Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
756/18.4T8LSB.L1-4
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: AÇÃO PARA ANULAÇÃO E INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULAS DE CONVENÇÕES COLECTIVAS
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: Existe erro na forma do processo quando o critério da lei que o prevê não se adequa à pretensão.

A ação para anulação e interpretação de cláusulas de convenções coletivas de trabalho tem por objetivo, respetivamente, a apreciação de contradição material do conteúdo das convenções coletivas e a fixação do sentido das suas cláusulas.

Arguindo-se a existência de uma lacuna no AE e emergindo dos autos que se pretende a integração da mesma com recurso a normas que se indicam, de modo a regular o caso concreto, aquela ação não é adequada.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa:


AAA e Outros notificados da sentença que absolveu os requeridos da instância por ter declarado a nulidade de todo o processo, não se conformando com a mesma, dela vêm interpor recurso.

Pedem a revogação da sentença.

Fundam-se nas seguintes conclusões (que apresentaram após convite ao aperfeiçoamento):
(…)

O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

A este parecer respondeu a Apelada.
***

Deixamos, abaixo, um breve resumo dos autos para cabal compreensão.

AAA e Outros intentaram a presente ação especial de interpretação de cláusulas de convenções coletivas contra BBB, Sindicato (…) e (…) Sindicato, pedindo:
Sejam as Cláusulas 1ª, n.º 1, Cláusula 2ª, n.º 1 e Cláusula 5ª, n.º 3, todas do Anexo V do Acordo de Empresa publicado no BTE 17/2015, interpretadas em conjugação com a Cláusula 5ª, n.º 1, do Regulamento Autónomo dos OPA, do Acordo de Empresa, publicado no BTE 29/2002, e, em consequência, ser aplicável a Cláusula 2ª, n.º 1, do Anexo V, do AE entre a BBB SA e o Sindicato (…), publicado no Boletim de Trabalho e Emprego, n.º 17, de 08 de Maio de 2015.

Citados os réus apresentaram as suas alegações.

Foi deduzido o incidente de intervenção principal provocada do Sindicato (…), que foi deferido.

Citado o Sindicato (…) não apresentou alegações.

Foi proferido despacho que absolveu os requeridos da instância, considerando-se que há erro na forma do processo.
***

As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.

Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, é a seguinte a questão a decidir, extraída das conclusões:
- Há necessidade de se proceder à interpretação feita pela recorrente BBB das cláusulas postas em crise pelos recorrentes na sua petição?
***

O DIREITO:

Previamente à análise suscitada, cumpre salientar que não está em causa neste recurso o bem ou mal fundado do pedido formulado na ação, situação que parece emergir tanto da alegação, quanto da contra-alegação.

Em causa está apenas e tão só a decisão que considerou existir erro na forma do processo. E este será o thema decidendum.

Foi proferida decisão que considerou existir erro na forma do processo, baseando-se nos seguintes fundamentos:
“Para que se possa recorrer a esta forma de processo especial[1] é necessário que cláusula do instrumento de regulamentação coletiva esteja em desconformidade com a lei ou que a sua interpretação seja dúbia.

Como resulta do artigo 4º do Código de Processo de Trabalho, as associações sindicais e as associações de empregadores outorgantes de convenções coletivas de trabalho, bem como os trabalhadores e os empregadores diretamente interessados, são partes legítimas nas ações respeitantes à anulação e interpretação de cláusulas daquelas convenções.

No caso resulta que os autores, trabalhadores, pretendem obter com esta ação ascender a um nível superior da categoria que detêm apelando nas disposições transitórias uma vez que o Acordo de Empresa em vigor à data da sua contratação (publicado BTE, 1ª série, n.º 29 de 08.08.2002) foi revogado por novo Acordo de Empresa celebrado no ano de 2015 (publicado BTE, n.º 17, de 08.05.2015).

Os autores não põem em crise a validade ou interpretação de quaisquer cláusulas do Acordo de Empresa em vigor ou que em entendam ser-lhes aplicável nem resulta da sua alegação a necessidade de interpretação das cláusulas para integração de lacuna cuja alegação também não vislumbramos.

O que os autores pretendem é a pronúncia do Tribunal sobre a sucessão de Acordos de Empresa e, tendo em conta essa mesma sucessão, que conclua pela aplicação das normas a que aludem ao seu caso concreto.

