Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
13638/17.8T8LRS.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: PRESCRIÇÃO PRESUNTIVA
INCOMPATIBILIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. Se o devedor impugna parte indeterminada do crédito do credor, dizendo que nessa parte o crédito é de terceiro e que já pagou o devido a este, não pode, ao mesmo tempo, por incompatibilidade lógica, invocar a prescrição presuntiva do crédito invocado pelo autor (art. 317 do CC).
II. Se o devedor não impugna a decisão da matéria de facto, de onde constam os factos necessários à conclusão da constituição do crédito e não constam os necessários à conclusão do cumprimento, e o devedor não beneficia da prescrição presuntiva, o recurso por ele deduzido tem necessariamente de improceder.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

N e S intentaram em 29/12/2017 uma acção contra S-SA, pedindo que esta fosse condenada a pagar-lhes 13.300€, acrescidos de IVA à taxa legal, bem como juros de mora à taxa comercial vencidos no valor de 8049,24€ e vincendos até ao seu integral e efectivo pagamento.
Alegaram para tanto, em síntese, que celebraram com a ré um contrato de prestação de serviços; realizaram os trabalhos acordados, com o valor de 29.500€ + 2800€ = 32.300€ (a que acresce iva); a ré só pagou 19.000€; este valor devia ter sido pago desde a data da emissão da licença de utilização, 30/11/2009.
A ré excepcionou o pagamento do crédito e a prescrição presuntiva do art. 317/-c do CC, pois que diz, na parte que importa: o crédito em causa, para além de se encontrar totalmente pago, há muito havia prescrito; com efeito, o dito crédito resulta de serviços prestados pelos autores, logo no exercício de profissão liberal, crédito que, nos termos do art. 317/-c do CC, prescreve no prazo de 2 anos; estando vencido desde 30/11/2009 até à citação da ré para a presente acção passaram 8 anos e cerca de um mês, logo muito mais do que os 2 anos necessários para a prescrição operar; e depois impugna, dizendo que todos os serviços contratados pela ré aos autores e efectivamente prestados por estes, foram pagos no momento próprio nada lhe sendo devido; parte dos serviços [cujo pagamento é] pedido pelos autores ainda não se encontravam concluídos em 2006 (licença de utilização de 2009) e por isso integraram um outro projecto solicitado à e elaborado pela T-Lda., por indicação dos autores, projecto esse já pago pela ré [como resultaria de uma confissão consubstanciada num artigo de uma petição inicial de uma acção posta pela T-Lda contra a ré]; os juros, por tudo o que acima se disse, não podem ser calculados à taxa comercial e, a serem devidos, tal apenas aconteceria a partir da citação para a presente acção; conclui pela procedência da excepção de prescrição ou pela improcedência da acção, em qualquer dos casos com a consequente absolvição da ré do pedido.
No despacho saneador foi julgada improcedente a excepção peremptória de prescrição presuntiva e procedente a acção, por provada, condenando-se a ré a pagar aos autores 13.300€, acrescido de IVA à taxa de legal, a título de capital, acrescidos de juros de mora desde 31/11/2009, à taxa de juro supletiva comercial.
A ré recorre desta sentença – para que seja revogada e substituída por outra em que se absolva a ré do pedido – terminando as suas alegações com conclusões (que serão transcritas à frente) em que argúi a nulidade da sentença, outras em que defende a aplicabilidade ao caso da prescrição presuntiva do art. 317/-c do CC e outras em que defende que não há incongruência da sua impugnação com a invocação da prescrição presuntiva; para alem delas, o recurso da ré ainda tem estas conclusões:
H) Na sentença recorrida refere-se que “…em face da apreciação judicial efectuada não deverá o tribunal ser colocado na situação de contradizer uma decisão anteriormente tomada” com o que, naturalmente, a ré concorda e, por isso, entende que, também nos presentes autos, tinha que ser absolvida.
I) Acontece, contudo, que se usa de forma incorrecta a figura jurídica da autoridade do caso julgado, porquanto, tanto esta, como a própria figura do caso julgado versam, exclusivamente, sobre decisão da sentença propriamente dita e nunca sobre a decisão da matéria de facto.
J) O acórdão do STJ de 02/02/2010, proc. 690/09.9, afirma que – “(…) a problemática do respeito pelo caso julgado coloca-se sobretudo ao nível da decisão, da sentença propriamente dita, e, quando muito, dos fundamentos que a determinaram, quando acoplados àquela. Os fundamentos de facto, nunca por nunca, formam, por si só, caso julgado, de molde a poderem impor-se extraprocessualmente (…).
K) Pelo que, andou mal o tribunal recorrido ao optar pela verificação da existência de autoridade do caso julgado suportada na matéria de facto assente no proc. 837/13.0TCLRS, pois, conforme resulta da doutrina e da jurisprudência dominantes, os fundamentos de facto de uma sentença anterior não formam, só por si, caso julgado.
L) Significa isto que, não pode ser ilidida nos presentes autos a presunção de pagamento de que o ré beneficia tendo em consideração apenas um facto assente noutro processo judicial como é feito na sentença recorrida.
