12, existe uma efectiva alteração do quadro factual e jurídico que justifica uma análise diversa. Transcreve-se um trecho do mencionado acórdão, cujo conteúdo é bastante esclarecedor e similar ao do presente recurso:
"Sustenta o recorrente que o tribunal a quo não podia ter decretado a especial complexidade dos autos porquanto a questão já havia sido suscitada e apreciada anteriormente, a propósito do alargamento do prazo para requerer a abertura de instrução, obtendo resposta negativa, confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido a 24 de Abril de 2017, estando em causa a mesma questão e sujeitos processuais, sendo apenas diversa a fase processual (julgamento).
Por seu turno, o tribunal a quo sufragou o entendimento de que o substrato material sobre que incidiu o juízo de declaração de especial complexidade não era o mesmo, considerando não verificada a excepção de caso julgado formal.
Consoante já anteriormente se explicitou, a violação de caso julgado formal apenas pode afirmar-se se não tiver ocorrido alteração superveniente das condições que se verificavam e foram atendidas na decisão inicial.
 Como é bom de ver, não é esse o contexto e substrato material referenciado na decisão ora recorrida, relativamente à questão da especial complexidade, enquadrada num conjunto de circunstâncias que, em parte, não existiam e nem sequer eram previsíveis à data em que a decisão recorrida e confirmada pelo Tribunal da Relação foi proferida. Nestes termos, tem que improceder, por infundada, a assinalada violação de caso julgado formal."
Em face do exposto, concluímos que o despacho a quo não padece dos vícios invocados ou de quaisquer outros, encontra-se bem fundamentado e de acordo com a lei, pelo que deverá ser mantido na íntegra.
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Consta do despacho judicial recorrido e proferido a 11 de novembro de 2018:
Com efeito, a análise da complexidade de um processo não se apresenta igual em todas as fase do processado uma vez que as diligências a efetuar em cada uma delas difere. Assim, pode um processo ter especial complexidade durante a fase de inquérito e depois em sede de julgamento o não ser, ou pode, pelo contrário, não ser de especial complexidade durante o inquérito mas em fase de julgamento pode vir a sê-lo face ao número de testemunhas a ouvir, ao número de factos elencados na acusação ou pronúncia e à análise da prova documental existente nos autos que carece de ser analisada.
Assim, com o devido respeito pela opinião contrária, o Tribunal não decide em sentido contrário a um acórdão do Tribunal da Relação nem este faz caso julgado para todas as fases de um processo, quando aquele apreciou a complexidade na fase do inquérito e agora se volta a discutir tal questão em fase de julgamento. E isto porque se alteraram os pressupostos de facto onde assentou a dita decisão.
Com efeito, à data da prolação do referido acórdão os arguidos investigados eram 41 (quarenta um), pelo crime de tráfico de estupefacientes. Agora os arguidos que vão a julgamento são 66 (sessenta seis), não só pelo crime de tráfico de estupefacientes agravado, mas também pelos crimes de branqueamento de capitais, detenção de arma proibida e associação criminosa; o processo conta já com 33 volumes e 61 (sessenta e um) apensos; a acusação/pronúncia tem 270 artigos e engloba os NUIPC 597/17.OT9LSB, NUIPC 88/16.2SVLSB, NUIPC 83/17.4PQLSB, além de que, quanto à prova testemunhal há que atender, para além da prova indicada pela acusação, ao rol apresentado pelos sessenta e seis arguidos.
Aliás foi esta ponderação que determinou que no momento da distribuição estes autos fossem distribuídos como de especial complexidade.
Ora, neste momento, para atender à especial complexidade ou não destes autos, há que tomar em consideração as diligencias que o Tribunal terá que realizar em sede de julgamento. Assim, há que conjugar o elevado número de factos que constam da acusação (270) e que carecem de prova, à delonga previsível na inquirição das testemunhas quanto a declarações, com a necessidade de se proceder à análise dos diversos relatórios periciais, com especial relevo para a perícia financeira e que compreende mais de duzentas páginas - fls. 9450 a 9663 - a análise das interceções telefónicas que abrangem vários apensos, as informações bancárias e fiscais juntas aos autos, para além dos autos e diligências de busca e CRCs dos arguidos e ainda posteriormente os relatórios sociais atinentes aos sessenta e seis arguidos.
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Como doutamente se sustenta no sumário do Acórdão do para Supremo Tribunal de Justiça de 26 de janeiro de 2005 (relatado pelo Exmo. Conselheiro Henriques Gaspar, in www.dgsi.pt), "1. A noção de 'excepcional complexidade' do artigo 215°, n° 3 do CPP está, em larga medida, referida a espaços de indeterminação, pressupondo uma integração densificada pela análise e ponderação de todos os elementos do respectivo procedimento; a integração da noção exige uma exclusiva ponderação sobre todos os elementos da configuração processual concreta, que se traduz, no essencial, em avaliação prudencial sobre factos.
