Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
959/11.2IDBGC-B.L1-5
Relator: LUÍS GOMINHO
Descritores: ARRESTO PREVENTIVO
JUSTO RECEIO DE PERDA DA GARANTIA PATRIMONIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/02/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: – O decretamento do arresto depende da verificação cumulativa de dois requisitos, a saber a probabilidade da existência do crédito e o justo receio da perda da garantia patrimonial.

– O critério de avaliação do requisito de justo receio da perda da garantia patrimonial, não deve assentar em juízos puramente subjectivos do juiz ou do credor (isto é, em simples conjecturas), antes deve basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata como factor potenciador da eficácia da acção declarativa ou executiva.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal (5.ª) da Relação de Lisboa.


I–Relatório:


I–1.)- Inconformado com o despacho aqui melhor constante de fls. 24 a 30, em que a Mm.ª Juíza do Tribunal Central de InS. ução Criminal, indeferiu o arresto preventivo de todos os bens que sejam encontrados em poder dos arguidos, suficientes para garantir o pagamento da quantia de €1.158.957,73, recorreu o Ministério Público para esta Relação, sustentando as seguintes conclusões:

1.ª– Por despacho de acusação datado de 19/12/2018 os arguidos foram acusados da prática dos seguintes crimes:
- A sociedade S. de um crime de fraude fiscal qualificada, p.p. pelos arts. 103º, nº 1, als. a ) e  b) e 104º nº2 al. b) e nº3 do R.G.I.T. (relativamente ao IRC – anos 2007 a 2014);
- Os arguidos D., P.,  e M., em co-autoria material, na forma consumada, de um crime de fraude fiscal qualificada, p.p. pelos arts. 103º, nº 1, als. a ) e  b) e 104º nº2 al. b) e nº3 do R.G.I.T. (relativamente ao IRC – anos 2007 a 2014).

2.ª– Com efeito, indiciam os autos que os mencionados arguidos no período compreendido entre os anos de 2007 e 2014, agiram como se descreve na acusação deduzida, não procederam ao pagamento de IRC no valor total de 1.158.957,73 € (um milhão, cento e cinquenta e oito mil, novecentos e cinquenta e sete euros) por cujo pagamento são responsáveis nos moldes constantes do pedido de indemnização civil deduzido nos autos.

3.ª– O património (conhecido) de que dispõem os arguidos S., P., e M.,  não atinge o valor da dívida que os mesmos têm para com o Erário Público pelo que, tendo os mesmos conhecimento das quantias em dívida e não dispondo de avultadas quantias para o seu pagamento, existe séria probabilidade de que estes tentem salvaguardar o seu património e os proveitos que ao longo dos últimos anos lograram obter através da actividade criminosa.

4.ª– Tal circunstância, por si só, bastaria para avaliar da existência de fundado receio de perda de garantia patrimonial, uma vez que o valor a acautelar é manifestamente superior ao valor do património identificado e que poderá vir a ser arrestado.

5.ª– Para além da referida circunstância fáctica de o património dos arguidos ser insuficiente para assegurar o pagamento da dívida tributária, na sua actuação delituosa denotou-se, por parte dos arguidos, a existência de especiais cautelas na ocultação do seu património, com vista a eximi-lo à acção da justiça.

6.ª– Com efeito:
- O arguido M.,  entregou cinco imóveis de que era proprietário, identificados pelo GRA, a favor da sociedade V.A. para subscrever o aumento de capital em espécie na referida sociedade;
- A grande maioria das contas bancárias detidas pelos arguidos apresentam saldos que em nada traduzem os movimentos financeiros alvo de análise espelhados nos diversos Apensos Bancários e documentação bancária reunida em Anexo ao Apenso do GRA;
- Os veículos pertencentes à sociedade S. e identificados pelo GRA encontram-se penhorados, com excepção do veículo pesado de mercadorias de marca Pegaso com a matrícula 13…

7.ª– Os factos concretos acima discriminados são fortemente indiciadores de uma intenção de subtracção do património necessário e imprescindível à garantia da satisfação do crédito da Fazenda Nacional, existindo de facto o perigo de os referidos arguidos virem a delapidar o património ainda visível e existente, impedindo e frustrando a legítima posição do Estado Português e dos cidadãos contribuintes.

8.ª– De modo a acautelar que a vantagem da actividade criminosa dos arguidos supra identificados e, com ela, as garantias de pagamento da quantia devida ao Estado se dissipe, impõe-se, assim, em nosso entender, que, nos termos do disposto no art. 228.º, n.º 1, 1ª parte, do C.Proc.Penal, por referência aos arts. 391º e seguintes do C.Proc.Civil, seja determinado o arresto preventivo dos bens propriedade dos arguidos e expressamente indicados e identificados no requerimento de arresto.

9.ª– A decisão de que ora se recorre violou, nomeadamente, o disposto nos arts. 227.º e 228.º do C.Proc.Penal e 391º do C.Proc.Civil.

Assim sendo, a decisão da Mmª. Juiz de Instrução Criminal deverá ser revogada e substituída por outra que determine o arresto dos bens dos arguidos em conformidade com o alegado.

I–2.)- Não coube oportunidade de resposta ao recurso interposto.

II–Subidos os autos a esta Relação, a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer secundando a respectiva procedência.

Após despacho preliminar, seguiram-se os vistos referidos no art. 418.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal.
***

Tendo lugar a conferência.

Cumpre apreciar a decidir:

III–1.)- Conforme se alcança das conclusões acabadas de transcrever, que entre nós, de forma consensual, definem o respectivo objecto, com o recurso interposto, tem em vista o Ministério Público discutir a bondade legal das razões que conduziram ao indeferimento do arresto por si requerido.

