Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
190/11.7TYVNG.L1-8
Relator: CARLA MENDES
Descritores: PATENTE
TITULARIDADE
TRANSFERÊNCIA
ABUSO DE DIREITO
VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1 – O abuso de direito pressupõe a existência desse direito (direito subjectivo ou mero poder legal), embora o titular se exceda no exercício dos seus poderes.
2 – Agir de boa-fé é ter uma conduta honesta e conscienciosa, uma linha de correcção e probidade, a fim de não prejudicar os legítimos interesses da contraparte, e não proceder de modo a alcançar resultados opostos aos que uma consciência razoável poderia tolerar.
3 – A violação do princípio da confiança, revela normalmente um comportamento com que, razoavelmente, não se contava face à conduta anteriormente assumida e às legítimas expectativas que gerou – venire contra factum proprio – que se reconduz à expressão “manifesto excesso”.   
4 – Apesar de decorridos alguns anos sobre o registo da patente, o pedido de transferência da sua titularidade, não constitui abuso de direito tendo em conta que o registo das patentes foi efectuada à revelia da apelada, que nada se apurou quanto ao conhecimento da existência do registo por parte da apelada e, em caso afirmativo, desde quando, que esta tenha dado autorização para o registo da patente e que tenha cedido o seu direito.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 8ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

A [ KC…..A/S ] demandou B [ Aniceto ……..] , pedindo a declaração de:
a) Nulidade das Patentes de Invenção Nacional PT 103023 e PT 103289 por manifesta falta de preenchimento dos requisitos da patenteabilidade, ex vi dos arts. 55, 56 e 113 CPI
Ou subsidiariamente
b) Caducidade das referidas patentes por falta de cumprimento da obrigatoriedade de exploração nos prazos legais, nos termos e para os efeitos do art. 106 CPI
ou, ainda subsidiariamente
c) A anulação das referidas patentes por terem sido obtidas e má-fé, nos termos e para os efeitos dos arts. 33 e 326 CPI.
Alegou, em síntese, que vem utilizando desde, pelo menos, 1994 e, em geral, desde os anos 80, muito antes da apresentação do pedido de patente pelo réu, o mesmo tipo de equipamento com o mesmo princípio de funcionamento subjacente às características técnicas enunciadas na reivindicação principal da PT 103023; tendo o equipamento sido objecto do contrato nº 127/01/3204 celebrado em 31.07.2003, para as instalações da “CLCM – Companhia Logística de Combustíveis da Madeira, SA” e que foi objecto de exame pericial num dos processos de inquérito crime abertos por queixa do réu.
Este equipamento é comercializado e instalado em todo o mundo, nomeadamente nas anteriores instalações da Shell Madeira, Gasco Saudi (Medina) e Saigas (Angola), desde, pelo menos, 1994; sendo em tudo análogo a tantos outros em comercialização há muitos anos pelo mundo fora, como são exemplos os equipamentos instalados nas estações da Repsol em Bens (Corunha), Pinto (Madrid), Palos la Frontera (Huelva), Montornés (Barcelona), Escombreras (Valência) e San Roque (Algeciras).
O resultado do exame pericial realizado no âmbito Processo de Inquérito 168/09.0TASCR é inequívoco quanto à reprodução do mesmo princípio de funcionamento subjacente às características técnicas essenciais (ou seus equivalentes) da patente PT 103023 na máquina que foi alvo de peritagem, a anterioridade das máquinas comercializadas pela autora e por tantas outras entidades no mundo inteiro pelo que, a patente nº 103023 é nula por falta de preenchimento do requisito legal da novidade e da actividade inventiva – esta sublinhada no relatório pericial realizado no âmbito do processo de inquérito.
No que respeita à patente PT 103289 - máquina para descarga e carga de garrafas em gás contentor -, concedida em 2007, esta carece também de novidade e actividade inventiva sendo o mesmo tipo de equipamento e princípio de funcionamento subjacente à reivindicação principal da patente utilizados desde data anterior à apresentação pelo réu do seu pedido de patente.
As patentes caducaram uma vez que o réu não explorou as invenções patenteadas sendo que, sobre a data da apresentação dos pedidos e da data da concessão da protecção já decorreram mais de 4 e 3 anos respectivamente.
O réu ao servir-se de diversos componentes da paletizadora instalada pela autora na BP de Matosinhos para “inventar” e adaptar o bar lifter que patenteou, pelo que o registo das patentes - cujos princípios e resultados se encontravam já nas soluções e nos equipamentos comercializados pela autora e foram indevidamente utilizados pelo réu – constitui um ilícito contra-ordenacional da prática de actos de concorrência desleal, sendo susceptíveis, nomeadamente, de criar confusão e desacreditar a autora.
A omissão dessas fontes aquando do registo das patentes permite concluir que a sua obtenção foi feita de má-fé, constituindo um ilícito criminal e fundamento para a sua anulação.
Na contestação o réu, excepcionou abuso de direito, impugnou o alegado pela autora, concluindo pela absolvição do pedido.
Sustentou que o “Bar Lifter” da autora não contém as mesmas especificações e características dos inventos do réu, o qual é designado por “Pórtico Alberto”, em homenagem a um operário do mesmo nome, morto numa das movimentações das garrafas antes do sistema de segurança inventado pelo réu, que dispõe de elevadores de barras com as garantias de segurança e as novidades de segurança e estabilidade do transporte feito em minutos, introduzidas pela invenção do réu, diferenças que as transforma em novidades inventivas.  
No respeitante à falta de exploração das invenções houve deslealdade por parte da autora que, de forma ilícita, tomou conta do mercado para não dar hipóteses de o detentor do invento poder retirar mais utilidade económica do mesmo.
A autora age em abuso de direito e má-fé uma vez que só após 6/4 anos da data da concessão das patentes é que vem intentar a acção sendo certo que, a sua inércia consubstancia renúncia aos direitos sobre os inventos, criando expectativas legítimas no réu da renúncia em seu benefício.
Foram apresentadas réplica e tréplica.
Foi admitida a intervenção principal da C  [ …….. – Comércio de Combustíveis e Lubrificantes, SA, ] que aderiu ao articulado apresentado pela autora e formulou como pedidos subsidiários aos da autora a condenação do réu:
a) Transferir para a titularidade da BP Portugal os direitos conferidos pelo registo das patentes
b) Má-fé e abuso de direito.
Alegou, para tanto, que o réu foi seu trabalhador, entre 1979 e 2006, período em que foram desenvolvidas actividades nas instalações da BP de Matosinhos, de manutenção e com vista ao melhoramento do equipamento para enchimento das botijas de gás, desempenhadas pelo réu no exercício das suas funções.
As invenções objecto das patentes ocorreram no âmbito desse vínculo laboral, tendo o equipamento existente nas instalações de Matosinhos sido desenvolvido pela BP, em 1998, e pago € 44.500,00 pela construção da máquina desenvolvida pelo réu.
Uma vez que o trabalho do réu sido desenvolvido para a BP, na BP e pago por esta, e a máquina construída pelo réu ficado ao serviço da BP, deve ser declarada a titularidade das patentes a favor da BP Portugal.  
Em 2003, o réu tentou convencer a BP a registar a patente 103023, mas esta não revelou na altura interesse nisso por nunca ter sido sua intenção explorar industrial e comercialmente as máquinas em causa.
A utilização do registo das patentes, efectuada à revelia da BP e sabendo que o mesmo era resultado do trabalho desenvolvido pela BP e custeado por esta, integra o instituto do abuso de Direito.
Em substituição da BP Portugal – Comércio de Combustíveis e Lubrificantes, foi habilitada Rubis ………, S.A. –  cfr. apenso.
Após julgamento foi prolatada sentença que, julgando a acção improcedente e procedente o pedido da interveniente Rubis Energia ……., S.A., declarou a reversão da titularidade das patentes PT 103023 e PT 103289 para esta – fls. 1340 e sgs. do VI Vol.
Inconformado, apelou o réu formulando as seguintes conclusões:
1. Mal andou a decisão em crise enfermando de um tríplice vício:
d) Inexistência de prova nos que possa sustentar que o autor, no seu “job disciption” tivesse por incumbência inventar, em benefício de Rubis S.A., inexistindo sustentação para a prova dos ºs 9 e 10 dos factos provados da sentença, visando este recurso o reexame da matéria de facto dado como provada;
e) Por outro lado, mesmo que se considere provado os referidos números 9 e 10, existe um claro abuso de direito por parte da Rubis S.A., atento os factos provados em números 30 e 31 da sentença e o seu comportamento nestes autos, o que não foi apreciado pelo tribunal, configurando uma nulidade da sentença nos termos do art. 615/1 d) CPC, não obstante o Tribunal ter apreciado o alegado abuso de direito do réu, não apreciou o comportamento da Interveniente Rubis tal como o réu requereu em sede de alegações;
f) Por fim, a norma constante do art. 59 CPI é uma norma inconstitucional por obliterar e anular direitos superiores e constitucionalmente salvaguardados, com o direito da liberdade de invenção e criação que qualquer cidadão tem, sacrificando-os injustamente a direitos económicos e empresariais, o que é inadmissível e inconstitucional, o que se alega para todos os devidos efeitos legais.
DO RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA
2. Consideram-se incorrectamente provados na sentença os factos dados como provados sob os números 9 e 10, concretamente:
«9. No âmbito do contrato de trabalho com a BP Portugal, o réu desempenhava a função de acompanhamento e optimização das instalações para as instalações do equipamento de enchimento de garrafas de gás e sua optimização;
10. No âmbito dessas funções competia-lhe, nomeadamente, assegurar a manutenção e segurança de todo o equipamento inerente à movimentação e enchimento de GPL em garrafas, na instalação de Matosinhos, garantir o seu normal funcionamento de forma a aumentar o nível de segurança, eficiência e produtividade; propor, desenvolver, a nível nacional, projectos que visem a optimização dos meios, introdução de novas técnicas ou implementação de novos equipamentos por forma à melhoria das “performances” atingidas em termos de segurança, qualidade e produtividade; criar, desenvolver e implementar métodos, sistemas e introdução de novo equipamento, visando a optimização das actividades logísticas, relacionadas com a movimentação e enchimento de garrafas de GPL, em todas as instalações próprias;»
3. O Tribunal baseou a sua convicção, nos termos da motivação da sentença em crise, para a prova dos factos constantes  nos números 9 e 10 dos factos provados da sentença, na “Job Summary form” da BP, documento junto a fls. 663 e 665 dos autos, conjugado com o depoimento da testemunha José ……. (por lapso identificado por José Luís ……. na sentença).
