Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
734/17.0PBSNT.L2-9
Relator: CALHEIROS DA GAMA
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
PENA ACESSÓRIA
REGIME DE PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário:  I - O arguido foi condenado na pena acessória de obrigação de frequência de programa específico de prevenção da violência doméstica, nos termos do artigo 152.°, n.º 4 do Código Penal. Tendo vindo a DGRSP, informar mais tarde e após o trânsito em julgado da decisão, da inexistência de programa específico de prevenção da violência doméstica, uma vez que o programa PAVD, único existente só é possível aplicar em contexto de violência doméstica de género (conjugal) o que não se verifica na presente situação, em que as vitimas da violência doméstica foram a mãe e o pai do arguido, disponibilizou no entanto alternativas que no fundo irão resultar no mesmo, propondo entrevistas direcionadas para a problemática da violência doméstica e/ou manter acompanhamento psicoterapêutico especializado.

II- Assim o Tribunal a quo, dado o enquadramento dos autos e por impossibilidade de aplicação da pena acessória, determinou a obrigação de frequência do citado curso, pela inclusão no regime de prova da obrigação do arguido de comparecer em entrevistas direcionadas para a problemática da violência doméstica ministradas pela DGRSP e manter acompanhamento psicoterapêutico especializado, opção legitima;

III- O que sucedeu no caso concreto foi a impossibilidade de cumprimento pelo arguido da sanção acessória em que foi condenado, por inexistência do referido curso, facto, esse, apenas conhecido pelo Tribunal após a decisão ter transitado em julgado, aquando da solicitação de elaboração do respetivo plano à DGRSP, nada obstando a tal pois ao abrigo do disposto no artigo 492º do Código de Processo Penal, com o cumprimento do estipulado nessa norma legal, o Tribunal decidiu modificar as obrigações impostas ao condenado, ora Recorrente, tendo incorrido tão-só num erro de semântica irrelevante no caso;

 IV- Ora na realidade, o que o Tribunal a quo tempestiva, e com legal competência e legitimidade, fez, face à impossibilidade de aplicação da pena acessória supra referida e perante uma também condenação, em sede da pena principal decretada nos autos, que foi, recorde-se a pena única de três anos de prisão suspensa na sua execução, por idêntico período, sujeitou-a face a tal impossibilidade a regime de prova, consistindo este no cumprimento de plano de reinserção social, a ser definido pela DGRSP, direcionadas para a problemática da violência doméstica, ministradas pela DGRSP e manter acompanhamento psicoterapêutico especializado e tudo nos termos do n.º 1 do artigo 492.º do CPP, tendo o arguido tido pleno conhecimento dele e não tendo manifestado qualquer oposição à sua execução.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 9a Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório

1. No âmbito do processo comum n.º 734/17.0PBSNT, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Juízo Local Criminal de Sintra - Juiz 1, foi submetido a julgamento, com intervenção de Tribunal Singular, o arguido AA, melhor id. nos autos, sendo, por sentença proferida e depositada em 16 de abril de 2018 (como consta de fls. 143 a 150, que aqui se dão por integralmente reproduzidas), decidido:
“Pelo exposto, julgo a acusação parcialmente procedente e, em consequência:
a) Condeno o arguido, como autor material de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.°, n.º 1, alínea d) e n.º 2 do Código Penal, praticado contra a sua mãe, na pena de dois anos e três meses de prisão;
b) Condeno o arguido como autor material de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.°, n.º 1, alínea d) e n.º 2 do Código Penal, praticado contra o seu pai, na pena de dois anos e três meses de prisão;
c) Condeno o arguido, em cúmulo jurídico, por ambos os crimes, na pena única de três anos de prisão que suspendo na sua execução, por idêntico período, condicionada a regime de prova, que consistirá no cumprimento de plano de reinserção social, a ser definido pela DGRSP;
d) Condeno o arguido na pena acessória de obrigação de frequência de programa específico de prevenção da violência doméstica, nos termos do artigo 152.°, n.º 4 do Código Penal, a cumprir no prazo máximo fixado para a suspensão da pena de prisão.” (fim de transcrição).
Esta decisão, perante recurso do arguido, foi integralmente confirmada por acórdão, transitado em julgado, da 5a Secção deste Tribunal da Relação de Lisboa, prolatado em 11 de setembro de 2018, que, constante de fls. 173 a 183, aqui se dá por integralmente reproduzido.
Subsequentemente, e ainda antes do mencionado plano de reinserção social ser elaborado pela DGRSP e judicialmente homologado, o Mmº Juiz a quo proferiu, em 28 de novembro de 2018 e a fls. 192 dos autos, o seguinte despacho:
“Junte ao processo físico o despacho judicial de 22/10/2018 e a informação da DGRSP datada de 23/11/2018.
Dado o informado pela DGRSP quanto à impossibilidade de frequência, por parte do arguido, do Programa para Agressores de Violência Domestica - PAVD (o único existente no presente), por este apenas ser aplicado em contexto de violência do gênero (conjugal), decido substituir a pena acessória de obrigação de frequência do citado curso, pela inclusão no regime de prova da obrigação do arguido comparecer em entrevistas direccionadas para a problemática da violência doméstica, ministradas pela DGRSP e manter acompanhamento psicoterapêutico especializado.
Comunique à DGRSP.
Notifique." (fim de transcrição).