III–2.)- Como temos por habitual, vamos recordar primeiro o teor da decisão que ora se discute:

I–Arresto Preventivo:

1.– O Ministério Público veio requerer, contra os arguidos “S. Lda.”, D., P.,  e M., ao abrigo do disposto no artº. 228º do C.Proc.Penal e dos arts. 391º a 393º, do C.Proc.Civil, que seja decretado arresto preventivo de “todos os bens” que sejam encontrados em poder dos arguidos” e que sejam suficientes para garantir o pagamento  do valor de 1.158.957,73 Euros, quantia esta correspondente ao valor do pedido de indemnização civil que, em representação do Estado Português, deduziu contra os arguidos.

Sem prejuízo de ter requerido que o Tribunal decretasse o arresto preventivo de “todos os bens” que sejam encontrados em poder dos arguidos” e que sejam suficientes para garantir o pagamento  do valor de 1.158.957,73 Euros, não delimitou nem identificou, em relação a cada arguido, quais os espaços, ou locais, que deveriam ser objecto de diligências por parte do Tribunal, para concretização de eventual arresto “desses” bens.

Identificou, contudo, no seu articulado, bens móveis sujeitos a registo e bens imóveis pertencentes aos arguidos e que deveriam ser objecto do requerido arresto, o que igualmente e exclusivamente, concretiza em sede de pedido.

Assim e atento o disposto no artº 228º, nº 1, do C.P.Penal e artºs. 365º, nº 1, 392º, nº 1, 393º  e 552º, nº 1, al. d) e e e), do C.P.Civil – este último aplicável por força do artº 549º, do C.P.Civil - e em particular atento o disposto no artº 392º, nº 1, do C.P.Civil – que diz que o requerente do arresto deve  relacionar os bens que devem ser apreendidos, com todas as indicações necessárias à realização da diligência - o pedido a considerar pelo Tribunal será o deduzido a final, constante de fls. 113, alíneas a) a d), da petição de arresto.

1.1.– Ainda atento o disposto nos artºs. 365º, nº 1, 392º, nº 1, 393º  e 552º, nº 1, al. d) e  e), do C.P.Civil - este último, como já referido,  aplicável por força do artº 549º, do C.P.Civil -, na petição de arresto o Requerente deve deduzir os factos que tornam provável a existência do crédito e justificam o receio invocado.

No caso concreto, o Ministério Público não tramitou o presente pedido de arresto em requerimento autónomo, a apensar ao processo principal, nos termos do artº 364º, nº 3, do C.P.Civil, mas fez tal requerimento na sequência da dedução da Acusação e do pedido de indemnização civil, subsequentemente deduzido contra os arguidos.

Assim e no que diz respeito à alegação dos factos que tornam provável a existência do crédito contra os arguidos, no  artº 1º, do requerimento de arresto, a Dª Magistrada do Ministério remete para a factualidade descrita no despacho de acusação.

A autuação do arresto, em separado, foi determinada por despacho judicial, proferido a fls. 2.822, dos autos principais, em que foi determinada a extracção de certidão da acusação deduzida ( fls. 2.734 a 2.817), bem como  de fls. 2.559 a 2.674, fls. 2.685 a 2.688, assim como da informação predial e dos automóveis, tendo sido determinada a organização do apenso de arresto preventivo com tais elementos.

Assim, atento o disposto no artº 228º, do C.P.Penal e 228º, nº 1, do C.P.Penal e artºs. 365º, nº 1, 392º, nº 1, 393º  e 552º, nº 1, al. d) e e e), do C.P.Civil, tendo sido determinada a extracção de certidão também da acusação,  será com relação a tais elementos que o Tribunal irá decidir.

Passo, então, a conhecer.

2.– Alega a Dª Magistrada do Ministério Público, para sustentar o pedido apresentado, que face à prova constantes nos autos, existem fortes indícios da prática pelos arguidos/requeridos de  crime de fraude fiscal qualificada, p.p. pelos arts. 103º, nº 1, al. a) e b)  e artº 104º, nº 2, al. b) e nº 3, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), relativamente ao IRS dos anos de 2007 a 2014.

Diz - remetendo  para os factos articulados na acusação -,  que os arguidos, ao submeterem à Autoridade Tributária as declarações de IRC reportadas à arguida S., Ldª  relativas aos anos de 2007 a 2014 nas referidas condições, delas omitindo os valores supra quantificados e delas fazendo constar outros a título de custos que, na realidade não haviam sido suportados por esta, o que fizeram em seu nome, representação e interesse, e por serem seus gerentes, pretenderam ocultar do conhecimento da Autoridade Tributária aqueles proveitos que a S. tinha obtido nos correspondentes exercícios e, por essa via, vir esta a ser correspondentemente tributada, como veio, de facto, a suceder.

Pretendiam igualmente ver contabilizados custos pela S.  que esta nunca teve a fim de criarem na Autoridade Tributária a convicção de que se tratavam de custos reais e assim conseguirem a correspondente diminuição da matéria tributável.

Bem sabendo que tais comportamentos atentavam contra a verdade e a transparência exigidas nas relações entre o Fisco e o contribuinte e causavam diminuição das receitas tributárias em sede de IRC, particularmente em razão dos montantes em causa.

Com tais comportamentos pretenderam estes arguidos, nos termos supra expostos, obter nos anos de 2007 a 2014 uma vantagem patrimonial ilegítima em sede de IRC num total de 1.158.957,73 €.

Ao procederem pela descrita forma, agiram sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabedores de que a globalidade de tal comportamento não só era contrário à lei, como era por esta criminalmente punido.

Os arguidos agiram de forma concertada entre si, com o propósito comum de aumentarem o rendimento familiar e bem assim agiram em nome e no interesse da S., que representam, e cuja gerência lhes estava atribuída.

Bem sabiam todos os arguidos que tais comportamentos atentavam contra a verdade e a transparência exigidas nas relações entre o Fisco e o contribuinte e causavam diminuição das receitas tributárias em sede de IRC.