M) Ao invés, tendo em consideração a decisão proferida no processo 837/13.0TCLRS e o princípio da autoridade do caso julgado, não poderia a ré ter deixado de ser absolvida do pedido nos presentes autos como já havia sido naquele processo.
[…]
T) A Srª juiz a quo entendeu valorar a confissão que diz existir como extrajudicial, considerando, de seguida, que tal confissão tem força probatória plena por constar de sentença, contudo, não lhe assiste razão.
U) Na verdade, consta da sentença recorrida que “a comprovação da falta de pagamento decorre do depoimento de parte do legal representante da ré (cfr. a este propósito a transcrição do depoimento junto aos autos, mais concretamente fls. 85v).”
V) Significa isto que, tal confissão não consta da sentença proferida no proc. 837/13.0TCLRS mas, isso sim, da transcrição do depoimento do legal representante da ré aí prestado.
W) Esta transcrição constitui documento particular elaborado pelos autores, logo, sem força probatória plena.
X) Não existindo confissão de não pagamento nos presentes autos ou confissão que possa ser valorada com força probatória plena nos mesmos, não pode concluir-se que os autores ilidiram a presunção de pagamento e que, consequentemente, a quantia reclamada nos autos não se encontra paga.
Y) Não se tendo provado que a quantia reclamada nos autos não se encontra paga tem que prevalecer a excepção da prescrição presuntiva invocada e, consequentemente, a ré absolvida do pedido.
Os autores contra-alegaram, defendendo a improcedência do recurso e chamando a atenção para o facto de não ter sido impugnada a decisão da matéria de facto.
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Questões que importa decidir: a nulidade do saneador sentença; se a excepção da prescrição presuntiva devia ter sido considerada procedente e se o pedido de condenação da ré devia ter sido considerado improcedente.
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Decidindo:
O artigo 640/1 do CPC, com a epígrafe ‘Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto” dispõe que “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
A jurisprudência está actualmente estabilizada quanto ao entendimento de que pelo menos “os concretos pontos de factos que [o recorrente] considera incorrectamente julgados” têm de constar das conclusões de recurso, já que o art. 639/1 do CPC diz que “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.”
Lidas as conclusões do recurso, que se transcreveram na íntegra para o efeito, vê-se que delas não consta a indicação de nenhum concreto ponto de facto que a ré considere incorrectamente julgado, quer por ter sido dado como provado quando não o está, quer por não ter sido dado como provado apesar de o estar.
Assim sendo, os factos provados que interessam à decisão das questões a decidir, são os, e apenas os, seguintes:      
1. Os autores são arquitectos de profissão.
2. A ré é uma sociedade que se dedica à indústria da construção civil e locação de espaços.
3. A ré teve como legal representante o Eng. J, o qual era igualmente representante legal da D-Lda.
4. No início de 2002, o Eng. J – na qualidade de legal representante da D-Lda e da ré – contactou os autores no sentido de estes procederem à elaboração de um estudo prévio e de um processo de loteamento relativamente a um terreno da ré, com a área de 16.120 m2, sito no C, Estrada da P, Km 0, freguesia da P, concelho de O, no qual estavam implantados dois pavilhões industriais.
5. Após a elaboração do estudo prévio e a sua aprovação, seria da responsabilidade dos autores a elaboração dos seguintes projectos de execução das obras de urbanização: a) de arruamentos; b) de abastecimento de água; c) de abastecimento de gás; d) de saneamento básico e drenagem de águas pluviais; e) de electrificação dos lotes e iluminação pública; f) de ligação à rede de telecomunicações e g) de arranjos exteriores.
6. A ré comprometeu-se a proceder ao pagamento dos trabalhos à medida que estes fossem sendo apresentados.
7. O pagamento acordado até à aprovação do estudo prévio seria efectuado da seguinte forma: a) com a adjudicação do contrato, a ré pagaria 3600€; b) com a apresentação do estudo prévio/viabilidade na Câmara Municipal de O, a ré pagaria 3600€; c) com a aprovação do estudo prévio, a ré pagaria 3600€.
8. Os autores procederam ao estudo prévio do projecto a apresentar e entregaram em nome da ré, na CMO, em Fevereiro de 2002, o pedido de informação prévia, o qual veio a ser aprovado em 2003.
9. Após a aprovação do supra referido projecto, o Eng. J – na qualidade de legal representante da ré – solicitou aos autores uma (nova) proposta de honorários para a criação ex novo de um condomínio industrial no mesmo local, uma vez que tinha desistido da ideia inicial da construção de um loteamento, pelo facto do processo administrativo ser muito moroso.
10. A ré, depois de algumas negociações e propostas apresentadas, em Agosto de 2003, acordou com os autores que estes apresentassem um novo projecto para o lote de terreno referido em 4, comprometendo-se estes a apresentar os seguintes projectos: A – Um projecto de arquitectura composto por: a) um estudo prévio de arquitectura – peças escritas e desenhadas (escalas a 1/500 e 1/200 com a solução genérica a adoptar para o condomínio industrial; b) modelo tridimensional e c) projecto de arquitectura para licenciamento – peças escritas e desenhadas; B – Os projectos de especialidades – infra-estruturas – relativamente a: a) arruamentos; b) saneamento básico e drenagem das águas pluviais; c) estudo hidrológico/hidráulico; C – Os projectos de especialidades dos edifícios: a) de estabilidade; b) de rede de águas e esgotos; c) de isolamento térmico; d) de isolamento acústico; e) de gás; f) de ventilação; g) de segurança contra riscos de incêndios e h) escritas para licenciamento municipal.
