Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
906/17.8T8LSB.L1-2
Relator: ARLINDO CRUA
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO
DEVER DE INFORMAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: JULGAMENTO ANULADO
Sumário: –os contratos de intermediação financeira, traduzindo efectivos negócios jurídicos celebrados entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor) relativos à prestação de actividades de intermediação financeira, pressupõem a existência de um negócio antecedente – designado normalmente como negócio de cobertura – que serve de base à subscrição ou transacção de valores mobiliários (acções, obrigações, unidades de participação, entre outros), assumindo-se estas operações como negócios de execução da relação de cobertura ;

–segundo os princípios e directivas do Código dos Valores Mobiliários, a actividade dos intermediários financeiros deve regular-se pela bússola que acautela a protecção dos legítimos interesses dos seus clientes, com observância das exigências e directivas da boa fé, de acordo com elevados padrões de lealdade e transparência ;

–O artº. 312º do Cód. dos Valores Mobiliários (redacção vigente à data dos factos) prevê o núcleo base ou essencial dos deveres informativos que oneram o intermediário financeiro, o qual se traduz no dever de prestação de toda a informação necessária para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, devendo a extensão e profundidade ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimento e experiência do cliente, o que implica a consagração do denominado princípio da proporcionalidade inversa ;

–tendo sido a Autora devidamente informada que o produto financeiro que lhe estava a ser proposto se tratava de uma Obrigação e, sendo a mesma licenciada em economia ou gestão de empresas, desempenhando, à altura, funções de Directora Financeira numa empresa, certamente que não podia desconhecer a natureza daquele produto ;

–pelo que, a referência que lhe foi feita de que o mesmo era semelhante e tinha características similares às de um depósito a prazo, só que melhor remunerado, com capital garantido, tem que ser analisada em tal contexto, bem como a alusão à alegada segurança do produto proposto e ao facto do mesmo possuir capital garantido, pois, não se olvide que a entidade emitente das Obrigações em colocação era, na realidade, a dona do próprio Banco, daí derivando a referência que era efectuada de que se tratava de um produto com a garantia Banco, sendo crença dos próprios funcionários bancários do balcão que propôs a aquisição á Autora de que tal produto era seguro e que não oferecia qualquer risco aos seus subscritores ;

–não sendo susceptível de reconhecer-se, nestes factos, violação do dever de informação perante a cliente bancária Autora, isto é, que tenha sido omitido qualquer dever geral de actuação segundo as regras da boa fé, quer em termos pré-contratuais, quer mesmo em termos de responsabilidade contratual ;

–todavia, tal juízo já não é extensível à omissão de informação de que tais Obrigações tinham natureza subordinada, pois a referência a tal modalidade e natureza da obrigação configura-se, de forma manifesta, com carácter essencial ou primordial. Com efeito, não estamos perante uma informação de somenos importância, pois tal colide com o grau de protecção concedido ao titular da mesma, tanto mais premente in casu quando estamos perante uma obrigação menos favorável à pretensão dos obrigacionistas, na medida em que, em caso de insolvência da entidade emitente, os titulares de tais obrigações apenas serão reembolsados depois dos demais credores de dívida não subordinada ;

–na adopção da teoria da causalidade adequada, incumbia à Autora, nos quadros do artº. 563º, do Cód. Civil, a prova do nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja, que se tivesse sido informada, por completo, da totalidade das características do produto financeiro que lhe foi proposto, nomeadamente da natureza subordinada das Obrigações em venda, o que poderia ter sido efectuado mediante a exibição ou entrega da nota informativa e/ou da informação existente a nível interno, não teria adquirido a Obrigação, mediante a entrega da quantia monetária despendida ;

–pois, apesar da prova da situação configurada como facto ilícito - a prestação, por omissão, de errónea informação, nomeadamente no que concerne à natureza subordinada da Obrigação -, esta circunstância poderá não ter sido causal da subscrição efectuada e consequente dano, ou seja, pode conceber-se que ainda que tal informação tivesse sido prestada de forma completa, isto é, que as obrigações propostas tinham aquela natureza, a Autora poderia, ainda assim, ter subscrito a Obrigação.

Sumário elaborado pelo Relator – cf., nº. 7 do artº. 663º, do Cód. de Processo Civil
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]:

              
I–RELATÓRIO:


1– ME…, residente na Rua D…, nº…, - B…, - F…F…, comarca de C…., intentou acção declarativa sob a forma de processo comum contra Banco D……, S.A., deduzindo o seguinte petitório:
- ser o Réu condenado a restituir e a pagar à Autora a quantia de € 55.897,81 (cinquenta e cinco mil oitocentos e noventa e sete euros e oitenta e um cêntimo), acrescida de juros à taxa supletiva legal para as operações comerciais, contados sobre a quantia de €50.000,00 (cinquenta mil euros), desde a citação e até integral e efectivo pagamento, bem como em custas e em procuradoria condigna.

