Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2333/18.0T8VFX.L1-4
Relator: FRANCISCA MENDES
Descritores: CONTRAORDENAÇÃO
DESCANSO SEMANAL
RECURSO EXCEPCIONAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: Não suscitando a recorrente uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito e não tendo sido especificadas decisões contraditórias sobre tal questão, deveremos concluir que não estão verificados os pressupostos do recurso excepcional a que alude o nº2 do art.º 49º da lei nº 107/2009, de 14/09.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa.     

 

I–Relatório:


AAA, Lda. impugnou judicialmente a decisão proferida pela Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) no processo de contra-ordenação que lhe aplicou a coima de 17 UC, correspondente a € 1.734,00, por violação do disposto na Cláusula 35.º, n.º 1 do CCT celebrado entre a AHRESP e a FESAHT, publicado no BTE n.º 36, de 29.09.1998, em conjugação com o n.º 1 do art. 521.º do CT.

O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:
1.– No dia 6 de Março de 2017, pelas 12.25 horas, foi realizada visita inspectiva da ACT, ao refeitório existente nas instalações da empresa «…», sitas na (…), onde a arguida tem trabalhadores a prestar o seu trabalho, correspondente ao fornecimento de refeições nesse refeitório.
2.– Nesse local, encontra-se afixado o mapa de horário de trabalho referente ao mês de Março de 2017 e um comunicado da arguida a informar os seus trabalhadores que a «…» tinha iniciado um período experimental de laboração contínua da respectiva unidade de produção, entre Setembro e Dezembro de 2016.
3.– Desde Janeiro de 2017, a empresa «…» passou a laborar, definitivamente, em regime de laboração contínua.
4.– Na sequência da laboração contínua na empresa «…», a arguida passou a assegurar os serviços no respectivo refeitório durante a noite e os dias de fim de semana (sábado e domingo), tendo procedido à organização do horário de trabalho dos seus trabalhadores, em escalas que passariam a incluir trabalho ao fim e semana.
5.– No âmbito da visita inspectiva referida em 1., foi solicitado à arguida a apresentação dos documentos correspondentes ao mapa de horários de trabalho e registos dos tempos de trabalho dos seus trabalhadores, desde Março de 2017, o que a arguida cumpriu.
6.– Em relação a Março de 2017 e à trabalhadora (…), a arguida apresentou a denominada «folha de ponto com pausas», que ora faz fls. 11, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
7.– Desse mapa, consta como trabalho prestado por (…), entre os dias 10 e 19 de Março, os seguintes períodos de trabalho: no dia 10, com início às 22 horas e fim às 7 horas do dia 11; no dia 12, com início às 22 horas e fim às 7 horas do dia 13; nos dias 14, 15 e 16, respectivamente, com início às 12.30 horas e fim às 21.30 horas; no dia 17, com início às 22 horas e fim  às 7 horas do dia 18; no dia 18, com início às 22 horas e fim às 7 horas do dia 19.
8.– Dos registos efectuados no mapa referido em 6, reportado à trabalhadora da arguida (…), consta, como dias completos (das 00 às 24 horas do mesmo dia) de pausa na prestação de trabalho, os dias 5, 20 e 27 de Março de 2017.
9.– A trabalhadora da arguida, (…), é associada do Sindicato dos Trabalhadores da Industria Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Sul.
10.– A arguida é associada na ARESP.
11.–Ao vínculo laboral existente entre a arguida e (…), é aplicável o regime estabelecido no CCT celebrado entre a ARESP e a FESHOT, publicado no BTE n.º 36 de 29.09.1998.

