Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
15070/18.7T8LSB.L1-4
Relator: FILOMENA MANSO
Descritores: DESPEDIMENTO
JUSTA CAUSA
MENSAGEM INJURIOSA
FACEBOOK
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: I - Os actos da vida privada do trabalhador não podem ser valorados em si mesmo, mas apenas nas reflexos que estes possam ter na estrutura empresarial ou na relação de confiança entre trabalhador e empregador.
II - A mensagem que uma trabalhadora de limpeza envia, via facebook, por chat, para uma aluna que frequenta um estabelecimento de ensino, que é cliente da empregadora, fora do tempo e do local de trabalho, a respeito de assuntos pessoais, é um acto da vida privada da trabalhadora.
III - Contendo aquela mensagem ameaças de divulgação de um assunto da vida privada da aluna junto dos utentes desse estabelecimento, o que motivou uma queixa da aluna junto desse estabelecimento que, por sua vez, apresentou uma reclamação junto da prestadora de serviços, empregadora da Autora, que exigiu a substituição da trabalhadora, sob pena de pôr em causa a continuidade do contrato, tal conduta constitui um ilícito disciplinar, por violação do dever de lealdade, que obrigava a trabalhadora a não assumir condutas susceptíveis de pôr em crise os interesses empresariais da Ré.
IV - Circunscrevendo-se os danos projectados por tal conduta na esfera profissional à aludida reclamação, não tendo ficado provado que a mesma conduta afectou a execução do contrato, ou que a mesma tenha provocado medo ou constrangimento à aluna, até pelo tempo que mediou entre o recebimento da mensagem e a queixa efectuada junto do estabelecimento de ensino, entende-se desajustada a aplicação de uma sanção expulsória, pelo que o despedimento é ilícito.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa  

I - RELATÓRIO
AAA intentou a presente acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, sob a forma do Processo Especial, contra BBB S.A. tendo apresentado, para o efeito, o formulário a que aludem os artigos 98.º-C e 98.º-D do Código de Processo do Trabalho.
Juntou, com o referido formulário, a decisão proferida pela empregadora que lhe aplicou a sanção disciplinar de despedimento com justa causa sem qualquer indemnização ou compensação.
Teve lugar a audiência de partes, nos termos do disposto no art. 98.º-I, do Código de Processo do Trabalho, não se tendo logrado obter a conciliação entre as partes.
A Ré apresentou articulado de motivação do invocado despedimento, no qual  alegou, em síntese, que a Autora cometeu factos integradores de justa causa de despedimento. Com este fundamento, requereu a declaração da regularidade e licitude do despedimento, com a improcedência da acção.
A Autora apresentou contestação, onde invocou a inexistência de factos integradores da justa causa de despedimento. Em reconvenção, formulou o pedido de condenação da Ré a reintegrá-la no seu posto de trabalho, sem prejuízo da opção pela indemnização, e ainda a pagar-lhe a quantia de €880,63, respeitante a remunerações vencidas, acrescida de juros de mora, à taxa lega, até integral pagamento.
A Ré respondeu à contestação.
Foi proferido despacho saneador que admitiu parcialmente o pedido reconvencional, tendo sido dispensada a enunciação dos factos assentes e a fixação da base instrutória.
Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, finda a qual a trabalhadora optou pela indemnização em substituição da reintegração (cfr. acta de
fls. 86 e 87).
Após foi proferida a sentença, na qual foi exarada a seguinte
DECISÃO
Por tudo quanto se deixou exposto, o Tribunal julga procedente a acção, parcialmente procedente o pedido reconvencional, e, em consequência:
(i) Julga ilícito o despedimento, com fundamento justa causa, promovido pela entidade empregadora, e, em consequência, condena-a a:
a) pagar à trabalhadora a quantia de € 1.522,50 (mil quinhentos e vinte e dois euros e cinquenta cêntimos), a título de indemnização de antiguidade, quantia à qual acrescem juros de mora, à taxa legal, desde 19 de Novembro de 2018 até efectivo e integral pagamento;
b) pagar à trabalhadora a quantia de € 3.615,93 (três mil seiscentos e quinze euros e noventa e três cêntimos) a título de retribuições, proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal vencidos desde 13 de Junho de 2018 até 4 de Dezembro de 2018, quantia à  qual acrescem as que, a título de retribuições, férias, subsídio de férias e subsídio de Natal se vencerem até ao trânsito em julgado da sentença, a liquidar em incidente próprio, sendo que os juros de mora apenas serão devidos após efectiva liquidação (art. 805.º, n.º 3, do Código Civil), e sem prejuízo da dedução do subsídio de desemprego auferido pela trabalhadora, o qual será entregue pela entidade empregadora à Segurança Social.
