Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
89/16.0NLLSB-AG.L1-9
Relator: MARIA DO CARMO FERREIRA
Descritores: PRINCIPIO DA ADESÃO OBRIGATÓRIA
RESPONSABILIDADE CIVIL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: I. Estando em causa uma situação de responsabilidade civil extracontratual baseada em factos constitutivos de ilícito de natureza criminal, os quais constituam a causa de pedir da acção cível enxertada no processo penal, por virtude, por exemplo, de o arguido ter praticado os factos no exercício de funções em Organismo Público, pessoa colectiva de direito público, não impede o seu conhecimento pelo Tribunal comum ou pelo Tribunal Criminal onde esteja a ser tramitada a acção penal.
II. O critério identificador da ordem administrativa não se pode reconduzir a uma perspectiva de ordem subjectiva, atendendo apenas à qualidade dos sujeitos, ou, como no caso, de um dos sujeitos (o Estado).
III. Não obstante se nos apresentar como lesante uma figura que nas suas relações jurídicas se regula pelo direito administrativo, tal situação não basta por si, para se entender da incompetência do Tribunal comum, criminal, para a apreciação do pedido indemnizatório fundado na responsabilidade civil emergente da conduta crime. Para além da insuficiência deste critério, há que cumprir o princípio da adesão obrigatória da dedução do pedido para ressarcimento dos danos resultantes da conduta criminosa, no âmbito processual do procedimento criminal.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da 9ª. Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.
I-RELATÓRIO.
No processo supra identificado, do Juízo Central Criminal de Lisboa- J2 da Comarca de Lisboa, os assistentes  F………………vieram interpor recurso do despacho que consta de fls. 108 a 111 destes autos, que declarou a nulidade dos despachos de recebimento dos pedidos cíveis deduzidos pelos assistentes e declarou a absolvição da instância relativamente aos pedidos, com fundamento na incompetência material do Tribunal de julgamento.
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O teor do despacho recorrido, proferido em 04/10/2018.
(transcreve-se)
Em sede de audiência de julgamento, veio o Ministério Público suscitar a incompetência material deste Tribunal Militar para apreciar os pedidos de indemnização civil deduzidos nestes autos contra o Estado ou, caso assim não se entendesse, requerer que fosse notificado o Estado, através do Ministério da Defesa, para contestar, uma vez que  existe  um conflito de interesses na medida em que o Ministério Público assume simultaneamente a posição de acusador público e de defensor do Estado, enquanto representante deste como demandado cível.
Devidamente notificados vieram alguns dos arguidos e assistentes pugnar, em suma, pela competência te Tribunal, alegando ainda que o MP representa o Estado e por isso este estaria devidamente notificado, admitindo outros, que caso assim não se entendesse, se ordenasse a regularização da omissão da notificação, mas decidindo-se o pedido cível neste Tribunal atento o principio de adesão no processo penal.
Antes demais, cumpre referir quanto à tempestividade da excepção deduzida, que está em tempo, uma vez que esta pode ser arguida  em qualquer fase do processado, até ao trânsito em julgado da decisão, nos termos do disposto no nº1, do art. 32º do Código de Processo Penal, pelo que não estava o Ministério Público obrigado a fazê-lo durante o prazo para contestar.
Por sua vez, a violação das regras de competência em razão da matéria constitui uma  nulidade insanável nos termos da alínea e), do art. 119º, do CPP, a qual determina a invalidade do acto em que se verificou bem como dos demais dele dependente ou que por aquele sejam afetados – art. 122º, nº1, do mesmo diploma legal .
Importa pois, averiguar,  se a matéria em apreciação está subtraída ao conhecimento deste Tribunal pela sua especificidade, sendo esta de foro exclusivamente administrativo.
Os Tribunais Administrativos têm a sua competência limitada às causas que lhe são especialmente atribuídas, estatuindo o n.º 3 do artigo 212.º da CRP que “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.
Este artigo, define o âmbito da jurisdição administrativa e fiscal em função dos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais .
Assim, os Tribunais Administrativos são os tribunais comuns em matéria administrativa, detendo reserva de jurisdição nessas matérias, excepto nos casos em que, pontualmente, a lei atribua competência a outra jurisdição. Com efeito a lei expressamente dispõe que: “Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais”.
Quanto à competência dos Tribunais administrativos, tem sido debatida, quer na Doutrina quer na Jurisprudência, a questão de saber se tal reserva é absoluta, quer em sentido negativo, ou seja de que os tribunais administrativos só poderão julgar questões de direito administrativo, quer em sentido positivo de só eles poderão julgar tais questões.
A propósito desta corrente doutrinária quanto à natureza absoluta ou fechada da reserva material de jurisdição aos tribunais administrativos, no sentido de que o legislador ordinário só pode atribuir o julgamento de litígios materialmente administrativos a outros tribunais se a devolução estiver prevista a nível constitucional refira-se GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, in Constituição Anotada, 3.ª Ed., 1993, e MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, in, Código de Processo Nos Tribunais Administrativos, vol. I, pp. 21-25, e DIOGO FREITAS DO AMARAL e MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, in As Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo, pp. 21 e segs. Em sentido contrário, postulando a natureza relativa da reserva material de jurisdição cita-se VIEIRA DE ANDRADE, in A Justiça Administrativa, 4.ª ed., p. 107 e segs., SÉRVULO CORREIA, in Estudos em Memória do Prof. Castro Mendes, 1995, p. 254, RUI MEDEIROS, in Brevíssimos tópicos para uma reforma do contencioso de responsabilidade”, in CJA, n.º 16, pp. 35 e 36, JORGE MIRANDA, in, “Os parâmetros constitucionais da reforma do contencioso administrativo”, in CJA, n.º 24, p. 3 e segs., admitindo a introdução de desvios ao critério material da natureza da relação jurídica controvertida quando impostos por um obstáculo prático intransponível, de ordem logística, ligado à insuficiência da rede de tribunais administrativos e justificadas pela necessidade de salvaguardar o princípio da tutela judicial efectiva que ficaria comprometida pelo “entupimento” e irregular funcionamento daqueles se, porventura, o legislador ordinário, seguindo a via constitucional, atribuísse, de imediato, aos tribunais administrativos o julgamento de todos os litígios de natureza administrativa.
O Tribunal Constitucional, não estabelece uma reserva material absoluta, impeditiva da atribuição aos tribunais comuns de competências em matéria administrativa ou fiscal ou da atribuição à jurisdição administrativa e fiscal de competências em matérias de direito comum, permitindo que ao legislador uma liberdade restrita nessas matérias.
Nesta conformidade e nos termos do n.º 3 do artigo 212.º da CRP e do artigo 1.º do ETAF o âmbito da jurisdição administrativa e fiscal é definido em função da qualificação dos litígios como emergentes de relações jurídicas administrativas, que constitui assim a regra geral para a delimitação da competência jurisdicional dos tribunais administrativos com os demais tribunais, detendo por força dela os Tribunais Administrativos competência para dirimir os litígios emergentes de relação jurídicas administrativas, excepto nos casos em que, pontualmente, o legislador atribua competência a outra jurisdição, como os desde logo previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 4.º do ETAF 6 , mas também os que são ou venham a ser contemplados em legislação avulsa.