11. Por conta do acordo, a ré comprometeu-se a pagar aos autores 29.500€ (acrescido de IVA à taxa legal).
12. A esta quantia acresciam 2800€ (+ IVA à taxa legal), relativamente ao projecto de arranjos exteriores.
13. Nos termos do acordado, a ré pagaria aos autores as referidas quantias nas seguintes ocasiões: a) com a adjudicação do projecto global, 6000€; b) com a apresentação dos projectos de arquitectura dos edifícios para licenciamento na CMO, 6000€; c) com a aprovação dos projectos de arquitectura na CMO, 6000€; d) com a apresentação dos projectos de especialidades (infra-estruturas e edifícios) na CMO, 2500€; e) com a aprovação dos projectos de especialidades na CMO, 6000€ e f) com a obtenção da licença de utilização, 3000€.
14. O valor relativo ao projecto de arranjos exteriores seria pago com a entrega do mesmo.
15. Quer os projectos de arquitectura, quer os projectos de especialidades elaborados foram aprovados pela CMO.
16. A CMO veio a emitir, em 30/11/2009, a competente licença de utilização.
17. A ré, por conta dos trabalhos realizados, pagou aos autores 19.000€.
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Da nulidade
A sentença recorrida, quanto à excepção de prescrição presuntiva deduzida pela ré, disse, em síntese, que a ré veio invocar a prescrição prevista no artigo 317/-b do CC, nos termos do qual os créditos dos comerciantes pelos objectos vendidos a quem não seja comerciante ou os não destine ao seu comércio, prescrevem no prazo de 2 anos. Ora a ré agiu, tal como os autores, na qualidade de comerciante, destinou os serviços ao seu comércio/exercício industrial. Por conseguinte, tal como decorre expressamente do artigo 317/-b do CC, não estão verificados os pressupostos de aplicação da prescrição presuntiva. A este facto não está alheia a circunstância de as sociedades terem a obrigação decorrente do artigo 40 do Código Comercial: todo o comerciante é obrigado a arquivar a correspondência emitida e recebida, a sua escrituração mercantil e os documentos a ela relativos, devendo conservar tudo pelo período de 10 anos. Veja-se o sumário do ac. do Tribunal da Relação do Porto de 15/09/2009, proc. 2635/07.1YXLSB.P1: A prescrição presuntiva, prevista na 1ª parte do art. 317/-b do CC, referente a créditos de comerciantes, só se aplica a dívidas cujos devedores não sejam comerciantes ou que, sendo-o, não destinem os objectos vendidos, que originaram a dívida, ao seu comércio. II - Não tendo a ré (devedora) impugnado a natureza comercial das relações estabelecidas entre a autora e a ré, terá este facto que se considerar admitido por acordo nos termos do art. 490/2 do CPC” [na redacção anterior a 2013].
A ré diz o seguinte a este propósito:
A) Os autores são arquitectos de profissão, sendo que, nos termos dos artigos 3/1-b e 151, ambos do CIRS, conjugados com ponto 1, do anexo I da Portaria 1011/2001, de 21/08, essa actividade é qualificada como prestação de serviços no âmbito de profissões liberais.
B) A ré menciona, desde logo, no artigo 2 da contestação, que o crédito invocado resulta de serviços prestados pelos autores no exercício de profissão liberal, crédito que, nos termos do artigo 317/- do CC, prescreve no prazo de dois anos.
C) Pelo que não existe margem para dúvidas de que o crédito em causa é enquadrável no art. 317/-c do CC e não como, erradamente, se faz na sentença recorrida no art. 317/-b do CC.
D) Na sentença em crise refere-se, no “enquadramento jurídico”, erradamente e por duas vezes, que a ré invocou a prescrição prevista no art. 317/-b do CC, o que não encontra correspondência na contestação ou em qualquer outra peça processual.
E) O Sr. juiz a quo lavrou em erro quanto ao invocado pela ré ao fundamentar a decisão, no que respeita à excepção peremptória de prescrição presuntiva, pela sua improcedência, por falta de verificação dos pressupostos previstos no art. 317/-b do CC, quando os pressupostos a verificar, por ter sido o alegado pela ré, teriam que ser os previstos no art. 317/-c do CC.
F) Logo, em ponto algum, o tribunal, por manifesto erro, se pronunciou, como, aliás, deveria, sobre a invocada aplicação do art. 317/-c do CC ao crédito que nos ocupa, conforme a ré alega na sua contestação, havendo, por isso, omissão de pronúncia quanto a esta parte.
G) Pelo que, nos termos do disposto no art. 615/1-d do CPC, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões que não podia tomar conhecimento.