2. A especial complexidade constitui, no rigor, uma noção que apenas assume sentido quando avaliada na perspectiva do processo, considerado não nas incidências estritamente jurídico-processuais, mas na dimensão factual do procedimento enquanto conjunto e sequência de actos e revelação interna e externa de acrescidas dificuldades de investigação com refracção nos termos e nos tempos do procedimento."
Mais, conforme consta do sumário (n.° 2) do Acórdão da Relação de Lisboa de 5 de Maio de 2015 (processo n.° 213/12.2TELSB-A.L1-5), "Visando a realização de diligências necessárias à investigação, que se não fora a declaração de excepcional complexidade não podiam ser feitas no prazo legalmente estabelecido, na ausência de uma definição legal e não sendo exaustiva a enumeração legal constante do n.°3 do artigo 215.° do CPP, a especial complexidade do processo tem de ser aferida, face ao caso concreto, com base na ponderação de todas as circunstâncias relevantes para avaliar as dificuldades suscitadas pela investigação."
A propósito, cumpre aludir a um inquérito (3317/14.3JFLSB) em que também se investigava "apenas" a atuação criminosa de um arguido, solicitador e agente de execução (já acusado por crimes de peculato, falsidade informática e abuso de poder e a aguardar o início de julgamento), não tendo o Tribunal da Relação de Lisboa deixado de confirmar o acerto da declaração de excecional complexidade desses autos (de que se junta cópia por não se ter encontrado o mesmo no site da DGSI).
Comparativamente, o objeto desta investigação nada fica a dever, em termos de complexidade, àquele, pelo que, à luz da invocada jurisprudência, não divisamos como poderia não ser declarada a excecional complexidade dos presentes autos, não sendo justificável abdicar antecipadamente de investigar uma parte substancial da atuação grave do arguido neste processo, sob pena, como se disse já, da pena a aplicar-lhe ficar muito aquém da verdadeira (e alargada) dimensão da sua atuação criminosa e, consequentemente, do mesmo obter um benefício ilegítimo.
No que tange à alegada impossibilidade da excecional complexidade poder ser declarada na data em que o foi, o arguido recorrente carece de razão, pois, salvo o muito e devido respeito pelo douto Acórdão por si citado, uma coisa é a elevação do prazo de duração máxima de prisão preventiva e outra, bem distinta, a do inquérito, não estando uma dependente da outra, tratando-se tão só de uma referência ínsita no art. 276° ao art. 215° do Código de Processo Penal para aquele efeito. Caso contrário, não seria possível declarar essa excecional complexidade em fases mais adiantadas da 1.ª instância (art. 215° n.° 4), como aliás tem ocorrido, com o consequente alargamento, por exemplo, não só dos prazos de prisão preventiva como dos de recurso (art. 107° n.° 6 do Código de Processo Penal). Uma eventual ultrapassagem dos prazos do inquérito tem como consequência o disposto no art. 276° n.°s 6 a 8 do CPP, assim como a cessação do segredo interno, mas não aquela pela qual o arguido pugna.
Acresce que inexiste qualquer das inconstitucionalidades invocadas, visto que, conforme se decidiu no Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 287/2005, "não se esgotam nos casos [aí] referidos, porventura paradigmáticos, as possibilidades de aplicação do preceito em causa, podendo circunstâncias várias da investigação justificar idêntica ponderação."
No que concerne à dimensão dos autos, é de frisar somente que estes contam já com dezenas de apensos (mais de meia centena), alguns com vários volumes, pelo que também este argumento não é de acolher.
Quanto às, infundadas, dúvidas que o arguido recorrente levanta sobre a não subsunção dos factos, por si cometidos e confessados, ao crime de peculato, dão-se aqui por reproduzidas as doutas decisão judicial e o Acórdão que mantiveram o arguido em OPHVE, sendo que o segundo julgou manifestamente improcedente o recurso do arguido.”
 Concluindo:
- afigura-se, assim, que o inquérito se reveste de excepcional complexidade, e o cabal esclarecimento dos factos depende do seu reconhecimento, sob pena de parte substancial da grave conduta ilícita do arguido e outros eventuais suspeitos ficar por apurar;
- o despacho encontra-se fundamentado  e foi observado o contraditório;
- sendo certo  que “quando o procedimento for por um dos crimes referidos na lei e se revelar de excepcional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime.” bem decidiu o tribunal a quo em declarar os autos como de especial complexidade.