4. Com o devido respeito, tal respaldo para a prova dos referidos factos inexiste por completo, atenta a prova documental emitida pela própria BP e constante do processo e pela prova testemunhal produzida em sentido inverso que destrói qualquer validade ao dito documento de fls. 663 a 665 dos autos, como passaremos a analisar.
5. Desde logo, o documento em que o Tribunal se sustenta, e baseia a prova dos factos números 9 e 10, é um documento com definição de «confidencial», sem data ou qualquer assinatura de parte seja de quem for.
6. Na sustentada opinião do Engº. Carlos …… testemunha da própria interveniente, tal documento para ser válido e para ter real aplicação entre as partes, necessitaria de ser assinado por elas: BP e réu, entenda-se.
7. Ora tal jamais aconteceu. Repete-se: tal jamais aconteceu e o documento junto aos autos é um papel impresso, sem qualquer data ou assinatura do réu ou sequer da Interveniente.
8. Tal realidade foi confirmada genericamente pelo referido director da BP nas suas declarações gravadas, o qual referiu tratar-se de um projecto mais abrangente de reformular a equipe de Matosinhos onde o réu se inseria adiantando, porém, que se havia chegado a acordo (o que sempre foi negado pelo réu).
9. Concretizando, porém, que tal acordo estaria necessariamente reduzido a escrito, devidamente formalizado e assinado pelas partes, veja-se as passagens:
10. Veja-se o depoimento da Testemunha Carlos …….., prestado no dia 23 de Janeiro de 2018, pelas 13:06:22h, de acordo com o suporte áudio do julgamento, do Minuto 11m:32s ao minuto 15m:43s supra transcrito e para onde se remete
11. Este depoimento, prestado pelo então chefe do réu, por aquele que dentro da interveniente, então BP, negociou alegadamente um novo “Job” com o réu, destrói por completo a conclusão ínsita nos números 9 e 10 dos factos provados da sentença e a fundamentação dos mesmos.
12. Provando de forma apodítica aquilo que o réu na sua Contestação à intervenção principal da BP refere: existiram negociações mas o réu jamais concretizou qualquer alteração ao conteúdo funcional das suas funções como Encarregado de Manutenção, pois jamais se assinou qualquer novo “Job description”, dado o réu jamais ter aceite o novo conteúdo formal que lhe foi proposto.
13. É facto notório e indubitável que o documento constante dos autos e utilizado na sentença, não contendo qualquer assinatura, nunca poderia ser tido em conta para basear qualquer motivação, em virtude da total ausência de validade do mesmo, atento o depoimento daquele que negociou a dita alteração de funções baseada nesse dito “Job”.
14. E se tal é apoditicamente referido pela Testemunha Carlos Martins e ainda mais sustentado pelo réu, ao levar um muito relevante documento aos autos com a contestação que apresentou à intervenção da BP/Rubis SA, o qual foi totalmente negligenciado e esquecido, pelo Tribunal “a quo”.
15. Trata-se do documento junto como doc. 1 pelo réu no referido articulado e a fls… dos autos, que é a declaração da BP emitida no momento da rescisão contratual entre ambos, a 29 de Junho de 2006 e onde, no seu último parágrafo, refere as funções exercidas pelo réu «desempenhava funções de encarregado (…)».
16. Jamais o réu desempenhou funções tal como referido a 9 da sentença e muito menos com a obrigação funcional descrita na 10 e a própria BP declarou, para todos os efeitos legais, a verdade e a realidade das funções do réu: o mesmo era encarregado de manutenção.
17. E nessas funções de encarregado não se incluíram nunca qualquer obrigação funcional de «propor, desenvolver, a nível nacional projectos que visem a optimização dos mesmos, introdução de novas técnicas (…) criar, desenvolver e implementar métodos, sistemas e introdução de novos equipamentos (…)” ou afins como referido a 10 da sentença.»
18. As suas funções como encarregado da BP são categoricamente concretizadas no que toca ao seu conteúdo não só pela referida testemunha Carlos ……. mas também por outras, desde logo o Eng. Henrique Correia, que também foi um superior do Réu na B.P. de Matosinhos, sendo aliás responsável por tal instalação.
19. Veja-se o depoimento da Testemunha Henrique ……., prestado no dia 22 de Janeiro de 2018, pelas 15:30:00h, de acordo com o suporte áudio do julgamento, destacando-se duas passagens, do Minuto 04m:01s ao minuto 6:00s e do minuto 13m:37s ao minuto 14m:13s, e para onde se remete para todos os devidos efeitos legais
20. Por fim, atente-se ainda ao Depoimento da Testemunha José ……, prestado no dia 02 de Março de 2018, pelas 11:35:08h, de acordo com o suporte áudio do julgamento, destacando-se a passagem do Minuto 13m:03s ao minuto 14m:27s: e para onde se remete, idem.
21. É ostensivo que o conteúdo funcional constante do Job description de que a sentença se respalda para dar como provado os factos número 9 e 10, não tem qualquer fundamento na prova produzida em julgamento.
22. Não só o dito documento não tem qualquer validade, como já referido, como o seu descritivo de funções na realidade jamais foi desempenhado pelo réu, cujas obrigações se cingiam as funções de Encarregado de Manutenção onde não se incluía qualquer dever funcional de criar encontrar ou produzir novas soluções técnicas.
23. A actividade inventiva que teve estava claramente fora do âmbito das suas funções, e surgia sempre que “desafiado” pelos seus colegas ou pela realidade das coisas, e visava dotar os equipamentos de mais segurança e funcionalidade, ainda que nenhuma obrigação funcional tivesse para produzir tais inventos.
24. O que trespassa dos depoimentos de várias testemunhas, incluindo desta última testemunha referida, Lumiar ………, que com precisão e acuidade narra como surgia todo o processo de melhoramento dos equipamentos, narra ainda as reuniões de segurança que mensalmente tinham em Lisboa, referindo uma reunião concreta onde se propôs uma patente à BP e esta recusou, dando liberdade ao Réu para a colocar no seu nome.
25. Face ao exposto deve ser dado com o provado o seguinte facto: «No âmbito do contrato de trabalho com a BP Portugal, o réu desempenhava a função Encarregado de Manutenção e no âmbito dessas funções competia-lhe proceder ao acompanhamento e optimização das instalações e equipamento de enchimento de garrafas de gás, nomeadamente, assegurar a manutenção e segurança de todo o equipamento inerente à movimentação e enchimento de GPL em garrafas, na instalação de Matosinhos, garantir o seu normal funcionamento de forma a aumentar o nível de segurança, eficiência e produtividade.»
26. Facto que deverá substituir os números 9 e 10 dos factos provados, os quais devem deixar de constar da sentença.
27. E sendo esta a realidade das coisas e a realidade da relação laborar do réu, ostensivo se torna que o mesmo não tinha por obrigação funcional de inventar ou criar em benefício da B.P.
28. No mais são claros e cristalinos os depoimentos supra referidos, os quais infirmam o conteúdo dos factos dados como provados no ponto 9 e, sobretudo, no ponto 10, não se podendo inferir dos mesmos qualquer obrigação do réu em inventar ou criar em benefício da B.P. tal como previsto no art. 59 CPI.
29. Pelo que um enquadramento da conduta do réu em tal normativo é absolutamente falacioso e sem qualquer suporte na prova dos autos.
30. Aliás dos factos provados, inclusive, nem se infere qualquer remuneração especial por tal facto, pois o que temos por provado no número 11 são referências genéricas a projectos desenvolvidos no âmbito de um trabalho de equipa ou individual e tendo por base metas ou objectivos empresarias, como as testemunhas Carlos ……., entre outras, claramente explicam.
31. Sendo o número 12, na sua crueza, perfeitamente real pois que as patentes foram desenvolvidas na vigência de um contrato de trabalho sem que, porém, como realça do facto cuja prova se requer, desse contrato de trabalho existisse qualquer obrigação nesse sentido, no sentido de criar em benefício da BP.
32. Perante esta situação a situação do réu está longe da prevista no art. 59 CPI, não lhe podendo ser aplicado tal regime, e não tendo a Interveniente fundamento para exigir a alteração da titularidade da patente para o seu nome.
DO ABUSO DO DIREITO, ART. 334 CC
33. Sem prescindir em nada do que supra alegamos quanto ao erro na prova sobre os factos, concretamente sobre os nºs 9 e 10 dos factos provados na sentença, sempre a conclusão de direito e de fundo deveria ser diferente daquela que a sentença teve, dado estarmos perante um ostensivo e escandaloso Abuso de Direito por parte da interveniente Rubis, S.A.
34. Consta o seguinte, nos factos dados como provados na sentença em crise:
«30. Em Março de 2003, em reunião com o Departamento de Logística e Segurança, o réu propôs que a BP registasse a patente da invenção que constitui o objecto da PT 103023;
31. A BP manifestou desinteresse no registo da patente;»
35. Surpreendentemente, diante destes factos, o Tribunal a quo não retira dos mesmos qualquer consequência, como deveria, uma vez que estamos perante um escandaloso caso de Abuso do Direito por parte da Rubis S.A., o que foi alegado pelo réu em sede de alegações.
36. Essa comprovada recusa da BP em registar a patente oferecida pelo réu, melhor, o desinteresse da BP no registo da patente criou no réu, mais que legitimamente, um convencimento, em absoluta boa-fé, de que a BP nem naquele momento, nem nunca teria interesse na patente em causa.
37. Legitimante e de absoluta boa fé, o réu assumiu que a BP não teria interesse em se associar aos seus inventos fossem quais fossem.