(ii) Condena a entidade empregadora a pagar à trabalhadora, a título de diferencial de proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, a quantia de € 85,57 (oitenta e cinco euros e cinquenta e sete cêntimos), acrescida juros de mora, à taxa legal, desde 13 de Junho de 2018 até efectivo e integral pagamento.
Valor da causa: € 5.224,00 (artigo 98.º-P, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho).
Custas a cargo da entidade empregadora (art. 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Registe. Notifique.
Após trânsito, comunique, enviando cópia da sentença, à Segurança Social.
Inconformada, interpôs a Ré recurso para esta Relação no qual formulou as seguintes
CONCLUSÕES:
(…)
Contra-alegou a Autora que concluiu pela improcedência do recurso.
Subidos os autos a esta Relação, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da confirmação do julgado.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas respectivas conclusões, a única questão a resolver é a de saber se ocorre justa causa para o despedimento da Autora.
II – FUNDAMENTOS DE FACTO
A 1ª instância considerou assentes os seguintes factos:
1. A trabalhadora foi admitida ao serviço da entidade empregadora no dia 6 de Janeiro de 2018 para, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, exercer as funções de trabalhadora de limpeza.
2. Ultimamente, a trabalhadora exercia as suas funções no cliente da empregadora Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna.
3. Com data de envio de 8 de Maio de 2018, a entidade empregadora remeteu à trabalhadora a seguinte missiva:
«(…)
Exma. Senhora,
Serve a presente para lhe comunicar que em face da gravidade dos factos cuja prática lhe vai imputada, constante da nota de culpa anexa, aqui dada por reproduzida, é intenção desta empresa proceder à aplicação de uma sanção disciplinar a V. Exa., pelo que dispõe do prazo legal de dez dias úteis para, querendo, deduzir por escrito, os elementos que considere relevantes para a sua defesa.
Mais informamos que o processo disciplinar se encontra disponível para consulta.
Junta-se para o efeito a nota de culpa.
(…)».
4. A nota de culpa deduzida pela entidade empregadora tem o seguinte teor:
«PROCESSO DISCIPLINAR
Nos termos do disposto no Código do Trabalho, BBB S.A.. vem comunicar a AAA a intenção de lhe instaurar Procedimento Disciplinar com vista à aplicação de sanção disciplinar, nos termos e com os fundamentos constantes da seguinte
NOTA DE CULPA
1. A arguida foi admitida ao serviço da arguente em 6 de Janeiro de 2018 para, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, exercer as funções de trabalhadora de limpeza.
2. A trabalhadora labora nas instalações do Cliente Instituto (…) sitas em Lisboa.
Acontece porém que,
3. Chegou ao conhecimento da Arguente que a Trabalhadora/arguida violou os seus deveres laborais.
Com efeito
4. No dia 24 de Abril a BBB recebeu uma comunicação escrita do Cliente apresentando uma reclamação e solicitando a substituição imediata da trabalhadora/arguida «dado que esta tem um desentendimento com uma aluna deste Instituto … e já lhe dirigiu algumas ameaças»
5. Averiguados os factos, foi apurado, que no dia 27 de Janeiro do presente ano, a trabalhadora/arguida através da sua página pessoal da rede social do facebook, enviou para a página pessoal da Sra D. CCC. cadete-aluna n°… do Instituto (…), mensagens escritas via «chat» com o seguinte teor « Sua puta d merda um dia vou te apanhar sua puta;
Ainda vieste na minha casa gozar cmg s tu ísac tinham um caso depois vais ver sua puta; Já avisai … sua porca tu homem s.tome ficaste foder homem dos outros sua porca; Instituto todo vai saber quem és tu sua porca puta Podes ficar crn … todo pra tipq eu n quero ele pq vocês são dois porcos; Mulher miúma goza cmg muito menos tu sua puta».
6. Com tal conduta a trabalhadora/arguida ameaçou e ofendeu a Cadete CCC que apresentou queixa junto da direcção do Cliente.
Acresce que,
7. No dia 9 de Fevereiro, do mesmo ano, a trabalhadora/arguida ao cruzar-se com a Sra. D. CCC no eléctrico da Carris de carreira n.°15 que fazia um percurso no sentido Cais do Sodré, pôs-se a apontar para a mesma enquanto conversava com uma pessoa desconhecida.