Em sede de fundamentação de Direito referiu o Tribunal a quo : 
«Face ao teor das alegações da arguida – as quais delimitam a apreciação do recurso –, verifica-se que a mesma apenas questiona a interpretação efectuada na decisão administrativa relativamente ao «descanso semanal» a que o trabalhador tem direito por, no seu entendimento, não corresponder ao aí afirmado: «um dia, entende-se como sendo o período de 24 horas, compreendido entre a meia-noite de um dia até á meia noite do dia seguinte, ou seja, das 00h00 às 24h00».
E isto porque, sustenta a arguida, o período de descanso semanal corresponde a 24 horas consecutivas, não necessariamente compreendidas entre as 00 horas e as 24 horas do mesmo dia de calendário. Ou seja, no período aqui concretamente em apreciação, entre os dias 10 e 19 de Março de 2017, a sua trabalhadora (…), teve um período de descanso entre as 7 horas do dia 11 e as 22 horas do dia 12 (de 39 horas) e entre as 7 horas do dia 13 e as 12.30 horas do dia 14 (de 29.30 horas), ambas superiores a 24 horas consecutivas (…)
Aceita a arguida que é aplicável o regime estabelecido no CCT celebrado entre a ARESP e a FESHOT, publicado no BTE n.º 36, de 29 de Setembro de 1998.
Nos termos do disposto no art. 3.º, n.º 3 do CT, as normas legais reguladoras de contrato de trabalho só podem ser afastadas por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que, sem oposição daquelas normas, disponha em sentido mais favorável aos trabalhadores quando respeitem às matérias elencadas nas diversas alíneas aí estabelecidas. No que ora releva, salientam-se as al. g) e h), que se reportam aos limites à duração dos períodos normais de trabalho diário e semanal e à duração mínima dos períodos de repouso, incluindo a duração mínima do período anual de férias. Ou seja, em relação a estas matérias, o regime legal estabelecido no CT é imperativo, podendo ser alterado por IRC no caso de a norma expressamente assim o determinar e for em sentido mais favorável para o trabalhador.
Por seu turno, dispõe o art. 232.º, n.º 1 do CT que o trabalhador tem direito a, pelo menos, um dia de descanso por semana. No n.º 3, desse preceito legal, consigna-se, expressamente, que por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou no contrato de trabalho pode ser instituído um período de descanso semanal complementar, contínuo ou descontínuo, em todas ou algumas semanas do ano.
Deste, modo, é seguro afirmar que a regulamentação convencional sobre o descanso semanal obrigatório não pode contrariar o regime legal estabelecido no CT, mormente, quanto ao período temporal durante o qual tem de acontecer – um dia por semana.

O CCT supra identificado, e invocado pela arguida, dispõe na cláusula 21.ª sobre os períodos normais de trabalho, diário e semanal e, na cláusula 35.ª, especificamente sobre o descanso semanal, que:
«1– Todos os trabalhadores abrangidos pela presente convenção têm direito a um descanso semanal, que será sempre gozado ininterruptamente.
2.– Para os empregados administrativos o descanso semanal é o sábado e o domingo.
3.– Para os demais profissionais o descanso semanal será o que resultar do seu horário de trabalho. (…)».

Defende a arguida que, no âmbito do CCT, nem sequer se fala que o descanso semanal corresponda a um dia e, como tal, poderá corresponder a um período de 24 horas mesmo que «atravesse» dois dias de calendário.

Adiantamos, desde já, que não lhe assiste razão.

Como se referiu já, o regime do descanso semanal obrigatório estabelecido no CT é imperativo, logo, a interpretação que tem de se fazer do teor do n.º 1 da transcrita cláusula 35.ª é que o descanso semanal aí referido tem de corresponder a um período de tempo ininterrupto que corresponda a um dia, conforme estabelecido no n.º 1 do art. 232.º do CT.

Atente-se que, mesmo, na redacção desta cláusula 35.ª se acaba por fazer esse reporte do descanso semanal ser de um dia, porquanto no n.º 5 se encontra estabelecido que quando os trabalhadores pertençam ao mesmo agregado familiar, sempre que possível, o empregador deve proporcionar-lhes «…o descanso semanal no mesmo dia».

Afirmado que o descanso semanal corresponde a um dia, resta, agora, decidir se esse dia tem, necessariamente, de corresponder a um dia de calendário, balizado entre as 00 e as 24 horas ou se pode corresponder a um qualquer período ininterrupto de 24 horas.

Neste concreto âmbito, cumpre chamar à colação o propósito ou finalidade específica do descanso.

O direito ao descanso encontra-se consagrado na nossa Lei Fundamental – art. 59.º, n.º 1, al. c) da CRP –, com natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, sendo irrenunciável e intrinsecamente ligado à pessoa humana e à sua dignidade.

O direito ao descanso, para além de uma componente pessoal, de satisfação das necessidades de repouso da própria pessoa, no caso, trabalhador, visa proporcionar períodos de gozo com o agregado familiar e social do trabalhador, assim como satisfaz, também, interesses do empregador, no sentido de o trabalhador readquirir a sua força de trabalho e equilíbrio para a prestação do trabalho e manter-se a executa-la em segurança, evitando acidentes por cansaço.