38. Exactamente devido a tal posição e conduta da BP, que voluntária, consciente, expressa e livremente renuncia, abdica de um seu direito, aliás oferecido pelo réu (a titularidade do registo da patente),
39. Este, jamais imaginando uma posição contrária ou um dito pelo não dito da BP, efectuou o registo das patentes dos autos uma, em 23 de Setembro de 2003, cerca de seis meses depois da reunião referida no número 30 dos factos provados, e outra a 14 de Maio de 2005, cerca de um ano antes de cessar o seu contrato com a BP.
40. Situações que não foram comunicadas posteriormente à BP, porquanto esta jamais havia proibido o réu de registar em seu nome, antes pelo contrário pois do referido depoimento da testemunha Lumiar ….. a BP deu autorização para o réu proceder ao registo da patente em seu nome.
41. De facto, o réu assumiu registar as patentes em seu nome justamente porque a BP não manifestou interesse em registar as patentes em nome da empresa, abrindo assim, voluntária e livremente, as portas de tal registo em nome do réu.
42. Tivesse a BP manifestado a sua vontade em registar as patentes ou manifestado algum entrave a que tal fosse feito pelo réu, em qualquer das situações, o réu porventura não as teria registado.
43. E outra atitude do réu, face a atitude da BP, não lhe era exigível nem mesmo espectável.
44. Se o réu não registasse a patente em seu nome, face ao desinteresse e recusa da BP, perdia-se por completo o registo e protecção de uma novidade absoluta na maquinaria industrial, inventada pelo réu.
45. A vontade negativa da BP só pode ser valorada negativamente a seu favor, até devidos aos anos que se passaram e que foram de total inacção da BP face aos factos que sempre conheceu.
46. Repare-se que passaram-se nove (9) anos e meio desde que a BP demonstrou total desinteresse em patentear a titularidade dos inventos em seu nome, até ao momento em que mudou de ideias e de forma desleal, abusando do seu direito, vem reclamar em Setembro de 2011, nestes autos, a alteração da titularidade das patentes.
47. Tendo, tal postura, gerado no réu o mais que legítimo convencimento, em plena e total boa-fé, que a BP havia renunciado ao exercício de um direito que teve, que jamais exerceria o mesmo e que, devido a tal o réu tinha adquirido na sua esfera jurídica o direito de ser o Inventor e o titular da patente relativa a novidade que a sua máquina industrial continha.
48. Quando em Setembro de 2011 a BP/Rubis SA, vem ao processo reclamar um direito que havia renunciado 9 anos e 6 meses antes em Março de 2003, está de forma ostensiva a abusar do seu direito num exercício escandaloso “venire contra factum proprium”.
49. A atitude da BP/Rubis ao vir assumir uma posição jurídica radicalmente diferente do seu comportamento assumido nove anos e meio antes é um ostensivo “venire contra factum proprium”, porque destruidor e obliterador de uma confiança que o réu sempre depositou nela quer durante os anos em que, após o registo das patentes, ainda foi seu trabalhador, quer posteriormente a ter cessado o seu contrato de trabalho.
50. Perante tal postura em Março de 2003, o réu organizou a sua vida e registou tais patentes, jamais assumindo que a BP/Rubis pudessem via a reclamar o que haviam renunciado.
51. Este abuso de direito, que aliás foi adiantado em alegações pelo réu, é do conhecimento oficioso do Tribunal, preenchendo, os factos provados, todos os seus requisitos doutrinais e jurisprudenciais.
52. A jurisprudência é abundante e cristalina, e foi supra citada para onde se remete, quando à definição do que se deve entender como o Abuso do Direito, concretamente na modalidade de “venire contra factum proprium”.
53. Neste particular, é ostensivo que se está perante um caso de Abuso do Direito, nos termos do art. 334 CC, por parte da Rubis S.A., abuso esse que se encontra plenamente provado nos autos na modalidade de “venire contra factum proprium”, abuso esse que foi alegado pelo réu nas suas alegações e cujo conhecimento oficioso o tribunal estava obrigado, não tendo porém nem apreciado nem decidido sobre tal situação.
54. O que configura uma nulidade da sentença por omissão de pronúncia dado o tribunal não se ter pronunciado sobre todas as questões que lhe foram colocadas e/ou que legalmente o devia conhecer, art. 615/1 d) CPC, o que se alega para todos os devidos efeitos legais.
55. Devendo nesta sede superior declarar-se tal abuso de direito por parte da Interveniente Rubis, absolvendo-se o Réu do pedido contra si formulado.
DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 59 CPI
56. O artigo 37 da Constituição da República Portuguesa é bastante claro na sua epígrafe «Liberdade de expressão e informação», ao integrar e reconhecer como direito fundamental do cidadão a liberdade de expressão, o qual é a consagração constitucional do Direito Humano Supra Constitucional previsto no art. 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
57. O artigo 37 CRP, base intocável da Liberdade plena do Ser Humano como Pessoa livre não só no seu corpo mas na sua consciência e espírito, é definido por Gomes Canotilho e Vital Moreira na obra Constituição da República Portuguesa Anotada, justamente em anotação a este artigo como: «O direito de expressão (nº 1, 1.ª parte: «direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento» é, desde logo e em primeiro lugar, a liberdade de expressão, isto é, o direito de não ser impedido de exprimir-se. Neste sentido, enquanto direito negativo ou direito de defesa, a liberdade de expressão é uma componente da clássica liberdade de pensamento, que tem outras dimensões na liberdade de criação cultural (art. 42), na liberdade de consciência e de culto (art. 41), na liberdade de aprender e ensinar (art. 43) e, em certa medida, na liberdade de reunião e manifestação (art. 45).»
58. Ou seja, estamos na presença dum “Direito Mãe”, donde brotam outros Direitos Fundamentais que, apesar de umbilicalmente só existirem porque existe Liberdade de Expressão, ganham autonomia própria devido à importância por si sós.
59. Um deles é o Direito de Liberdade de Criação Cultural previsto no art. 42 CRP, na senda do art. 27 da DUdDH, que estipula:
«1. E livre a criação intelectual, artística e científica.
2. Esta liberdade compreende o direito à invenção, produção e divulgação da obra científica, literária ou artística, incluindo a protecção legal dos direitos de autor.»
60. A protecção desde direito engloba todas as criações intelectuais, que uma pessoa possa ter e que possa ser expressa ou materializada por qualquer forma ou meio.
61. Ora um invento é, como a própria C.R.P o prevê, uma manifestação absoluta do direito da liberdade de expressão e criação de um individuo, gozando da plenitude das salvaguardas constitucionais que a estes directos têm.
62. Gomes Canotilho e Vital Moreira, obra citada anotação ao artigo 42 escrevem: “A liberdade de criação cultural (cf. epígrafe) é uma manifestação particular da liberdade de expressão do pensamento (art. 37º). Todavia, a liberdade de criação intelectual, artística e científica pode exigir um reforço da protecção em relação à simples liberdade de manifestação do pensamento. A criação artística nas intervenções científicas no corpo humano, etc. exigem um tratamento especial, que se reconduz a uma maior liberdade do que a que está implícita no direito geral de expressão do pensamento.”
63. Tendo estes princípios por assentes, resulta claro, face à decisão proferida, que a criatividade exprimida pelo recorrente através das suas invenções (cuja autoria e total novidade se encontram plenamente provados na sentença recorrida) foi-lhe suprimida e estropiada, por força de um artigo do Código da Propriedade Industrial, o artigo 59, claramente inconstitucional, que faz prevalecer interesses económicos de uma empresa, sobre direitos fundamentais e inerentes à Pessoa Humana como a sua liberdade de criação e expressão, assim obliterando e decepando uma liberdade protegida pela nossa lei fundamental e que deveria prevalecer.
64. Trata-se de uma norma visivelmente ofensiva e violadora dos direitos fundamentais da pessoa que ao serviço de outrem, sem mais, se vê desapossada do seu esforço de criação.
65. A limitação em causa é ostensivamente violadora de um direito fundamental,sendo tal direito derrubado por interesses económicos de grandes empresas, que visam o lucro, tomando crédito das invenções dos seus funcionários, que usufruem de uma posição mais frágil, sendo a própria Lei, o C.P.I que promove esta colisão de direitos, derrogando aquele que é fundamentalíssimo no escopo da nossa constituição, para benefício de um direito exterior de lucro económico.
66. Como refere o artigo 204 da Constituição da República Portuguesa, «(...) os tribunais não podem aplicar normas de infrinjam o disposto na constituição ou nos princípios nela consignados».
67. Face a uma aplicação violadora do Direito Fundamental da Liberdade de Expressão e Criação Cultural, o Recorrente, enquanto funcionário da Interveniente BP/Rubis S.A. viu o seu esforço de criação ser injusta e inconstitucionalmente retirado da sua disponibilidade, para justificar interesses económicos de outrem com a única justificação de ter um vínculo laboral com uma alegada previsão, vaga, sobre uma obrigação de criar e inventar.
68. O direito ao emprego é, igualmente, um direito constitucionalmente protegido, mas não pode ser usado para limitar o cidadão nos seus outros direitos, tendo estes de coexistir de uma maneira pacífica e equilibrada.
69. O C.P.I, no seu art. 59, utiliza de uma maneira perversa, o vínculo laboral como uma verdadeira «mordaça» das liberdades de todos os trabalhadores no nosso Estado de Direito, substituindo a liberdade de criação pela obediência e cedência aos direitos económicos dos lucros empresariais.
70. Ao sujeitarmo-nos a um artigo como o referido, estamos a restringir a liberdade de todos aqueles que trabalham para uma empresa e se vêm impedidos de expressar a sua criatividade, uma liberdade intrínseca à pessoa humana, com receio de ver os proventos de tal exercício furtados, com anuência legal, da sua disponibilidade.
71. A liberdade fundamental dos cidadãos, e em especial, do recorrente, está ameaçada por um artigo inconstitucional, que exige a sua desaplicação, restituindo a prevalência de um direito fundamental que lhe foi retirado com base na sentença ora recorrida, direito esse que constitui uma liberdade de expressão artística, criativa e, sobretudo, de invenção.
72. Deve, assim, ser declarado inconstitucional o art. 59 CPI porquanto, directamente violador dos arts. 37 e 42 CRP, devendo consequentemente a sua aplicação ser negada pelos tribunais, não podendo sustentar de direito a decisão proferida pelo tribunal a quo não se procedendo a qualquer transmissão da titularidade da patente para a Rubis, por manifesta inconstitucionalidade da norma que a sustenta.