8. Tal conduta da trabalhadora/arguida causou medo e constrangimento à Cadete CCC que se sentiu ameaçada e que apresentou queixa junto da direcção do Cliente.
9. Com tais condutas violou a trabalhadora/arguida o dever de respeitar e tratar as pessoas que se relacionam com a empresa com urbanidade e probidade, previsto na alínea a) do n.º 1 do art. 128.º do Código do Trabalho.
10. O comportamento da trabalhadora/arguida motivou uma reclamação do cliente, um pedido de substituição imediata da trabalhadora e a advertência que a não substituição da mesma poderia pôr em questão a continuidade do contrato de prestação de serviços existente entre as partes.
11. Estes comportamentos por parte da trabalhadora/arguida não são admissíveis e a empresa não lhes pode ficar indiferente, do ponto de vista disciplinar.
12. A Trabalhadora/arguida sabia que, com esse comportamento, estava a violar os referidos deveres laborais e também as ordens e instruções da Arguente quanto ao modo como os trabalhadores deverão comportar-se e tratar as pessoas que frequentam os estabelecimentos dos clientes.
13. O comportamento da Trabalhadora/arguida é, inclusivamente, e pela sua gravidade, passível de responsabilidade criminal, podendo integrar a prática de crime de injúrias e de ofensas á integridade física p. e p. pelo art. 181.º e 143.º do Código Penal.
14. O comportamento da Trabalhadora/arguida causa graves prejuízos à Arguente.
15. Prejuízos, esses que se prendem com o risco de perder o cliente, com os danos causados na boa-imagem da Arguente e com o mau ambiente que inevitavelmente é gerado dentro do local de trabalho que afecta o normal funcionamento dos serviços e compromete a qualidade do serviço prestado.
16. A Arguente é uma empresa com grande credibilidade no mercado, mercado esse que é extremamente competitivo.
17. O sucesso da Arguente prende-se com a imagem de seriedade e competência que cultiva junto dos seus clientes.
18. Imagem, essa, que só pode ser mantida através da boa conduta dos seus trabalhadores.
19. A Arguente não pode permitir que uma sua trabalhadora injurie e ameace uma pessoa que frequenta o estabelecimento do Cliente, fazendo com que a mesma se sinta inibida em frequentar o estabelecimento.
20. Tolerar esta situação, significaria criar no seio da empresa o sentimento de que a Arguente permite o desrespeito e a falta de educação para com as pessoas que se relacionam com o Cliente onde é prestado o serviço.
21. A Arguente perdeu confiança no trabalho da arguida.
22. O comportamento da Arguida revela um elevado grau de culpa, ao que acresce a quebra irremediável de confiança que a arguente tem que depositar na sua prestação, pelo que, pela sua gravidade e consequências, torna prática e imediatamente impossível a subsistência das relações de trabalho, constituindo justa causa disciplinar de despedimento (artigo 351.º, nºs 1 e 2 als. a), d) e e) do Código do Trabalho).
23. Sendo intenção da arguente promovê-lo, na sequência do presente processo.
(…)».
5. A missiva remetida à trabalhadora pela entidade empregadora não foi por aquela recebida com a menção de “objecto não reclamado”.
6. Como a missiva tivesse sido devolvida à entidade empregadora, foi, no dia 30 de Maio de 2018, tentada a entrega, em mão, à trabalhadora, da missiva de fls. 48 e da nota de culpa – esta última peça já com a correcção do nome da trabalhadora – tendo a trabalhadora recusado a sua recepção.
7. Com data de 12 de Junho de 2018, a entidade empregadora remeteu à trabalhadora a seguinte missiva, que esta recebeu em 13 de Junho de 2018:
«(…)
Exma. Senhora,
Vimos pelo presente meio comunicar o seu despedimento imediato, com justa causa disciplinar, pelos fundamentos constantes da decisão final que remetemos em anexo e que aqui se dá por reproduzida.
Mais informamos que tem à sua disposição as prestações devidas por cessação do contrato de trabalho e o certificado de trabalho.
(…)».
8. Juntamente com a missiva referida em 7. foi remetida à trabalhadora a decisão final proferida pela entidade empregadora no âmbito do procedimento disciplinar que lhe instaurou, decisão final essa cujo teor é o seguinte:
«PROCESSO DISCIPLINAR
DECISÃO FINAL
BBB S.A., instaurou processo disciplinar com intenção de despedimento com justa causa disciplinar a Sra. D. AAA mediante Nota de Culpa, que remeteu para a morada da Trabalhadora/arguida, por correio registado.