Fundamentou o alegado, essencialmente, no seguinte:
– a Autora, como investidora não qualificada e cliente do Banco Réu, que na altura se designava C…., em Abril de 2006, recebeu um telefonema de um funcionário da agência L…. Banco réu, dizendo-lhe que o Banco tinha um novo produto totalmente seguro, idêntico nas suas condições a um depósito a prazo, e que lhe permitia auferir uma taxa de juro superior ;
– na altura, a Autora tinha no Banco réu dois depósitos a prazo, um no montante de €10.000,00 (dez mil euros) e outro no montante de €40.000,00 (quarenta mil euros), os quais totalizavam a quantia de €50.000,00 (cinquenta mil euros) ;
– Mais lhe referiu o sobredito funcionário que se tratava de um produto com muita procura, o qual lhe proporcionaria um rendimento bem superior ao de um depósito a prazo que tinha ali no Banco, pelo que lhe aconselhava a compra de 1 obrigação S….-2…, no valor de €50.000,00 ;
– A Autora deixou-se convencer, apesar de ser uma pessoa avessa a qualquer tipo de jogo ou risco, só aceitando a subscrição do título aqui em causa porque lhe foi afiançado pelo Banco réu que o retorno da quantia subscrita era garantido pelo próprio Banco, uma vez que se tratava de um sucedâneo melhor remunerado de um depósito a prazo, com semelhantes características;
– Não lhe foi entregue qualquer nota informativa da operação, tendo-lhe mencionado os funcionários do Banco Réu que se tratava de um produto sem qualquer risco e que podia ser resgatado a qualquer altura ;
– Tendo-lhe, ainda, sido assegurado que não obstante tratar-se de obrigação a dez anos, esta poderia, querendo, resgata-la a qualquer altura, com o que apenas sofreria, como sucede nos depósitos a prazo, uma penalização nos juros ;
– Isto porque a Autora, para além de não pretender especificamente subscrever qualquer aplicação que comportasse risco, ainda que mínimo, apenas estava disposta a aceitar subscrever uma aplicação em que a recuperação do valor fosse segura a 100%, além de poder ser resgatada a qualquer altura ;
– Nunca a autora teria aceitado subscrever 1 obrigação “S….-2…”, se lhe tivessem sido bem explicadas as características do produto que lhe estava a ser vendido e, sobretudo, se lhe tivessem sido mostrados os documentos n.ºs 6 e 7, nomeadamente nos capítulos “REEMBOLSO ANTECIPADO”; “LIQUIDEZ” e “SUBORDINAÇÃO”, bem como a ausência de garantia do Banco à subscrição, ainda por cima estando em causa uma diferença de menos de 2% na taxa de juro nominal ;
– Enquanto houve lugar ao pagamento de juros pela G.…,……,S.A., que sucedeu à S….–S……,S.A., o mesmo sempre teve lugar por intermédio do Banco Réu, o que sucedeu até Abril de 2015 ;
– Deste modo, por via da força da garantia dada, da omissão da informação correcta   acerca   da   exacta   posição  da autora  perante  a “S….–S……,S.A: ” e da exacta intervenção do Banco
réu, que violou os mais elementares deveres de informação, constituiu-se este na obrigação de indemnizar o cliente pelos prejuízos causados, nos termos do artigo 798.º do C. C. ;
– A “G….,……,S.A.” foi, entretanto, declarada insolvente por sentença, de 29/06/2016, proferida pelo Tribunal da Comarca de Lisboa, 1.ª Secção de Comércio-J4, no âmbito do processo número 23449/15.0T8LSB, sem que tivesse sido paga a obrigação dos autos ;
– A declaração de insolvência levará à liquidação do ativo da devedora, sendo certo que, por o crédito da autora ser um crédito subordinado, esta só receberá alguma coisa depois de todos os credores comuns terem recebido a totalidade do seu crédito, o que seguramente nunca acontecerá ;
– Por estes motivos, a autora desinteressou-se por completo do recebimento de quaisquer quantias por parte da“G….,……,S.A.” ;
– E, por essa razão, demanda neste processo apenas o Banco réu, de quem exige o pagamento da quantia que lhe é devida ;
– Ora, o Banco réu, numa postura altamente censurável, não obstante várias interpelações feitas pela autora no seu balcão, recusa-se a restituir-lhe a quantia que lhe foi confiada ;
– Invocando que é a “S….–S……,….,S.A.”, actualmente “G….,...…,S.A.”, com quem a autora nunca celebrou qualquer negócio, a única responsável pelo pagamento desse valor ;
– O Banco réu ainda tem, na sua posse, o título objecto da presente causa, pelo que poderá, querendo, exercer os direitos correspondentes ao mesmo junto da “G….,……,S.A.” ;
– E a Autora só aceitou subscrever uma obrigação S….-2… sob o compromisso expresso do “C…." recomprar a obrigação na data acordada, pelo valor da compra, pagando juros por esse valor e pelo período correspondente, à taxa pré-estabelecida ;
– A obrigação de indemnização decorrente da violação dos apontados deveres de informação, lealdade e protecção move-se forçosamente no âmbito da responsabilidade contratual ;
– Constituiu-se, assim, o Banco réu na obrigação de indemnizar, nos termos do disposto no artigo 798.º do C.C. e no artigo 304.º-A do C.V.M. ;
– A referida indemnização abrange o dano emergente e o lucro cessante, ou seja, os valores entregues pela autora (capital) e os juros de mora, contados a partir da citação.