DAS NORMAS VIOLADAS:
73. A Sentença em crise é violadora das seguintes normas: arts. 615/1 d) CPC, 59 CPI, 334 CC, 37, 42 e 204º da CRP.
74. Devendo o presente recurso ser tido por procedente e provado sendo a sentença em crise substituída por outra que absolva o réu do pedido formulado pela Interveniente Rubis S.A.
75. Assim, deve a sentença ser revogada e substituída por outra que absolva o réu de todos os pedidos formulados pela BP e o mantenha na titularidade das patente dos autos.
A Rubis Energia Portugal, S.A. contra-alegou pugnando pela confirmação da decisão.
Factos apurados em 1ª instância:
Factos assentes no despacho saneador
1 - O réu é titular inscrito das patentes de invenção nacional PT 103023 e 103289 junto do Instituto Nacional da Propriedade Industrial;
2 - A patente de invenção nacional PT 103023 corresponde a uma máquina com sistema de abertura e fecho automático das portas dos contentores de garrafas de gás, foi pedida em 2003.09.23 e concedida por despacho de 28.06.2005;
3 - A patente de invenção nacional PT 103289 corresponde a uma máquina para descarga e carga de garrafas de gás contentor, foi pedida em 2005.05.14 e concedida por despacho de 27.03.2007;
4 - A invenção protegida pela patente nº 103023 respeita a uma “máquina com sistema de abertura e fecho automático das portas dos contentores de garrafas de gás”, tendo sido requerida em 23.09.2003 e proferido despacho de concessão em 28.06.2005 -      cfr. fls. 205 a 235 (processo em papel), cujo teor integral aqui se dá por reproduzido.
Resulta do texto de resumo da referida patente que:
“O presente invento é uma máquina com sistema de abertura e fecho automático das portas de contentores de garrafas de gás, ao qual compreende uma estrutura metálica com quatro pilares (10), com entalhes (7), desenhados para detectar a posição das portas, função tipo passa-não-passa, em cada pilar está montada uma corrente de rolos (4), as rodas de apoio e motores de tracção, os roletes de guias (6), as calhas de encosto (5) com revestimento anti-fricção e que apoiam com precisão as barras de suporte (3), que tem montadas, duas em cada, as mãos mecânicas (2) de modo a agarrar as portas dos contentores, o especial posicionamento dos ditos roletes de guias (6) provocam o desvio e aproximação no acto de agarrar, as ditas portas, na função de abrir, segura-las abertas, e fechar, durante o processo de paletização das garrafas em contentores, nas linhas de enchimento de gás.”  
5 - A invenção protegida pela patente nº 103289 respeita a uma “máquina para descarga e carga de garrafas em gás contentor”, tendo sido requerida em 14.06.2005 e proferido despacho de concessão em 27.03.2007 – cfr. fls. 236 a 283 (processo em papel), cujo teor integral aqui se dá por reproduzido.
Resulta do texto de resumo da referida patente que:
“O presente invento refere-se a uma máquina para executar a paletização completa de garrafas (G110), acoplada em linhas de enchimento de gás, cujo sistema inclui, força motriz hidráulica com pilotagem pneumática convencional, mecanismos de rolos metálicos, para movimentar os contentores, como um carro, entre os estágios do processo. No 1º estágio temos a recepção dos contentores com garrafas vazias. No 2º estágio temos um mecanismo esvaziador, que introduz na estrutura do contentor, as lanças com ponteiras especialmente adaptadas à função de arrastar as garrafas para fora, automaticamente. No 3º estágio, temos um mecanismo introdutor, com a função de arrastar as garrafas cheias, do tapete transportador para dentro do contentor, através de uma barra de introdução, numa cadência programada de quatro/três/quatro garrafas de cada vez. No 4º e 5º estágio teremos contentores com garrafas cheias prontas a serem retiradas pelos empilhadores, para o armazém ou para o transporte rodoviário.”
6 - Consta, nomeadamente, do parecer técnico elaborado pelo perito José …….., engenheiro mecânico, junto aos autos a fls. 536/544, que:
“A máquina objecto da patente PT 103023 é caracterizada por compreender nos termos da reivindicação 1:
a) Uma estrutura metálica de quatro pilares ligados entre si por quatro travessas horizontais na parte superior e duas na parte inferior,
b) Fixadas nas linhas existentes ou a instalar,
c) Os pilares estão montados dois a dois de forma oposta,
d) Contendo na parte inferior motores hidráulicos, sincronizados em série e ligados por um interface a um sistema energético (leia-se uma fonte de energia),
e) O comando sendo feito por um sistema pneumático convencional, Os motores accionam rodas dentadas que engrenam em correntes de rolos,
f) Um tensor,
g) Movimentando as duas barras metálicas de suporte ligadas pelas extremidades nas correntes, em que,
h) Cada barra contém duas mãos mecânicas e cada mão tem uma placa móvel com uma mola na parte superior, que funciona como um polegar de aço, e em que,
i) Cada pilar da estrutura possui seis roletes de guias que orientam o trajecto da deslocação em serviço da corrente de rolos,
j) Dois pares de calhas de encosto e orientação ajustáveis, com revestimento anti-fricção,
k) Calhas que estão montadas atrás e à frente da corrente de rolos
l) Posicionando correctamente as mãos mecânicas para estas agarrarem as referidas portas dos contentores,”
Observações: Genericamente estas máquinas conforme é conhecido do “prior art” têm uma estrutura em pórtico como pode ser observado na fotografia de "Barlifter Repsol-Huelva" (doravante mencionada MRH). Existe uma barra de suporte (calha na terminologia da patente portuguesa) onde se inserem as garras ou mãos mecânicas. São essas mãos mecânicas que levantam ou descem a porta do contentor por meio de accionamento de macacos pneumáticos/hidráulicos. Não há necessidade de complexos mecanismos de motores, engrenagens, e correntes, que não são mais do que equivalentes mecânicos complicados e menos fiáveis do que os preconizados pela MRH.
A estrutura metálica de quatro pilares não tem também qualquer novidade face à máquina de Kosan Crisplant (doravante designada MKC). A MKC possui também duas garras ou mãos mecânicas (pawl).
O levantamento da barra é feito por macacos hidráulicos, neste caso também sem necessidade de mecanismos complexos, nem de tensores. Porém o mecanismo básico é exactamente o mesmo ou seja, as quatro garras levantam/descem as duas portas do contentor que contém as garrafas de gás, quando estas são descarregadas vazias e são de novo carregadas quando cheias de gás. O controlo da MKC é pneumático, o que é nem mais nem menos do que é reivindicado na patente. Também se questiona qual a vantagem técnica representada pelas mãos mecânicas (com mola) preconizadas na patente, em face das garras existentes no estado da técnica?”
E continua
Adicionalmente a máquina também é caracterizada nos termos da reivindicação 2 por:
m) Ter um movimento controlado de subida / descida das mãos que agarram as portas durante o processamento de carga e descarga das garrafas,
Observação: Isto não tem qualquer novidade.
Qualquer máquina convencional tem este funcionamento. Adicionalmente a máquina também é caracterizada nos termos da reivindicação 3 por:
n)Ter em cada mão na parte superior uma placa metálica móvel que dobra por acção de uma mola em espiral com a função de auxiliar no ajuste do fecho da referida porta do contentor ao abrir e fechar a porta sem função no início da abertura, deslocação de abrir e manter aberta, e garantir a deslocação para baixo da porta;
Observação. Apesar de se reconhecer a eventual novidade deste aspecto da mola, temos sérias dúvidas em relação ao seu bom funcionamento (mal explicado), e sobretudo não reconhecemos qualquer vantagem técnica no sistema, muito pelo contrário, o sistema de mola vai mais tarde ou mais cedo entrar em fadiga.
E
Adicionalmente a máquina também é caracterizada nos termos da reivindicação 4 por:
o) Poder ser montada de um dos lados do contentor com o mesmo sistema ou de ambos os lados,
Observação: Isto é carecido de novidade face aos dois documentos por nós citados.
Adicionalmente a máquina também é caracterizada nos termos da reivindicação 5 por:
p) Poder ser utilizada com um contentor simples, com dois ou com três contentores sobrepostos;
Comentário: os sistemas de paletização com diversos andares não são uma novidade nesta indústria.
Adicionalmente a máquina também é caracterizada nos termos da reivindicação 6 por:
q) Possuir motores hidráulicos, pneumáticos, ou eléctricos para assegurar o movimento sincronizado das referidas correntes de rolos.
Observação: Uma trivialidade retirada de qualquer manual de órgãos de máquinas.
Adicionalmente a máquina também é caracterizada nos termos da reivindicação 7 por:
r) A estrutura principal poder ter macacos hidráulicos ou pneumáticos, montados verticalmente ou horizontalmente no acto de abrir e fechar as portas.
Observação: carecido de novidade/actividade inventiva face aos dois documentos citados.
Pergunta-se qual a utilidade de usar os macacos pneumáticos / hidráulicos e ao mesmo tempo usar as correntes (esta reivindicação é dependente das anteriores 1 a 5)?
Adicionalmente a máquina também é caracterizada nos termos da reivindicação 8 por:
s)As mãos mecânicas serem metálicas, ou fabricadas em plástico ou em qualquer outro material adequado.
Observação: Outra trivialidade.”
7 - Consta, nomeadamente, do parecer técnico intitulado “Comparação técnica da máquina da patente PT 103289 com a instalação de paletização industrial (PAM)” e junto aos autos de fls. 546/550 que:
“A máquina para carga e descarga de contentores com garrafas de gás descrita na patente PT103289, é geralmente montada em linhas de enchimento de garrafas de gás.
A máquina é essencialmente caracterizada de acordo com a 1ª reivindicação por:
a) Três conjuntos de equipamentos que se movimentam de forma independente mas conjugados, comandados pelo sistema de pilotagem pneumática convencional,
b) Em que os movimentos são accionados por força motriz hidráulica,
c) O peso dos contentores é suportado pelo mecanismo de posicionamento dos contentores que tem duas filas de rolos laterais e a movimentação é feita por correntes de rolos metálicos.