Os autores respondem, em síntese, que a ré pode não concordar com a análise jurídica efectuada pelo tribunal a quo, mas a questão suscitada pela ré foi decidida, pelo que a sentença recorrida não é nula por omissão de pronúncia.
Antes de decidir, note-se que a sentença, para além do que a ré refere, também disse: [altera-se a ordem de alguns §§ - TRL]:
A consagração da prescrição presuntiva assenta na ideia de que determinado tipo de obrigações são cumpridas de forma imediata ou em curto prazo, sendo usual que o devedor não exija quitação ou não a conserva por muito tempo. Normalmente estão em causa divida do quotidiano e de reduzido valor: “[…] perante créditos emergentes da actividade profissional do credor, em regra logo satisfeitos pelo devedor ou que aquele reclama em curto prazo, que, frequentemente respeitam à satisfação de necessidades do quotidiano também frequentemente ou normalmente não atingirão valores muito elevados” – ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 29/11/2006, proc. 06A3693.
Com efeito, e tal como decorre expressamente do disposto no artigo 312 do Código Civil, está em causa a presunção do cumprimento.
Daqui decorre necessariamente que não está propriamente em crise a inércia do credor em exercer o seu direito, mas apenas a presunção de que, decorrido algum tempo, o pagamento já se terá verificado. Assim, apenas se parte do princípio de que o pagamento já se efectivou.
Por conseguinte, na prescrição presuntiva o decurso do tempo não determina a extinção da obrigação, mas apenas libera o devedor de provar o cumprimento.
[…]
A prescrição presuntiva apenas determina a inversão do ónus da prova, que deixa de onerar o devedor. Assim, este não tem de provar o pagamento; caberá ao credor o encargo de demonstrar o não pagamento. O que apenas se alcançará por confissão do devedor – artigo 313 do CC.
[…]
Ora, este tipo de defesa, que parte da alegação do cumprimento é incompatível com qualquer outro tipo de oposição que ponha em causa a existência da obrigação.
[…A] ré no seu articulado […] alega que os serviços aqui em causa foram prestados, ainda que parcialmente, por uma entidade terceira (tendo o valor correspondente sido liquidado a essa empresa). Por conseguinte, é a própria ré que acaba por ilidir qualquer suposta presunção de pagamento que pudesse existir.
Veja-se o ac. do TRP de 15/09/2009, já citado: III - Para beneficiar da prescrição presuntiva, o devedor não deve negar os factos constitutivos do direito do credor, antes deve alegar, de forma expressa, que já pagou a dívida, uma vez que, no âmbito das prescrições presuntivas, o decurso do prazo legal não extingue a obrigação, somente faz presumir o seu pagamento.
Atento o exposto, julga-se improcedente a excepção de prescrição presuntiva, por falta de verificação dos pressupostos previstos no artigo 317/-b do CC. 
Posto isto,
É evidente, face ao que antecede, que a sentença incorreu num erro de leitura da contestação e que, por isso, não teve em conta a norma jurídica concreta invocado pela ré para a prescrição deduzida.
No entanto, tal não impediu que a sentença apreciasse a questão da excepção de prescrição presuntiva deduzida, pelo que não se verificou a omissão de pronúncia quanto a ela, embora a sentença tenha de remetido, mal, para uma norma que não era aquela a que a ré se referia.
Não há pois, nulidade, mas erro da sentença, que deve ser tido em conta, o que se fará a seguir.
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A parte da sentença que se reproduziu acima é posta em causa pela ré com a matéria das seguintes conclusões:
N) A ré alega no artigo 13 da contestação que “(…) pagou aos autores todos os serviços efectivamente prestados por estes, assim como pagou à T-Lda, todos os serviços prestados por esta (…)”.
O) Logo, a ré afirma que procedeu ao pagamento aos autores do crédito resultante do serviço efectivamente prestado por estes e, bem assim, que procedeu ao pagamento, à T-Lda, do crédito resultante dos serviços prestados por esta.
P) Os serviços em causa nos presentes autos são os prestados pelos autores à ré.
Q) Assim como os serviços que foram prestados pela T-Lda lhe foram integralmente pagos.
R) A T-Lda não intentou qualquer acção contra a ré para pagamento de quaisquer outros créditos diferentes dos que nos ocupam.
S) Logo, com o alegado no artigo 13 da contestação, a ré não ilide a presunção de pagamento que existe a seu favor continuando, por isso, a beneficiar da mesma.
Os autores respondem que:
Conforme resulta dos factos definitivamente fixados – factos 10 a 17 - os autores foram contratados pela ré para efectuar os trabalhos descritos em 10, pelos quais foi acordado o pagamento da quantia total de 32.800€ [sic], acrescida de IVA à taxa legal - que resulta do somatório dos factos 11 e 12 – que tal quantia deveria ser paga nos termos definidos nos factos n.ºs 13 e 14 – e que a ré por conta destes trabalhos só [sic] pagou aos autores 19.000€ – facto 17 – faltando, consequentemente, o pagamento de 13.300€, acrescidos de IVA à taxa legal.