Assim,  a Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, que aprovou o  estatuto dos tribunais administrativos e fiscais ( com as alterações dos DLs nºs 166/2009, de 31/07 e nº 214-G/2015, de 02/10 e ainda com as alterações das Leis nºs 20/2002 de 14/05; Lei nº55-A/2010, de 31/12; a Lei nº 59/2008, de 11/09; a Lei nº 52/2008, de 28/08; Lei nº26/2008, de 27/06; a Lei nº 2/2008, de 14/01; a Lei nº1/2008, de 14/01; a Lei nº 107-D/2003, de 31/12; a Lei nº 107-D/2003, de 31/12; a Lei nº4-A/2003 de 19/02 e as rectificações nºs 18/2002 de 12/04 e 14/2002 de 20/03), veio estabelecer quais as situações cuja competência material é da exclusiva competência dos Tribunais administrativos:

“a)A Tutela de direitos fundamentais e outros direitos e interesses legalmente protegidos, no âmbito de relações jurídicas administrativas e fiscais;
b) Fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos emanados por orgãos da Administração Pública, ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal;
c) Fiscalização da legalidade de atos administrativos praticados por quaisquer órgãos do Estado ou das Regiões Autónomas, não integrados na Administração Pública;
d) Fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos praticados por quaisquer entidades, independentemente da sua natureza, no exercício de poderes públicos;
e) Validade de atos pré-contratuais e interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes;
f) Responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público, incluindo por danos resultantes do exercício das funções política, legislativa  e jurisdicional, sem prejuízo do disposto na alínea a), do nº4 do presente artigo;
g) Responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes trabalhadores e demais servidores públicos, incluindo acções de regresso;
h) Responsabilidade civil extracontratual dos demais sujeitos aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas coletivas de direito público;
i) Condenação à remoção de situações constituídas em via de facto, sem título que as legitime;  
j) Relações jurídicas entre pessoas coletivas de direito público ou entre órgãos públicos, reguladas por disposições de direito administrativo ou fiscal;
l) Prevenção, cessação e reparação de violações a valores e bens constitucionalmente protegidos, em matéria de saúde pública, habitação, educação, ambiente, ordenamento do território, urbanismo, qualidade de vida, património cultural e bens do Estado, quando cometidas por entidades públicas;
m) Contencioso eleitoral relativo a órgãos de pessoas coletivas de direito público para que não seja competente outro tribunal;
n) Execução da satisfação de obrigações ou respeito por limitações decorrentes de atos administrativos que não possam ser impostos coercivamente pela Administração;
o) Relações jurídicas administrativas e fiscais que não digam respeito às matérias previstas nas alíneas anteriores.
Quanto às exclusões, o próprio preceito legal no seu número 3 e 4 refere algumas da competência dos Tribunais Administrativos a áreas outrora subtraídas e entregues à jurisdição comum.
Assim, nos termos da alínea g) a competência para a análise de questões das situações materiais em que é subtraído ao Tribunal administrativo o seu conhecimento.
Do elenco acima exposto, resulta que com a reforma operada visou-se alargar o âmbito que se prendem com a responsabilidade extracontratual  do Estado, constitui matéria especificamente atribuída aos Tribunais administrativos.
Para efeitos de determinação da competência em razão da matéria, há que atender à causa de pedir e ao pedido formulado pela(s) parte(s), ou seja, há que atender á natureza da relação jurídica material controvertida tal como ela é configurada pelas partes, mormente ao “ quid disputatum” delimitado pelo autor do pedido -cfr. Ac. do STJ de 20-02-1990 e 09-05-1995, in www.dgsi.pt.
Nesta conformidade, decorre da matéria fáctica alegada pelas partes nos respectivos pedidos de indemnização cível,  pelos quais os arguidos e o Estado são demandados, embora decorrente de actos dos quais terão sido susceptíveis de ocasionar um crime, fundamenta-se em actos e omissões cometidos pelos primeiros no exercício das suas funções enquanto militares e no cumprimento das funções atribuídas pelo Estado àqueles. Funda-se assim a obrigação de indemnizar, na responsabilidade civil extracontratual, não só do Estado, mas também a dos arguidos, enquanto funcionários do Estado e por causa do exercício dessas suas funções. Daí deriva igualmente que as suas condutas sejam apreciadas, não nos tribunais comuns criminais, mas num Tribunal militar.
Ora daqui resulta que a matéria em apreciação diz respeito aos Tribunais administrativos. A este respeito saliente-se o Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 12-09-2017, proferido no âmbito do processo 1021/16.78GRD.C1, in www.dgsi.pt:
I- Os tribunais judiciais, constituindo os tribunais regra dentro da organização judiciária, gozam de competência não discriminada, por isso sendo chamados de competência genérica, gozando os demais, tribunais especiais, de competência limitada  às matérias que lhes são especialmente cometidas. Que o mesmo é dizer que a competência dos tribunais judiciais se determina por um critério residual, ou de exclusão de partes - tudo o que não estiver atribuído aos tribunais especiais. II - Segundo o critério de atribuição positiva, pertencem a competência do tribunal comum todas as causas cujo objecto é uma situação jurídica regulada pelo direito privado, civil ou comercial. III - Segundo o critério da competência residual, incluem-se na competência dos tribunais comuns todas as causas que, apesar de não terem por objecto uma situação jurídica fundamentada no direito privado, não são legalmente atribuídas a nenhum tribunal judicial não comum ou a nenhum tribunal especial. IV - A jurisdição administrativa é exercida por tribunais administrativos, aos quais incumbe, na administração da justiça, dirimir os conflitos de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas (arts. 1º, nº 1, do ETAF e 212º, nº 3, da CRP). V - Essencial para se determinar a competência dos tribunais administrativos é, pois, a existência de uma relação jurídica administrativa. VI - Sabendo-se que a concretização de tal conceito constitui tarefa difícil, podemos, no entanto, definir a relação jurídica administrativa como aquela que «por via de regra confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse públicoAdministração perante os particulares, ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a Administração». VII - Estatui o artº 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19/2) sobre a competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal. VIII - É inquestionável que o legislador do novo ETAF cometeu à jurisdição administrativa a apreciação de responsabilidade civil extracontratual da Administração Pública, independentemente da questão de saber se esta responsabilidade emerge de uma actuação de gestão pública ou de uma actuação de gestão privada. IX - Todos os litígios emergentes de actuação da Administração Pública que constituam pessoas colectivas de direito público em responsabilidade extracontratual pertencem, portanto, à competência dos tribunais administrativos. X - O novo regime alargou o âmbito de jurisdição administrativa a todas as questões de responsabilidade civil envolvente de pessoas colectivas de direito público, independentemente da questão de saber se as mesmas são regidas por um regime de direito público ou por um regime de direito privado. XI - Assim, compete aos tribunais da ordem administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham, nomeadamente, por objecto as questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público (artigo 4º, nº 1, alínea g), do ETAF). XII Mas igualmente lhe compete a apreciação da responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público (artigo 4º, nº 1, alínea i), do ETAF). XIII - É pela petição inicial deduzida - que contem a causa de pedir e o pedido - que se deve analisar qual o tribunal materialmente competente em razão da matéria.
É certo que o Código de Processo Penal no seu art. 71º, consagra o regime de adesão obrigatória do pedido cível, facultando no entanto a possibilidade de sua dedução em separado, nos casos taxativamente elencados no art. 72º do mesmo diploma legal.