Em que,
d) No primeiro estágio é feita a recepção dos contentores com garrafas vazias,
e) No segundo estágio actua o mecanismo esvaziador (constituído por uma estrutura metálica com tirantes em forma de lança e com ponteiras) que entra no contentor e arrasta as garrafas para fora do contentor e para cima do tapete transportador,
f) No terceiro estágio actua o mecanismo introdutor (estrutura metálica com barra introdutora) que introduz as garras já cheias de gás desde a corrente transportadora para o interior do contentor, com cadência programada,
g) A introdução é feita com o auxílio de uma alavanca que faz o posicionamento alternado de quatro-três-quatro garrafas de cada vez.
h) Nos quartos e quinto estágios faz-se a acumulação de contentores com garrafas cheias.
Observações: A máquina patenteada nada tem de novo ou de inventivo pelos motivos a seguir expostos.
De facto o documento intitulado "Exploração do paletizador 84&110L - Manual de exploração" (equipamento de 2004) refere-se a um equipamento que genericamente tem as características reivindicadas na primeira reivindicação.
Nomeadamente, o referido documento tem três conjuntos de equipamentos que se movimentam de forma independente, mas conjugados, comandados por um sistema de pilotagem convencional. O primeiro dos três equipamentos faz respectivamente a recepção dos contentores com garrafas vazias, o segundo faz o seu esvaziamento, e finalmente o terceiro faz o enchimento dos contentores com garrafas cheias de gás, como preconizado nas alíneas a), d) e) f) supra. Tão pouco têm novidade o mecanismo introdutor referido na alínea f) supra (é um sistema convencional com uma barra de encosto) ou o mecanismo esvaziador da alínea e) supra. Na verdade em relação a este último perguntasse qual a vantagem do sistema reivindicado em relação ao sistema conhecido no estado da técnica também com lanças e ponteiras. Quanto à ideia dos cinco estágios (alínea h) supra), também o paletizador da PAM tem cinco postos de trabalho sendo que o 4º e 5º postos de trabalho permitem a carga das garrafas cheias provenientes do transportador de dupla cadeia, e o seu empilhamento. O transportador de tapete da máquina apresentada na patente é uma solução tecnicamente equivalente ao transportador de dupla cadeia do paletizador da PAM (alínea e) supra). O mecanismo de duas filas de rolos laterais é tecnicamente equivalente às cadeias de transporte do contentor (alínea c) supra). Quanto à alavanca que faz o posicionamento alternado de quatro – três – quatro garrafas de cada vez, que é reivindicada na patente (conforme indicado na alínea g) é um sistema mecanicamente equivalente ao sistema de contadores pneumáticos do paletizador da PAM que também faz a mesma contagem. A utilização da força motriz hidráulica que é reivindicada, não tem qualquer novidade (alínea b) supra).
A máquina é ainda caracterizada nos termos da reivindicação 2 por:
i) Ter um mecanismo de posicionamento dos contentores ao lado do tapete transportador que faz a movimentação dos contentores entre estágios, adaptado ao ritmo de movimentação das garrafas durante a entrada ou saída do tapete transportador.
Reivindicam-se de novo as características dos rolos lateiras e correntes de rolos metálicos de movimentação e a questão do ritmo de movimentação.
Observações: O paletizador da PAM possui também um mecanismo de posicionamento dos contentores, entre os estágios de recepção, esvaziamento e introdução nos contentores. Os rolos laterais e correntes de rolos metálicos de movimentação da patente são equivalentes mecânicos das cadeias de transporte do paletizador da PAM (que na verdade formam um sistema mais simples e fiável).
A questão do ritmo (cadência da linha de enchimento) é absolutamente trivial e decorre do sistema de controlo destas máquinas.
Adicionalmente na reivindicação 3 a máquina é caracterizada por:
j) Ter um mecanismo esvaziador dos contentores com uma estrutura metálica montada ao lado e por baixo do mecanismo de posicionamento, que movimenta transversalmente duas lanças, com uma ponteira cada, penetrando o contentor e empurrando as garrafas para fora, passo-a-passo, para cima do tapete transportador,
Observações: sistema idêntico ao do paletizador da PAM que possui também lanças e ponteiras e empurra as garrafas de forma idêntica para cima do transportador.
Adicionalmente a reivindicação 4, reivindica:
k) O mecanismo introdutor ser uma estrutura metálica montada ao lado do tapete transportador que movimenta transversalmente uma estrutura de lança com uma barra de encosto para empurrar as garrafas e introduzi-las no contentor no sistema 4+3+4,
Observações: A mesma barra de encosto pode observar-se no paletizador da PAM e o sistema de contagem está também previsto no paletizador da PAM bem como o arranjo 4+3+4.
Adicionalmente na reivindicação 5 a máquina é caracterizada por:
l) A alavanca que assegura o posicionamento 4+3+4 das garrafas no contentor estar montada “no interior do tapete transportador”.
Observações: O paletizador da PAM prevê analogamente contadores pneumáticos no interior do armário de carga.
Adicionalmente na reivindicação 6 a máquina é caracterizada por:
m) Existência de um sistema de paletização automática das garrafas GPL ou de outro gás em contentores específicos, podendo ser usado com garrafas de outras capacidades e alturas.
Observações: a utilização de garrafas com diferentes capacidades é trivial para qualquer especialista na técnica.
Adicionalmente na reivindicação 7 a máquina é caracterizada por:
k) Reivindica-se também a existência de “quatro mecanismos accionados por macacos pneumáticos e/ou hidráulicos” e a “ máquina poder ser equipada com motores pneumáticos e ou hidráulicos ou eléctricos adequados, acompanhados por um sistema de comando convencional”(sic).
Observações: A reivindicação de um “sistema de comando convencional” e de meios de accionamento convencionais parece-nos absurda.
Adicionalmente na reivindicação 8 a máquina é caracterizada por:
l) Um “sistema de comando convencional” electrohidráulico, electro-pneumático, misto, electrónico ou assistido por software.
Observações: de novo, o sistema de controlo convencional não deveria ter sido reivindicado sendo também carecidos de novidade os meios mecânicos envolvidos.
 “Conclusão: O objecto da patente é genericamente carecido de novidade. O aspecto eventualmente novo da patente refere-se ao sistema de rolos de transporte dos contentores (que é uma solução técnica equivalente à do paletizador da PAM (com cadeias de transporte), mas que não tem qualquer actividade inventiva, por estar descrita em todos os manuais de movimentação e transporte. A máquina descrita não é por isso, em nossa opinião, merecedora de uma patente de invenção.”
8 - O réu foi trabalhador da BP Portugal – Comércio de Combustíveis e Lubrificantes, S.A. de 01.01.1979 a 30.06.2006.
Factos da base instrutória que resultaram provados
9 - No âmbito do contrato de trabalho com a BP Portugal, o réu desempenhava a função de acompanhamento e optimização das instalações para as instalações do equipamento de enchimento de garrafas de gás e sua optimização;
10 - No âmbito dessas funções competia-lhe, nomeadamente, assegurar a manutenção e segurança de todo o equipamento inerente à movimentação e enchimento de GPL em garrafas, na instalação de Matosinhos, garantir o seu normal funcionamento de forma a aumentar o nível de segurança, eficiência e produtividade; propor, desenvolver, a nível nacional, projectos que visem a optimização dos meios, introdução de novas técnicas ou implementação de novos equipamentos por forma à melhoria das “performances” atingidas em termos de segurança, qualidade e produtividade; criar, desenvolver e implementar métodos, sistemas e introdução de novo equipamento, visando a optimização das actividades logísticas, relacionadas com a movimentação e enchimento de garrafas de GPL, em todas as instalações próprias; 11 - Como contrapartida pelo desempenho do réu em alguns projectos desenvolvidos no âmbito da BP Portugal, foram-lhe pagos por esta montantes em dinheiro a título de bónus (anuais, por projectos de equipa) e “spot bónus” (pontuais, por projectos individuais), os quais foram processados conjuntamente com o vencimento;
12 - As invenções objecto das patentes PT 103289 e   PT 103023 foram desenvolvidas pelo réu na vigência do contrato de trabalho com a BP Portugal, enquanto encarregado das áreas de manutenção e mecânica na estação de enchimento de Matosinhos; 13 - A autora integra nas suas soluções e comercializa em todo o mundo dois tipos de paletizadora – linear e compact;
14 - A autora integra e comercializa diversos modelos, sendo que as paletizadoras lineares têm os modelos PLU 1200, PLU 1800, PLU 2400 e PLU 3600, que se diferenciam pelo número de módulos de paletes que consegue movimentar simultaneamente, até um máximo de trinta;
15 - As paletizadoras compact têm os modelos PLU 1200 e PLU 2400;
16 - Um dos componentes que pode ser integrado em qualquer uma daquelas paletizadoras é o bar lifter;
17 - A autora concebeu soluções para estações de enchimento e manutenção de GPL, tendo instalado paletizadoras com bar lifter, nomeadamente, na Malásia, na Arábia Saudita, em Portugal e em Angola;
18 - A autora concebeu e instalou, entre outras, estações de enchimento e manutenção de GPL na Madeira e em Matosinhos;
19 - Nessas estações de enchimento, a autora instalou duas paletizadoras, sendo uma PLU 1200 com bar lifter (no Caniçal, Madeira) e um “paletizador linear G1120” e um “Paletizador G26” ambos sem bar lifter (em Matosinhos);  
20 - O bar lifter instalado com a paletizadora PLU 1200 na estação do Caniçal, na Madeira, corresponde a um modelo criado, desenvolvido e comercializado pela autora desde, pelo menos, 2004;
21 - A invenção objecto da PT 103289 surgiu na sequência da necessidade de melhoria das condições de segurança nas operações de carga e descarga das garrafas de gás, a partir do paletizador já existente nas instalações da BP de Matosinhos;
22 - Os componentes hidráulicos e pneumáticos já faziam parte da PLU instalada na estação de Matosinhos da BP, que serviu de ponto de partida para a invenção patenteada pelo réu.