Assim e porquanto não estamos perante uma situação de validade ou interpretação de cláusulas de convenções coletivas a pretensão dos autores apenas podia e pode ser apreciada no processo comum, com a apresentação de uma petição e demais termos regulados nos arts. 54º e ss. CPT.

Houve, pois, erro na forma do processo uma vez que devia ter sido utilizada a ação comum (arts. 51º e ss. CPT).”

Funda-se a decisão recorrida na existência de erro na forma do processo, situação que ocorre “quando o autor indica para a ação uma forma processual inadequada ao critério da lei” (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª Ed., Coimbra Editora, 390).

Fá-lo no pressuposto de que não vem posta em causa a validade ou interpretação de alguma cláusula de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.

A ação proposta é a prevista nos Artº 183º e ss. do CPT, a saber, ação de anulação e interpretação de cláusulas de convenções coletivas de trabalho, a qual tem como pressuposto, a necessidade de anular ou interpretar alguma cláusula deste instrumento.

Esta não é uma ação nova no ordenamento jurídico nacional. As suas origens remontam a 1977 quando então se atribuiu aos tribunais de trabalho a competência para conhecer das questões relativas à legalidade dos instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho.

Ainda antes de tal atribuição de competência já o sistema legal reconhecia às comissões corporativas uma função interpretativa e integrativa de cláusulas de convenções coletivas, funções que em 1976 foram atribuídas às então denominadas comissões paritárias. Contudo, apenas durante um curto lapso de tempo, pois que em 29/12/76 é publicado o DL 887/76 que afasta da competência destes órgãos a possibilidade de integrar lacunas. Situação que não se mantém atualmente, porquanto o Artº 492º/3 do CT é explícito na atribuição à comissão paritária de competência para interpretar e integrar as cláusulas de convenção coletiva.

É naquele contexto que, segundo Alberto Leite Ferreira, surge a atribuição da competência aos tribunais de trabalho a que nos reportámos acima – competência para anular e interpretar IRC (in Código de Processo do Trabalho Anotado, 4ª Ed., Coimbra Editora, 732 e ss.).

Esta competência que se mantém desde então tem por objeto o controlo da legalidade material da convenção, ou seja, o objeto do processo é a apreciação “de contradição material do conteúdo das convenções coletivas”  e “os casos de fixação do sentido das suas cláusulas” (ob. cit., 735).

É assim que sucessivas leis vêm conferindo quer aos outorgantes, quer aos destinatários (trabalhadores e empregadores) legitimidade para estas ações de anulação e interpretação de cláusulas de convenções coletivas de trabalho. Na atualidade, esta norma legitimadora encontra-se no Artº 4º do CPT.

No caso concreto, está em causa, conforme se alega no Artº 27º da PI, a existência de uma lacuna no ordenamento convencional coletivo, pretendendo os AA. preencher o vazio que reportam.

Muito concretamente alegam na PI que nos termos do Acordo de Empresa vigente à data da sua contratação, estava estabelecido no n.º 1, da cláusula 5ª, do Regulamento Autónomo dos Oficiais de Operações Aeroportuárias (RAOPA) que, para a categoria profissional destes trabalhadores, a progressão na carreira far-se-ia por fases e graus. O nível ou grau 10 era o primeiro e progredia até ao grau ou nível 23 e as fases de progressão na categoria profissional ocorreriam de dois em dois anos, desde o nível 10 até ao nível 19. Os AA foram integrados no nível 13, em Abril de 2014 e aí permaneciam em 13 de Maio de 2015, em conformidade com o AE então vigente. Em 13 de Maio de 2015, o referido AE foi revogado pelo novo AE celebrado entre as RR, publicado no Boletim de Trabalho e Emprego, n.º 17, de 08 de Maio de 2015. Este AE, atualmente em vigor, não previu o nível correspondente ao grau/nível 13 da categoria profissional dos referidos trabalhadores, uma vez que o nível R6 que existe na tabela salarial do novo AE não tem enquadramento na categoria de OPA I.

Sustentam, assim, que da análise conjugada entre o anterior AE e o atual AE se constata que, se, aquele anterior AE fazia corresponder o nível 13 quer na categoria profissional, quer na tabela salarial, já a tabela salarial do novo AE, faz corresponder à categoria profissional e salarial de nível 13 [do anterior AE] o nível R6, conforme Cláusula 14ª., do Anexo V, do atual AE, nível que é inexistente para a categoria profissional OPA I.