Daqui decorre, que ao demandante civil é conferida a possibilidade de, nos casos expressamente previstos no art. 72º do CPP, ver dirimida a questão cível emergente de crime, num tribunal de jurisdição diferente da penal, mas não estando a isso obrigado fazê-lo.
No entanto o princípio de adesão ao processo penal com fundamento no crime apenas admite a formulação do pedido de indemnização cível no âmbito das relações jurídicas meramente privadas, já não quando o que está em causa são actos praticados no âmbito de funções atribuídas pelo Estado, o que é o caso aqui em discussão, uma vez que os arguidos são demandados na qualidade e por causa das suas funções de militares e, também por esse motivo, se determinou a competência militar deste Tribunal para proceder ao julgamento dos mesmos e não ao tribunal criminal comum.
A este propósito o Tribunal de Conflitos por Ac. de 20-01-2010, proferido no âmbito do conflito 024/09 decidiu que, quanto ao pedido cível enxertado no processo penal, “ … se a responsabilidade for de assacar a um ente administrativo, o Tribunal deve afirmar a sua incompetência em razão da matéria” “  E não releva por isso também no sentido da competência do Tribunal Judicial o princípio da suficiência do processo penal, nos termos do nº3º do C. P. Penal.”
Também não afasta a competência administrativa o facto de ser pedida a condenação solidária de entidades públicas e privadas- A este propósito refira-se o  Ac. do STJ, proferido no âmbito do proc. 934/05.6 TBMFR, proferido em 09-07-2014, in www.dgsi.pt.
Por tudo o exposto, julga-se procedente a excepção dilatória da incompetência material deste Tribunal para conhecer dos pedidos cíveis formulados nestes autos por essa competência estar legalmente atribuída aos tribunais administrativos, e declaro a incompetência absoluta deste Tribunal para conhecer dos pedidos cíveis ao abrigo do disposto no art. 96, nº1, al. a) do CPC e absolvo os arguidos da instância relativamente aos pedidos cíveis formulados ao abrigo do disposto no art. 278º, nº1, al.a) do mesmo diploma.
Ao abrigo do preceituado no art. 119º, al.e) do CPP declara-se nulo o despacho que recebeu os pedidos cíveis, nada mais havendo a declarar nulo uma vez que todos os actos posteriores não se encontram em relação de dependência deste ou foram afectados por essa nulidade, prosseguindo os autos os seus termos no estado em que se encontram.
Notifique.
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É deste despacho que os assistentes discordam e por isso recorrem.
1- Os assistentes F…………………, juntaram a motivação de fls. 118 a 122, onde, definindo o objecto do seu recurso, concluem como vai transcrito:
A.        A questão em debate é de simples enunciação: estando em causa a responsabilidade civil de agentes do Estado, e do próprio Estado, pela ocorrência de condutas consubstanciadoras de práticas criminosas, devem ou não os respectivos pedidos indemnizatórios ser apreciados no âmbito do processo penal que julga tais crimes?
B. O Tribunal entendeu que o julgamento dessa matéria é competência material exclusiva dos tribunais administrativos, por força do que dispõe o art. 212.º, n.º 2, da C.R.P., bem como o art. 4.º, als. f), g), e h), da Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro (doravante E.T.A.F.).
C. Contudo, a competência dos tribunais administrativos para o julgamento das questões da responsabilidade civil extra-contratual do Estado e dos seus agentes, mesmo que derivada de relações jurídicas materialmente administrativas, não constitui uma reserva absoluta, consubstanciando apenas um modelo típico, susceptível de adaptações pela legislação ordinária.
D. Não existe, pois, uma reserva constitucional de competência absoluta dos tribunais administrativos relativamente a todas as acções que tenham a ver com relações jurídico-administrativas, incluindo as referentes à responsabilidade civil extra-contratual por causa de actos ou omissões de agentes do Estado.
E. Resta assim saber se, no domínio da legislação ordinária, o julgamento de pedidos de indemnização civil decorrentes da prática de crimes praticados por agentes do Estado pode ou não ser deduzido no processo penal respectivo.
F. Ora, na lei ordinária, rege o princípio da adesão, previsto no art. 71.° do CP.P., segundo o qual o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo (sem prejuízo das excepções previstas na lei, as quais manifestamente não se verificam no caso presente), a que acresce o princípio da suficiência do processo penal, nos termos do art. 7.° do mesmo código, por força do qual no processo penal resolvem-se todas as questões que interessem à boa decisão da causa.
G. O problema está assim na articulação do art. 71.° do C.P.P. com o art. 4.° do E.T.A.F., ou seja, em se apurar se o princípio da adesão se degrada ou não quanto aos pedidos indemnizatórios formulados pela prática de actos criminosos, ao ponto de impedir a sua apreciação no âmbito do processo penal, impondo – para além da avaliação dos crimes na instância criminal – um novo julgamento num tribunal administrativo para apreciação dos pedidos de indemnização, a quem caberia a repetição do julgamento dos factos criminosos agora apenas para efeitos da determinação da indemnização civil.
H. Ressalvado o devido respeito, só uma visão puramente formal do direito e da justiça é que pode conduzir à resposta que o Tribunal deu a esta questão.
I. É que a articulação dos artigos em causa deve ser feita tendo em conta dois princípios fundamentais:
a) A um tempo, a nível constitucional, o direito ao julgamento da causa em prazo razoável e mediante processo equitativo, o qual seria gravemente postergado com a solução adoptada pelo Tribunal, que levaria a uma verdadeira repetição do julgamento para, no essencial, voltar a discutir a ocorrência ou não da prática dos factos criminosos;
b) A outro tempo, a nível da legislação ordinária, o princípio da suficiência do processo penal, que foi estabelecido precisamente para assegurar a competência do processo penal para julgar todas as questões que interessam à decisão da causa, a não ser quando existam razões substanciais que justifiquem o seu afastamento, o que, in casu, manifestamente não acontece.
J. Pelo exposto, entendemos que a articulação dos preceitos legais em pauta deve levar, em homenagem aos princípios supra mencionados, à admissão dos pedidos de indemnização civil formulados, considerando que o acórdão do Tribunal os interpretou de forma errónea.
K. É por isso que também se entende que o entendimento normativo adoptado quanto ao art. 4.° do E.T.A.F., devidamente conjugado com o art. 71.° do C.P.P., no sentido de que, ocorrendo responsabilidade civil extracontratual do Estado ou dos seus agentes relativamente à prática de crimes por estes eventualmente cometidos, não é admissível deduzir pedido civil enxertado no processo penal que julga tais crimes, regendo um princípio de competência material absoluta dos tribunais administrativos para o seu julgamento, é inconstitucional, por violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva e do direito a um julgamento em prazo razoável e mediante processo equitativo, previstos no art. 20.° da C.R.P..
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2- A assistente L………….., juntou a sua motivação de recurso, de fls.124 a 143 e concluiu como se transcreve:
1. O presente recurso vem interposto do despacho proferido pelo Tribunal a quo em audiência de julgamento no dia 4-10-2018, em que se decidiu materialmente incompetente para o conhecimento dos pedidos de indemnização deduzidos, por para tanto ser competente a jurisdição administrativa, julgando procedente a excepção dilatória de incompetência material e absolvendo da instância, nos termos do art. 96.º, n.º 1, al. a) do CPC, todos os demandados.