23 - O paletizador objecto da invenção da PT 103289 foi construído, sob orientação do réu na “Serralharia Hélios”, em Matosinhos, que já prestava serviços para a BP Portugal na execução das funções de enchimento e nas soluções de manutenção do equipamento;
24 - A BP Portugal pagou o montante que lhe foi facturado pela Serralharia Hélios pelo trabalho por esta prestado na construção do paletizador;
25 - As máquinas que constituíram as invenções objecto das patentes destinavam-se a ser usadas nas estações de enchimento da BP, tendo as ideias propostas pelo réu durante o processo de invenção sido expostas em reuniões com chefias em que esteve presente;
26 - O réu não explorou nem comercializou as invenções objecto das patentes;
27 - A máquina com sistema de abertura e fecho automático das portas dos contentores de garrafas de gás traduziu-se num melhoramento, em termos de segurança e de produtividade, dos sistemas de enchimento das garrafas de gás;
28 - Os mecanismos em causa foram instalados nas estações da BP, respectivamente, em 2002 e 2005;
Resultaram ainda provados os seguintes factos:
29 - Em 1985, o réu passou também a executar serviços de manutenção mecânica das instalações de Matosinhos em regime de prestação de serviços pagos mediante facturas, tendo em Julho de 2000 emitido à BP Portugal SA uma factura relativa ao desenvolvimento e construção de uma máquina instalada na estação de enchimento de Faro;
30 - Em Março de 2003, em reunião com o Departamento de Logística e Segurança, o R. propôs que a BP registasse a patente da invenção que constitui o objecto da PT 103023;
31 - A BP manifestou desinteresse no registo da patente;
32 - O réu não comunicou previamente à BP os seus pedidos de registo das patentes;  
33 - Em 29 de Junho de 2006, com efeitos a partir do dia seguinte, a BP Portugal e o réu acordaram na cessação do contrato de trabalho.
Factos Não Provados:
i. bar lifter instalado com a paletizadora PLU 1200 na estação do Caniçal, na Madeira, corresponde a um modelo criado, desenvolvido e comercializado desde, pelo menos, 1994;
ii. As paletizadoras e o bar lifter do tipo de que o réu se reclama inventor são fabricados e comercializados em todo o mundo, por várias outras empresas da especialidade, nomeadamente pela “SIRAGA” e pela “PAM”;
iii. (…) sendo instalados, desde os anos 80 em paletizadoras integradas em soluções para estações de enchimento e manutenção de GPL de todas as marcas internacionais de combustíveis;
iv. O referido equipamento é comercializado e instalado em todo o mundo, nomeadamente nas anteriores instalações da Shell Madeira, Gasco Saudi (Medina) e Saigas (Angola), desde, pelo menos, 1994;
v. (…) análogo a outros em comercialização há muitos anos pelo mundo, como são exemplos os equipamentos instalados nas estações da Repsol em Bens (Corunha), Pinto (Madrid), Palos la Frontera (Huelva), Montornés (Barcelona), Escombreras (Valência) e San Roque (Algeciras);
vi. As características que constam das reivindicações das patentes PT 103023 e PT 103289 já eram conhecidas à data da prioridade das patentes;
vii. As soluções técnicas proposta nas patentes eram óbvias para um especialista na matéria;
viii. A máquina para descarga e carga de garrafas de gás em contentores - PT 103289 – surge na sequência da Joint-Venture com a Mobil e necessidade de utilizar os contentores Mobil com segurança na carga e descarga das referidas garrafas;
ix. O réu desenvolveu a invenção do paletizador em equipa;
x. O montante pago pela BP pela construção do paletizador foi de aproximadamente € 44.500,00.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
Atentas as conclusões do apelante que delimitam, como é regra, o objecto do recurso – arts. 639 e 640 CPC – as questões que cabe decidir consistem em saber se há lugar:
a) Nulidade da sentença
b) Modificabilidade da decisão de facto
c) Abuso de direito (Rubis Energia Portugal, S.A.)
d) Inconstitucionalidade do art. 59 CPI.
Vejamos, então.
a) Nulidade da sentença
Defende o apelante que a sentença é nula por não se ter pronunciado sobre o alegado abuso de direito por parte da habilitada Rubis, S.A., não obstante o requerido pelo réu em sede de alegações, ex vi art. 615/1 d) CPC.
É nula a sentença quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar – art. 615/1 d) CPC.
A sentença do juiz deve corresponder à acção, i. é, deve  resolver todas  as  questões   que  as  partes  tiverem submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras … – art. 608/2 CPC.
O juiz deve conhecer, em regra, todas as questões suscitadas pelas partes.
Pedido é toda a questão que a parte submete ao juiz, todo o ponto acerca do qual reclama julgamento, um juízo lógico.
Pedido(s) não é só a questão principal, a existência ou não da relação litigiosa, pedidos são também as questões secundárias que constituem premissas indispensáveis para a solução daquela.
Pedidos não são unicamente os pontos sobre os quais o autor pretende o veredicto do juiz, a fim de obter a declaração positiva da relação (reconhecimento do direito que se arroga), são também os pontos sobre os quais o réu se propõe obter pronúncia negativa – vd. A. Reis. CPC anotado, Coimbra Editora, 81, V, p. 50 e sgs.
Para caracterizar e delimitar todas as questões postas pelas partes, não são suficientes as conclusões que elas tenham formulado nos articulados, é necessário atender também nos fundamentos em que elas assentam, i. é, para além dos pedidos é necessário ter em conta a causa de pedir.
A acção é assim delimitada pelos sujeitos, objecto e causa de pedir (princípio da coincidência entre a acção e a sentença).
Para se determinar a extensão do julgado há que atender, antes de mais nada, à parte dispositiva da sentença, à decisão propriamente dita.
É aí que o juiz exprime a sua vontade quanto ao efeito jurídico que tem em vista declarar ou produzir, é aí que formula o comando a impor aos litigantes; em suma é a decisão que nos há-de esclarecer, em princípio, sobre o conteúdo do julgamento, sobre as questões que o juiz quis arrumar e resolver.
A nulidade da alínea d) do art. 615/1 está em correspondência directa com o preceituado no art. 608/2 CPC.
In casu, tendo em atenção a causa de pedir, os pedidos e o constante da sentença constata-se que esta não enferma do vício arguido porquanto, face ao de pedido de reversão da titularidade das patentes efectuada pela BP/Rubis e a decisão impugnada (cfr. fls. 1354 in fine e 1355 do IV vol.), exarado está que nas funções exercidas pelo réu apelante e prevista do seu contrato de trabalho estava incluída a actividade inventiva sendo que, o desinteresse manifestado pela BP não extingue o seu direito à patente, nem resultou provado a sua concordância na sua cedência afastando, implicitamente, qualquer abuso de direito.
Assim, tendo em atenção o explanado supra, entende-se não existir omissão de pronúncia por parte do tribunal a quo, o qual se debruçou sobre as questões suscitadas, não olvidando que esta questão é omissa nos articulados do apelante.
Ainda que se considerasse ter havido uma deficiente apreciação e fundamentação, o que não sucedeu, esta deficiência não constituiu nulidade.
Destarte, improcede a conclusão da apelante.
 b) Modificabilidade da decisão de facto
O Tribunal da Relação pode alterar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art. 640, a decisão com base neles proferida – art. 662 CPC.
Importa, desde já, referir que a garantia do duplo grau de jurisdição, no que concerne à matéria de facto, não desvirtua, nem subverte, o princípio da liberdade de julgamento, ou seja, o juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto – art. 607 CPC.
No entanto, esta liberdade de julgamento não se traduz num poder arbitrário do juiz, encontra-se vinculada a uma análise crítica das provas, bem como à especificação dos fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção.
Por isso, os acrescidos poderes do Tribunal da Relação sobre a modificabilidade da matéria de facto, em resultado da gravação dos depoimentos prestados pelas testemunhas em julgamento, não atentam contra a liberdade de julgamento do juiz da 1ª instância, permitindo apenas sindicar a correcção da análise das provas, segundo as regras da ciência, da lógica e da experiência, prevenindo o erro do julgador e corrigindo-o, se for caso disso.
Sobre o recorrente impende o ónus de, nas alegações, indicar os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – art. 639 CPC.
Na verdade, as conclusões da alegação de recurso são a única peça processual onde, por obrigação legal, o recorrente deve expor de forma concisa mas rigorosa e suficiente, todas as questões que quer submeter à apreciação do tribunal superior. 
Versando o recurso sob a matéria de facto, deve o recorrente especificar, sob pena de rejeição, quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida – art. 640 CPC.
Defende a apelante que os factos Provados sob os nºs 9 e 10 devem ser considerados Não Provados face ao depoimento das testemunhas Carlos ……, Henrique ……. e José ………. e ainda no documento de fls. 703.
A convicção do tribunal, relativamente a estes factos, alicerçou-se no conjunto da prova produzida – documental, testemunhal, depoimento de parte do réu e perícia –, bem como no doc. de fls. 663 a 665 (Job Summary Form da BP Portuguesa, S.A., relativa à descrição do cargo ou funções do réu) e o depoimento da testemunha José ……….
Apurado ficou:
9 - No âmbito do contrato de trabalho com a BP Portugal, o réu desempenhava a função de acompanhamento e optimização das instalações para as instalações do equipamento de enchimento de garrafas de gás e sua optimização;
10 - No âmbito dessas funções competia-lhe, nomeadamente, assegurar a manutenção e segurança de todo o equipamento inerente à movimentação e enchimento de GPL em garrafas, na instalação de Matosinhos, garantir o seu normal funcionamento de forma a aumentar o nível de segurança, eficiência e produtividade; propor, desenvolver, a nível nacional, projectos que visem a optimização dos meios, introdução de novas técnicas ou implementação de novos equipamentos por forma à melhoria das “performances” atingidas em termos de segurança, qualidade e produtividade; criar, desenvolver e implementar métodos, sistemas e introdução de novo equipamento, visando a optimização das actividades logísticas, relacionadas com a movimentação e enchimento de garrafas de GPL, em todas as instalações próprias; Pretende o apelante a seguinte redacção:
9/10 – No âmbito do contrato de trabalho com a BP Portugal, o réu desempenhava a função de Encarregado de Manutenção e no âmbito dessas funções competia-lhe proceder ao acompanhamento e optimização das instalações e equipamento de enchimento de garrafas de gás nomeadamente, assegurar a manutenção e segurança de tido o equipamento inerente à movimentação e enchimento de GPL em garrafas, na instalação de Matosinhos, garantir o seu normal funcionamento de forma a aumentar o nível de segurança, eficiência e produtividade.