1. Em 10 de Maio de 2018, foi tentada a entrega da carta com a nota de culpa pelos CCT e, encontrando-se a trabalhadora ausente, foi deixado o aviso de levantamento na caixa de correio da mesma.
2. Em 22 de Maio de 2018 a carta com a nota de culpa veio devolvida com a indicação de que não foi reclamada junto dos CTT.
3. Posteriormente, no dia 30 de Maio de 2018, a funcionária da Arguente (…), tentou entregar pessoalmente a nota de culpa à trabalhadora/arguida que se recusou a recebê-la.
4. Perante a insistência da funcionária (…) em ler e entregar a nota de culpa à Trabalhadora/arguida, esta virou costas e foi-se embora impossibilitando assim a entrega.
5. Este facto foi ainda presenciado pela trabalhadora (…).
6. Por ser verdade as referidas trabalhadora, (…) e (…), assinaram uma declaração em que declararam que foi tentada a entrega presencial da nota de culpa à trabalhadora/arguida tendo-se a mesma recusado a recebe-la.
7. E, sendo assim, temos de concluir que a notificação da nota de culpa foi concluída na data em que a trabalhadora/arguida se recusou a recebê-la, em mão, uma vez que o disposto no n.º 2 do art.º 224.º do C.C. não deixa margens para dúvidas a esse respeito, ao estipular que “[é] também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi pró ele oportunamente recebida”.
8. A arguida não respondeu à Nota de Culpa e não juntou ao processo qualquer documento.
9. A arguida não requereu a realização de qualquer diligência probatória.
10. O processo está completo e não padece de quaisquer irregularidade ou nulidade que o invalide.
11. Assim, dão-se provados os seguintes factos:
12. A arguida foi admitida ao serviço da arguente em 6 de janeiro de 2018 para, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, exercer as funções de trabalhadora de limpeza.
13. A trabalhadora labora nas instalações do Cliente Instituto (…) sitas em Lisboa.
Acontece porém que,
14. Chegou ao conhecimento da Arguente que a Trabalhadora/arguida violou os seus deveres laborais.
Com efeito
15. No dia 24 de Abril a BBB recebeu uma comunicação escrita do Cliente apresentando uma reclamação e solicitando a substituição imediata da trabalhadora/arguida «dado que esta tem um desentendimento com uma aluna deste Instituto Superior e já lhe dirigiu algumas ameaças»
16. Averiguados os factos, foi apurado, que no dia 27 de Janeiro do presente ano, a trabalhadora/arguida através da sua página pessoal da rede social do facebook, enviou para a página pessoal da Sra D. CCC. cadete-aluna n°… do Instituto (…), mensagens escritas via «chat» com o seguinte teor « Sua puta d merda um dia vou te apanhar sua puta; Ainda vieste na minha casa gozar cmg s tu … tinham um caso depois vais ver sua puta; Já avisai … sua porca tu homem s.tome ficaste foder homem dos outros sua porca; Instituto todo vai saber quem és tu sua porca puta Podes ficar crn isac todo pra ti pq eu n quero ele pq vocês são dois porcos; Mulher miúma goza cmg muito menos tu sua puta.
17. Com tal conduta a trabalhadora/arguida ameaçou e ofendeu a Cadete CCC que apresentou queixa junto da direcção do Cliente.
Acresce que,
18. No dia 9 de Fevereiro, do mesmo ano, a trabalhadora/arguida ao cruzar-se com a Sra. D. CCC no eléctrico da Carris de carreira n.°15 que fazia um percurso no sentido Cais do Sodré, pôs-se a apontar para a mesma enquanto conversava com uma pessoa desconhecida.
19. Tal conduta da trabalhadora/arguida causou medo e constrangimento à Cadete CCC que se sentiu ameaçada e que apresentou queixa junto da direcção do Cliente.
20. Com tais condutas violou a trabalhadora/arguida o dever de respeitar e tratar as pessoas que se relacionam com a empresa com urbanidade e probidade, previsto na alínea a) do n.º 1 do art. 128.º do Código do Trabalho.
21. O comportamento da trabalhadora/arguida motivou uma reclamação do cliente, um pedido de substituição imediata da trabalhadora e a advertência que a não substituição da mesma poderia pôr em questão a continuidade do contrato de prestação de serviços existente entre as partes.