Mais sabiam os arguidos que as suas descritas condutas são reprováveis e punidas por lei.

2.1.– Sustenta, ainda, o Ministério Público, que resulta dos autos o receio de que os arguidos dissipem o património que ainda detêm.

Assim, diz que constata-se que a grande maioria das contas bancárias detidas pelos arguidos moS. am-se com saldos que em nada traduzem os movimentos financeiros alvo de análise espelhados nos diversos Apensos Bancários e documentação bancária reunida em Anexo ao Apenso do GRA.
           
Verifica-se, igualmente que os veículos pertencentes à sociedade S. e identificados pelo GRA se encontram penhorados, com excepção do veículo pesado de mercadorias de marca Pegaso com a matrícula 13….

Que o arguido D.,  não tem bens imóveis em seu nome e que os veículos de que era proprietário, identificados pelo GRA, se encontram penhorados.

Que o arguido M., entregou cinco imóveis de que era proprietário, identificados pelo GRA, a favor da sociedade V.A. para subscrever o aumento de capital em espécie na referida sociedade.
             
Conclui dizendo que tal circunstância admite o juízo de que, conhecedores da acusação deduzida e do respectivo pedido de indemnização civil a favor do Estado – Autoridade Tributária, os referenciados arguidos se desfaçam do património de que ainda são possuidores e o convertam em valor não detectável e, portanto, insusceptível de vir a servir o propósito que subjaz ao pedido de indemnização civil formulado nos autos.

E considera que tais factos, associados, no momento presente, à possibilidade de submissão a um Julgamento resultante da dedução de acusação, faz-nos concluir pela franca possibilidade de que o património detido por cada um dos arguidos venha a ser dissipado por forma a que não venham, a final, a ser chamados para garantir o pagamento do pedido de indemnização civil deduzido nos autos.

A concretizar-se tal perigo, o património dos arguidos ficará fora do alcance da acção da justiça penal.

Alega que as descritas circunstâncias colocam, assim, os referenciados bens em perigo, no que respeita à sua vinculação à satisfação do interesse público visado com o confisco, conduzindo à incontornável conclusão de que existe um sério atentado à integridade patrimonial que venha a ser chamada perante uma decisão de confisco de produtos e vantagens da actividade criminosa.

Se assim acontecer, reafirma o Ministério Público, ficará o Estado - Autoridade Tributária privado da possibilidade de cobrar os tributos em falta como consequência da actividade criminosa dos arguidos.

O receio de que tal aconteça é, pelo exposto, manifesto e fundado.
Impõe-se, por isso, acautelar tal risco, através da tomada de medidas de natureza judicial e preventiva de garantia dos referidos patrimónios, considerando que se moS. a evidenciado, de forma processualmente relevante, o fundado receio de que os arguidos acima identificados possam vir a desenvolver condutas que redundarão na dissipação dos assinalados bens e na consequente perda da garantia patrimonial(…)”.
 
O Ministério Público identifica os imóveis de que os arguidos são proprietários.

2.2.–Como prova, apresentou a indicada na acusação, nomeadamente:

- Apenso do Gabinete de Recuperação de Activos e respectivos Anexos;
- Informação do GRA de fls. 2559 a 2674 e 2685 a 2688;
- Registos das Conservatórias de Registo Predial e Cadernetas Prediais referentes aos imóveis identificados e da Conservatória de Registo Automóvel, referentes aos veículos identificados como prova e identificada nos factos alegados, bem como a constante dos quadros referentes aos imóveis a arrestar, constante do Apenso do Gabinete de Recuperação de Activos e respectivos Anexos e os registos das Conservatórias de Registo Predial e Cadernetas Prediais referentes aos imóveis identificados e que se apresentam em suporte informático. (CD junto a fls. 239 – Apenso GRA)

Não foi requerida a produção de diligência de prova no presente incidente (artº 393º, do C.P.Civil, ex vi artº 228º, do C.P.Penal).

Passo a conhecer.

3.– O pedido formulado pelo Ministério Público sustenta-se no artº 228º, do C.P.Penal, o arresto preventivo.

Dispõe o artº 228º, nº 1, do C.P.Penal, que “…para garantia das quantias referidas no artigo anterior, a requerimento do Ministério Público ou do lesado, pode o juiz decretar o arresto, nos termos da lei do processo civil; se tiver sido previamente fixada e não prestada caução económica, fica o requerente dispensado da prova do fundado receio de perda da garantia patrimonial…”.

O legislador, neste artigo e no que diz respeito ao decretar do arresto, remete para as normas do Código de Processo Civil.

Remissão que a Jurisprudência tem entendido como “genérica” e não “parcelar”, pois o legislador teve o cuidado de enunciar as excepções que considerou dever fazer em relação ao regime do C.P.Civil,  como é o caso da situação a que se refere a parte final do nº 1, do artº 228º, do C.P.Penal, em que o legislador presume que a não prestação da caução, só por si, integra e consubstancia o “…fundado receio de perda da garantia patrimonial…”, ou a situação expressamente prevista nº 2, com a admissibilidade do arresto preventivo em relação ao comerciante.

Neste sentido já se pronunciou o Tribunal Constitucional, que já considerou “…que os requisitos de que depende o decretamento do arresto, também em processo penal por força da remissão consignada no artº 228º, nº 1, do CPP, respeitam tão só à aparência do direito de crédito e ao perigo da dissipação do património ( cfr. artº 391º e 392º, do CPC), verifica-se que os mesmos não se relacionam sequer com as condutas ou circunstâncias relevantes para a aplicação da generalidade das medidas de coacção (sobretudo tendo em conta os requisitos estabelecidos no artº 204º, do CPP, visando estas medidas, designadamente, assegurar a eficácia e eficiência do procedimento penal, quer no que respeita ao seu desenvolvimento, quer no que respeita à execução das decisões condenatórias, ou obviar à continuação da actividade criminosa ou perturbadora da ordem pública), em especial as decretadas em face de «fortes indícios da prática do crime» (vg. Artºs 200º e 202º do CPP…” ( cfr. Ac. TC nº 724/2014, de 28/10/2014, in www.dgsi.pt; sublinhado nosso).     