2. O arguido, inconformado com a mencionada decisão judicial de 28 de novembro de 2018, interpôs recurso, a 14 de janeiro de 2019, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões:
“I. O presente recurso tem como objeto o Douto Despacho proferido a 28-11-2018, após o trânsito em julgado da Sentença que nos presentes autos;
II. Condenou o Arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art.º 152.º, n.º 1, alínea d) e n.º 2 do Código Penal, praticado contra a sua mãe, na pena de dois anos e três meses de prisão;
III Que condenou o arguido como autor material de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.°, n.º 1, alínea d) e n.º 2 do Código Penal, praticado contra seu pai, na pena de dois anos e três meses.
IV. Que condenou, em cúmulo jurídico, por ambos os crimes, na pena única de três anos de prisão que foi suspensa na sua execução, por idêntico período, condicionada a regime de prova, consistindo a referida no cumprimento de plano de reinserção social, a ser definido pela DGRSP.
V. Que condenou o arguido na pena acessória de obrigação de frequência de programa específico de prevenção da violência doméstica, nos termos do artigo 152.°, n.º 4 do Código Penal, a cumprir no prazo máximo fixado para a suspensão da pena de prisão.
VI. E, que condenou o arguido no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em três unidades de conta, nos termos do artigo 513.°, n.º 1 e 514.°, do Código de Processo Penal a que somam os demais encargos a que este tenha dado causa.
VII. A Sentença já transitou em julgado.
VIII. Foi junta aos autos a informação da DGRSP datada de 23/11/2018.
IX. Dado o informado pela DGRSP quanto à impossibilidade de frequência, por parte do arguido, do Programa para Agressores de Violência Doméstica - PAVD (o único existente no presente), por este apenas ser aplicado em contexto de violência
do género (conjugal),

X. Decide o Tribunal "a quo" substituir a pena acessória de obrigação de frequência do citado curso, pela inclusão no regime de prova da obrigação do arguido comparecer em entrevistas direccionadas para a problemática da violência doméstica, ministradas pela DGRSP e manter acompanhamento psicoterapêutico especializado, Não se conformando com o Douto Despacho proferido pelo tribunal "a quo" a 28-11-2018, vem o recorrente AA, dele interpor recurso.
XI. Pois, é entendimento do recorrente que o tribunal de condenação esgotou o seu poder jurisdicional em face da sentença proferida e já transitada em julgado.
XII. Veio o Tribunal decidir agora, a 28-11-2018, a substituição da pena acessória a que foi condenado nestes Autos o arguido AA
XII. Ora, com o devido respeito entende a recorrente que já se encontra esgotado o poder jurisdicional do tribunal de condenação e a informação da DGRSP datada de 23/11/2018 não pode alterar a decisão transitada em julgado.
XIV. O tribunal" a quo" ao decidir a 28-11-2019 uma alteração do regime de cumprimento da pena aplicada em sentença, já transitada em julgado, viola o disposto no artigo 677.º do C.P.C.
XV. Pois a sentença considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação.
XVI. Assim, tendo em conta que o prazo para recorrer é de 30 dias (n.º 1 do artigo 411.°) do Código Processo Penal, só após esgotado este prazo é que a Sentença transita em julgado.
XVII. No caso em apreço a decisão já transitou em julgado.
XVIII. Ainda assim e, na sequência do Douto Despacho proferido a 28-11-2018 o tribunal "a quo" decidiu substituir a pena acessória de obrigação de frequência de programa específico de prevenção da violência doméstica, nos termos do artigo 152.°, n.º 4 do Código Penal, pela inclusão no regime de prova da obrigação do arguido comparecer em entrevistas direccionadas para a problemática da violência doméstica, ministradas pela DGRSP e manter acompanhamento psicoterapêutico especializado.
Face ao exposto, deverá o presente Recurso ser considerado procedente, e em consequência deverá o Douta Despacho Recorrido ser revogado por violar o disposto no art.º 677.º do Código Processo Civil e o n.º 1 do artigo 411.° do Código
Processo Penal.