22. Estes comportamentos por parte da trabalhadora/arguida não são admissíveis e a empresa não lhes pode ficar indiferente, do ponto de vista disciplinar.
23. A Trabalhadora/arguida sabia que, com esse comportamento, estava a violar os referidos deveres laborais e também as ordens e instruções da Arguente quanto ao modo como os trabalhadores deverão comportar-se e tratar as pessoas que frequentam os estabelecimentos dos clientes.
24. O comportamento da Trabalhadora/arguida é, inclusivamente, e pela sua gravidade, passível de responsabilidade criminal, podendo integrar a prática de crime de injúrias e de ofensas á integridade física p. e p. pelo art. 181.º e 143.º do Código Penal.
25. O comportamento da Trabalhadora/arguida causa graves prejuízos à Arguente.
26. Prejuízos, esses que se prendem com o risco de perder o cliente, com os danos causados na boa imagem da Arguente e com o mau ambiente que inevitavelmente é gerado dentro do local de trabalho que afecta o normal funcionamento dos serviços e compromete a qualidade do serviço prestado.
27. A Arguente é uma empresa com grande credibilidade no mercado, mercado esse que é extremamente competitivo.
28. O sucesso da Arguente prende-se com a imagem de seriedade e competência que cultiva junto dos seus clientes.
29. Imagem, essa, que só pode ser mantida através da boa conduta dos seus trabalhadores.
30. A Arguente não pode permitir que uma sua trabalhadora injurie e ameace uma pessoa que frequenta o estabelecimento do Cliente, fazendo com que a mesma se sinta inibida em frequentar o estabelecimento.
31. Tolerar esta situação, significaria criar no seio da empresa o sentimento de que a Arguente permite o desrespeito e a falta de educação para com as pessoas que se relacionam com o Cliente onde é prestado o serviço.
32. A Arguente perdeu confiança no trabalho da arguida.
33. A conduta da Trabalhadora/arguida consubstancia um grave ilícito disciplinar.
34. O comportamento da Trabalhadora/arguida revela um elevado grau de culpa, ao que acresce a quebra irremediável de confiança que a Arguente tem que depositar na sua prestação, pelo que, pela sua gravidade e consequências, torna prática e imediatamente impossível a subsistência das relações de trabalho, constituindo justa causa disciplinar de despedimento (artigo 351.º, nºs 1 e 2 alíneas e) e g) do Código do Trabalho).
Termos em que é decidido proferir, de imediato, o seu despedimento com justa causa disciplinar.
(…)».
9. Com data de 24 de Abril de 2018, a entidade empregadora recebeu, através de email, uma comunicação que lhe foi endereçada por … o, com o assunto I (…) Troca da Funcionária, sendo o seguinte o seu teor:
«(…)
Exm.º Sr.º
Dr. Luís Santo
Conforme solicitado em 23 de abril de 2018, nos termos da reunião tida com V. Exas. no dia de ontem, reiteramos o pedido de substituição imediata da vossa funcionária AAA por outro trabalhador de igual categoria, pelos motivos já apresentados e que se consubstanciam na ameaça e ofensas (em anexo) feitas a uma cadete-aluna cooperante através da rede social Facebook.
(…)».
10. Em anexo do email referido em 9. foram remetidos os documentos de fls. 42v. e 43, dos autos, sendo que a mensagem constante de fls. 43 é da autoria da trabalhadora e foi por esta remetida à cadete CCC que frequentava o Instituto (…).
11. A trabalhadora, no dia 27 de Janeiro de 2018, enviou à cadete do Instituto (…), CCC, a seguinte mensagem:
«Sua puta d merda um dia vou te apanhar sua puta
Ainda vieste na minha casa gozar cmg s tu … tinham um caso depois vais ver sua puta
Já avisei (…) sua porca tu homem s. … ficaste foder homem dos outros sua porca
I… todo vai saber quem és tu sua porca puta
Podes ficar cm …todo pra ti pq eu ñ quero ele pq vocês são dois porcos
Mulher miúma goza cmg muito menos tu sua puta».
12. A cadete CCC apresentou, no dia 1 de Março de 2018, junto do Sr. Comissário (…), a seguinte informação:
«(…)
Exmo. Sr. Comissário (…) CCC cadete-aluna nº (…), vem mui respeitosamente informar a V. Exa. que no passado dia 27 de janeiro de 2018 quando eram 12h37 recebi, via correio electrónico chat do Facebook, mensagens injuriosas, difamadoras e ameaçadoras provenientes da senhora AAA, funcionária de limpeza deste estabelecimento.