3.1.– Feito este enquadramento, temos que o arresto é uma providência cautelar, com carácter provisório, que visa assegurar a eficácia da decisão judicial que venha a ser proferida numa acção da qual é incidente. O arresto pretende ter um efeito conservatório ( artº 391º, nº.1 do C.P.C.), constituindo um efectivo meio de conservação da garantia patrimonial do credor, pois traduz-se numa apreensão judicial de bens ( artº 391º, nº 2, do C.P.Civil; artº 619º, do C.Civil).

As providências cautelares estão sujeita à alegação e prova dos requisitos enunciados na lei.

Quanto aos requisitos gerais basta que,  sumariamente (“Sumaria Cognitio”), se conclua pela séria probabilidade da existência do direito invocado pelo Requerente , tutelando-se a mera aparência do direito.

Por outro lado, exige-se que se verifique o justificado receio de que a demora na resolução definitiva do litígio venha a causar prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação (“Periculum in Mora”) - neste sentido e para o arresto, vide artºs. 391º e 392º, nº.1 do Código de Processo Civil.

O Requerente do arresto fundado no justo receio de perda da garantia patrimonial terá que alegar e provar, sumariamente, os factos que tornam provável a existência do  direito que invoca, bem como os que justificam o receio da perda da garantia ou da eventual inutilidade da acção.

3.2.– Começando pelo primeiro pressuposto, a jurisprudência tem entendido que quanto à “probabilidade séria da existência do  direito”  basta a alegação e prova dos factos que apontem para a aparência da existência desse direito, o que o Tribunal conhecerá em termos rápidos e sumários.

Como ensina o Professor Alberto dos Reis (cfr. “Código de Processo Civil Anotado”, vol.II, pag. 51 ), “…que a existência do direito se apresente como verosímil, isto é, que  haja elementos para prever ou conjecturar que a decisão definitiva venha a ser favorável ao requerente.”.

Ora quanto à existência do direito de crédito, atentos os factos que estão alegados pelo Ministério Público, incluindo os que alega por referência para a acusação, atentos os indícios criminais existentes e acima enunciados, entendo que moS. a-se demonS. ada a probabilidade séria da existência de um crédito por parte do Estado em relação aos requeridos/suspeitos, traduzido nas vantagens obtidas pelos mesmos com a alegada prática dos crimes pelos quais estão indiciados.

Assim e sempre em termos indiciários, está igualmente indiciado que o Estado é lesado, no montante alegado pelo Ministério Público, na medida  que viu o seu património diminuído, em face dos factos praticados pelos suspeitos.

3.3.– Passando  ao segundo pressuposto acima enunciado, exige-se que se verifique o justificado receio de que a demora na resolução definitiva do litígio venha a causar prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação ( periculum in mora).

A jurisprudência vem entendendo que, embora não baste um mero juízo de probabilidade - pois tem que haver um receio fundado e de alguma forma exteriormente manifestado -, o perigo tem que ser aferido caso a caso, conforme a natureza das coisas.

O Tribunal deve certificar-se da existência de condições de facto capazes de pôr  em risco a satisfação do direito que, de uma forma aparente, se revela, mas não pode levar a sua exigência tão longe, que retire o próprio sentido à providência.

Assim e quanto a este justo receio de perda da garantia patrimonial, importa que o mesmo seja fundamentado e apoiado em factos objectivos e concretos, que façam antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito, não sendo, por outro lado, necessário que a perda da garantia patrimonial se torne efectiva com a demora.

Para tal, são de ponderar, entre outros factores, aqueles apontados pela doutrina e jurisprudência, relacionados com o grau da maior ou menor solvabilidade do devedor, a forma da sua actividade, a sua situação económica e financeira, o próprio montante do crédito e a dissipação, extravio, ocultação ou sonegação de bens, de modo que se torne consideravelmente difícil ou impossível ao credor promover a cobrança coactiva do seu crédito (cfr., a título exemplificativo, Ac. R.L. de 22.02.2007 e Ac. R.C. de 17.01.2006, acessíveis em www.dgsi.pt.).

E mais segura razão para tal receio justificado haverá,  se alguma das circunstâncias anteriormente apontadas estiver conexa com a natureza ou exiguidade do património do devedor em face do montante da dívida e, eventualmente, com o facto de aquele se furtar ao contacto com o credor ou, de qualquer modo, denotar pretender eximir-se ao cumprimento da obrigação.

Por outro lado, não são só justificativas da medida cautelar de arresto as atitudes predeterminadas, intencionais, dolosas, por parte do devedor, no sentido de fruS. ar a realização do crédito, nomeadamente alienando ou dissipando bens do seu património, a fim de os subtrair à ação do credor.

Pode haver qualquer circunstancialismo que, justificada e plausivelmente, faça perspetivar o perigo de se tornar inviável ou altamente precária essa realização, sendo assim passível de conduzir ao decretamento da providência ( cfr. Ac. R.L., de 13.03.2007, acessível em www.dgsi.pt).

Mas e sem prejuízo do que antecede  “…«o critério da avaliação deste requisito não deve assentar em juízos puramente subjectivos do juiz ou do credor (isto é, em simples conjecturas, como refere Alberto dos Reis), antes deve basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselham uma decisão cautelar imediata, como factor potenciador da eficácia da acção declarativa ou executiva.

Não é necessário que exista a certeza de que a perda da garantia se torne efectiva com a demora, mas apenas que haja um receio justificado de que isso possa vir a concretizar-se. 