2. Nos termos da leitura conjugada dos artigos 407.º, n.º 1, e 408.º, n.º 3, do CPP, o recurso deverá subir em separado e de imediato, com efeitos suspensivos do processo, na medida em que a sua retenção o tornaria absolutamente inútil, desde logo, porque a continuação da produção de prova será levada a cabo sem ter em vista a comprovação dos requisitos de que depende a condenação dos demandados civis (danos e nexo de causalidade adequada entre os factos e o dano), tendo uma eventual procedência do presente recurso que obrigar à repetição das audiências entretanto ocorridas, ou seja, sendo os actos subsequentes, em parte, ineficazes.
3. Por outro lado, pode acontecer, em caso de procedência do presente, que o poder jurisdicional da 1ª instância – por entretanto ter proferido Acórdão – se esgote, caso em que a aquela decisão da procedência só poderá ser executada após uma decisão superior que revogue, em matéria penal, o Acórdão de 1ª instância, situação claramente intolerável.
4. Pelo que, o presente recurso deverá subir de imediato, com efeito suspensivo do processo.
Após o que,
5. Analisada a decisão recorrida, propugna a Recorrente que a mesma deverá ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente a excepção dilatória de incompetência material e, consequentemente, julgue o Tribunal a quo competente para conhecer dos pedidos de indemnização deduzidos, por a tanto obrigar o art. 71.º do CPP e uma interpretação do art. 4.º do ETAF consentânea com os artigos 20.º e 32.º, n.º 2, da CRP e ainda com o art. 6.º da CEDH;
6. Com efeito, há, por um lado, que perceber quais as razões que subjazem à criação de uma jurisdição específica para o julgamento dos litígios emergentes das relações jurídico-administrativas (ex vi art. 212.º, n.º 3, da CRP), e, posteriormente, quais as implicações decorrentes do princípio da adesão plasmado no art. 71.º do CPP, para depois decidir qual o Tribunal materialmente competente, de acordo com o pedido e com a causa de pedir inerente ao pedido de indemnização deduzido pela Recorrente;
7. Razões estas que, apesar de referidas e até aparentemente fundamentadas, incluindo com recurso à jurisprudência, não foram correctamente aplicadas pelo Tribunal a quo;
8. Com efeito, é pacífico, em primeiro lugar, que não existe uma reserva absoluta, mas antes relativa, da competência dos Tribunais Administrativos, no sentido de que os Tribunais comuns também podem aplicar normas de Direito Administrativo e julgar causas que, em princípio, estariam sujeitas à jurisdição administrativa, desde que haja previsão legal nesse sentido.
9. Mas, mais relevante que isso, é a análise no caso concreto da veste em que os agentes ou funcionários do Estado, e o próprio Estado, ainda que a título solidário, são chamados a intervir nestes autos.
10. O que reforça a posição da Recorrente, se em contraponto com a decisão do Tribunal de Conflitos utilizada para fundamentar a decisão recorrida: nesta, as relações jurídicas são reguladas, sob o ponto de vista material, pelo direito administrativo ou fiscal.
11. Ora, pelo contrário, a relação jurídica relacionada com a responsabilidade civil extracontratual não é, in casu, administrativa, mas meramente civil, emergindo de factos com natureza criminal.
12. Assim, por um lado, a competência material do Tribunal a quo não é residual, mas sim principal, porque o Tribunal criminal é aquele que está em melhores condições para conhecer do pedido de indemnização fundado na prática de um crime;
13. e, por outro lado, não subsiste aqui o reduto fundamentador da especialidade da jurisdição administrativa porque o litígio que o Tribunal terá de decidir não convoca uma relação materialmente administrativa, mas sim uma relação de natureza civilista: a relação que se estabelece entre os autores dos factos e os ofendidos é uma relação jurídica civil, ainda que dos mesmos factos possam derivar consequências disciplinares ou administrativas para os arguidos e os actos ilícitos tenham sido praticados no exercício das suas funções;
14. Noutras palavras, a jurisdição administrativa separa-se da comum ou genérica precisamente porque estamos no domínio de uma relação jurídica administrativa, ou seja, aquela em que, à partida, pelo menos uma das partes é uma entidade pública que actua no exercício de um poder de autoridade, e em que se aplicam normas de direito administrativo.
15. In casu, sendo certo que a Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, é uma norma que, a categorizar, cairá no âmbito do direito administrativo, não é menos verdade que a responsabilidade que se pretende assacar é meramente civil, surgindo o Ente público apenas como responsável solidário;
16. Por outro lado, a convivência de normas de direito administrativo e de direito civil deverá ser solucionada com apelo àquelas que no caso concreto são prevalecentes, mas em bloco, e não a que, pela aplicação (i)racional do artigo 4.º do ETAF, acarreta mais prejuízos e encargos para os ofendidos, que terão que enfrentar dois processos judiciais, um na jurisdição comum e outro na jurisdição administrativa, em clara violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva.
17. Paralelamente, há que atentar que no processo penal português vigora o princípio da adesão, por força do qual o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei – cfr. arts. 71.º e 72.º do CPP.
18. Na génese do princípio enunciado, estão subjacentes razões práticas de economia processual – o que facilmente se compreende tendo em consideração que grande parte das questões a apreciar serão as mesmas, quer no que respeita à responsabilidade criminal, quer no que respeita à responsabilidade civil –, assim se evitando a repetição de produção de prova, a realização de diligências repetidas e inúteis, e, inclusivamente, a existência de casos julgados contraditórios, visto que ao serem apreciadas ambas as questões numa só acção, evitam-se decisões contraditórias.
19. Por outro lado, existe uma grande vantagem decorrente deste princípio, vantagem essa que passa pela celeridade na apreciação da responsabilidade civil e, consequente, da obrigação de indemnizar.
20. Isto sem descurar que a competência do Tribunal a quo para o conhecimento do pedido de indemnização não agride nem diminui a competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais porquanto, ainda que a responsabilidade civil subjacente ao pedido cível tenha, como causa remota, a existência de uma relação jurídica administrativa, a causa próxima dessa responsabilidade é, unicamente, uma infracção de natureza criminal.
21. Assim, nem se invoque que a jurisdição administrativa será a mais bem colocada para resolver o litígio sub iudice até porque o regime de responsabilidade extracontratual plasmado na Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, não prevê especiais critérios para a sua apreciação; ao invés, versa mais concretamente sobre a repartição da responsabilidade e sobre a existência do direito de regresso do Estado face aos seus agentes.
22. Tanto que, ainda que o dano se tenha produzido numa actividade dominada por normas de direito administrativo, o pedido indemnizatório formulado em processo crime emerge sempre de uma relação jurídica de natureza meramente cível, isto é, emerge unicamente da relação que se formou entre o agente do crime e os lesados, como consequência da prática da infracção criminal.
23. Não há, por isso, qualquer ofensa ao preceituado no art.º 212.º, n.º 3.º, da CRP e ao art.º 4.º, n.º 1, als. f), g) e h) do ETAF, se o tribunal criminal apreciar o pedido de indemnização cível deduzido contra as pessoas e órgãos referidos nestas últimas normas.