De referir ainda que, no dia 9 de Fevereiro, do mesmo ano, quando eram aproximadamente 14h00, ao cruzar com a mesma no eléctrico da Carris de carreira n.º 15 que fazia o percurso no sentido Cais do Sodré, vi que a mesma apontava para mim enquanto conversava com uma pessoa desconhecida, facto esse que me deixou bastante nervosa.
Esta situação deixa-me atemorizada, triste e ofendida, o que pode vir a ter reflexos nos meus estudos, visto a Senhora AAA ser aqui funcionária da limpeza do I (…).
No entanto, de momento, não desejo nenhum procedimento criminal contra a mesma, apenas uma repreensão para que isto não se repita.
(…)».
13. No dia 9 de Fevereiro de 2018, a trabalhadora cruzou-se com a Senhora CCC no eléctrico da Carris de carreira n.º 15 que fazia um percurso no sentido do Cais do Sodré.
14. O cliente da entidade empregadora advertiu-a que a não substituição da trabalhadora no local de trabalho poderia colocar em questão a continuidade do contrato de prestação de serviço.
15. Ao serviço da entidade empregadora e por conta das funções referidas em 1., a trabalhadora auferia, ultimamente, a retribuição mensal de € 507,50, acrescido de subsídio de alimentação de € 32,40 mensais.
16. A trabalhadora observava um horário de trabalho, de segunda-feira a sexta-feira, das 09h00 às 17h00.
17. A trabalhadora enviou a mensagem referida em 11. num contexto de envolvimento amoroso do seu companheiro com a cadete CCC.
18. No mês de Junho de 2018, a entidade empregadora pagou à trabalhadora: € 219,92, a título de retribuição; € 125,14, a título de proporcional de subsídio de Natal; € 507,50, a título de férias ano anterior; € 507,50, a título de subsídio de férias ano anterior; € 226,64, a título de proporcional de férias e € 226,64, a título de proporcional de subsídio de férias.

III – APRECIAÇÃO
A única questão a resolver é, como vimos, saber se ocorre justa causa pra o despedimento da trabalhadora.
O art. 338º do CT proíbe os despedimentos sem justa causa. E o art. 351º nº1 esclarece que constitui justa causa de despedimento “o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.”
A noção de justa causa pressupõe assim:
- um comportamento ilícito e culposo do trabalhador, violador dos deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, que seja grave em si mesmo ou nas suas consequências - o chamado elemento subjectivo;
- a impossibilidade de subsistência da relação de trabalho – o chamado elemento objectivo;
- um nexo de causalidade entre esse comportamento e a impossibilidade de subsistência da relação laboral.1
Por sua vez, o nº2 do art. 351º do CT estabelece exemplos-padrão de comportamentos que podem conduzir ao despedimento com justa causa, e o nº 3 estabelece critérios para apreciação deste conceito, a saber, o grau de lesão dos interesses do empregador, o carácter das relações entre as partes, ou entre o trabalhador e os seus companheiros, e as demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.
Não basta assim que tenha ocorrido uma violação dos deveres a que está obrigado o trabalhador. Cumpre ademais formular um juízo sobre os efeitos reais e concretos que a infracção praticada tem na relação de trabalho, pois o apuramento da “justa causa” corporiza-se essencialmente na impossibilidade prática e imediata da subsistência da relação de trabalho, que a jurisprudência tem interpretado, considerando as seguintes vertentes:
- a impossibilidade de subsistência do vínculo laboral deve ser reconduzida à ideia de inexigibilidade da manutenção vinculística;
- exige-se uma impossibilidade prática, com necessária referência ao vínculo laboral em concreto;
- e imediata, no sentido de comprometer, desde logo e sem mais, o futuro da relação contratual laboral.
Para integrar este elemento de impossibilidade da manutenção da relação laboral, torna-se necessário fazer um prognóstico sobre a viabilidade da relação contratual, no sentido de saber se ela mantém, ou não, a aptidão e idoneidade para prosseguir a função típica que lhe está cometida.
Nessa linha de entendimento, a jurisprudência dos tribunais superiores vem reafirmando que a impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação laboral verifica-se quando, perante um comportamento ilícito, culposo e com consequências gravosas na relação laboral, ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, susceptível de criar no espírito da primeira a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral. Nesse sentido, vejam-se, entre outros, os Acórdãos do STJ de 07-02-2007 – Proc 06S2839, de 22-04-2009 - Proc 09S0153, de 29.04.2009 - Proc 08S3081, Disponíveis em www.dgsi.pt.