Como sustenta a doutrina do acórdão do STJ de 20.01.2000, citado no douto despacho recorrido “no requerimento de arresto deve o credor alegar factos tendentes à formulação de um juízo de probabilidade da existência do crédito e justificativos do receio invocado. Tal «receio», para ser considerado «justo» há-de assentar em factos concretos que o revelem à luz de uma prudente apreciação, não afastando o receio meramente subjectivo, porventura exagerado do credor, de ver insatisfeita a prestação a que tem direito. Na fórmula genuína do «justo receio de perder a garantia patrimonial» cabe uma variedade de casos, tais como os de receio de fuga do devedor, de sonegação ou ocultação de bens e de situação deficitária, não bastando que o requerente se limite a alegar meras convicções, desconfianças ou suspeições de tais situações…” ( cfr. AC. TRL, 15/11/2011, Pº nº 1707/10.0TVLSB.B.L1-7, in www.dgsi.pt)

E podemos ler, no sumário deste acórdão, que “…III - O critério da avaliação deste requisito não deve assentar em juízos puramente subjectivos do juiz ou do credor, isto é, em simples conjecturas, devendo antes basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselham uma decisão cautelar imediata, como factor potenciador da eficácia da acção declarativa ou executiva. IV - O receio da perda da garantia patrimonial para ser considerado «justo» há-de assentar em factos concretos que o revelem à luz de uma prudente apreciação, não afastando o receio meramente subjectivo, porventura exagerado do credor, de ver insatisfeita a prestação a que julga ter direito. V - Na fórmula genuína do «justo receio de perda da garantia patrimonial» cabe uma variedade de casos, tais como os de receio de fuga do devedor, de sonegação ou ocultação de bens e facilidade com que estes podem ser transaccionáveis (…)”.

3.3.1.– Passando ao caso concreto, da análise do requerimento inicial o Tribunal entende que não estão suficientemente alegados elementos de facto que integrem o referido requisito.

Não há factos dos quais se possa extrair que os arguidos estão a organizar actos de venda, cedência ou ocultação de património, transferência ou levantamentos de saldos de contas bancárias, ou que o tenham vindo a fazer.

Não há informação de publicitação dos bens com vista à sua venda, cedência ou oneração, de que alguém já tivesse pago algum montante a titulo de principio de pagamento em relação a um eventual contrato promessa de compra e venda e com eventual eficácia real.

O presente processo crime está instaurado desde Outubro de 2011, portanto há mais de sete anos.

Dos elementos constantes do Apenso/Relatório do GRA e dos documentos de fls. 2.559 a 2.674 e de fls. 2.685 a 2.688 - e onde se encontram os elementos que, por sua vez, estão reflectidos nos quadros do requerimento inicial, em que está feita a descrição do património imobiliário dos requeridos arguidos - , resulta a identificação dos imóveis de que os arguidos são proprietários e respectivos documentos.

Dos mesmos não resulta, no entendimento do tribunal, movimentos de compra e venda de imóveis, que permita indiciar que os arguidos têm feito a circulação de imobiliário para terceiros, o que poderia indiciar um modo de actuação já instalado e que facilmente lhes permitiria agir em caso de algum imprevisto, que os levasse a necessitara e tentar dissipar o património.

E se é certo, como refere a Dª MagiS. ada do Ministério Público, que “…o arguido M., entregou cinco imóveis de que era proprietário, identificados pelo GRA, a favor da sociedade V.A.  para subscrever o aumento de capital em espécie na referida sociedade….”, de acordo com os elementos ora junto pelo Ministério Público e que se encontram a fls. 186 a 198, do presente apenso, tais factos ocorreram em 10/01/2017, conforme resulta da escritura de aumento de capital constante de fls. 192 a 198 dos autos.

Quer da escritura de aumento de capital, quer da certidão da Conservatória do Registo comercial, constante de fls. 189 a 190 dos presentes autos, tal subscrição de capital, com a realização em espécie, foi sujeita a avaliação de ROC,  o arguido aumentou a sua participação social na sociedade em causa.

De acordo com a certidão da CRcomercial, por registo de 29/01/2018, foi feita outra alteração ao contrato de sociedade, tendo sido alterado o artº 5º, nº 1, do contrato de sociedade, constando na certidão que as acções são nominativas.

A relevância desta referência, tem a ver com o facto de haver uma maior possibilidade de identificação – e, consequentemente, uma maior possibilidade de seguir o rasto -, na transferência de acções nominativas, do que em acções ao portador e, assim, uma maior possibilidade de comprovar a “dissipação” da sua participação social, por parte do arguido, mas o que também não está alegado, nem resulta qualquer indicio de que isso aconteceu ou está a acontecer, de qualquer outro elemento que tenha sido trazido à colação pelo Ministério Público.

Ainda de acordo com a certidão da CRcomercial da sociedade em causa a sociedade tem efectuado o depósitos das suas contas, é feita a referência no registo à emissão da certificação legal de contas “…sendo o parecer de Revisão: Sem Reservas e Sem ênfases…”, o que indicia, na avaliação do tribunal, a aparência de não estarmos perante uma sociedade sem controlo, pois está auditada, contas certificadas por ROC sem enfases ou reservas, pelo que, correspondentemente, a participação social que o arguido tenha não estará destituída de valor económico.

Acresce que, considerando o relatório que foi feito pelo ROC em relação aos imóveis entregues pelo arguido, para subscrição do capital em espécie, tal também indicia que não estamos perante uma operação - realizada há cerca de um ano, repetimos – que tenha sido efectuada a titulo “gratuito” ou quase gratuito, para diminuir a garantia dos credores.

Indicia, isso, sim, que estamos perante uma operação que teve uma correspondente contrapartida para o arguido, expressa no valor económico correspondente à sua participação social, e em momento objectivamente anterior à dedução da acusação por parte do Ministério Público.