Como é sabido, a prescrição presuntiva não é uma prescrição extintiva, mas sim uma prescrição que se funda numa presunção de cumprimento da obrigação – cfr. resulta do artigo 312 do CC - e que determina, apenas e só, a inversão do ónus da prova. Perante os concretos factos provados e que não foram impugnados em sede de recurso, estando demonstrado factualmente que a ré apenas pagou 19.000€ relativamente aos trabalhos que adjudicou, fica, desde logo, afastada a presunção de cumprimento inerente à prescrição presuntiva, devendo o tribunal ad quem julgar conforme os factos já definitivamente provados.
Neste sentido e numa situação em tudo semelhante à dos presentes autos, vide acs. do TRP de 22/05/2017, proc. 104226/15.8YIPRT.P1, e do TRL de 12/12/2013, proc. 273/08.0TBSEI.L1-6.
Ainda que assim não se entenda, sempre se dirá, na esteira do ac. do TRL já citado, tendo em conta que a ré é uma sociedade comercial – facto 2 – em caso algum poderia a mesma valer-se da prescrição presuntiva a que alude o artigo 317/-c do CC porquanto a ratio e a finalidade de tal norma afasta o entendimento da sua aplicação a créditos que um profissional liberal tem perante uma sociedade comercial, entendimento este que é, igualmente, defendido no ac. do STJ de 14/01/2014, proc. 355/11.1TBSTS.P1.S1.
Ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que, tal como resulta, e bem, da sentença, foi a própria ré quem, com a sua actuação, afastou, desde logo, a aplicação ao caso sub judice da prescrição presuntiva, porquanto foi esta quem, na sua contestação, contestou, inicialmente, que determinados trabalhos cujo pagamento era exigido pelos recorridos tivessem sido por estes realizados, alegação esta que não se compagina com a alegação da prescrição presuntiva.
Por último, ainda que se viesse a decidir que a ré, face aos factos provados, pode, ainda, fazer valer-se da prescrição presuntiva a que alude o artigo 317/-c do CC, tendo em conta que os autores solicitaram, tempestivamente, a prova por confissão do legal representante da ré sobre esta matéria – tendo em vista a obtenção de uma confissão judicial relativa ao não pagamento da quantia em causa nos presentes autos – sempre o TRL teria que mandar baixar o presente processo, para que o mesmo prosseguisse os seus termos, mormente, no sentido de ser promovido o depoimento de parte já requerido.
Decidindo:
A prescrição presuntiva prevista no art. 317/-c do CC é aplicável ao caso dos autos?
Os acórdãos invocados pelos autores [do TRL de 12/12/2013, proc. 273/08.0TBSEI.L1-6, e do STJ de 14/01/2014, proc.355/11.1TBSTS.P1.S1: II - Não beneficia desta presunção de cumprimento o devedor sociedade anónima, que, possuindo contabilidade organizada, tem o dever de documentar nesta todos os pagamentos efectuados, máxime, os de valor avultado, como é o caso dos autos] e outros que vêm por arrastamento [do TRL de 12/10/2010, proc. 843/08.7TJLSB.L1-7; do TRL de 21/11/2013, proc. 196990/12.8YIPRT.L1-6; do TRL 26/04/2016, proc. 67893/13.7YIPRT.L1-7; e do TRC de 20/02/2019, proc. 87336/17.6YIPRT.C1: Não deverá beneficiar desta presunção de cumprimento o devedor sociedade anónima, que, possuindo contabilidade organizada, tem o dever de documentar nesta todos os pagamentos efectuados] demonstram a existência de uma corrente jurisprudencial significativa de que deve ser feita uma interpretação actualista da previsão do art. 317/-c do CC, com base no que também é exigido pelo art. 317/-b do CC, excluindo dela o devedor que seja uma entidade – como é o caso da ré, sociedade comercial anónima - que, por força da lei, é obrigada a exigir, guardar e conservar na sua contabilidade os recibos correspondentes aos pagamentos que efectua. Isto porque a prescrição presuntiva do art. 317/-c do CC “se funda numa presunção de cumprimento, justificada na dificuldade do consumidor provar o cumprimento das obrigações assumidas no seu quotidiano, face à prática generalizada de não exigir documento de quitação ou de não o guardar.”
[veja-se a similitude da argumentação usada no ac. do TTP de 11/10/2011, proc. 151882/10.0YIPRT-A.P1, num caso da al. b: II - Estando o administrador de condomínio obrigado a apresentar contas à assembleia e a guardar e conservar todos os documentos que digam respeitam ao condomínio, está o mesmo em condições de efectuar prova cabal do pagamento e, por isso, não goza da protecção conferida pelas prescrições presuntivas, ou seja, da presunção de cumprimento que lhes é inerente.]
E sendo assim, registe-se que embora o saneador sentença se tenha, por erro, reportado ao disposto no art. 317/-b do CC, podia, seguindo esta jurisprudência, invocar as mesmas razões para dizer que a previsão do art. 317/-c do CC não era aplicável ao caso.
No entanto, existe outra corrente jurisprudencial que continua a defender o contrário, isto é, que o que interessa é a natureza dos serviços prestados, sendo indiferente a qualificação jurídica da entidade que os presta, desconsiderando-se por isso, também, mas apenas implicitamente [à excepção do ac. do STJ de 15/05/2014 que se pronuncia expressamente sobre a questão], a qualidade jurídica do devedor (ou seja, para esta corrente é indiferente que o devedor seja uma sociedade comercial com obrigação de ter contabilidade organizada: todos os acórdãos citados a seguir dizem respeito a casos em que a ré é uma sociedade comercial).