24. Noutras palavras, a qualificação do acto do agente como crime confere à causa de pedir do enxerto cível uma substancial especificidade: o facto jurídico concreto que enforma  essa causa de pedir não é a infracção de uma norma de direito administrativo mas a  infracção de uma norma de natureza criminal, que delimita os elementos objectivos e subjectivos do crime.
25. Deverá prevalecer, pois, no caso concreto, o princípio da adesão, permitindo assim também que se respeite o princípio da suficiência do processo penal, e se reconheça uma verdadeira competência da jurisdição penal para conhecer de todas as questões, que nele se suscitem – no caso, o pedido de indemnização civil, independentemente de os demandados serem agentes ou funcionários do Estado, e o próprio Estado.
26. De facto, os responsáveis cíveis, incluindo os agentes do crime, responderão nos termos da lei civil e não ao abrigo de normas de direito administrativo; portanto a fonte da obrigação indemnizatória é o acto criminoso e não a infracção de norma(s) de direito administrativo;
27. Os critérios da lei civil (de fixação da indemnização) são critérios substantivos de natureza obrigacional, eles não dependem – são efectivamente alheios – da natureza da relação jurídica que disciplina a conduta do agente do crime;
28. Por outro lado, o rito processual da acção cível enxertada no processo penal é definido essencialmente pelo regime da acção penal, não obstante a convocação de vários aspectos processuais cíveis, como sucede com a definição de parte legítima; ainda assim, a sua tramitação é mais simples do que quando em comparação com a acção administrativa, gozando o regime processual do pedido cível enxertado no processo penal de uma ideia de especial protecção do lesado ofendido pela prática do crime.
29. Portanto, qualquer decisão que, pondo em causa o princípio da adesão, e que, como consequência, agrave a posição do lesado, tornando mais difícil, complexa e morosa a  efectivação do seu direito, não pode deixar de reputar-se inconstitucional, sobretudo quando não subsiste o fundamento da remessa da demanda para uma jurisdição especializada.
30. Veja-se que mesmo os casos previstos no art. 72.º correspondem, em regra, a situações em que a opção pela autonomização do pedido cível é do interesse do lesado, traduzindo uma faculdade e não a um dever (entre outros, acórdão do STJ n.º 81/04.8PBBGC.S1 de 18-06-2009).
31. Por fim, mas não menos importante, o Tribunal recorrido parece ignorar que a sua composição não é “comum”, muito menos residual, antes comporta especificidades ou especialidades na sua composição para julgar um crime estritamente militar, pelo que também com base neste argumento será este o Tribunal melhor posicionado para julgar os factos independentemente das consequências que deles se retirem seja uma sanção penal ou uma indemnização cível.
32. E, também por estarmos perante o julgamento de crimes estritamente militares, o processo tem natureza urgente, característica esta que perderá se o pedido de indemnização for julgado no TAF, tudo, uma vez mais, em prejuízo da posição da Recorrente.
33. Pelo que a interpretação feita pelo Tribunal a quo dos artigos 4.º do ETAF e 71.º do CPP dá azo, igualmente, com base num argumento meramente formal, a um processo mais demorado e desrespeitador das garantias dos Arguidos – forçosamente demandados na acção administrativa a intentar – bem como dos ofendidos, demandantes cíveis, em manifesta violação dos artigos 32.º, n.º 2, da CRP e 6.º da CEDH.
NESTES TERMOS, E nos melhores de direito que V. Exas sempre suprirão,
- Deverá o presente recurso ser instruído com os elementos peticionados, com subida imediata e efeito suspensivo do processo;
- Deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida, com as legais consequências.
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3- O assistente R……….., motivou o seu recurso de fls.156 a 159 dos autos, concluindo como se transcreve em seguida:
A. Em apreço a responsabilidade civil de agentes do Estado, e do próprio Estado, pela pratica de factos ilícitos, dos quais resultaram danos passiveis de serem indemnizados, os quais se questiona se devem, ou não, ser apreciados no âmbito do presente processo.
B. O Tribunal entendeu que o julgamento dessa matéria é competência material exclusiva dos tribunais administrativos, por força do que dispõe o art. 212.º, n.º 2, da C.R.P., bem como o art. 4.º, als. f), g), e h), da Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro ( E.T.A.F.).
C. A competência dos tribunais administrativos para o julgamento das questões da responsabilidade civil extra-contratual do Estado e dos seus agentes, mesmo que derivada de relações jurídicas materialmente administrativas, não constitui uma reserva absoluta de competência.
D. Não existe, pois, uma reserva constitucional de competência absoluta dos tribunais administrativos relativamente a todas as acções que tenham a ver com relações jurídico-administrativas, incluindo as referentes à responsabilidade civil
E. Nos termos do princípio da adesão, previsto no art. 71.º do CP.P., segundo o qual o pedido de indemnização civil fundado na prática de um facto ilicito é deduzido no processo penal respectivo, e
F. Nos termos do princípio da suficiência do processo penal, nos termos do art. 7.º do CP.P, por força do qual é no processo penal que se resolvem todas as questões que interessem à boa decisão da causa.
G. Um novo julgamento num tribunal administrativo para apreciação dos pedidos de indemnização, com a repetição do julgamento dos factos, agora apenas para efeitos da determinação da indemnização civil, faria acrescer ónus, encargos e desgaste psicológicos totalmente desnecessários, desproporcionados e incomportáveis para o assistente/demandante ora recorrente.
H. Manter a decisão proferida no Tribunal a quo não é mais de que violar o princípio da tutela jurisdicional efectiva e do direito a um julgamento em prazo razoável e mediante processo equitativo, previstos no art. 20.º da C.R.P.
Nestes termos e nos melhores de Direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso e revogado o despacho proferido pelo Tribunal a quo, com que se fará inteira justiça.
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O Mº.Pº respondeu aos recursos nas fls. 177 a 179 destes autos, concluindo:
(transcreve-se)
1. Contrariamente ao sustentado pelos Recorrentes, os tribunais administrativos são os competentes para apreciar todas as questões relativas à responsabilidade civil extracontratual da Administração em geral, quer os actos sejam praticados no âmbito de um exercício de gestão pública ou de gestão privada, uma vez que o critério assente em actos de gestão pública ou de gestão privada usado na vigência do ETAF de 1984 deixou de relevar decisivamente no âmbito do ETAF vigente.
2. Pretendendo os autores accionar o Estado e seus funcionários no âmbito de responsabilidade civil extracontratual, é a jurisdição administrativa a competente para conhecer da respectiva acção tendo em consideração o disposto no artigo 4.º, n.º 1, al. g) e h), do ETAF.
3. O despacho recorrido aplicou judiciosamente o direito.
4. O despacho recorrido não violou qualquer preceito legal, sendo que os preceitos legais aplicados, foram interpretados e aplicados no sentido previsto na lei e não se afigura que a interpretação levada a efeito enferme de alguma inconstitucionalidade.
10. Nestes termos, deve negar-se provimento aos recursos interpostos e, consequentemente, manter-se o despacho recorrido.
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Neste Tribunal a Ex.m.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seu visto.        
Cumpridos os vistos, procedeu-se a conferência.
Cumpre conhecer e decidir.
II- MOTIVAÇÃO.