Entendem os AA que a eles se aplica a Cláusula 2ª., n.º 1, do Anexo V, do AE celebrados entre as RR., publicado no Boletim de Trabalho e Emprego, n.º 17, de 08 de Maio de 2015, segundo a qual “Aos trabalhadores que, à data de entrada em vigor do presente AE, tenham cumprido 6 ou mais meses exigidos para o acesso a Fase de nível superior, aplicam-se as regras do anterior AE.”. Donde, em Abril de 2016 [dois anos desde Abril de 2014], deveriam ter sido integrados no nível R8 e correspondente Nível de Maturidade II, por aplicação in casu, obrigatório, do n.º 3, da Cláusula 5ª., do Anexo V, do novo AE, o que não sucedeu.

Reportando-se à matéria da interpretação e integração das convenções coletivas, Pedro Romano Martinez, salienta a existência de dois regimes especiais: “o constante do Artº 493º do CT 2009 e a hipótese de acórdãos interpretativos com valor de uniformização jurisprudencial, previstos nos Artº 183º e 186º do CPT” (Direito do Trabalho, 5ª Ed., Almedina, 1223), sendo que no primeiro caso refere a competência interpretativa e integrativa, e no segundo, de competência interpretativa.

Na Doutrina, a interpretação distingue-se da integração. Enquanto ali a finalidade é “determinar o sentido objetivo da lei”, aqui a finalidade é colmatar um vazio legal (Francesco Ferrara, Interpretação e Aplicação das Leis, Arménio Amado Editor, Sucessor) quando se reconheça que “falta uma regra jurídica aplicável a um caso que careça de solução” (António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, I, Almedina, 737).

Centrando-nos no caso sub judice, emana dos autos que o novo AE não previu o nível correspondente ao grau/nível 13 da categoria profissional dos recorrentes, uma vez que o nível R6 que existe na tabela salarial deste não tem enquadramento na categoria de OPA I. Tal lacuna foi, segundo os Apelantes, "reconhecida" pela recorrida, tendo, consequentemente, em 17 de Junho de 2015, decidido [re]integrá-los na categoria OPA, nível R7 da tabela salarial I, com o nível de maturidade E, com efeitos desde 13 de Maio de 2015. Situação que não é do agrado dos mesmos que, concluem que existe uma lacuna no actual AE, que não integrou a correspondência do nível de categoria ao nível salarial.

Afigura-se-nos, assim, que, tal como decidido, “O que os autores pretendem é a pronúncia do Tribunal sobre a sucessão de Acordos de Empresa e, tendo em conta essa mesma sucessão, que conclua pela aplicação das normas a que aludem ao seu caso concreto”.

Donde, não se vê que esteja em causa a interpretação de uma concreta cláusula de convenção coletiva de modo a fixar o sentido desta.

Muito concretamente não se nos afigura que esteja em causa a interpretação das Clª 1ª/1, 2ª/1 e 5ª/3 do Anexo V do AE de 2015[2], cláusulas sobre as quais não se manifestam dúvidas. O que se pretende é, no reconhecimento da invocada lacuna, proceder à respetiva integração de modo a regular o posicionamento dos AA. no nível de progressão da categoria aplicando-se as normas sugeridas. Ou seja, não está em causa a fixação do sentido daquelas cláusulas, mas sim a regulação da concreta situação de cada um dos AA.

Daí o erro na forma do processo.

Razão pela qual, improcede a apelação.
***

Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pelos Apelantes.
Notifique.


  
Lisboa, 2019-04-10



MANUELA BENTO FIALHO
SÉRGIO ALMEIDA
FRANCISCA MENDES


[1]Leia-se ações respeitantes à anulação e interpretação de cláusulas de convenções coletivas de trabalho
[2]É o seguinte o teor de cada uma daquelas cláusulas:
1ª/1 – Todos os trabalhadores são integrados, à data da entrada em vigor do presente AE, numa categoria profissional, nível de maturidade e nível salarial.
2ª/1 – Aos trabalhadores que, á data de entrada em vigor do presente AE, tenham cumprido 6 ou mais meses exigidos para o acesso a fase de nível superior, aplicam-se as regras do anterior AE (publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1ª série, nº 29, de 8 de Agosto de 2001). Após o acesso a nível superior, o seu desenvolvimento profissional passa a ser regido pelo presente AE.
5ª/3 – Os trabalhadores enquadrados na categoria profissional de técnico, que, ao abrigo do número 1 da cláusula 2ª do presente anexo, venham a aceder ao nível R8 serão integrados no nível de maturidade II, e o seu desenvolvimento profissional faz-se por evolução: …