Vossas Excelências, decidindo farão assim a costumada justiça.” (fim de transcrição).

3. Foi proferido despacho judicial admitindo o recurso, como se alcança de fls. 212.

4. Respondeu o Ministério Público extraindo da sua motivação as seguintes conclusões:
"1. O arguido foi condenado pela prática de dois crimes de violência doméstica, p. e p., pelo artigo 152°, n° 1, al. d) e n° 2 do Código Penal, contra os seus pais, em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de três anos de prisão suspensa na sua execução por igual período sujeita a regime de prova a definir pela DGRSP, para além da pena principal, foi ainda condenado na pena acessória de obrigação de frequência de programa específico de prevenção de violência doméstica, nos termos do artigo 152°, n° 4 do Código Penal, a cumprir no prazo máximo fixado para a suspensão da pena de prisão.
2. A sentença proferida foi confirmada por Acórdão proferido pelo TRL, tendo transitado em julgado a 27.09.2018.
3. A fls. 191 e 191v a DGRSP vem informar da inexistência de programa específico de prevenção da violência doméstica, uma vez que o programa PAVD - único existente só é possível aplicar em contexto de violência doméstica de género (conjugal) o que não se verifica na presente situação, disponibilizando alternativas que no fundo irão resultar no mesmo. Propondo entrevistas direcionadas para a problemática da violência doméstica e/ ou manter acompanhamento psicoterapêutico especializado.
4. Nesta senda, o Mm.º Juiz, por impossibilidade de aplicação da pena acessória, determinou a substituição da pena acessória de obrigação de frequência do citado curso, pela inclusão no regime de prova da obrigação do arguido comparecer em entrevistas direcionadas para a problemática da violência doméstica. ministradas pela DGRSP e manter acompanhamento psicoterapêutico especializado.
5. A sentença proferida na parte em que diz respeito à suspensão da execução da pena de prisão sujeita a regime de prova a definir pela DGRSP, deixa em aberto a possibilidade de adequar as atividades a desenvolver aos Técnicos da DGRSP, que elaboram o plano de reinserção social de acordo com a entrevista que efetuam ao condenado e posteriormente remetem ao Tribunal a fim de ser ou não homologado por este.
6. O que sucedeu no caso concreto foi a impossibilidade de cumprimento pelo arguido da sanção acessória em que foi condenado, por inexistência do referido curso.
7. Facto, esse, apenas conhecido pelo Tribunal após a decisão ter transitado em julgado, aquando da solicitação de elaboração do respetivo plano à DGRSP.
8. Assim, e ao abrigo do disposto no artigo 492º do Código de Processo Penal, com o cumprimento do estipulado nessa norma legal, o Tribunal decidiu modificar as obrigações impostas ao condenado, ora Recorrente.
9. Tal como decorre do disposto no artigo 492º do CPP "1. A modificação dos deveres, regras de conduta e outras obrigações impostos ao condenado na sentença que tiver decretado a suspensão da execução da prisão é decidida por despacho, depois de recolhida prova das circunstâncias relevantes supervenientes ou de que o tribunal só posteriormente tiver tido conhecimento.
2. O despacho é precedido de parecer do Ministério Público e de audição do condenado, e ainda dos serviços de reinserção social no caso de a suspensão ter sido acompanhada de regime de prova."
10. O Ministério Público foi notificado e emitiu o seu parecer favorável quanto à substituição do curso pelas obrigações indicadas pela DGRSP. O Recorrente foi notificado de tal substituição.
11. Posteriormente, o Recorrente concordou com os objetivos do plano de reinserção social que foi elaborado após a sua audição, e onde se encontra planeado as entrevistas direcionadas para a problemática da violência doméstica, ministrada pela DGRSP, em concreto comparecer às entrevistas com técnico da reinserção social e a manutenção de acompanhamento psicoterapêutico especializado, designadamente comparecer às consultas agendadas e cumprir com a medicação prescrita.
12. Deixando assim de impender sobre o arguido a pena acessória a que estava obrigado, e em substituição, que foi dada a conhecer ao Recorrente a 27.11.2018, foi determinada a substituição. O arguido nada veio dizer.
13. Aliás como se pode verificar o arguido deslocou-se à DGRSP para ser ouvido, foi informado e manifestou concordância com os objetivos e atividades propostas, sendo nessa senda elaborado o plano constante de fls. 193 a 195.
14. Assim, nos termos do disposto no artigo 494°, n° 3 do Código de Processo Penal, o plano de reinserção social elaborado pela DGRSP, tal como prescreve tal norma legal, tem que ser submetido à homologação do Tribunal, que verificará se o mesmo cumpre as finalidades da pena determinadas na sentença. O que também foi feito.
15. Pelo exposto, estamos absolutamente de acordo com a decisão proferida no despacho posto em causa de substituição da pena acessória pela inclusão de obrigações no plano de reinserção social, não se tendo esgotado o poder jurisdicional do Tribunal, pelo que entendemos que o despacho recorrido não enferma de qualquer vício.
Termos em que deverá negar-se provimento ao recurso interposto pelo recorrente, quanto às questões alegadas pelo recorrente.
Porém, V. Exas. Melhor decidirão, fazendo, como sempre, JUSTIÇA!" (fim de transcrição).