Revertendo ao caso concreto verifica-se que o comportamento assacado à Autora traduz-se no envio de uma mensagem escrita, via chat, através da sua página pessoal da rede social facebook, para a página pessoal de CCC, cadeta-aluna do Instituto (…), com o conteúdo referido no ponto 5 dos factos provados.
O Instituto (…) é um cliente para o qual a entidade patronal da Autora prestava serviços e no qual esta exercia as funções de empregada de limpeza.
A aludida mensagem foi enviada no dia 27.1.2018, que recaiu num sábado, dia em que a Autora não estava ao serviço da Ré.
Daqui se retira, sem margem para dúvidas, que esta mensagem tem natureza pessoal.
Importa agora saber qual a relevância que essa mensagem é susceptível de ter no âmbito da sua esfera profissional.
Estabelece o art. 26, nº1 da CRP que “A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra e à reserva da vida privada.”
A pergunta que se coloca é a de saber se o poder disciplinar que está cometido à entidade patronal permite sancionar o trabalhador reportando-se a uma conduta ou omissão que não decorreu durante o tempo e no local de trabalho. Poderá essa conduta consubstanciar justa causa de despedimento?
Maria do Rosário Palma Ramalho (Direitos Fundamentais e Direitos de Personalidade no contrato de trabalho – breves notas sobre a aplicação jurisprudencial, Julho de 2013, pág. 36) entende que, no que concerne à cessação do contrato de trabalho, o direito à reserva da intimidade da vida privada leva a que as condutas extra-laborais sejam irrelevantes. Contudo, a título excepcional e tendo em conta as especificidades de alguns vínculos ou actividades laborais, admite que assim não seja sempre que as condutas se reflictam negativamente no cumprimento das obrigações ou ponham em causa a confiança que o empregador deposita no trabalhador.
Para Lobo Xavier (“Da justa causa de despedimento no contrato de trabalho”, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, suplemento XIV, 1966, pág.. 375) algumas situações extra laborais podem consubstanciar justa causa quando assim o justifiquem os “interesses muito atendíveis da entidade patronal ou exigências da particular natureza da relação de trabalho.” Nesta sede, este Autor destaca algumas situações. A primeira corresponde às condutas extra laborais que se possam reconduzir à violação dos especiais deveres de boa fé emergentes do contrato: é o caso do trabalhador cujo comportamento irá fragilizar o bom nome da empresa, situação que legitima o empregador a cessar o contrato, uma vez que esta não deve ter de manter ao seu serviço um trabalhador que descredibiliza a empresa. Destaca também factos cometidos pelo trabalhador que, pese embora não traduzam a violação de deveres contratuais, irão influir negativamente na execução futura da prestação.
Por seu turno, Raquel Reis (Direitos, liberdades e garantias do trabalhador despedido em razão da sua conduta extra-laboral, Gestão e Desenvolvimento, nº10, pág. 104) defende que é lícito exigir ao trabalhador que conforme a sua vida privada  a fim de preservar os interesses do seu empregador, exigência essa que decorre, sem mais, dos deveres de colaboração, de lealdade e de boa fé. Para esta Autora “o princípio geral da irrelevância dos atos da vida privada do trabalhador para efeitos laborais sofre derrogações quando circunstâncias especiais, relacionadas com o tipo de funções desempenhadas pelo trabalhador ou com a natureza particular dos interesses da entidade empregadora, possa conduzir a que tais atos adquiram relevância disciplinar, por influírem negativamente sobre a expectativa do correto cumprimento da prestação laboral.”
Temos para nós que a conduta do trabalhador, desde que não afecte o cumprimento da prestação laboral a que está adstrito, não pode constituir justa causa de despedimento. Ainda que o trabalhador seja leviano na condução da sua vida privada, o que poderá ser valorado e sancionado pelo Direito do Trabalho é o dano produzido em função da sua conduta, mas nunca a conduta em si.
Apenas o seu reflexo na estrutura empresarial ou na relação de confiança entre o empregador e o trabalhador pode legitimar a aplicação de uma sanção disciplinar.