O âmbito dos recursos encontra-se delimitado em função das questões sumariadas pelo recorrente nas conclusões extraídas da respectiva motivação, sem prejuízo, no entanto, das questões que sejam de conhecimento oficioso, como se extrai do disposto  no artº 412º nº 1 e no artº 410 nºs 2 e 3 do Código de Processo Penal.
No caso em apreço, o objecto de todos os recursos coloca apenas a questão da competência do Tribunal Criminal (Militar) para julgamento dos pedidos cíveis deduzidos pelos assistentes contra os arguidos e contra o Estado Português. Assim, a nossa análise versará a apreciação conjunta.
Apenas cabe uma referência à questão do efeito do recurso, suscitada apenas pela recorrente L…..
Pugna a recorrente pela aplicação do disposto no nº. 1 do artigo 407 do C.P.P. para efeito de subida do recurso. Mas, não tem razão, a nosso ver. Com efeito, para que se justifique a subida imediata dos recursos, ao abrigo do disposto no nº1 do artº 407º do CPP, é necessário que haja uma situação de absoluta inutilidade do recurso retido, isto é, que o recurso, mesmo que venha a ser provido, já não possa ter qualquer efeito útil na marcha do processo e que esta inutilidade seja causada pela sua retenção. Ora, é manifesto que não é este o caso. Além do mais o recurso foi recebido no despacho de fls. 160 destes autos com efeito devolutivo e subida imediata e não foi impugnado pela recorrente.
Neste tribunal, no despacho liminar mereceu a nossa concordância, pelo que nada há agora a acrescentar.
***
Com relevância para o conhecimento da decisão cumpre anotar:
Os arguidos, demandados nos pedidos cíveis, exercem funções nas Forças Armadas Portuguesas e estão acusados da prática de vários crimes previstos e punidos pelo Código de Justiça Militar, como crimes de abuso de autoridade por ofensa à integridade física, previstos no artigo 93 do C.J.M.- Lei 100/2003 de 15.11 (alt. Lei 2/2004 de 3.1).
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Atentar nas seguintes disposições legais do C.J.M.:
Artigo 2.º
Aplicação da lei penal comum e aplicação subsidiária
1 - As disposições do Código Penal são aplicáveis aos crimes de natureza estritamente militar em tudo o que não for contrariado pela presente lei.
2 - As disposições desta lei são aplicáveis aos crimes de natureza estritamente militar puníveis por legislação de carácter especial, salvo disposição em contrário.
Artigo 107.º
Aplicação do Código de Processo Penal
As disposições do Código de Processo Penal são aplicáveis, salvo disposição legal em contrário, aos processos de natureza penal militar regulados neste Código e em legislação militar avulsa.
Artigo 108.º
Disposições aplicáveis
A competência material, funcional e territorial dos tribunais em matéria penal militar é regulada pelas disposições deste Código, e subsidiariamente pelas do Código de Processo Penal e das leis de organização judiciária.
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Conhecendo, faremos antes um enquadramento jurídico prévio para melhor compreensão da nossa posição sobre a questão colocada em recurso.

Para o Prof. Figueiredo Dias,[1] o direito penal cumpre uma função específica de protecção de bens fundamentais de uma comunidade, que directamente se prendem com a livre realização da personalidade ética do homem e cuja violação constitui o crime.
Como um ramo de direito regulador de relações entre os particulares e o Estado, este enquanto titular e monopólio do “jus puniendi”, assume-se como um direito público que impõe ou proibe certas condutas com vista à protecção de direitos fundamentais- os valores jurídico-criminais.
Um comportamento contrário ao direito, configurará por regra uma conduta ilícita que tanto pode ser passível de reprovação civil como penal. Para fazer a distinção entre ambas já foi utilizado o critério subjectivo, por reporte à culpa (Hegel), mas que perante a sua autonomia da ilicitude, se revelou comum aos dois ramos do direito (tanto o dolo como a negligência são formas da culpa), muito embora no direito civil exista a responsabilidade objectiva, sem culpa. Um outro critério objectivo (Binding) situava a diferença entre o atingir da ordem jurídica geral pelo ilícito criminal e o civil que abrangia apenas direitos subjectivos particulares.
Com Beleza dos Santos ,[2] (citado por Eduardo Correia na obra mencionada), e, numa apresentação mais pragmática, surge o critério da aplicação das sanções criminais quando as civis se mostrassem inaplicáveis ou insuficientes e aquelas não firam o sentimento de justiça geral, possuindo os factos ilícitos aquele mínimo de gravidade que torna aconselhável a repressão penal, quando possuam “dignidade penal”.
No nosso modesto entendimento, cremos que não existe uma diferença ontológica entre o ilícito penal e o ilícito civil, o que, porém já não se verifica na parte sancionatória. O ilícito civil tem como consequências jurídicas a execução coerciva, a obrigação de indemnização, a restituição ou ainda a nulidade do acto; já o ilícito de natureza penal tem como consequência a aplicação de uma pena ou de uma medida de segurança ao autor do facto e que, em regra o afecta pessoalmente. Dito de uma forma mais simplista, a sanção civil implica sobretudo a reparação à vítima do dano/prejuízo causado pelo acto ilícito, a penal visa um “castigo” com vista à prevenção da prática de futuros crimes e ainda à recuperação do agente criminoso, para que não volte a delinquir.
Como refere Germano Marques da Silva [3] “ a sanção civil é essencialmente um remédio, ainda que possa secundariamente exercer uma função de repressão e de prevenção, enquanto a sanção criminal é sobretudo um castigo, pois já nada remedeia, e tem por função principal a prevenção de futura criminalidade.”
Concluindo-se assim, podemos dizer que, ambos os ilícitos verificados, ainda que, autónomos entre si, podem os dois causar danos patrimoniais e não patrimoniais no lesado e no ofendido.  Estes danos merecem a protecção legal e são assim passíveis de indemnização. São de vária natureza: patrimonial, não patrimonial, futuros, lucros cessantes etc.
No âmbito da reparação por ilícito penal  ( e é disso que se trata no caso) é hoje considerado pela doutrina vigente e pela jurisprudência dominante, que não pode ser mais equacionada como uma sansão reparatória penal, assumindo antes foro de uma verdadeira indemnização por danos causados pela conduta criminosa ao lesado.
É que a indemnização civil fundada na prática de um crime é um instituto encarado pela nossa doutrina, pela Lei e pela jurisprudência, como de natureza exclusivamente civilística. Simplificando, diremos que a prática de um crime (quem quer que seja o seu agente) gera junto dos Tribunais a formulação de dois pedidos diferentes: um de natureza criminal, justificando a censura penal do autor/agente criminoso e outro de natureza cível para que os lesados com a conduta criminosa sejam indemnizados pelos danos materiais e não patrimoniais sofridos.
E, na apreciação e julgamento desta questão, dentro dos vários sistemas jurídicos europeus, encontramos:[4]
o sistema independente, aquele em que a reparação deve ser feita através do processo civil;
o sistema alternativo, onde, por opção do lesado a reparação pode ser feita no processo civil ou no processo penal e
o sistema da adesão obrigatória , em que no processo penal é também dirimida a questão da reparação cível.
É este último modelo o que foi adoptado pelo nosso ordenamento jurídico.