Assim, os acórdãos do STJ de 12/09/2006, proc. 06A1764; do TRL de 25/06/2011, proc. 92437/11.1YYPRT-A.L1-1, confirmado pelo ac. do STJ de 15/05/2014, com sumário publicado no sítio do STJ; do TRP de 01/07/2013, proc. 355/11.1TBSTS.P1 [tendo sido revogado pelo ac. do STJ de 02/01/2014]; do TRP de 24/03/2015, proc. 102608/13.9YIPRT.P1; e do TRP de 22/05/2017, proc. 104226/15.8YIPRT.P1.
O ac. do STJ de 15/05/2014 (obtido pela Sr.ª juíza desembargadora 1.ª adjunta deste colectivo) diz, na parte útil ao caso: “[…] há prescrição presuntiva de dois anos para os créditos pelos serviços prestados no exercício de profissões liberais (c) independentemente da qualificação jurídica da entidade que os presta ou da entidade a quem são prestados. […] O legislador não quis restringir o âmbito de aplicação da prescrição presuntiva em virtude da qualificação jurídica das pessoas nela envolvida. Se o quisesse tê-lo-ia dito e ubi lex non distinguit nec nos distinguire debemus. Se é verdade que a teleologia dos preceitos em análise, como o diz o Prof Antunes Varela, é de proteger o devedor de satisfazer duas vezes dívidas de que não é usual exigir recibo ou guardá-lo durante muito tempo é também verdade que as novas exigências fiscais levariam a rever toda a construção das prescrições presuntivas mas este é um problema a nível do ius constituendum e não do ius constituto. Tal como hoje está delineado no Código Civil, a subsunção da factualidade ao preceito em análise, como se refere no acórdão do STJ citado [o de 12/09/2006], define-se, unicamente, pela natureza dos serviços em causa, e não da entidade que os presta. É a natureza dos serviços prestados que há-de determinar, para a entidade que deles beneficiou, o período de tempo durante o qual deve ter a preocupação de guardar os elementos comprovativos do pagamento da sua dívida. […]”
Parcialmente a favor desta corrente (nesta questão), pode-se citar ainda uma nota de Filipe Cassiano dos Santos (Direito comercial português, vol. I, Coimbra Editora, 2007, pág. 156, nota 127), embora não se resolva a questão da objecção da obrigação da existência da contabilidade organizada [que à data ainda não se colocava]: “Resta fazer uma referência ao estabelecido na al. c) do art. 317.° do CCiv. A lei estabelece aí (também) uma prescrição de dois anos para os cré­ditos relativos a serviços prestados no exercício de profissões liberais e despesas correspondentes, sem diferenciação (isto e, seja qual for a qualidade em que actua o devedor). A letra da alínea, particularmente ostensiva quando comparada com a da alínea anterior, leva a concluir que são todos os créditos de profissionais liberais (excluem-se, como se viu, os créditos de prestadores de serviços que para tal têm uma empresa) que estão sujeitos a prescrição presuntiva, independentemente, portanto da qualidade e veste do devedor. Poder-se-á duvidar, no entanto da razoabilidade da solução, se tivermos em consideração o caso paralelo dos comerciantes, cujos créditos, nas relações com outros, prescrevem apenas em vinte anos. No entanto, deve ponderar-se que o fundamento dessa solução - recorde-se: as relações cruzadas muito frequentes, que cerceiam uma actuação de curto prazo – não se comunicará, por regra, aos pro­fissionais liberais quando têm créditos sobre outros profissionais (comerciantes ou profissionais liberais), sendo de esperar uma actuação rápida em qualquer caso, pela natureza da prestação e da actividade.”
Face ao que se vai dizer a seguir, este tribunal colectivo não considera necessária a tomada de posição quanto a esta questão, já que, fosse qual fosse a posição seguida, a prescrição presuntiva não seria de aplicar.
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Da incongruência do comportamento da ré
Mesmo que se considerasse que a situação podia ser enquadrada na previsão do art. 317/1-c do CC, essa previsão não se podia considerar preenchida pelo que se segue:
A 2.ª parte do art. 314 do CC, com a epígrafe ‘confissão tácita’ diz que “considera-se confessada a dívida, se o devedor […] praticar em juízo actos incompatíveis com a presunção de cumprimento.”
“É o que manifestamente acontece – diz Joaquim de Sousa Ribeiro – quando o réu, para além de excepcionar por prescrição, impugna também directamente os factos constitutivos do direito do autor, negando a existência, em si mesmo ou no seu montante, ou a validade do débito. Assim procedendo, ele está a reconhecer implicitamente que o crédito não foi satisfeito, uma vez que o cumprimento pressupõe, como é óbvio, a existência e eficácia de um vínculo obrigacional que o torne exigível.