Neste sentido escreve Diogo Leote Nobre (“A relevância dos comportamentos extra-laborais em sede de justa causa de despedimento”, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 68, nº1, Lisboa, 2009, pág. 932) “(...) as condutas da vida privada do trabalhador que afectem a imagem, o prestígio ou a credibilidade do empregador, ou que comprometam o bom ambiente de trabalho ou de alguma forma causem perturbações no funcionamento da empresa, ou que façam perigar o cumprimento do contrato de trabalho pondo em causa, de forma particular, a relação de confiança em que se funda a existência do contrato de trabalho, por alguma destas vias violando deveres contratuais acessórios de boa fé e lealdade, podem, também elas, constituir justa causa de despedimento se os reflexos causados  junto da empresa por tais comportamentos assumirem gravidade tal que a subsistência do contrato de trabalho releve impossível.”
Regressando ao caso dos autos e à luz dos ensinamentos colhidos na citada doutrina, respeitando a mensagem em questão à vida privada da trabalhadora não poderá ser valorada em si mesma, havendo apenas que apurar qual a dimensão em que se projecta aquela conduta no contexto da relação laboral.
Ora verifica-se que essa mensagem motivou uma queixa da aluna junto da Direcção daquele estabelecimento de ensino, que referiu sentir-se triste, atemorizada com a situação, o que, por seu turno, suscitou uma reclamação do cliente perante a Ré, que exigiu a imediata substituição da trabalhadora, com a advertência de que a não substituição poderia colocar em causa a continuidade do contrato de prestação de serviço.
Daqui resulta que o comportamento da trabalhadora teve consequências no plano profissional, com reflexo em interesses relevantes da empresa, na medida em que afectou o normal relacionamento com aquele seu cliente, sendo ainda susceptível de causar perturbação no bom funcionamento do serviço.
Ora a Autora estava obrigada a guardar lealdade à sua entidade patronal. Este dever, considerado no seu sentido mais amplo, obrigava a que trabalhadora pautasse a sua conduta de forma a não pôr em crise os interesses empresariais da Ré e que, in casu, se mostra violado, havendo um nexo causal entre aquele comportamento e a reclamação e exigência do cliente.
Verifica-se, pois, e com a delimitação acabada de traçar, um comportamento ilícito da trabalhadora, que é culposo, na medida em que devia abster-se de projectar na esfera profissional assuntos que eram do foro privado, sendo-lhe exigível que agisse de forma diversa e de que era capaz.
Resta agora apurar se esta infracção disciplinar reveste gravidade suficiente para justificar a adopção da medida disciplinar mais gravosa e que é a sanção expulsória.
Como se afirma no Ac. do STJ de 8.5.2012, in www.dgsi.pt, “no âmbito da apreciação da justa causa de despedimento, na ponderação sobre a gravidade da culpa e das suas consequências, importará considerar o entendimento de um “bonus pater famílias”, de um “empregador razoável”, segundo critérios de objectividade, em função das circunstâncias de cada caso em concreto, sendo que o apuramento da “justa causa” se corporiza, essencialmente na impossibilidade prática e imediata da subsistência da relação de trabalho.”
Por fim, há ainda que ter presente o previsto no nº1 do art. 330 do CT, nos termos do qual “A sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor, não podendo aplicar-se mais de uma pela mesma infracção.”
In casu, já vimos que não há que valorar a conduta da trabalhadora, per se, mas apenas o seu reflexo na esfera laboral, ou seja, os danos que aí foram projectados.
Ora estes circunscrevem-se ao desagrado manifestado pelo cliente com o inerente pedido de substituição da trabalhadora e a ameaça de eventual cessação da prestação de serviços caso tal pedido não fosse satisfeito, sendo que não foi alegado nem provado que essa substituição, a ter ocorrido, tenha acarretado prejuízo relevante para a Ré.
Também não se provou que a conduta da trabalhadora tenha causado medo ou constrangimento para a aluna-cadete como o revela o facto da mensagem ter sido recebida em 27.1.2018 e a visada só em 1.3.2018 tenha denunciado o caso ao Instituto.
Há ainda que situar o envio da mensagem no contexto em que o mesmo ocorreu. Embora se entenda altamente condenável o seu conteúdo, sendo que circunstância alguma o justifica, há que enquadrá-lo num quadro de descontrole emocional que lhe subjaz.
Nestas circunstâncias, entendemos que a sanção de despedimento se revela desajustada face ao comportamento da trabalhadora, traduzido este nos reflexos que a imputada conduta projectou na esfera profissional, que não assumem gravidade, em si mesmo e nas suas consequências, que justifiquem a aplicação da sanção de despedimento, devendo este considerar-se ilícito.
Improcede, pois, a apelação.
IV – DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela Apelante

Lisboa, 11 de Julho de 2019
Filomena Manso
Duro Cardoso
Albertina Pereira