Como refere a prof. Rosário Ramalho, Tratado do Direito do Trabalho, Parte, II, 6.ª edição, pág. 370, «O primeiro princípio geral orientador do regime do tempo de trabalho é um princípio de compatibilidade do tempo do trabalho com o direito do trabalhador ao repouso, a que subjaz, naturalmente, a tutela da saúde do trabalhador. Nesse sentido, o art. 59.º n.º 1 c) da CRP consagra o direito de todos os trabalhadores ao repouso e aos lazeres, a um limite máximo da jornada de trabalho e ao descanso semanal e anual (….) Um segundo vector de orientação geral do regime jurídico do tempo de trabalho é o da conciliação entre o trabalho e a vida pessoal e familiar do trabalhador. Não está já aqui em causa a necessidade de assegurar o descanso e a saúde do trabalhador, mas o objectivo de garantir que a sua actividade profissional seja compatível com tempos livres, que possa dedicar à sua vida pessoal e familiar. Este princípio consta do art. 59.º n.º 1 b) e d) da CRP e, no que toca especificamente à conciliação entre a vida profissional e familiar foi reforçada pela revisão Constitucional de 2004 (….) através da introdução da al. h) do n.º 1 do art. 67.º ».

De igual modo, Francisco Liberal Fernandes, in «O Tempo de Trabalho», Coimbra Editora, 1.ª edição, pág. 284 e seguintes, em comentário ao art.º 232.º do CT, refere, expressamente, que «o descanso semanal obrigatório deve ser gozado em dias de calendário (“no domingo”) e não em períodos de vinte e quatro horas (art. 232.º, n.ºs 1 e 2) – o que significa que o tempo que medeia entre o fim da jornada de trabalho e as 24 horas do mesmo dia não pode ser considerado descanso semanal, mas sim descanso diário. O conteúdo mínimo legal é de um dia completo, embora se admita que esta duração possa ser ampliada. Compete à lei determinar os casos (e respectivos pressupostos) em que o dia de descanso semanal pode não coincidir com o domingo (n.º 1 do art. 232.º), podendo nesse caso ser fixado em dia diferente, através de convenção colectiva, por contrato individual de trabalho ou por regulamento interno (…) ao dia de descanso semanal deve adicionar-se o período mínimo de onze horas correspondente ao descanso diário (art. 214.º, n.º 1) de modo a que o descanso semanal tenha uma duração de, pelo menos, 35 horas consecutivas».

Em face das finalidades do direito ao descanso semanal e do período mínimo legalmente estabelecido para o efeito – um dia –, é nosso entendimento, que esse período de tempo tem de corresponder a um dia de calendário., que, nos termos legais, e por regra, corresponde ao dia de domingo.

Efectivamente, o trabalhador tem o direito a gozar repouso por um dia completo de calendário por corresponder à unidade de medida do tempo que socialmente é entendido como “um dia” e como, em comunidade é organizada a vivência social, desde a escolar, à do lazer e ao convívio social e familiar. Por outro lado, independentemente de fazer um período de tempo superior a 24 horas sem prestar o seu trabalho, entre dois dias de calendário (como é o caso, por exemplo, de sair do trabalho às 7 das manhã de um dia e regressar ao trabalho às 22 horas do dia seguinte), o trabalhador tem o direito de repousar e de «desligar» do trabalho, de forma a que deixe de comparecer no seu local de trabalho e de prestar o trabalho, por um dia completo, ao fim de 7 dias, desiderato que não é alcançado quando tem de, necessariamente, comparecer, em todos os dias de calendário, para prestar trabalho.
Este entendimento, foi o exarado, nos arestos do STJ de 23.10.1995, proferido no proc. 145/96, disponível in www.dgsi.pt, no regime similar da LDT, onde se consignou, citando, Monteiro Fernandes, que «...o dia de descanso semanal (obrigatório nas empresas de laboração contínua, que implica uma organização do trabalho por turnos) deverá cobrir um dia de calendário, ou seja, um período de tempo iniciado às 0 horas e terminado às 24 horas.