A testemunha arrolada pela Interveniente Carlos ……., gestor, funcionário da BP, sendo que desde 2009 já lá não trabalha, em 2001 transitou da área operacional (logística de todos os negócios) para o negócio propriamente dito da LPG – responsável pela logística da LPG e a partir dessa data todas as áreas de logística passaram a reportar-se a si; na área de Matosinhos (estação de enchimento) não existia uma divisão funcional adequada, inexistia um espírito de grupo na estação, havia um supervisor, referiu que:
Quando chegou à estação de Matosinhos verificou que inexistia espírito de grupo pelo que tentou colocar ênfase no trabalho de equipa, na segurança dos trabalhadores e na qualidade.
O réu Aniceto ….. e Lumiar ….. supervisor da estação de enchimento, reportavam à testemunha.
A área de enchimento tem por finalidade transformar o produto a granel que está armazenado em produto para distribuição.
Aniceto Pires tinha a função de manutenção.
Numa 1ª fase, ele era o encarregado da manutenção tendo, face à alteração e reestruturação implementadas (tentar criar uma standartização a nível global), a sua função sido alterada (alteração de Job), passando a exercer funções de manutenção, supervisão e acção directa, optimização do equipamento, alterar/melhorar a segurança e qualidade global da estação de Matosinhos e outras.
A vertente criativa era uma parte, estava incluída nas funções de manutenção.
O réu trabalhava muito individualmente; era uma pessoa que gostava de inventar e era necessário enquadrá-lo na equipa, fundamental o trabalho de equipa.
Iniciou-se e instalou-se uma dinâmica de grupo – discussões entre todos, ideias de uns e outros.
Aniceto Pires desenvolvia as ideias para resolver os problemas que iam surgindo, com apoio da serralharia Hélios.
Na altura havia não havia um orçamento para uma ideia; quando surgia uma ideia foi dada carta branca ao réu para, localmente, ir resolvendo os problemas de segurança.
O réu era o criativo da equipa colocando em prática as ideias; colocava a sua componente criativa ao serviço da melhoria da qualidade e segurança.
Confiava nele como nos demais funcionários.
O réu falou-lhe, algumas vezes, em patentear e como aquilo não era nada de novo, a BP já tinha duas patentes e o registo das patentes implicam gastos de dinheiro, não achou relevante e nunca deu passos nesse sentido.
Teve conhecimento de que o réu registou a patente, após a sua saída da BP (pensa que a saída do réu ocorreu, em 2006), depois de ter sido bem indemnizado.
 O trabalho do réu foi efectuado no âmbito e desenvolvimento das funções específicas dentro da empresa (era um trabalho para a BP e o réu era seu funcionário).
Se ele/réu tivesse dito que iria registar a patente em nome próprio tinha-o dissuadido.
O projecto foi desenvolvido na BP, serralharia Hélios.
A serralharia cobrava à BP pelo trabalho efectuado.
Estes trabalhos foram desenvolvidos no âmbito do Job do réu que, por ele, recebeu bónus, sendo que este trabalho desenvolvido pesou na indemnização que lhe foi atribuída.
O Job implica uma declaração e uma assinatura de um documento.
A testemunha da interveniente, Henrique ……, engenheiro mecânico, trabalha para o Instituto de Emgenharia do Porto, foi funcionário da BP durante 30 anos, de 1985 a 2015, era o responsável pela estação de Matosinhos e pelos projectos de engenharia da Península Ibérica, conhece o réu por trabalhar/ter trabalhado na estação de Matosinhos:
O réu era o mecânico da estação; por ter conhecimento de mecânica garantia o bom funcionamento do enchimento das garrafas, bem como na área da segurança das pessoas; desenvolvia também todo o tipo de inovações necessárias (execução) para tornar a estação mais produtiva.
Era solicitado para fazer melhoramentos com o apoio das chefias no local, ficando responsável pela equipa.
O trabalho do réu não era isolado, era um trabalho colectivo, em equipa.
O trabalho era desenvolvido nas instalações da BP.
Quando era necessário uma estrutura metalo-mecânica socorriam-se de uma serralharia (era sempre a mesma) e o réu deslocava-se lá.
Os trabalhos efectuados eram pagos pela BP à serralharia.
O réu era uma pessoa muito na procura da solução, não desistia; acredita que após as horas de trabalho continuasse a pensar na solução e se deslocasse à serralharia.
A testemunha do réu, José ……, reformado, funcionário da BP exercendo as funções de motorista profissional nas instalações de gás, encarregado da estação de enchimento de gás de Matosinhos, desde 1994 a 2006, conhece o réu, desde 1978, referiu que:
O réu Aniceto Pires era o encarregado da manutenção.
A segurança e o melhoramento da produção eram objectivos e o Aniceto, melhorava essas performances.
O Aniceto era o “Dr. Pardal” da estação, foi ele quem, em exclusivo, desenvolveu o paletizador.
Ele desenvolvia ideias e punha em prática.
Falavam muito sobre o assunto e o Aniceto aplicava.
A patente destinava-se ao serviço da BP.
Falaram sobre isso numa reunião com o Engenheiro Carlos Martins, a quem o Aniceto e testemunha reportavam e aquele não mostrou interesse no registo da patente, então o Aniceto registou.
O objecto foi construído na serralharia Hélios e os trabalhos pagos pela BP.
Atento os depoimentos, tão só, de algumas testemunhas (as indicadas), constata-se que todos foram unânimes quanto às funções exercidas pelo réu na estação de Matosinhos e que nas mesmas estava incluída a vertente inventiva, a fim de melhorar a qualidade e segurança das pessoa, bem como na produtividade, tendo a testemunha Carlos Martins, superior hierárquico e chefe do réu, descrito as funções e new Job afecto ao réu.
Tal, também consta do doc. de fls. 663 a 665, sendo que o    doc. de fls. 703, acordo de revogação, limita-se a enunciar, em termos genéricos, que o posto de trabalho do réu, desempenhando as funções de Encarregado, foi extinto.
Assim sendo e tendo em atenção o supra extractado, nada a alterar à decisão de facto que se mantém na íntegra, falecendo a pretensão do apelante.
c) Abuso de direito
Defende o apelante que os factos apurados em 30 e 31, demonstram o desinteresse da BP em registar a patente que lhe foi oferecida por si pelo que, perante esta renúncia, o réu/apelante, legítima e de boa-fé, convencido que a BP jamais estaria interessada na patente, registou as patentes, em 23/92003 e em 14/5/2005, concluindo que a BP/Rubis ao reivindicar a reversão do registo da patente age em abuso de direito, sob a modalidade de venire contra factum proprio.
Como é comummente reconhecido, os princípios consagrados na lei relativos à segurança da vida jurídica e da certeza do direito não podem impor-se com sacrifício das elementares exigências do justo.
Logo na apresentação do Código Civil de 1966, Antunes Varela salientava, como directrizes fundamentais do novo código, a acentuação social, ainda que moderada, do direito civil moderno e a reacção contra o positivismo jurídico, expressa na confissão aberta, franca, da insuficiência da lei perante os problemas sujeitos ao  império do direito, na relevância jurídica de outros complexos normativos e no reconhecimento de outras ordens disciplinadoras da conduta humana (cf. Do Projecto ao Código Civil, págs. e seguintes).
E alertava para a necessidade de fórmulas suficientemente flexíveis nos pontos estratégicos do sistema, de cláusulas gerais que permitam ao julgador adaptar o direito às naturais evoluções da sociedade civil, mencionando expressamente, de entre essas cláusulas gerais, a dos negócios usurários (art. 282), a do abuso do direito   (art. 334) e a da alteração anormal das circunstâncias vigentes à data do contrato (art. 437).
A boa-fé é um princípio subjacente aos contratos, quer na sua negociação (art. 227 CC), integração (239 CC), alteração (art. 437 CC) e cumprimento (art. 762 CC), sendo certo que, se estes forem violados de modo manifesto, podem vir a tornar ilegítimo o exercício do direito assegurado contratualmente – art. 334 CC.
A boa-fé está ligada a ideias de fidelidade, lealdade, honestidade e confiança no cumprimento dos negócios jurídicos e impõe às partes, quer nas negociações preliminares, quer na formação das cláusulas definitivas, quer no cumprimento das obrigações, que ajam sem dolo e sem embuste.
O abuso do direito pressupõe que, no exercício do direito, a parte aja com excesso manifesto dos limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico desse direito – art. 334 CC.
O que significa que o instituto do abuso do direito representa o controlo institucional da ordem jurídica quanto ao exercício dos direitos subjectivos privados, garantindo a autenticidade das suas funções. Quer dizer, os valores, finalidades e objectivos subjacentes à norma justificam mas também condicionam a invocação e o exercício de um determinado direito subjectivo, por ela atribuído.
Implica isto que os direitos subjectivos são, à partida, de uma maneira ou outra vinculados (cf. Heinrich Hörster, A Parte Geral do CC, pgs. 278 e seguintes).
Ou seja, os direitos subjectivos e o seu exercício não são garantidos sem limites, havendo que indagar se, no caso concreto, existem circunstâncias ou relações especiais em virtude das quais o exercício do direito incorre em contradição com a ideia de justiça.
Para Manuel de Andrade, existirá um tal abuso quando, admitido um certo direito como válido em tese geral, todavia, no caso concreto, ele aparece exercitado em termos clamorosamente ofensivos da justiça, entendida segundo o critério social reinante (Teoria Geral das Obrigações, pg. 63).
A concepção adoptada de abuso do direito é a objectiva. Não é necessária a consciência malévola de se excederem, com o seu exercício, os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes, ou pelo fim social e económico do direito, basta que se excedam esses limites, ou seja, que a significação e alcance objectivo do comportamento do titular ultrapasse gravemente o uso normal do mesmo direito.
Não é necessário que o abusador tenha consciência de que a sua acção é realmente abusiva, bastando que, na realidade, o seja.