5. Proferido despacho de sustentação (cfr. fls. 220) e subidos os autos, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta nesta Relação apôs o seu “Visto” e emitiu parecer, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso interposto pelo arguido, adiantando nada mais se lhe oferecer acrescentar à posição assumida pelo Ministério Público na primeira instância (cfr. fls. 226).

6. Foi cumprido, oficiosamente, o preceituado no art. 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (doravante CPP), não tendo havido resposta.

7. Efetuado o exame preliminar foi considerado não haver razões para a rejeição do recurso.

8. Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1. Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer (cfr., entre outros, os Acs. do STJ de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respetivamente, nos BMJ 451.° - pág. 279 e 453.° - pág. 338, e na Col (Acs. do STJ), Ano VII, Tomo 1, pág. 247, e cfr. ainda, arts. 403.° e 412.°, n.° 1, do CPP).
A questão suscitada pelo recorrente, que deverá ser apreciada por este Tribunal Superior, é, em síntese, a de que tendo a sentença proferida nos autos a 16 de abril de 2018 transitado em julgado, se esgotou ao tribunal da condenação o seu poder jurisdicional, pelo que não podia posteriormente (in casu a 28 de novembro de 2018) decidir a substituição da pena acessória de obrigação de frequência de programa específico de prevenção da violência doméstica pela inclusão no regime de prova da obrigação do arguido comparecer em entrevistas direcionadas para a problemática da violência doméstica, ministradas pela DGRSP e manter acompanhamento psicoterapêutico especializado, devendo o despacho recorrido em apreço ser revogado.