Na verdade, o descanso semanal só preenche plenamente a sua finalidade (que visa não só a regeneração da capacidade  laboral do trabalhador mas também a recuperação da sua própria disponibilidade, sem cair em faltas) se corresponder na íntegra ao ciclo biológico do dia normal. E, mais recentemente, no aresto do Tribunal da Relação do Porto, de 19.03.2018, proferido no proc. 5825/15.0, transcrevendo o teor decisório da sentença proferida em primeira instância, igualmente disponível em www.dgsi.pt (…)»

A impugnação judicial foi julgada improcedente e foi mantida a coima aplicada pela ACT.

A arguida recorreu e formulou as seguintes conclusões :
1.–A Recorrente foi condenada pela alegada violação do disposto no n.º 1 da cláusula 35.ª do CCT AHRESP-FESAHT.
2.–A ACT deu razão à Recorrente no que se refere à trabalhadora MO, dando como não provado que esta tivesse trabalhado sete dias consecutivos, sem pelo menos um dia de descanso semanal(cfr. Facto Não Provado1).
3.–No entanto, deu como provado que a trabalhadora (…) trabalhou 7 dias consecutivos, do dia 10/03 ao dia 19/03 sem pelo menos um dia de descanso semanal (cfr. Facto Provado 18).
4.–Tal facto é totalmente falso e não teve em conta, obviamente, o horário em concreto da referida trabalhadora, a qual presta trabalho em período nocturno.
5.–O facto do horário de 8 horas da trabalhadora ser distribuído por 2 dias consecutivos não tem a virtualidade de transformar um dia de trabalho em dois.
6.–Analisando-se devidamente o horário da trabalhadora (…), é notório que, conforme referido, o trabalho prestado entre as 22h00 do dia 10 de Março e as 7h00 do dia 11 de Março, equivale a um dia de trabalho normal.
7.–Denota-se, contudo, que entre a noite do dia 11 de Março e a manhã do dia 12 de Março, a trabalhadora não prestou qualquer função, tendo tido um dia de descanso.
8.–Mais precisamente, a trabalhadora teve um período de descanso desde as 7h00 da manhã do dia 11 de Março até às 22h00 do dia 12 de Março, ou seja, um período de descanso total consecutivo de 39 horas, bem mais que as 24 horas que compõem um dia.
9.–Tal situação voltou a repetir-se entre o dia 13 e o dia 14 de Março de 2017, conforme se denota claramente do já referido registo de ponto (cfr. Anexo 8 do Auto de Notícia).
10.–A trabalhadora (…) prestou funções das 22h00 do dia 12 de Março de 2017 até as 7h00 do dia 13 de Março de 2017, mas não prestou qualquer função entre as 22h00 dia 13 de Março e as 7h00 do dia 14 de Março de 2017.
11.–Não se pode aceitar a posição da ACT no sentido de que um dia de descanso será “o período de 24 horas, compreendido entre a meia-noite de um dia até à meia-noite do dia seguinte, ou seja, das 00h00 às 24h00”.
12.–A composição do dia de descanso semanal desta trabalhadora deverá acompanhar o que seria um dia de trabalho normal da mesma.
13.–Se a trabalhadora presta funções das 22h00 às 7h00 do dia seguinte, o respectivo descanso irá coincidir precisamente com tal período, ou seja, não prestará qualquer função entre as 22h00 e as 7h00 do dia imediatamente seguinte.
14.–Não existindo qualquer justificação legal para se exigir um descanso superior ao referido.
15.–É notório que a acusação da ACT é totalmente falsa, não correspondendo, de todo, à verdade, que a trabalhadora (…) tenha trabalhado dez dias seguidos sem pelo menos um dia de descanso semanal.
16.–A trabalhadora gozou duas folgas semanais intercaladas dentro do período analisado pela ACT, e ainda, a contabilização dos dias trabalhados feita pela ACT encontra-se errada, contando alguns dias em duplicado (sempre que o horário é nocturno a ACT contabiliza dois dias de trabalho ao invés de apenas um).
17.–O Tribunal a quo seguiu a mesma linha da ACT, considerando que o dia de descanso semanal tem de corresponder a um período entre as 00 e as 24 horas do mesmo dia, ainda que, no presente caso, o trabalhadora em causa tenha tido um período de descanso semanal de 39 horas (!).
18.–Seguindo-se a posição da ACT e do Tribunal a quo, no presente caso, tal significaria que a trabalhadora teria de gozar um descanso semanal com a duração de 63 horas para poder ser considerado um dia de descanso, o que seria totalmente absurdo.
19.–A Directiva Europeia que esteve na origem das normas do Código do Trabalho relativas aos tempos de trabalho, é perfeitamente clara e expressa ao referir-se a um período de descanso ininterrupto de 24 horas, não existindo qualquer referência à necessidade de se tratar do período compreendido entre as 00 e as 24 horas do mesmo dia civil.
20.–Existe diversa jurisprudência muito recente que esclarece perfeitamente este tema, referindo-se sempre, em consonância com o Direito Comunitário, ao período de descanso ininterrupto de 24 horas (cfr. Acórdãos acima referidos).
21.–Deverá ser alterada a decisão proferida pelo Tribunal a quo e a Arguida ser absolvida da contra-ordenação em que foi condenada relativa à alegada violação do CCT AHRESP-FESAHT relativamente à referida trabalhadora.
Nestes termos e nos demais de Direito, deverá a decisão condenatória da ACT, confirmada pelo Tribunal a quo, ser revogada e substituída por outra que absolva a Arguida da prática da contraordenação de que vem acusada e do pagamento da respectiva coima.

