Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1539/19.0YRLSB.L1-9
Relator: FERNANDO ESTRELA
Descritores: RECONHECIMENTO DE SENTENÇA PENAL
CONSENTIMENTO DO ARGUIDO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECONHECIMENTO E EXECUÇÃO DE SENTENÇA PENAL EUROPEIA
Decisão: RECONHECIDA
Sumário: I- O Estado da emissão fez constar que o estado da execução é o Estado da nacionalidade do condenado (Portugal) e para onde será reconduzido uma vez cumprida a pena na sequência de uma medida de expulsão ou recondução à fronteira, tal com a existente.
II- Circunstância que dispensa o consentimento do condenado nos termos do disposto no art.° 6.° n.° 2 da decisão quadro 2008/2009/JAI e 10.°n.° 5 al.b) da Lei 158/2015 (artigo inserido no cap. I do Título II (transmissão por Portugal), mas necessariamente também aplicável no contexto do cap. II do mesmo título (reconhecimento em Portugal) atendendo aos termos da decisão-quadro e ao princípio da reciprocidade, na circunstância de se poder entender como não consentimento a declaração do arguido atrás referida.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 9.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I - O Ministério Público junto desta Relação, nos termos e para os fins da Lei n.° 158/2015, de 17 de Setembro — art.°s 13.°, 14.°, e 16.° -, promoveu o reconhecimento da sentença penal de condenação de AA, nascido em ……..1984, filho de BB  e de CC, de nacionalidade portuguesa, portador do documento de identificação nacional n° 30170798 7, emitido em 21-11-2013 com última residência conhecida em …………….Lisboa e actualmente detido em cumprimento de pena no Reino Unido no Estabelecimento Prisional n° A8963EA, sendo que,
II - Por sentença proferida pelo Tribunal da Coroa de Cambridge (Cambridge Crown Court), em 20-04-2018 e transitada em julgado nessa mesma data, foi o requerido condenado na pena de prisão de 2436 dias (6 anos e 8 meses), e na pena de expulsão, pela prática de um crime de violação previsto na secção 1 da Lei de crimes sexuais de 2003.
A condenação diz respeito aos seguintes factos: No dia 20 de Setembro de 2017 por meio de ameaça de morte e contra a vontade de FF o requerido manteve relações sexuais orais com aquela, penetrando o seu pénis na boca da vítima FF o que fez bem sabendo que esta não consentiu na prática dos sobreditos actos.
Constam dos autos o documento de registo de julgamento, do resumo do processo, das notas sobre a sentença, e da certidão transmitidas a este tribunal para reconhecimento de sentença e execução em conformidade com as decisões quadro 2008/909/JAI do Conselho, 2008/947/JAI do Conselho, ambas de 27 de novembro, alteradas pela decisão- quadro 2009/299/JAI do Conselho, transpostas para o direito interno português pela lei 158/2015 de 17 /9.
III- Teve lugar a conferência, pelo que cumpre apreciar e decidir:
1.   Dos pressupostos formais:
O presente Tribunal é o competente para o reconhecimento nos termos do art. 13.°, n.°1, da Lei n.° 158/2015, de 17/09, dado não ter sido possível apurar a residência do requerido em Portugal.
- Não ocorre causa de recusa constante do art. 17.°do Diploma em referência.
- A certidão devidamente transmitida com tradução em língua portuguesa, nos termos dos artigos 4.° n.° 1 alínea a) e 5.° n.° 1 e 2 da Decisão-Quadro atrás referida, foi emitida em conformidade com o formulário cujo modelo constitui o Anexo 1 deste diploma, encontrando-se devidamente preenchida desse modo satisfazendo as exigências contidas nos art.°s 8.°, n.°4, e 16.°, n.°s 1 e 2, da Lei n.° 158/2015 de 17/09.
- Igualmente se mostram traduzidos para português o registo do julgamento, o resumo do processo, e as notas sobre a sentença.
- A sentença mostra-se devidamente transitada em julgado, tendo o requerido estado presente no julgamento que levou à decisão.
- O Requerido é cidadão português, encontrando-se preso no Estado de emissão.
- O requerido foi ouvido sobre a decisão de transmissão e não deu o seu consentimento, declarando como razões o facto de ter melhores condições de trabalho no Reino Unido sendo do seu interesse aí permanecer.
O crime de violação pelo qual o requerido foi condenado vem incluído pela autoridade da emissão na lista de infracções constante da parte 2 do campo h) do formulário da certidão e corresponde à infracção a que se refere alínea b) b) do n° 1 do art. 3.° da Lei 158/2015, não se mostrando necessária a verificação da dupla incriminação.