2. Vejamos se assiste razão ao recorrente.
Em termos genéricos tem razão o recorrente quando afirma estar esgotado o poder jurisdicional do tribunal da condenação/primeira instância com o trânsito em julgado da sentença, o que, de resto, é princípio processual aplicável a este e a qualquer outro processo. Mas tal regra comporta naturalmente exceções em matéria criminal e assim é quando, para dar apenas um exemplo, o tribunal perante o não pagamento (voluntário ou coercivo), de multa aplicada decide substituí-la pelos dias de prisão (subsidiária), face ao disposto no art. 49.º, n.º 1, do CP, ou, a pedido tempestivo do condenado, decide substituí-la (total ou parcialmente) por dias de prestação de trabalho, nos termos do artigo 48.º do CP.
O Tribunal a quo, não tendo sido feliz na formulação/redação do despacho recorrido, o que verdadeiramente fez foi reconhecer que a sanção acessória aplicada na sentença condenatória era na prática inexequível e como tal não poderia ter lugar. Só que, ao invés de tão-só o afirmar, seguidamente usa, com o devido respeito, a inadequada expressão de que, perante tal, procederá à sua substituição.
Ora na realidade, o que o Tribunal a quo tempestiva, com legal competência e legitimidade, fez, perante uma também condenação, em sede da pena principal decretada nos autos, que foi, recorde-se a pena única de três anos de prisão suspensa na sua execução, por idêntico período, condicionada a regime de prova, consistindo este no cumprimento de plano de reinserção social, a ser definido pela DGRSP, detalhar que em tal plano de reinserção social, no qual se estabeleceriam os pormenores do regime de prova, pois tal plano ainda se encontrava em fase de elaboração, dever-se-ia incluir a obrigação do arguido comparecer em entrevistas direcionadas para a problemática da violência doméstica, ministradas pela DGRSP e manter acompanhamento psicoterapêutico especializado.
Com efeito, dispõe o n.º 1 do artigo 492.º do CPP que “A modificação dos deveres, regras de conduta e outras obrigações impostos ao condenado na sentença que tiver decretado a suspensão da execução da prisão é decidida por despacho, depois de recolhida prova das circunstâncias relevantes supervenientes ou de que o tribunal só posteriormente tiver tido conhecimento.” Acrescentando-se no seu n.º 2 que: “O despacho é precedido de parecer do Ministério Público e de audição do condenado, e ainda dos serviços de reinserção social no caso de a suspensão ter sido acompanhada de regime de prova”.
Foi o que se passou nos autos, onde, perante a inexistência do pretendido curso/programa, o bom senso assim o justificava e plenamente aconselhava. A este propósito atente-se que, como provado na sentença, o arguido e ora recorrente AA “é o mais velho de uma fratria de três elementos” (fls. 144), “passando o seu tempo em casa a ver TV e no computador (a irmã mais velha paga-lhe a internet)” (fls. 145), “contando com o apoio afetivo das irmãs, as quais apesar de saturadas do comportamento do mesmo, demostram grande preocupação com o futuro do mesmo.” (fls. 145 vº). O arguido “Casou aos 22 anos (1976). Tem dois filhos RR (…) e HH (…) ” que já se autonomizaram e “O divórcio ocorreu passados cerca de 15 anos (…) esteve envolvido em vários relacionamentos amorosos” (fls. 144 vº).
Ou seja, estando, de momento, totalmente afastada na prática a possibilidade do arguido e ora recorrente AA cometer qualquer violência doméstica sobre os seus progenitores, por terem ambos entretanto falecido, excluída não fica, pelas suas apuradas e atuais personalidade e enquadramento familiar e afetivo-relacional, a de outros actos de violência doméstica embora com diferentes destinatários, o que importa(va) salvaguardar.
Tanto assim foi que, se atentarmos no plano de reinserção social, posteriormente elaborado pela DGRSP e submetido à consideração do arguido e do tribunal – o qual está datado de 10 de dezembro de 2018 e consta de fls. 198 a 200 dos autos –, podemos verificar que o mesmo, e no que ora releva, é do seguinte teor:
INTRODUÇÃO
AA foi condenado pela prática de dois crimes de violência doméstica, após cúmulo jurídico na pena única de 3 anos de prisão suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova. O acórdão transitou em julgado em 24-09-2018 prevendo-se o termo da pena para 24-09-2021.

Para elaboração do presente PRS efetuamos:
· Entrevistas com AA;
· Consulta do dossier individual da DGRSP, onde existe informação desde Maio de 2013 no âmbito de outro processo judicial;
· Articulação com Serviço de Psiquiatria do Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca, EPE;
· Consulta documental - Informação Médica/Avaliação de Incapacidade, Informação c1inica do Centro Diagnostico Pneumológico, Relatório médico "Hospital Pulido Valente", Informação Clinica Pneumologia, Declaração "Instituto de Emprego e Formação Profissional, IP", Marcação de consulta de psiquiatria.

De salientar, que AA mantém dificuldades ao nível da comunicação pessoal.
Devido a constrangimentos de ordem temporal, AA não tomou conhecimento integral e formal do plano. No entanto, durante o processo avaliativo, foi informado e manifestou concordância com os objetivos e atividades, propostas.