2–Citado o Réu, veio o contestar, invocando:
– A ineptidão da petição inicial por ininteligibilidade da causa de pedir ;
– A prescrição do direito da Autora, por já ter decorrido o prazo de 2 anos a contar do conhecimento da conclusão da operação de transacção por parte do intermediário financeiro ;
– A excepção peremptória de abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium ;

E impugnando, aduzindo, em súmula, que:
– As Obrigações-S....-2… foram emitidas,  como  o próprio  nome  indica,  pela S....,……,S.A., sociedade que era titular de 100% do capital social do Banco-R. ;
– Participação que deteve de forma permanente até Novembro de 2008, altura em que foi nacionalizada ;
– Vale isto por dizer que já qualquer obrigação é tendencialmente um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente, com garantia de capital, no sentido de que o seu valor de reembolso não sofre variações de natureza especulativa ou sequer que resultem de qualquer tipo de negociação ;
– E cujo único risco é o risco geral do incumprimento, existente em todos os contratos ;
– A esta segurança acrescia, no caso concreto, o facto de a entidade emitente ser “mãe” do Banco, sendo este necessariamente, um garante da solvabilidade daquela, por ser o principal activo do seu património ;
– Pelo que dificilmente haveria um produto financeiro tão seguro ou conservador como a subscrição daquelas obrigações ;
– Tal produto era efectivamente seguro e de baixíssimo risco, tendo o incumprimento acabado por ser determinado por circunstâncias imprevisíveis e anormais ;
– À data da subscrição, mesmo uma situação de insolvência da S.... implicaria, necessariamente, uma prévia insolvência do próprio Banco, por ser um seu activo ;
– Pelo que, também por aqui, o risco da aplicação era semelhante ao de um depósito bancário no próprio Banco ;
– Sendo que nenhuma informação falsa foi transmitida à Autora ;
– O produto era conservador e de risco equivalente ao do próprio Banco, pelo que encaixava perfeitamente no perfil de investidor da Autora ;
– O gestor explicou à Autora a natureza do produto, que a sociedade emitente era a sociedade-mãe do Banco, pelo que se tratava de um produto naturalmente seguro, com um nível de risco equivalente ao do próprio Banco ;
– As condições do produto foram-lhe explicadas, acompanhadas da respectiva nota técnica, o que a Autora compreendeu de forma exaustiva ;
– Tendo dado ordem expressa para a subscrição dos ditos instrumentos financeiros ;
– Ademais, nunca a Ré disse á Autora que o Banco garantiria fosse o que fosse quanto ao cumprimento  ou incumprimento  das obrigações da S.....
Conclui, no sentido da improcedência da acção e, por tal via, pela sua consequente absolvição do pedido.

3– Por despacho de fls. 118 e 119, datado de 20/03/2017, nos termos dos artigos 3º, nº. 3 e 6º, ambos do Cód. de Processo Civil, determinou-se a notificação da Autora para se pronunciar, querendo, no prazo de 10 dias, sobre as excepções arguidas na contestação.
4– Notificada, veio a Autora pronunciar-se sobre as excepções deduzidas – cf., fls. 122 a 125 -, negando a existência de nulidade principal por ineptidão da petição inicial, que existe dolo ou culpa grave na actuação do Réu, pelo que o prazo prescricional é de 20 anos, nos termos do artº. 309º, do Cód. Civil e negando a existência de qualquer abuso de direito.
Conclui, pela improcedência das excepções deduzidas, devendo os autos prosseguir os seus ulteriores trâmites.