No seu requerimento de interposição de recurso a recorrente sustenta :
« É certo que não se verifica, no presente caso, qualquer uma das situações previstas nas alíneas a) a e) do n.º 1 do artigo 49.º da Lei 107/2009, de 14 de Setembro. No entanto, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito legal, pode o Tribunal da Relação, a requerimento do arguido ou do Ministério Público, aceitar o recurso da decisão quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência.
Ora, entende a Arguida que a questão em discussão nos presentes autos, e a decisão proferida sobre a mesma, carecem de uma nova análise a qual se demonstra manifestamente necessária à melhoria da aplicação do direito.
Sendo que, simultaneamente, a referida reapreciação é também essencial para a promoção da uniformidade da jurisprudência.»

O Ministério Público respondeu e formulou as seguintes conclusões:
-No presente caso, não se verifica qualquer uma das situações previstas nas alíneas a) a e) do n.º 1 do artigo 49.º da Lei 107/2009, de 14 de Setembro;
-No entanto, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito legal, pode o Tribunal da Relação, a requerimento do arguido ou do Ministério Público, aceitar o recurso da decisão quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência;
-No presente caso, nenhum facto susceptível de poder integrar os aludidos requisitos é invocado/demonstrado. Apenas se alegando os motivos que levam a recorrente a discordar da douta sentença;
- Como tal, o Recurso não deve ser admitido;
- O art. 232º, nº 1, do CT/2009, ao referir um dia de descanso por semana, pretende reportar-se a um dia de semana completo, entre as 00,00 horas e as 24,00 horas do mesmo;
- Tanto mais que ai se consagra que em princípio o dia de descanso semanal é o domingo e decorrendo das 0h às 24 horas, outro dia de descanso só pode ser entendido como devendo ocorrer dentro do mesmo período de tempo, das 0 h às 24 horas.

O Exmº Procurador Geral Adjunto subscreveu a resposta apresentada pelo Ministério Público no Tribunal recorrido e emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
***

II–Importa verificar se o recurso deve ser admitido.
Estatuí o art. 49º, nº1, a) da lei nº 107/2009, de 14/09 que cabe recurso para o Tribunal da Relação quando for aplicada ao arguido coima superior a 25UC ou valor equivalente.
Atento o montante da coima aplicada, não é permitido recurso para o Tribunal da Relação.
Estatuí, no entanto, o nº2  do citado preceito legal : «Para além dos casos enunciados no número anterior, pode o Tribunal da Relação, a requerimento do arguido ou do Ministério Público, aceitar o recurso da decisão quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência».
A decisão sobre o requerimento formulado ao abrigo do disposto no nº2 do art. 49º da lei nº 107/2009 constitui questão prévia que é resolvida por despacho fundamentado do Tribunal (art. 50º, nº3 da lei nº 107/2009). Entendemos que esta decisão deverá ser proferida em Conferência (neste sentido, Acórdão da Relação de Lisboa, de 20/2/2013, no qual a ora relatora teve intervenção como Adjunta). Salienta este Acórdão as similitudes com os arts. 150º do CPTA e 721º-A do CPC ( correspondendo este preceito ao actual art. 672º do CPC) que exigem uma decisão colectiva e, em consonância com o Acórdão da Relação do Porto de 11-01-2012- www.dgsi.pt, conclui que : «As garantias de defesa ficam sempre melhor asseguradas quando essa decisão é colectiva e não apenas individual, pois ali ocorre uma posição conjunta e sempre maioritária e aqui existe uma posição estritamente unilateral. »
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III–Vejamos, agora, se o recurso deve ser admitido, porque tal se afigura manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência.