Estão, assim, em absoluto contraste com a presunção de cumprimento meios de defesa tais como: a negação da originária existência do débito; a discussão do seu montante, ou a remissão da sua fixação para o tribunal; a invocação de uma causa de nulidade ou anulabilidade; a contestação da solidariedade da dívida, reivindicando o benefício da divisão; a alegação do pagamento de importância inferior à reclamada, pretextando que ele corresponde à liquidação integral do débito (o que vale por um reconhecimento tácito de não ter pago a diferença); a invocação da gratuitidade dos serviços, etc. […] O mesmo se passa, segundo cremos, quando ele, invocando embora o decurso do prazo prescricional, não se coíbe de especificar uma outra causa exoneratória incompatível com aquela presunção.
[…]
[…S]endo o cumprimento incompatível com a verificação cumulativa de outra qualquer causa extintiva, a simples invocação de uma delas vale como reconhecimento tácito de que tal acto não foi levado a cabo. Alegando a extinção por um processo que, por mera indução lógica, exclui o cumprimento, o devedor fornece prova segura, insusceptível de qualquer manipulação – provém dele próprio, e resulta de um acto processual – de que, contra o que se presumia, aquele não efectuou a prestação a seu cargo […]” (Prescrições presuntivas…, publicado na Revista de direito e economia, Ano V, n.º 2, Julho/Dezembro de 1979, Universidade de Coimbra, págs. 397-398 e 401; no mesmo sentido, por exemplo, Brandão Proença, no Comentário ao CC, Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2014, págs. 761-762; Rita Canas da Silva, no CC anotado, vol. I, 2017, Almedina, págs. 384-385).
Aquilo que o saneador sentença diz é a reprodução da argumentação que antecede.             
É uma questão de lógica: R não pode dizer que pagou aquilo que é pedido por A quando, ao mesmo tempo, diz que parte daquilo que foi pedido por A não foi feito por A mas por B e que pagou a este B essa parte. É que, assim, está necessariamente a reconhecer que a parte que pagou a B não foi paga a A e como A também pedia essa parte, R não pode dizer que pagou essa parte a A, logo não pode dizer que o crédito invocado por A está satisfeito.
Assim, a prescrição presuntiva sempre estaria afastada.
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A seguir a sentença tem a seguinte fundamentação:
“Da matéria provada resulta que entre os autores e a ré foi celebrado um contrato de prestação de serviços, no caso concreto, de natureza onerosa (art. 1154 do CC).
Os serviços foram efectivamente prestados.
Não logrou a ré demonstrar o pagamento da quantia peticionada.
Assim, não tendo a ré liquidado à autora o crédito reclamado em juízo, referente aos serviços prestados, violou o disposto no art. 406/1 do CC, nos termos do qual os contratos devem ser pontualmente cumpridos.
Cabia, por outro lado, ainda à ré nos termos do art. 799/1 do CC, provar a sua falta de culpa pelo não pagamento, o que não fez.
Impõe-se, deste modo, a condenação da ré no pagamento aos autores de 13.300€, acrescido de IVA à taxa de legal, a título de capital [bem como dos juros].”
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Ora, face aos factos provados esta fundamentação de direito da sentença está correcta, como aliás também já o demonstraram os autores, na parte transcrita acima, e se irá ver mais devagar à frente.
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Quanto às conclusões do recurso da ré ainda não consideradas e transcritas no relatório deste acórdão (algumas delas já classificadas pelos autores como irrelevantes):
Nas conclusões H a M, a ré defende que não devia ter sido invocado a autoridade do caso julgado para a condenar mas antes para a absolver.
Mas, se se vir tudo o que consta acima, a sentença recorrida não utilizou qualquer autoridade de caso julgado para condenar a ré e, face aos factos provados, é evidente que não há qualquer caso julgado cuja autoridade possa ser invocada para absolver a ré, nem que mais não seja porque nem sequer existe qualquer caso julgado.
Na conclusão L, a ré diz que “não pode ser ilidida nos presentes autos a presunção de pagamento de que o ré beneficia tendo em consideração apenas um facto assente noutro processo judicial como é feito na sentença recorrida.”
Ora, repete-se que na fundamentação de direito não se considera ilidida qualquer presunção de pagamento com base em qualquer facto assente noutro processo.
E, voltando atrás, é evidente que do que consta da conclusão L não é possível extrair de forma clara, sem construções a serem feitas por este acórdão [que aliás não poderiam deixar de estar erradas face ao que se diz de seguida], apanhando com isso os autores de surpresa, qualquer impugnação da decisão de um qualquer ponto de facto dado como provado ou a defesa de que algum facto devia ter sido dado como provado.
De qualquer modo, veja-se melhor:
Quando o autor exige o cumprimento de uma obrigação, tem o ónus de alegação do não cumprimento (nem que seja implicitamente, apenas para evitar a inconcludência do pedido), mas daí não decorre o ónus da prova do não cumprimento. É antes ao devedor/réu que cabe o ónus de alegar e provar o cumprimento da obrigação (veja-se, neste sentido, Joaquim de Sousa Ribeiro, no seu estudo sobre as Prescrições Presuntivas, na RDE 5, 1979, págs. 402/403, nota 31: “Muito embora o incumprimento, em acções deste tipo, não tenha que ser provado pelo autor - nesse sentido, com largo desen­volvimento, Alberto dos Reis, CPC anotado, III, 3ª ed., Coimbra, 1948, pág. 285 s. - deverá ser por ele alegado, para evitar a inconcludência do pedido - Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, IV, Coimbra, 1969, pág. 123, nº.1”).