5– Fixado o valor da causa e dispensada a realização de audiência prévia, foi indeferida a suscitada nulidade principal por ineptidão da petição inicial, saneados os autos, relegada para final o conhecimento da excepção peremptória de prescrição e fixados o objecto de litígio e os temas de prova.
Foram, ainda, apreciados os requerimentos probatórios e designada data para a audiência final.

6– Foi realizada a audiência de julgamento, conforme resulta da acta de fls. 155 e 156, com observância do formalismo legal, após o que, em 18/09/2017, foi proferida SENTENÇA – cf., fls. 157 a 180 -, figurando no dispositivo o seguinte:
“Pelo exposto, decido julgar improcedente a acção e, consequentemente absolvo a ré do pedido formulado pela Autora.
Custas pelos AA.
Notifique e registe”.

7– Inconformada com o decidido, a Autora interpôs recurso de apelação, em 16/10/2017, por referência à decisão prolatada.

Apresentou, em conformidade, a Recorrente as seguintes CONCLUSÕES (que, apesar da sua extensão, ora se transcrevem):
“A.– Não é aceitável e nem sequer é defensável que se considere que um banco presta informação verdadeira, atual, clara e objetiva quando vende a investidores não qualificados, simples aforradores, uma obrigação subordinada, dizendo aos clientes que se trata de um produto semelhante a um depósito a prazo.
B.– Reputa-se, quase como um facto público e notório, o modus operandi do Banco réu nas relações que mantinha com os seus clientes, o qual consistiu em seduzir meros aforradores com produtos financeiros com remuneração superior à comummente praticada por outros operadores financeiros.
C.– E, em ordem a esse desiderato, convencerem tais aforradores que os produtos vendidos eram meros sucedâneos de depósito a prazo, mobilizáveis a qualquer tempo, com eventual perda de juros, o que na realidade não era verdade.
D.– Sendo certo que a douta sentença recorrida assim também o considerou.
E.– Os depoimentos de AA… e BB…, deixam claro que a ficha técnica não era, por norma, entregue aos clientes e que não foi entregue á ora recorrente.
F.– Segundo as regras da repartição da prova, competia ao Banco réu demonstrar que tinha entregue tal documento à autora, na altura da subscrição
G.– A al. a) dos factos não provados deveria ter merecido a resposta de “provada”.
H.– A al. c) dos factos não provados também devia ter merecido a resposta de “provada”, pois a tanto o  impunham os  depoimentos  das  testemunhas AA… e BB….
I.– Se o próprio gestor de conta da autora lhe garantiu que o produto era garantido pelo Banco, se ele próprio estava convencido desse facto, não se pode afirmar que a autora não foi enganada aquando da aquisição da obrigação dos autos.
J.– Foi essa a informação que lhe foi prestada pelo seu gestor de conta, era essa a informação que todos os funcionários do Banco réu haviam recebido, na altura, dos seus superiores hierárquicos e era essa confiança que transmitiam, depois, aos seus melhores clientes, conhecidos, amigos… Os factos em causa foram elencados no ponto 1 dos temas da prova
K.– Os factos alegados nos &s 13.º e 14.º, factos esses que foram elencados no ponto 1 dos temas da prova, não foram impugnados pelo réu na sua contestação, pelo que não podiam os mesmos deixar de ter sido elencados na lista dos factos provados.
L.– O tribunal a quo em vicio de apreciação e valoração da prova.
M.– Os contratos de intermediação financeira encontram-se sujeitos ao regime geral da atividade de intermediação financeira, incluindo os variados deveres gerais que impendem sobre os intermediários financeiros.
N.– A relação de confiança que se estabelece entre o intermediário financeiro e o cliente releva, para efeitos de responsabilidade contratual, se ocorrerem danos em virtude de falta de informação detalhada fornecida pelo intermediário, ao nível habitualmente atingido pela prestação, no âmbito da relação estabelecida.
O.– No caso de o cliente não ser um investidor institucional ou experiente, carece objetivamente de particular proteção, nomeadamente em termos de informação.
P.– A recomendação é apenas uma subespécie do conselho. Traduz-se na comunicação das boas qualidades acerca de uma pessoa ou de uma coisa, com a intenção de, com isso, determinar aquele a quem é feita a algo.
Q.– A atividade de recolha e difusão de informação pode ser lesiva para outrem, nomeadamente para o cliente, se a informação prestada for falsa ou deficiente, e tiver levado o seu destinatário a tomar decisões que, a final, se revelam danosas para si.
R.– Se os Bancos espontaneamente decidirem prestar informação aos clientes, deverão responder pela sua veracidade, uma vez que, em face da competência profissional no Banco, a simples prestação da informação envolve uma garantia de exatidão da informação prestada.
S.– A prestação de informação pelo Banco nunca é desinteressada, uma vez que é prestada para instituição de futuras relações contratuais e a sua falsidade, mesmo que resultante de negligência, constitui uma forma de violação da boa-fé.
T.– Nas relações entre o Banco e o cliente, sempre que não exista uma relação negocial que corresponda a uma efetiva obrigação de informação, existe uma relação de confiança de onde resulta um dever específico de veracidade das informações espontaneamente prestadas.
U.– Quando o Banco presta informações motu proprio fica obrigado a agir com a correção, a veracidade e a prudência que lhe são exigíveis por força da sua condição específica de profissional habilitado para o exercício da atividade, por força da confiança que tal facto inspira no cliente.
V.– Sempre que se verifique uma situação de prestação de informações incorretas, competirá ao Banco ilidir a presunção de culpa resultante do artigo 799.º, n.º 1 do C.C., demonstrando que o cumprimento defeituoso considerado não procedeu de culpa sua.
W.– No caso vertente, não foram rigorosamente observados os deveres de informação, sendo certo que a própria decisão que assim o considerou, posto que, no ponto 10 dos factos provados, assim o afirma ao referir que “À A. foi dito que tal produto era semelhante a um depósito a prazo”.
X.– Dando como provada a factualidade provada, é totalmente inaceitável que se considere que “tendo por base as informações prestadas, á data, pelos funcionários do banco, e no contexto em que foram emitidas, não resulta do comportamento dos mesmos (nem de motu próprio, nem instigados pelo Banco) qualquer ilicitude do ato, ou concretamente, a violação dos deveres legais ou regulamentares impostos (…)”
Y.– Como tal, não pode afirmar-se que a autora não foi enganada ao subscrever o produto «S....-2…», convencida que se tratava de um produto semelhante a um depósito a prazo.
Z.– Existe uma evidente e flagrante contradição na sentença recorrida, quando refere que “o intermediário financeiro deve organizar-se de modo a identificar possíveis conflitos de interesses ou reduzir o risco da sua ocorrência, assegurar aos clientes um tratamento transparente e equitativo e dar prevalência aos interesses do cliente em relação aos seus próprios interesses ou de sociedades com as quais se encontra em relação de domínio ou de grupo” e não consegue depois interpretar a prova coligida, pois o que os depoimentos das testemunhas e os factos dados por provados evidenciam é um incentivo descarado de levar o cliente a efetuar operações que tenham objetivos contrários aos seus interesses, por um lado, e um flagrante conflito de interesses entre a autora, o C.…  e  a S…., por outro.