Acresce, por fim, que em relação aos demais arguidos não há, mesmo, a imputação, em concreto, de actos que materializem e dos quais se pudesse extrair, as referidas manobras ou intenções de dissipação do capital.

Assim, todo o que antecede, valorado ainda face ao facto de o processo crime decorrer desde 2011,  leva o tribunal a entender que, no caso e no momento concreto, não se pode concluir que os arguidos estão a alienar património ou que há indícios de que se preparam para o fazer.

Sendo que o facto de poderem vir a ser submetidos a julgamento, dado que  agora foi deduzida a acusação – conhecendo, assim, ao pormenor, os factos que lhes são imputados e o pedido de indemnização civil contra si deduzido -, não é, para o Tribunal e no caso concreto, circunstância que possa, só por si ou acompanhada com o que em concreto está alegado e existe nos autos, fazer concluir pela verificação do “periculum in mora”.

3.4.– Assim e face a todo o exposto, o Tribunal considera que os factos alegados e os indiciados, também não são suficientes para que, de forma objectiva, se possa concluir pela existência do justo receio da perda do eventual crédito do Estado.

O facto de os arguidos passarem a ter conhecimento da matéria que lhes está indiciada não constitui - face ao demais alegado e na ausência factos que objectivamente o possam ajudar a sustentar - justificado receio  de dissipação dos bens,  não resultando também sustentado, neste momento,  actos de dissipação do património ou com vista a esse fim.

O justo receio não pode ser uma mera convicção ou uma convicção que não permite ser sustentada pelos factos existentes e conhecidos, não pode ser um juízo subjectivo do credor.

Tem que se traduzir em factos concretos – como dissemos de transferência, ocultação, transmissão, oneração do património ou actos preparatório para tais actos -,  que possam fazer concluir por uma efectiva situação de perigo para a garantia patrimonial do Requerente, ponderação esta feita com o recurso às regras da experiência e normalidade de actuação aplicada ao caso concreto.

Assim e também por esta via, improcede o requerido, uma vez que não está demonS. ado o justo receio da perda da garantia patrimonial do Estado.

4.– Face a todos o exposto e uma vez que não se verificam os pressupostos constantes do disposto no artº 228º, nº 1, do C.P.Penal e  391º e 392º do C.P.Civil, indefiro a presente providencia de arresto preventivo.

Sem custas (por não serem devidas pelo Ministério Público).
Registe.
Notifique o Ministério Público.

III–3.1.)- Tal como está relembrado no despacho acabado de transcrever, o decretamento do arresto que aqui se tem por presente, depende da verificação cumulativa de dois requisitos:
- A probabilidade da existência do crédito;
- O justo receio da perda da garantia patrimonial.

Com efeito, de harmonia com o preceituado no art. 228.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, aquela apreensão garantística pode ser dectada pelo juiz “nos termos da lei do processo civil”.

O que vem a significar, tal como por diversas vezes já tivemos a oportunidade de referir, convocando para tanto a autoridade do Prof. Pinto de Albuquerque (Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2.ª Ed.º, pág.ª 628), que tal remissão funciona em termos de requisitos de aplicação.

Ou seja, na conjugação da correspondente Doutrina e Jurisprudência civilista, na enunciação dos dois requisitos acima já indicados.

No que concerne ao primeiro - a existência do crédito -, não haverá que pôr em causa que para a sua verificação não se exige a respectiva certeza, mas apenas e tão só, a sua probabilidade séria.
Ideia que não deixa de ser sinónima de conceitos, tais como, “aparência do direito”(cfr. acórdão da Rel. do Porto de 21/07/1987, Col. Jur., 1987, 4.º, 216), “grande probabilidade de existência” (acórdão da Rel. de Lisboa de 07/02/2019, no processo n.º 1186/17.0T8LSB-A.L1), ou sua “verosimilhança” (acórdão da Rel. de Lisboa de 08/01/2019, no processo n.º 12428/18.5T8LSB.L1-7).

No caso em apreciação, tal requisito não se mostra disputado pelo despacho recorrido.

E na realidade, tendo já sido proferido despacho de acusação a justificar factual, jurídica e quantitativamente o montante em causa, com dedução de pedido cível, razões inexistem para com melhor detalhe se examinar a referida exigência, tanto mais que, na afirmação do primeiro aresto acima citado, à distância de um enquadramento processual que entretanto se alterou, aquela ter-se-ia por demoS. ada, quando “emerge de facto criminoso sobre o qual tenha recaído despacho de pronúncia ou equivalente, transitado em julgado”.

III–3.2.)- Maior dificuldade assume o requisito seguinte.

Neste domínio, importa consigná-lo, o quadro normativo e Jurisprudencial traçado pela Mm.ª Juiza a quo para balizar o seu entendimento e caracterização, moS. a-se totalmente conforme com o sentido dominante preconizado pelas referidas fontes.

Fazendo nossa a argumentação tecida no acórdão da Rel. de Lisboa de 08/01/2019, acima citado, diríamos:

“Como se sabe, não basta o receio subjetivo de ver insatisfeita a pretensão a que tem ou se julga ter direito.
O que é decisivo é que o credor fique ameaçado de lesão por ato do devedor e seja razoável e compreensível o seu receio de ver fruS. ado o pagamento do seu crédito.
Numa palavra, o receio, para ser considerado justificado (por exigência da lei), há-de assentar em factos concretos, que o revelem, à luz de uma prudente apreciação (Cfr. Cons. Jacinto Rodrigues Bastos, Notas, Vol. I, p. 268).
A este propósito, refere Abrantes Geraldes, que o justo receio «pressupõe a alegação e prova, ainda que perfunctória, de um circunstancialismo fáctico que faça antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito. (…).
Como é natural, o critério de avaliação deste requisito não deve assentar em juízos puramente subjectivos do juiz ou do credor (isto é, em simples conjecturas, como refere Alberto dos Reis), antes deve basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras da experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata como factor potenciador da eficácia da acção declarativa ou executiva» (Temas da Reforma do Processo Civil, IV Volume, pp. 176 e 177.).
O justificado receio de perda da garantia patrimonial identifica-se com o chamado periculum in mora inerente a todo o procedimento cautelar - evitar a lesão grave e dificilmente reparável proveniente da demora na tutela da situação jurídica.
Periculum in mora esse para o qual o legislador exige a formação de um juízo de segurança de iminência de sofrer um dano, isto é, o justo receio de prejuízo terá de se apresentar evidente e real.
É lógico que o critério de avaliação de tal requisito não deve conduzir à certeza inequívoca quanto à existência da situação de perigo, dificilmente obtida em processos com as características das providências cautelares.
Mas é necessário que se moS. e suficientemente fundado esse pressuposto.
Significa isto que o requerente tem de alegar e provar factos concretos, objetivos e precisos que o revelem à luz de uma prudente apreciação, não bastando o receio subjetivo, fundado em simples conjeturas.

Como refere o Ac. da R.P. de 18-05-1993, Proc nº 9220796 (acessível em www.dgsi.pt), «o justo receio de extravio ou dissipação dos bens a arrolar é uma conclusão de facto, sendo necessário que os factos alegados e provados denotem que tal receio é sério e real”, pois não basta a componente subjectiva do justo receio de extravio ou dissipação para se detetar o arrolamento».

De igual modo, como decidiu o Ac. da R. C. de 30-04-2002 (Proc. nº 1448/02, acessível em www.dgsi.pt): «O justo receio de perda da garantia patrimonial do credor tem que assentar em factos reais, em índices apreensíveis pelo comum das pessoas, que moS. em que o alegado receio é objectivamente fundado. Para que seja decretado o arresto é indispensável que o devedor tenha praticado actos ou assumido atitudes que inculquem a suspeita de que ele pretende subtrair os seus bens à acção dos credores» (Cfr. Ac. da R.L. de 06/21/2011, Proc. nº 1909/10.9TBPDL-A.L1-1 (Ana Grácio), in www.dgsi.pt, que nesta parte viemos acompanhando e em parte transcrevemos)”.

Sendo que, se bem se conferir, as decisões mais recentes proferidas pelo presente Tribunal, a propósito desta providência, não deixam de gravitar quase invariavelmente sobre estas mesmas ideias e Autores.

Quanto muito, poderemos detectar também na pertinente Jurisprudência e Doutrina, a convocação de uma outra circunstância, acima não tão evidenciada, dirigida à insolvabilidade do requerido, reflexo do postulado civilista de que o respectivo património constitui a garantia geral dos credores.

Assim, para o acórdão do STJ de 29-05-2007 no processo n.º 07A1674 (acessível em BDJUR), que para tal convoca a autoridade do Prof. Almeida Costa “basta que o credor tenha fundado motivo para recear que a garantia patrimonial se perca, nomeadamente por temer uma próxima insolvência do devedor, ou uma sonegação ou ocultação de bens que impossibilite ou dificulte a realização objectiva do crédito (in “Direito das Obrigações”, 758; cf. ainda, “inter alia”, o Acórdão do STJ de 13 de Abril de 1973 – BMJ 226-189).

Também para o acórdão da Rel. de Coimbra de 06/10/2015, no processo n.º 17/14.0TBCBR-B.C,1 “para o justo receio da perda da garantia patrimonial é suficiente a alegação e prova de um núcleo factual que demonS. e ou indicie um perigoso decréscimo da solvabilidade do devedor, a dissipação ou extravio de bens, a desproporção entre o seu activo e passivo, a natureza ocultável do património, ou a ocorrência de qualquer outra situação que aponte no sentido de que o devedor não pode solver a dívida.”

Sendo que estas preocupações não deixam de encontrar amparo na letra do art. 227.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, no ponto em que justifica o decretamento do arresto no “receio de que faltem ou diminuam substancialmente as garantias de pagamento”, no caso, de “dívida para o Estado relacionado com o crime”.

III–3.3.)- Quiçá, será por essa razão que o Digno Recorrente não deixa de fazer apelo à insuficiência patrimonial de base, em termos de valor, entre o que identifica como sendo o do património (conhecido) dos Arguidos e o montante que é objecto do pedido de indemnização, resultante da sua apontada actividade delituosa.

Ainda que assim possa ser (o que não temos por absolutamente garantido), e sem embargo da desproporção entre activo e passivo referido no segundo dos arestos acabados de citar, não se nos afigura, no entanto, que a simples menor força económica de um património para fazer face aos respectivos débitos e obrigações, surja como critério que, por si só, justifique o arresto.

Com efeito, não será essa simples situação negativa global, que em termos de “causa/efeito” autoriza a apreensão em que esta providência se materializa.

Será preciso algo mais, mormente apontando para uma qualquer intervenção do seu detentor, máxime, no sentido de fazer desaparecer, sonegar ou ocultar os respectivos bens, para dessa forma se colocar em situação que o inabilite de solver a dívida ou evitar que aqueles possam ser chamados a suportar o seu ressarcimento.

Aceitamos até que tal actuação não tenha que ser forçosamente dolosa, como no caso de uma administração pouco capaz, responsável ou habilitada, que origine ou aprofunde o tal perigoso decréscimo daquela capacidade.

Da mesma forma que se poderá também justificar aquela providência numa situação de desproporção manifesta entre activo e passivo.

Neste particular, aliás, não estamos a acrescentar algo que já não tenha sido mencionado no despacho recorrido.

Sendo que na nossa opinião, também nada no deixado articulado evidencia que estejamos perante alguma dessas hipóteses, sem prejuízo da afirmação algo evanescente “de que os veículos pertencentes à sociedade S. e identificados pelo GRA se encontram penhorados, com excepção do veículo pesado de mercadoria de marca Pegaso com a matrícula 13….”