No entanto uma coisa é certa, ambas as responsabilidades, penal e civil, se fundam no mesmo facto natural ou “pedaço de vida”.
No que em particular diz respeito ao nosso ordenamento jurídico, com assento no princípio da adesão obrigatória, poder-se-ão apontar como vantagens: a celeridade processual, decorrente da própria tramitação; a economia de meios de prova; a maior amplitude do sistema investigatório, a economia de custos de natureza pecuniária, a eliminação do risco da oposição de julgados; por outro lado, o próprio julgador conseguirá apreender a globalidade das questões com maior compreensão da realidade em causa. Como desvantagens são normalmente apresentadas através das críticas dirigidas ao facto de estarem em causa diferentes responsabilidades, a civil e a penal, e de estas terem diferentes critérios de apreciação, diferentes objectivos e, até diferentes sujeitos processuais, bem como o risco de se verificar alguma “pressão” da parte sancionatória criminal sobre a decisão da reparação civil, muito embora, também no sistema independente pode ocorrer que a absolvição verificada no processo crime influencie de forma negativa o sucesso da posterior acção da jurisdição civil, posto que os factos, a realidade da vida é a mesma e foi já objecto de apreciação anterior.
Na realidade e, no nosso País,
Optando o legislador,  pela adesão obrigatória da acção cível no processo penal, teve em consideração razões de ordem económica (processual), de uniformização de julgados, de celeridade na reparação dos danos.[5]
Perseguindo estes princípios permite-se (artº. 73 do C.P.P.) aos responsáveis meramente civis que intervenham no processo crime através do seu chamamento ou da intervenção voluntária, mantendo no processo uma posição idêntica à do arguido (artº. 74 nº. 4 do C.P.P.).Estão nesta situação, os titulares dos órgãos, funcionários, agentes do Estado e outras entidades públicas que devam responder pelos danos causados pela prática de actos ilícitos no exercício das suas funções e por causa delas, o que resulta actualmente do disposto na Lei 67/2007 de 31 de Dezembro, alterada pela Lei 31/2008 de 17 de Julho.
Poderá então, aqui questionar-se sobre a competência do Tribunal especializado no processo criminal para apreciação do pedido cível, nomeadamente quando figurem como responsáveis entidades públicas administrativas ou o próprio Estado.[6] 
Conforme resulta do que se acha disposto nos artigos 211 da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente no nº. 1 daquela norma, bem como do disposto no artigo 26 nº. 1 da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais -Lei nº. 52/2008 de 28 de Agosto- (e, actualmente no artigo 40-1 da Lei 62/2013 de 26 de Agosto) e do artigo 66 do Código de Processo Civil, o critério utilizado para aferir a competência material de um tribunal é um critério que podemos chamar de residual, ou seja, toda a causa que não for por Lei atribuída a determinada jurisdição especial é da competência do Tribunal Comum. Porém, o nº. 3 do artigo 212 da Constituição reconhece competência aos tribunais administrativos e fiscais para as acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais; o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais- Lei nº. 13/2002 de 19 de Fevereiro- (14ª versão - a mais recente -DL n.º 214-G/2015, de 02/10), no seu artigo 4º, alíneas g) e h) define a esta jurisdição administrativa e fiscal a apreciação da responsabilidade extracontratual das pessoas colectivas de direito público e dos titulares de órgãos, funcionários e agentes e demais servidores públicos. [7]
Como fixar esta competência no caso que nos ocupa, resulta a nosso ver, e, perante o princípio da adesão obrigatória, fundamentalmente, da forma como o pedido civil for formulado e não apenas do conhecimento (pela via da intervenção prevista no artigo 73 do C.P.P.) da existência de entidades públicas responsáveis.[8]  Ou seja, em que medida as questões suscitadas pela relação jurídica emergente da prática de um acto ilícito, criminal, gerador de responsabilidade civil se pode integrar na noção de litígio emergente de uma relação jurídica regida pelo direito administrativo. Respondemos, da nossa perspectiva, que o critério identificador da ordem administrativa não se pode reconduzir a uma perspectiva de ordem subjectiva, atendendo apenas à qualidade dos sujeitos, ou, como no caso, de um dos sujeitos (o Estado),[9] Como parece ter ocorrido no despacho sob recurso. É que existe uma uniformidade de conduta criminosa, enquanto acto naturalístico e mesmo jurídico, mas com protecção do lesado através de mais do que um regime para reparação do seu dano, mas cada um com a sua teleologia própria. Assim, na unidade da conduta criminosa, e, sobretudo por força do princípio da adesão obrigatória, corresponderá a unidade do pedido de indemnização.
Por seu turno o artigo 22 da Constituição da R.P. (Responsabilidade das entidades públicas) regula que: O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.
A nossa jurisprudência do mais alto tribunal, tem vindo a entender que estando em causa uma situação de responsabilidade civil extracontratual baseada em factos constitutivos de ilícito de natureza criminal, (cfr. disposições aplicáveis e acima citadas) os quais constituam a causa de pedir da acção cível enxertada no processo penal, por virtude, por exemplo, de o arguido ter praticado os factos no exercício de funções em Organismo Público, pessoa colectiva de direito público, não impede o seu conhecimento pelo Tribunal comum ou pelo Tribunal Criminal onde esteja a ser tramitada a acção penal.
Como sustenta Germano Marques da Silva,[10]  “Sucede é que o pedido de indemnização civil, a deduzir no processo penal, há-de ter por causa de pedir os mesmos factos que são também pressuposto da responsabilidade criminal e pelos quais o arguido é acusado. A autonomia da responsabilidade civil e criminal não impede, por isso, que, mesmo no caso da absolvição da responsabilidade criminal, o tribunal conheça da responsabilidade civil que é daquela autónoma e só por razões processuais, nomeadamente de economia e para evitar julgados contraditórios, deve ser julgada no mesmo processo.”
Na verdade, uma questão fundamental será a de saber se deveremos olhar apenas ao bem fundado pedido cível, independentemente da natureza da responsabilidade que lhe subjaz, abarcando não apenas os casos de responsabilidade aquiliana e de responsabilidade objectiva, mas também outros casos, como o da responsabilidade contratual, em que o pedido cível se pode basear na violação de uma relação creditícia, ou se pelo contrário, o bem fundado do pedido cível se deve confinar à responsabilidade extracontratual ou aquiliana, ou objectiva, com exclusão da responsabilidade contratual.
Chamado a resolver o conflito suscitado por dois acórdãos da Relação de Coimbra, que preconizavam soluções opostas para a questão, o Supremo Tribunal de Justiça proferiu acórdão uniformizador de jurisprudência em 17-06-1999.
Aí fixou a seguinte jurisprudência: “Se em processo penal for deduzido pedido cível, tendo o mesmo por fundamento um facto ilícito criminal, verificando-se o caso previsto no artigo 377º n.º 1, do Código de Processo Penal, ou seja, a absolvição do arguido, este só poderá ser condenado em indemnização civil se o pedido se fundar em responsabilidade extracontratual ou aquiliana, com exclusão da responsabilidade civil contratual”. [11]
Em suma.
São os mesmos, os factos que consubstanciam a responsabilidade criminal e a responsabilidade civil, havendo apenas, que acrescentar, que em relação a esta última haverão de verificar-se ainda os factos que indicam o dano e o nexo causal entre o dano e o facto ilícito. 