Não foram violados pelo despacho recorrido quaisquer normas legais e /ou constitucionais maxime o disposto no art.° 193.°, n.°s 1 a 3, do C. de Processo Penal e no art.° 28.°, n.° 1 da Constituição da Republica Portuguesa.

“13. O juiz pode declarar a excepcional complexidade a requerimento do Ministério Público e ouvidos o arguido e o assistente. O juiz também pode declarar a excepcional complexidade oficiosamente, depois de ter ouvido o Ministério Público, o arguido e o assistente. A omissão desta audição constitui uma nulidade sanável, porque se trata de uma diligência obrigatória para os efeitos do artigo 120f, n." 2, al.' d) (ficando prejudicada a jurisprudência do acórdão do TRP, de 15.3.2000, in CJ, XXV, 2, 235, que decidiu que o juiz pode não ouvir o arguido, devendo fundamentar a desnecessidade dessa audição, sob pena de irregularidade).
14. A declaração de complexidade pode ser feita já depois de proferida a sentença condenatória (acórdão do STJ, de 1.7.1993, in BMJ, 429, 627) e pode mesmo ser declarada pelo TR (acórdão do TC rif 287 / 2005, na sequência do acórdão do TC n." 686/2004).
15. O critério material é fixado exemplificativamente no artigo 215.", n." 3, do CPP, indicando a lei dois critérios: o número de arguidos ou de ofendidos ou o ca¬rácter altamente organizado do crime (exemplo paradigmático é o do acórdão do TRL, de 6.6.2007, in CJ, XXXII, 3, 133, que se refere à "dimensão do processo traduzida na variada e abundante documentação recolhida, na expedição de 17 cartas rogatórias (expedidas para oito países, nelas sendo visadas 21 em¬presas"). O artigo 2.", n." 1, al." a) do Decreto-Lei n." 93 /2003, de 30.4, define o conceito de especial complexidade no âmbito da criminalidade tributária, indicando os seguintes critérios: a multiplicidade de crimes e a sua dispersão territorial, o elevado número de arguidos, órgãos sociais fictícios, a utilização de territórios dotados de regimes fiscais claramente mais favoráveis, fluxos fictícios de mercadorias, grande número de documentação ou facturação fal¬sificada respeitante a negócios simulados. A declaração deve, pois, fundar-se em factores objectivos que coloquem uma dificuldade adicional, acrescida, de natureza excepcional, ao juiz, não sendo por isso suficientes factores de natu¬reza subjectiva. Assim, a repercussão social do crime ou a especial notorieda¬de do arguido não são, em si, motivos suficientes para a declaração.
16. O despacho judicial que declara ou rejeita a declaração de excepcional complexidade de um processo é fundamentado, notificado aos sujeitos processuais e recorrível (desde logo, acórdão do STJ, de 11.4.1991, in CJ, XVI, 2, 20). Trata-se de um despacho que confere direitos e impõe deveres processuais com base numa valoração vinculada de critérios objectivos e, por isso, não é um despacho discricionário. A circunstância da excepcional complexidade só poder ser declarada na primeira instância nos termos do artigo 215.", n." 4, não obsta à interposição do recurso de despacho de indeferimento do pedido de declaração de excepcional complexidade, pois o propósito do legislador foi apenas o de limitar o poder de determinação pelo TR de motu próprio da excepcional complexidade, mas não o de restringir o âmbito do princípio da recorribilidade das decisões judiciais e o poder de cognição do tribunal de recurso (artigo 3991.
17. A declaração de excepcional complexidade tem as seguintes consequências:
a. O alargamento dos prazos da prisão preventiva, proibição e imposição de condutas e obrigação de permanência na habitação;
b. A possibilidade da prorrogação dos prazos previstos nos artigos 78.º, 287.º, 315.º e 411.º, n.º 1 e 3;
c. A possibilidade de alargamento do limite do número de testemunhas (artigo 283.º, n.º 7, e artigo 315.º, n.° 4);
d. A possibilidade de o juiz presidente mandar dar vista aos juízes asas do tribunal colectivo por prazo não superior a oito dias (artigo 314.º n.° 3)
e. O alargamento do prazo para alegações e réplica (artigo 360.º n.º 3)
f. O reenvio do processo sumário para a forma comum (artigo 390.º, al.ª c).
18. Feita a declaração de excepcional complexidade num processo, ela vale para todos os processos que sejam extraídos desse, por separação de processos (acórdão do TRG, de 23.1.2006, in CL XXXI, 1, 290).

VIII - Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, sendo de 3UC a taxa de justiça.
 (Acórdão elaborado e revisto pelo relator-vd art.º94.º n.º2 do C.P.Penal)      
Lisboa, 4 de Abril de 2019

Fernando Estrela
Guilherme Castanheira