O que se quer sobretudo significar, julgamos, é que os Arguidos perante a evidência de um pedido de indemnização civil com o valor do indicado, perante o risco de se verem desapossados dos bens e economias que possam ter, mormente adquiridos por via dos factos imputados, procurarão salvaguardar-se de tal eventualidade, “dissipando-os” ou “delapidando-os”.

Daí citar-se Jurisprudência apontando no sentido “de não se tornar necessária a verificação de circunstâncias que revelam a concretização desse perigo. Pois, caso contrário, não estaríamos face a um perigo de dissipação da garantia patrimonial, mas antes perante uma já concretizada dissipação, relativamente à qual o arresto preventivo se traduziria num acto ineficaz face ao escopo com o mesmo visado”.

Em tese geral até poderemos concordar com tal afirmação. Ainda assim, repete-se, não é a simples crença nessa probabilidade ou a eventual habitualidade que tal comportamento possa registar em termos de experiência comum que justifica a determinação do arresto.

Como fica referido no acórdão desta Relação de 07/02/2019, no processo n.º 1186/17.0T8LSB-A.L1 o critério de avaliação deste requisito não deve assentar em juízos puramente subjectivos do juiz ou do credor (isto é, em simples conjecturas, como refere Alberto dos Reis), antes deve basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata como factor potenciador da eficácia da acção declarativa ou executiva" (Abrantes Geraldes in “Temas da Reforma do Processo Civil”, Almedina, IV vol., pág.191 e seguintes)”.

III–3.4.)- Em relação às contas bancárias, em bom rigor, não se alega que os Arguidos estejam a efectuar quaisquer levantamentos ou transferências suspeitos.

O que se diz, é que a sua “grande maioria” apresenta (ou apresentou) saldos que não traduzirão os movimentos financeiros depois revelados pela análise efectuada pela Investigação nestes autos.

Ainda que não as tenhamos contado, tal discrepância não deixa de traduzir uma asserção processualmente fundada.

Porém, na nossa opinião, tal circunstância não introduz nada de muito relevante para as finalidades específicas da presente providência.

Esses são os factos que fundamentam a acusação.

Dito por outras palavras, porque terá havido ocultação de valores originados pelas exportações realizadas pela “S, Ld.ª” entre 2007 e 2011, em 2007 e 2008, dos seus proveitos em sede de IRC, dos custos não aceites nos mesmos anos, … depois de proveitos não contabilizados, até 2014… é que o Ministério Público lhes imputa a prática de um crime de fraude fiscal qualificado.
 
Mas não haverá que confundir os respectivos planos: Essa ocultação tinha por finalidade primeira obter as vantagens que alicerçarão esse crime e evitar o pagamento de impostos e não para em momento futuro sonegar ou diminuir eventuais garantias do Estado por créditos originados sobre esse não pagamento.

Sendo que o crime de branqueamento de capitais, não teve aí qualquer seguimento.

Quanto ao veículo pesado de mercadorias, da marca Pegaso, será efectivamente a único bem da “S. – Ld.ª”, dentro dos activos identificados (basicamente veículos), que não se encontrará penhorado.

A sociedade em causa, embora não extinta, vem apresentando nos últimos anos declarações “sem rendimentos”.

Da nossa parte, uma vez que a mesma não terá quaisquer outros bens, dentro da principiologia acima referida, nada teríamos a opor a que em relação a ela se pudesse aceitar o arresto.

Trata-se, no entanto, de um veículo que não nos parece novo, sendo que próprio Gabinete de Recuperação de Ativos, no final seu relatório, ainda que no pressuposto do mecanismo da perda alargada autorizada pela Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro (que aqui não se consequenciou), já havia sugerido que o arresto não se efectivasse sobre os bens móveis identificados “em razão do valor dos mesmos e atendendo às limitações legais de adminiS. ação (art. 10.º e 11.º da Lei n.º 45/2011, de 24 de Junho).”

III–3.5.)- Dirigindo-se a providência em relação a mais três pessoas físicas, D., P.,  e M., como já tivemos a oportunidade de conferir, só em relação ao primeiro, com base na alegada entrega de cinco imóveis de que era proprietário para subscrever um aumento de capital em espécie na referida sociedade “Villa Areias”, se poderia encontrar um qualquer subS. acto objectivo que alicerçasse a pretensão do Ministério Público.

Em relação aos restantes, nada mais se acrescenta para além do acima aludido.

Sobre tal operação, o despacho recorrido não deixou de justificar longamente os motivos pelos quais entendeu que “por essa via, improcede o requerido”, o mesmo é dizer, porque é que, na sua perspectiva, também não se demoS. a o invocado justo receio da perda da garantia patrimonial.

Ora, sem prejuízo da bondade intrínseca da justificação apresentada, certo é que, conferidas a motivação e conclusões apresentadas, sobre essas razões, surpreendentemente, nada se contrapõe.

Pelo que ter-se-á de concluir que, afinal, a leitura efectuada pela Mm.ª Juíza sobre tal circunstancialismo não se mostra desajustada.

Assim, se para além desse facto e afora o já referido receio de dissipação e de inferioridade de património (que como vimos, não chegam para justificar o respectivo decretamento), nada mais há para considerar, então teremos de concluir que o despacho recorrido não violou as normas que se indica ter inobservado.

E estamos a falar de um universo temporal de cerca de oito anos desde a instauração do processo.

O mesmo é dizer, improcede o recurso apresentado.


IV–Decisão:

Nos termos e com os fundamentos indicados, julga-se pois improcedente o recurso apresentado pelo Ministério Público.

Sem custas por não serem devidas.



Lisboa, 02-04-2019



Luís Gominho – 
(Elaborado em computador. Revisto pelo relator, o 1.º signatário).

José Adriano