E, mais uma vez em prol de uma economia de meios e custos e de uma maior celeridade e oportunidade de justiça, quando em caso de absolvição ou extinção do crime o processo prossegue para apreciação e decisão do pedido cível ali deduzido em nome do princípio da adesão obrigatória.
Ora, no caso e, não obstante se nos apresentar como lesante uma figura que nas suas relações jurídicas se regula pelo direito administrativo, tal situação não basta por si, para se entender da incompetência do Tribunal comum, criminal, para a apreciação do pedido indemnizatório fundado na responsabilidade civil emergente da conduta crime. Para além da insuficiência deste critério, há que cumprir o princípio da adesão obrigatória da dedução do pedido para ressarcimento dos danos resultantes da conduta criminosa, no âmbito processual do procedimento criminal, isto é, há que considerar correcta a dedução dos pedidos de indemnização formulados, com a devida competência material do Tribunal de julgamento da conduta típica crime.

III-DECISÃO
Nestes termos, acordam os Juízes da 9ª Secção Criminal desta Relação de Lisboa em dar provimento aos recursos dos assistentes, declarando-se a competência do Tribunal Criminal (Militar) para julgamento das questões relativas aos pedidos de indemnização civis, deduzidos no processo.
Elaborado em computador e revisto pela relatora (art.º 94º/2 do CPP).                                           


[1]   Direito Processual Penal, I, p.23.
[2]   Lições,p.79 e ss.
[3]  O direito penal e outros ramos do direito- Direito Penal, I, 139.
[4] Com algumas nuances, nomeadamente no que respeita a opção das partes, encontramos o sistema Alemão, que no artigo 403 do Código de Processo Penal consagra à pessoa ou ao seu herdeiro legal, a dedução do pedido de indemnização no processo penal; o mesmo encontramos na legislação Italiana, no artigo 23 do Código de Processo Penal; Já a França ( artigo 3º do Código de Processo Penal) e a Espanha (artigo 109 do Código Penal) impõem também o sistema de adesão numa fórmula muito semelhante à do nosso ordenamento jurídico, muito embora sem o cunho da obrigatoriedade; no sistema brasileiro vigora o dito sistema independente, sendo dada força executiva ao caso julgado no processo crime, a acção de ressarcimento tem de ser proposta na jurisdição civil, como consta dos artigos 63 a 68 do Código de Processo Penal daquele País.
Naturalmente que, em qualquer deles se encontrarão vantagens e desvantagens. (Tese apresentada pela Relatora na pós graduação de direito da medicina)
[5] Artigo 71.º
Princípio de adesão
O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.
[6] (Sem prejuízo, naturalmente, da aplicação das regras da competência dos tribunais, para o que releva a forma como o autor configura o seu pedido, na vertente do pedido e da causa de pedir em todo o circunstancialismo descrito no processado- Ac. STJ. De 6/11/2008, de 13/3/2008, de 11/10/2005 e de 3/12/2009- c.j. de Ac. do S.T.J. , t.III 2008 e 2005 respectivamente, e em dgsi.pt o último citado.
Manuel de Andrade- Noções Elementares de Processo Civil, 1963, p.88.)
[7] Artigo 4.º
Âmbito da jurisdição
1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a:
a) Tutela de direitos fundamentais e outros direitos e interesses legalmente protegidos, no âmbito de relações jurídicas administrativas e fiscais;
b) Fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos emanados por órgãos da Administração Pública, ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal;
c) Fiscalização da legalidade de atos administrativos praticados por quaisquer órgãos do Estado ou das Regiões Autónomas não integrados na Administração Pública;
d) Fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos praticados por quaisquer entidades, independentemente da sua natureza, no exercício de poderes públicos;
e) Validade de atos pré-contratuais e interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes;
f) Responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público, incluindo por danos resultantes do exercício das funções política, legislativa e jurisdicional, sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 4 do presente artigo;
g) Responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes, trabalhadores e demais servidores públicos, incluindo ações de regresso;
h) Responsabilidade civil extracontratual dos demais sujeitos aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas coletivas de direito público;
i) Condenação à remoção de situações constituídas em via de facto, sem título que as legitime;
j) Relações jurídicas entre pessoas coletivas de direito público ou entre órgãos públicos, reguladas por disposições de direito administrativo ou fiscal;
k) Prevenção, cessação e reparação de violações a valores e bens constitucionalmente protegidos, em matéria de saúde pública, habitação, educação, ambiente, ordenamento do território, urbanismo, qualidade de vida, património cultural e bens do Estado, quando cometidas por entidades públicas;
l) Impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo;
m) Contencioso eleitoral relativo a órgãos de pessoas coletivas de direito público para que não seja competente outro tribunal;
n) Execução da satisfação de obrigações ou respeito por limitações decorrentes de atos administrativos que não possam ser impostos coercivamente pela Administração;
o) Relações jurídicas administrativas e fiscais que não digam respeito às matérias previstas nas alíneas anteriores.
2 - Pertence à jurisdição administrativa e fiscal a competência para dirimir os litígios nos quais devam ser conjuntamente demandadas entidades públicas e particulares entre si ligados por vínculos jurídicos de solidariedade, designadamente por terem concorrido em conjunto para a produção dos mesmos danos ou por terem celebrado entre si contrato de seguro de responsabilidade.
3 - Está nomeadamente excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto a impugnação de:
a) Atos praticados no exercício da função política e legislativa;
b) Decisões jurisdicionais proferidas por tribunais não integrados na jurisdição administrativa e fiscal;
c) Atos relativos ao inquérito e instrução criminais, ao exercício da ação penal e à execução das respetivas decisões.
4 - Estão igualmente excluídas do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal:
a) A apreciação das ações de responsabilidade por erro judiciário cometido por tribunais pertencentes a outras ordens de jurisdição, assim como das correspondentes ações de regresso;
b) A apreciação de litígios decorrentes de contratos de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa coletiva de direito público, com exceção dos litígios emergentes do vínculo de emprego público;
c) A apreciação de atos materialmente administrativos praticados pelo Conselho Superior da Magistratura e seu Presidente;
d) A fiscalização de atos materialmente administrativos praticados pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
[8] Sem prejuízo, naturalmente, da aplicação das regras da competência dos tribunais, para o que releva a forma como o autor configura o seu pedido, na vertente do pedido e da causa de pedir em todo o circunstancialismo descrito no processado- Ac. STJ. De 6/11/2008, de 13/3/2008, de 11/10/2005 e de 3/12/2009- c.j. de Ac. do S.T.J. , t.III 2008 e 2005 respectivamente, e em dgsi.pt o último citado.
Manuel de Andrade- Noções Elementares de Processo Civil, 1963, p.88.
[9] Cabe aqui referir que a jurisprudência citada no despacho recorrido não tem semelhança com o caso vertente, mantendo apenas a apreciação do caso no âmbito do direito civil (onde não aparece o princípio da adesão obrigatória do p.penal) sem intervenção criminal.
[10]   Curso de Processo Penal, 1996, volume I, p.111
[11]  Tal acórdão foi publicado no D.R., I-A, n.º 179, de 03-08-99, sob a designação de “Assento n.º 7/99” e no BMJ 488, 49.