Conforme defende o citado Acórdão da Relação de Lisboa, importa apurar se está em causa uma questão «cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Refere a Decisão da Relação de Évora de 22.01.2013: «Visam-se aqui, predominantemente, interesses de ordem pública para obviar a erros manifestos na interpretação e na aplicação do direito (…) Tal noção de “melhoria da aplicação do direito”, que incidirá em questão jurídica, tendencialmente preencherá três requisitos: [1] ser relevante para a decisão da causa, [2] ser uma questão necessitada de esclarecimento e [3] ser passível de abstracção no sentido de que permita o isolamento de uma ou mais regras gerais aplicáveis a casos similares (Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, Universidade Católica, Lisboa, 2011, pág. 303).»

Retornando ao caso em apreço, consideremos resulta do disposto no art.   232º, nº1 do CT que o trabalhador tem direito a, pelo menos, um dia de descanso por semana. E, de acordo com disposto no nº 5 do art. 221º do mesmo diploma legal, os turnos de laboração contínua devem ser organizados de forma a permitir um dia de descanso em cada período de sete dias.

Resulta da decisão recorrida que um dia de descanso completo não equivale a vinte de quatro horas seguidas. A questão colocada pela recorrente não se afigura relevante em termos de justificar a admissão do presente recurso.

Com efeito, não é suficiente uma mera divergência interpretativa. É necessário que estejamos, conforme supra referido, perante uma questão “necessitada de esclarecimento”. As divergências têm ocorrido não quanto à questão ora colocada, mas sim quanto à questão sobre se o dia de descanso deve ser concedido no sétimo dia subsequente a seis dias de trabalho[1]

Importa, agora, verificar se o recurso deverá ser admitido por o mesmo se revelar manifestamente necessário “à promoção da uniformidade da jurisprudência”.

Não foram especificadas decisões contraditórias sobre a concreta questão[2] em apreço, de forma a justificar a admissão do presente recurso.

Concluímos, por isso, que não estão verificados os pressupostos do recurso excepcional a que alude o nº2 do art. 49º da lei nº 107/2009.
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IV–Decisão
Em face do exposto, acorda-se em rejeitar o presente o recurso excepcional.
Custas pela recorrente.



Lisboa, 10 de Abril de 2019



Francisca Mendes
Maria Celina de Jesus de Nóbrega



[1]Refere o Acórdão da Relação do Porto de 13.06.2018 (Proc. nº 675/14.3T8PNF.P1)- www.dgsi.pt:« Sobre a questão de o dia de descanso obrigatório a que o trabalhador tem direito dever ser necessariamente concedido em cada período de sete dias, ou seja, pelo menos no sétimo dia subsequente a seis dias de trabalho consecutivo, pronunciou-se recentemente o TJUE em acórdão de 9 de Novembro de 2017 (portanto posterior à prolação da sentença sob recurso), no âmbito do processo C 306/16 (…) contra ( … S.A.), em decisão provocada por reenvio prejudicial deste Tribunal da Relação, mediante acórdão de 23 de Maio de 2016, processo 1282/15.9T8MTS.P1, ali se decidindo que: “O artigo 5º da Diretiva 93/104/CE do Conselho, de 23 de novembro de 1993, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho, conforme alterada pela Diretiva 2000/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de junho de 2000, bem como o artigo 5º, primeiro parágrafo, da Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho, devem ser interpretados no sentido de que não exigem que o período mínimo de descanso semanal ininterrupto de vinte e quatro horas a que o trabalhador tem direito seja concedido, o mais tardar, no dia subsequente a um período de seis dias de trabalho consecutivos, mas impõem que esse período seja concedido em cada período de sete dias”».          
[2]Diversa da indicada na nota 1.