Explica o Prof. Joaquim de Sousa Ribeiro (págs. 403/404):
“No que ao incumprimento diz respeito, há que advertir, em primeiro lugar, que ele não constitui fundamento essencial do pedido, mas antes a resposta antecipada à afirmação de cumprimento que o réu venha eventualmente a opor. Prevendo que a parte contrária invoque esse facto extintivo, o autor adianta-se a negar a sua verificação (Castro Mendes, DPC, III, Lisboa, 1980 [AAFDL], pág. 99). O que não invalida, todavia, que, nessa qualidade, ele conserve a natureza de fundamento de uma excepção, a deduzir pelo réu, a tal não obstando a circunstância de já constar, sob a forma negativa, da petição inicial [remete para Manuel de Andrade, Anselmo de Castro e Castro Mendes].
[…] Ao réu […] o que lhe compete é afirmar e provar que cumpriu […]
Ora, no caso dos autos, resulta dos factos provados a constituição do crédito (por decisão da matéria de facto que, ao menos quanto a esses factos, a ré nunca poderá pretender ter impugnado).
O que a sentença tinha que ver, a seguir, era se estava provado o pagamento desse crédito (de 32.300€) que os autores provaram ter sido constituído.
Ora, da decisão da matéria de facto consta como provado o pagamento de 19.000€ desse crédito de 32.300€ [note-se aqui que, ao contrário do que é dito pelos autores, não é verdade que na decisão da matéria de facto se tenha dito, em 17, que a ré pagou 19.000€; o que se diz é que ela pagou 19.000€].
Quanto aos outros 13.300€ a ré não provou tê-los pago. Aliás, nem sequer o alegou, nem podia ter alegado, nem podia agora pretender ‘alegá-lo’, porque a ré dizia que nessa parte os autores não tinham o direito invocado.
Como era a ré que tinha o ónus de alegação e prova do pagamento e não o alegou nem provou, a decisão teve que ser proferida contra ela (art. 342/2 do CC).
Portanto, não está aqui em causa qualquer ‘ilisão da presunção de pagamento’, caminho que não foi seguido pela sentença ao contrário do que é sugerido pela ré, mas sim de falta de alegação e prova, pela ré, do pagamento dos 13.300€.
E a construção feita na sentença, para a decisão da matéria de facto, é, agora, perfeitamente irrelevante, face aos factos dados como provados e não impugnados pela ré.
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Nas conclusões T a Y, a ré volta a falar na questão da prova da falta de pagamento. Perante a insistência, dir-se-ia então que é claro que a ré entende que não se devia ter dado como provado que o crédito não foi pago. Mas, se se forem ler os factos dados como provados, não consta de nenhum deles, como já referido acima, que o crédito não foi pago.
Portanto, a questão não é, também se vê por aqui, uma questão de impugnação da decisão da matéria de facto.
O que a ré devia poder dizer, para impugnar a decisão da matéria de facto, é que tinha ficado provado o pagamento do crédito dos autores e com base em que elemento de prova é que tal ocorria. Mas a ré não o fez, nem o podia fazer, porque não alegou que tinha pago os 13.300€ reclamados pelos autores, como crédito deles, já que o que dizia (ou melhor, dada a indefinição das suas alegações, sugeria), era que tinha pago os 13.300€ a outra sociedade, por ter contratado com essa sociedade as obras em causa. Ou seja, o direito aos 13.300€ não era, segundo a ré, dos autores e, por isso, a ré não podia dizer que o tinha cumprido.
De novo sendo irrelevante a construção feita na sentença para a decisão da matéria de facto, face aos factos dados como provados e não impugnados pela ré.
E não sendo uma questão de impugnação da decisão da matéria de facto, ela não tem relevo autónomo no recurso sobre a matéria de direito, pois que se traduz de novo em a ré querer que se aplique ao caso a prescrição presuntiva do art. 317/-c do CC o que já se mostra afastado.
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Demonstra-se, assim, que a ré não impugnou a decisão da matéria de facto, como de início se tinha começado por dizer, tal como também o diziam os autores, não servindo para o efeito as conclusões H a M e T a Y, que, por outro lado, são irrelevantes, como também demonstrado, para pôr em causa a matéria de Direito da sentença.
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Em suma: estão dados como provados os factos que permitem a conclusão da constituição do crédito dos autores e a ré não impugnou a decisão de dar como provados esses factos. A ré não alegou que cumpriu pagando aos autores o devido – e por isso não podia provar que cumpriu -, logo tinha que ser condenada a cumprir. A sentença está correcta. 
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Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.
Custas, na vertente de custas de parte (não existem outras), pela ré (que foi quem perdeu o recurso).

Lisboa, 11/07/2019
Pedro Martins
Laurinda Gemas
Gabriela Cunha Rodrigues