1- ENQUADRAMENTO
Nas circunstâncias atuais, AA reside sozinho num anexo à casa dos progenitores, os quais faleceram recentemente. O pai em Abril/2018 e a mãe em Junho/2018.
O condenado não trabalha, pelo que na sequência de não reunir condições físicas para poder trabalhar, solicitou a reforma antecipada, processo que se encontra em avaliação (apresentou Informação Médica/Avaliação de Incapacidade datada de 17-06-2018). As refeições são lhe fornecidas pela CERCITOP, pontualmente vai buscar géneros à Santa Casa da Misericórdia de Sintra.
A nível da saúde, de acordo com a informação do médico do Serviço Nacional de Saúde, Fernando Ribeiro é portador de VIH, Hepatite B, problemas cardíacos, surdez (provocada pela medicação prescrita) sendo seguido nas respectivas consultas no "Hospital Dr. Fernando da Fonseca". Sofreu de tuberculose pulmonar multirresistente durante 24 meses, tendo ficado curado em Julho de 2017, no entanto, continua a ser acompanhado em consulta de Pneumologia e de acordo com a informação clínica apresentada na sequência do tratamento anti bacelar de que foi alvo durante 24 meses resultaram sequelas importantes "efisema pulmonar extenso" "doença obstrutiva grave com compromisso da difusão". Constatamos, ainda, que é acompanhado em consulta de psiquiatria no "Hospital Dr. Fernando da Fonseca".
No que diz respeito ao seu enquadramento familiar, AA conta com o apoio afetivo das irmãs, as quais apesar de saturadas dos comportamentos do mesmo, demonstram grande preocupação com o seu futuro.

2- DETERMINAÇÕES JUDICIAIS E ATIVIDADES A DESENVOLVER PELO CONDENADO
Para dar cumprimento às condições impostas pelo tribunal, o condenado deverá cumprir as seguintes atividades:
Condição imposta judicialmente: obrigação de comparecer em entrevistas direcionadas para a problemática da violência doméstica, ministradas pela DGRSP.
Atividade: comparecer com assiduidade às entrevistas com técnico de reinserção social
Calendarização: ao longo do período de execução da medida.
Condição imposta judicialmente: manter acompanhamento psicoterapêutico especializado
Actividades: comparecer às consultas agendadas e cumprir com a medicação prescrita
Calendarização: ao longo do período de execução da medida.

Para superar as necessidade de intervenção identificadas na avaliação, o condenado deverá realizar as seguintes actividade:
Objetivo: reconhecimento dos fatores de risco associados à prática do comportamento violento e motivação para a mudança
Atividade: comparecer com assiduidade às entrevistas com técnico de reinserção social, colaborando pró-ativamente nos conteúdos abordados
Calendarização: ao longo do período de execução da medida
Objectivo: consolidar as estratégias de gestão de risco individuais e desenvolver um plano de prevenção de recaída do comportamento violento
Atividade: comparecer com assiduidade às entrevistas com o técnico de reinserção social, colaborando pró-ativamente na identificação de potenciais desencadeadores do comportamento violento e de estratégias de prevenção e gestão do mesmo
Calendarização: ao longo do período de execução da medida

3-MEDIDAS DE APOIO E VIGilÂNCIA A DESENVOLVER PELA DGRSP
· Entrevistas com o condenado. A frequência e regularidade das entrevistas serão estabelecidas em função das necessidades de apoio e vigilância reveladas pelo condenado ao longo da execução da medida, advertindo-o para a obrigatoriedade de comparência
· Contacto com outras pessoas consideradas relevantes na avaliação / execução do presente plano
· Deslocações à residência ou outro local considerado pertinente
· Articulação com entidades policiais

Para viabilizar as medidas de apoio e vigilância, a DGRSP solicitará ao condenado:
· A justificação de quaisquer faltas, devendo o mesmo comunicá-las previamente e apresentar o respectivo documento justificativo no prazo de 5 dias úteis (ex.: atestado médico, declaração de presença, etc.)
· Os contactos de pessoas com quem mantenha, ou tenha mantido, relações de intimidade, nomeadamente pessoas do seu meio familiar, laboral ou outro que venha a ser considerado necessário para avaliação da execução do Plano
· Informações e documentos comprovativos relativos às atividades a desenvolver
· A disponibilidade para receber o Técnico de Reinserção Social no meio residencial ou outro considerado pertinente
· Informação sobre eventual alteração de morada
· Informação sobre eventual ausência do país
· Documentação de autorização escrita sobre eventual ausência do país, remetido ao Tribunal, pelo condenado

Os relatórios de execução do presente plano serão enviados com periodicidade semestral. O Tribunal será ainda informado sempre que ocorram incumprimentos ou outras circunstâncias relevantes para a execução da medida.” (fim de transcrição).