Exige-se que o excesso cometido seja manifesto, i. é, deve ser clamorosamente ofensor da justiça, do sentimento jurídico socialmente dominante. 
Para determinar os limites impostos pela boa-fé e pelos bons costumes, há que atender de modo especial às concepções ético-jurídicas dominantes na colectividade; no respeitante ao fim social e económico do direito, deverão considerar-se os juízos de valor positivamente consagrados na lei.
O abuso do direito pressupõe a existência do direito (direito subjectivo ou mero poder legal), embora o titular se exceda no exercício dos seus poderes. A nota típica do abuso do direito reside, por conseguinte, na utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito ou do contexto onde ele deve ser exercido – cfr. Castanheira Neves, “Questão de Facto, Questão de Direito”, I-513 e sgs., Cunha de Sá, “Abuso do Direito”, Lisboa, 1973-451 e sgs., A. Varela, “Abuso do Direito”, Rio, 1982 e CC Anot., vol. I, 3ª ed. -      art. 334 CC, Galvão Telles, “Direito das Obrigações”, 3ª ed. – 6.
O abuso do direito exige a alegação e prova de circunstâncias excepcionais relativas ao seu exercício, cujo ónus cabe ao demandado (arts. 334 e 342 CC).
O titular do direito invocado há-de propor-se exercê-lo em termos clamorosamente ofensivos da justiça.
O abuso de direito tem todas as consequências de um acto ilegítimo: pode dar lugar à obrigação de indemnizar, à nulidade nos termos gerais do art. 294 CC, à legitimidade de oposição, ao alongamento de um prazo de prescrição ou de caducidade – cfr. Vaz Serra, RLJ, ano 107 – 25.
A penalização do abuso do direito exige também, apesar da concepção objectiva decorrente do preceito legal, a necessidade de que, ao comportamento abusivo do autor acresçam os requisitos gerais, nomeadamente o nexo de imputação do facto ao agente, o dano, e o nexo de causalidade entre o facto e o dano – cfr. Abuso do Direito”, Coutinho de Abreu – 76 e A. Varela, “Obrigações, 1970, 371 e segs.
O princípio da confiança, como ensinava Baptista Machado, é um princípio ético-jurídico fundamentalíssimo, não podendo a ordem jurídica deixar de tutelar a confiança legítima baseada na conduta de outrem; poder confiar é uma condição básica de toda a convivência pacífica e da cooperação entre os homens; esse poder confiar é logo condição básica da própria possibilidade da comunicação dirigida ao entendimento, ao consenso e à cooperação, logo, da paz jurídica.
Toda a conduta, todo o agir ou interagir comunicativo, além de carrear uma pretensão de verdade ou de autenticidade (de fidelidade à própria identidade pessoal), desperta nos outros expectativas quanto à futura conduta do agente, pois todo o agir comunicativo implica uma auto-vinculação (cf. Obra Dispersa, vol. I, págs. 352 e 353).  
Também no acórdão do STJ, de 10-12-1991 (BMJ 412-459): agir de boa fé é ter uma conduta honesta e conscienciosa, uma linha de correcção e probidade, a fim de não prejudicar os legítimos interesses da contraparte, e não proceder de modo a alcançar resultados opostos aos que uma consciência razoável poderia tolerar.
São quatro os pressupostos da protecção de confiança, ao abrigo da figura venire contra factum proprium: 1 – Uma situação de confiança, traduzida na boa-fé da própria pessoa que acredite numa conduta alheia (no factum proprium); 2 – Uma justificação para essa confiança, ou seja, que essa confiança na estabilidade do factum proprium seja plausível e, portanto, sem desacerto dos deveres de indagação necessários; 3 – Um investimento de confiança, traduzido o facto de ter havido por parte do confiante o desenvolvimento de uma actividade na base do factum proprium, de tal modo que a destruição dessa actividade (pelo venire) e o regresso à situação anterior se traduzam numa clara injustiça; 4 – Uma imputação de confiança à pessoa atingida pela protecção dada ao confiante, ou seja, que essa confiança (no factum proprium) lhe seja de modo algum recondutível – Meneses Cordeiro, in Ver. Ordem Advogados, ano 58, Julho de 1998 – 964.
Uma das funções essenciais do direito é, também, a de assegurar expectativas.
A tutela das expectativas das pessoas é essencial a uma ordenação que pretenda ter como efeito a estabilidade e a previsibilidade das acções.
A confiança é um poderoso meio de redução de complexidade social, limitando a quantidade e a variedade de informação que tem de ser elaborada pela pessoa na sua vida social, e desempenhando uma função de desoneração da formação de expectativas.
No venire contra factum proprium deparamos com uma relação especial entre o agente o confiante, sendo a especial configuração dessa relação (com uma conduta que agora se pretende contrariar) que, por definição, leva à proibição do comportamento contraditório.
Para estarmos perante uma hipótese de venire contra factum proprium – e não apenas de qualquer outra forma de tutela da confiança -, terá de se poder afirmar a contrariedade directa entre o anterior e o actual comportamento.
Será o caso, designadamente, quando a confiança foi dirigida a uma determinada situação jurídica - por exemplo, à validade ou eficácia de uma vinculação negocial ou à sua não invocação - ou a uma conduta futura do agente (uma realização de uma prestação, celebração de um contrato), que vem a ser contrariada pela sua posterior atitude.
Para que haja abuso do direito, é necessário a existência de uma contradição entre o modo ou fim com que o titular exerce o seu direito e o interesse a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito – A. Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 6ª ed., 516.
A violação do princípio da confiança, revela normalmente um comportamento com que, razoavelmente, não se contava face à conduta anteriormente assumida e às legítimas expectativas que gerou - venire contra factum proprium – que se reconduz à expressão legal “manifesto excesso”  - cfr. Ac. RP de 16/12/2009, relator Filipe Caroço, in www.dgsi.pt.
In casu, a acção foi intentada, em 26/2/2011, tendo a BP/Rubis deduzido incidente de intervenção espontânea, em 19/19/11, formulando o pedido de transferência da titularidade dos direitos conferidos pelas patentes.
Apurado ficou que ficou que, em Março de 2003, o réu propôs à BP o registo da patente tendo esta manifestado desinteresse em fazê-lo.
Perante isto, o réu, sem comunicar tal facto à BP e à sua revelia, registou as patentes – pedidos efectuados, em 23/9/2003 e 14/5/2005, cujas patentes foram concedidas por despacho de 28/6/2005 e 27/3/2007, respectivamente.
Não obstante o período de tempo que mediou entre o registo das patentes e o pedido formulado pela interveniente (cerca de 8 e 4 anos) certo é que, o apelante não alegou e, como tal, não logrou demonstrar o conhecimento por parte da interveniente de que as patentes foram registadas e, em caso afirmativo, desde quando teve conhecimento, a fim de se poder aquilatar da sua inércia.
Também não se apurou que a BP/Rubis tenha autorizado o apelante a registar as patentes.
Acresce, que o desinteresse demonstrado pela BP, em 2003, relativo ao registo das patentes, por si só, não demonstra/prova que abdicou do seu direito e/ou o cedeu.
Na verdade, apurado ficou que as invenções foram desenvolvidas pelo réu, no âmbito do seu contrato de trabalho com a BP, e eram utilizadas nas suas instalações.
Atento o supra extractado e os factos apurados, a conduta da BP/Rubis não se subsume ao abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium porquanto, não logrou o apelante demonstrar a violação do princípio da confiança e, por maioria de ra, as legítimas expectativas geradas, soçobrando a sua pretensão.
d) Inconstitucionalidade do art. 59 CPI
Sustenta o apelante a inconstitucionalidade do art. 59 CPI, por violador dos arts. 37 e 42 CRP, “ao criar de forma perversa uma mordaça das liberdades de todos os trabalhadores do nosso Estado de Direito, substituindo a liberdade de criação pela obediência e cedência aos direitos económicos dos lucros empresariais”.
Esta questão não é de conhecimento oficioso sendo, de todo, omissa nos articulados apresentados pelo réu/apelante e, por isso, não foi apreciada na sentença, constituindo uma questão nova.
Os recursos são meios a usar para se obter a reapreciação de uma decisão, já não para obter decisões sobre questões novas, ou seja, questões que não foram suscitadas pelas partes perante o tribunal recorrido, não sendo lícito invocar neles questões que não tenham sido objecto das decisões impugnadas.
As questões novas não podem ser apreciadas, quer em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuarem a finalidade dos recursos, os quais se destinam a reapreciar questões e não a decidir questões novas, sob pena de supressão de um ou mais graus de jurisdição, prejudicando a parte que ficasse vencida -    cfr. Acs. STJ 7/11/93, in CJ STJ 1/93 e de 4/7/95, in CJ STJ 2/95 – 153, entre outros.
O Tribunal da Relação não tem de se pronunciar sobre questões novas suscitadas, excepção às de conhecimento oficioso – arts. 608/2 e 627 CPC.
Destarte, não se toma conhecimento desta questão.
Concluindo:
1 – O abuso de direito pressupõe a existência desse direito (direito subjectivo ou mero poder legal), embora o titular se exceda no exercício dos seus poderes.
2 – Agir de boa-fé é ter uma conduta honesta e conscienciosa, uma linha de correcção e probidade, a fim de não prejudicar os legítimos interesses da contraparte, e não proceder de modo a alcançar resultados opostos aos que uma consciência razoável poderia tolerar.
3 – A violação do princípio da confiança, revela normalmente um comportamento com que, razoavelmente, não se contava face à conduta anteriormente assumida e às legítimas expectativas que gerou – venire contra factum proprio – que se reconduz à expressão “manifesto excesso”.   
4 – Apesar de decorridos alguns anos sobre o registo da patente, o pedido de transferência da sua titularidade, não constitui abuso de direito tendo em conta que o registo das patentes foi efectuada à revelia da apelada, que nada se apurou quanto ao conhecimento da existência do registo por parte da apelada e, em caso afirmativo, desde quando, que esta tenha dado autorização para o registo da patente e que tenha cedido o seu direito.
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, consequentemente, confirma-se a decisão.

Custas pelo apelante.
Lisboa, 11/7/2019
Carla Mendes
Octávia Viegas
Rui da Ponte Gomes