O condenado, em 31-05-2019 já havia cumprido 204 dias de prisão preventiva e 406 dias de cumprimento da pena, totalizando este período de detenção os 610 dias e estimando-se o termo da pena para o dia 29.05.2014.
- O requerido encontra-se no estado da emissão cumprir pena pela qual foi condenado, cujo termo se prevê venha a ocorrer em 29 de maio de 2024, pelo que o tempo que lhe falta cumprir é de superior a 6 meses (vd. art.° 17.° da Lei 158/2015).
- No que respeita á liberdade antecipada ou condicional as autoridades do Reino Unido referem que ao abrigo da sua legislação a pessoa sentenciada tem o direito de ser considerada para liberdade antecipada ou condicional após ter cumprido metade da pena e também que o requerido pode ser removido ou deportado 270 dias antes da sua liberdade condicional.
Por decisão do Secretário de Estado do Home Office (Ministério da Administração Interna) do Reino Unido, datada de 2 de Julho de 2018, foi decretada a expulsão do requerido, através de ordem para sair do Reino Unido e proibindo de aí entrar enquanto a ordem estiver em vigor.
O Estado da emissão fez constar que o estado da execução é o Estado da nacionalidade do condenado (Portugal) e para onde será reconduzido uma vez cumprida a pena na sequência de uma medida de expulsão ou recondução à fronteira, tal com a existente (cfr letra g)).
Circunstância que dispensa o consentimento do condenado nos termos do disposto no art.° 6.° n.° 2 da decisão quadro 2008/2009/JAI e 10.°n.° 5 al.b) da Lei 158/2015 (artigo inserido no cap. I do Título II (transmissão por Portugal), mas necessariamente também aplicável no contexto do cap. II do mesmo título (reconhecimento em Portugal) atendendo aos termos da decisão-quadro e ao princípio da reciprocidade, na circunstância de se poder entender como não consentimento a declaração do arguido atrás referida.
Não se afigura existir qualquer motivo de recusa de reconhecimento da sentença da execução prevista no art.° 17.°, nem do adiamento do reconhecimento nos termos do art.° 19.° da citada lei 158/2015.
2. Como dispõe a Lei n.° 158/2015 de 17/09, "a autoridade competente para o reconhecimento da sentença" pode adaptá-la "à pena ou medida prevista na lei interna para infracções semelhantes, devendo essa pena ou medida corresponder tão exactamente quanto possível à condenação imposta no Estado de emissão".
Adaptando à legislação portuguesa, caberia a integração jurídico-penal do art.° 164.° n.° 1 alínea a) do C. Penal, a que corresponde a moldura penal abstracta de 3 a 10 anos de prisão, entendemos ser de manter a pena de prisão aplicada no Reino Unido, face à gravidade dos factos descritos na sentença.
IV. Decisão:
Pelo exposto e nos termos do disposto nos art.°s 16.° n.° 1 e 20.° n.° 1 da lei 158/2015 de 17 de Setembro:
Nos termos e com os fundamentos aludidos, declara-se revista e confirmada a sentença penal supra indicada, a saber, a sentença proferida pelo Tribunal da Coroa de Cambridge, em 20-04-2018 e transitada em julgado nessa mesma data, que condenou o requerido AA, nascido em ……….1984, filho de BB e de CC, de nacionalidade portuguesa, portador do documento de identificação nacional n° …………, emitido em ……….. com última residência conhecida em ………….., Lisboa, na pena de 2436 dias de prisão (6 anos e 8 meses), pela prática do crime de violação previsto na secção 1 da Lei de crimes sexuais de 2003,
No seu cumprimento será descontada toda a prisão que o Requerido haja sofrido em função do crime em causa.
Após trânsito proceda às comunicações necessárias, máxime às autoridades do Estado da Emissão nos termos do art.° 21 al.c) da lei 158/2015.
Nos termos dos art.°s 13.°, n.° 2, e 23.° da Lei n.° 158/2015, transitada a presente decisão, será competente para a executar em Portugal, a secção criminal do tribunal de 1.a instância da comarca de Lisboa, sendo oportunamente para aí remetido.
Sem tributação.
(Acórdão elaborado e revisto pelo relator - vd art.° 94.° n.°2 do C.P.Penal)

Lisboa, 11 de julho de 2019

Fernando Estrela
Maria Guilhermina Freitas
Guilherme Castanheira