Como do próprio plano de reinserção social proposto pela DGRSP e acabado de transcrever resulta, o arguido AA, que para a sua elaboração foi sujeito a entrevistas,não tomou conhecimento integral e formal do plano. No entanto, durante o processo avaliativo, foi informado e manifestou concordância com os objetivos e atividades, propostas.” Sendo que, como preceitua o n.º 2 do art. 54.º do CP: “ O plano de reinserção social é dado a conhecer ao condenado, obtendo-se, sempre que possível, o seu acordo prévio.”
Objetivos e atividades entre os quais se contavam comparecer com assiduidade, perante técnico de reinserção social, para entrevistas direcionadas para a problemática da violência doméstica, colaborando pró-ativamente nos conteúdos abordados, e manter acompanhamento psicoterapêutico especializado, tudo tendo em vista, ao longo do período de execução do regime de prova, consolidar as estratégias de gestão de risco individuais e desenvolver um plano de prevenção de recaída do comportamento violento por parte do condenado e ora recorrente AA.
Objetivos e atividades que o plano de reinserção social refere serem condições impostas judicialmente mas que, acrescentamos agora nós, sempre poderiam resultar da iniciativa da DGRSP, dentro das competências próprias à respetiva elaboração, no âmbito de propostas que ulterior e necessariamente carecem de simultânea concordância do arguido, parecer favorável do Ministério Público e homologação judicial para se tornarem compulsórias para o condenado.
Assim, não só o arguido e ora recorrente AA aderiu a tais obrigações antes da conclusão do plano de reinserção social, elaborado e proposto pela DGRSP, como, posteriormente à sua conclusão e sendo notificado do seu teor pelo tribunal não se opôs ao mesmo no momento e sede oportunos, a este dando, portanto, a sua implícita anuência.
É que, recorde-se aqui também, sobre o plano de reinserção social, elaborado e proposto pela DGRSP, datado de 10 de dezembro de 2018, recaiu o seguinte despacho do Mmº Juiz a quo (proferido em 17 de dezembro de 2018 e constante a fls. 201 dos autos):
“Tendo presente o disposto no artigo 54.° n.º 1 do Código Penal e, por sua vez, no artigo 494.°, n.º 3 do Código de Processo Penal, obtida a concordância do arguido e emitido o parecer favorável pelo Ministério Público, homologo nos seus exactos termos o Plano de Reinserção Social datado de 10/12/2018, ficando o arguido Fernando Cortiço Ribeiro adstrito ao seu rigoroso cumprimento.
Após, aguarde-se pelo envio semestral de relatórios de acompanhamento do regime de prova.
Com idêntica periodicidade junte CRC do arguido, que apenas deverá constar do processo físico na eventualidade de no mesmo figurar alguma condenação posterior à dos presentes autos.
Notifique, devendo ser igualmente comunicado o presente despacho à DGRSP.” (fim de transcrição).

E quer a notificação do arguido para o efeito, que nada disse, quer a emissão de parecer favorável por parte do Ministério Público tiveram lugar nos autos, como compulsando os mesmos se alcança.
Por todo o exposto, não subscreveríamos na forma o despacho recorrido mas quanto à sua relevante substância não nos merece o mesmo qualquer censura, sendo, por isso, de manter o aí decidido no tocante à inclusão no regime de prova da obrigação do arguido comparecer em entrevistas direcionadas para a problemática da violência doméstica, ministradas pela DGRSP e manter acompanhamento psicoterapêutico especializado.
Destarte, o recurso terá de improceder.

III – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes na 9ª Secção Criminal da Relação de Lisboa, em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, confirmando-se, nos termos supra mencionados, a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça no mínimo (art. 513.º do CPP e artigos 5.º e 8.º, n.º 9 e tabela III, do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 34/2008, de 26 de fevereiro).
Notifique nos termos legais.
(o presente acórdão, integrado por doze páginas, foi processado em computador pelo relator, seu primeiro signatário, e integralmente revisto por si e pelo Exmº Juiz Desembargador Adjunto – art. 94.º, n.º 2, do CPP)
Lisboa, 11 de abril de 2019
(Calheiros da Gama)
(Antero Luís)