AA.– Os autos deixaram bem demonstrada uma prática que tem sido denominada com propriedade de canibalização de depósitos.
BB.– Apenas tendo em conta a matéria de facto dada como provada, impunha-se que a ação tivesse sido julgada procedente.
CC.– Dando-se como provada a factualidade supratranscrita, não pode afirmar-se que a autora não foi enganada ao subscrever o produto «S….-2…», convencida que se tratava de um mero sucedâneo de depósito a prazo, e que, pelo contrario, como “nada fazia prever a falência da entidade emitente” e “nada à data fazia prever a nacionalização do Banco - C…. e a insolvência da S…., pelo que a garantia do retorno do capital existia e a similitude com o risco de um depósito a prazo também, pois estes também não têm em absoluto capital a 100% garantido, dado que, no caso de insolvência, a entidade bancária apenas responderá através do fundo de garantia de depósito e com um limite de valor”, “é manifesto que não haverá a responsabilidade assacada ao réu”.
DD.– Até porque foi dada à autora a garantia de que o produto S….-2… era semelhante a um depósito a prazo e que tal produto era a qualquer tempo mobilizável.
EE.– A douta sentença enferma de vício de contradição profunda entre a factualidade dada como provada e a decisão de direito que tais factos mereceram.
FF.– A informação prestada pelo D…. à autora acerca do produto financeiro obrigações “S….-2…", responsabiliza o Banco réu, enquanto intermediário financeiro, e essa responsabilidade é de natureza obrigacional.
GG.– Estando em causa empregados do Banco que prestam a informação deficiente, o Banco responde pela conduta dos seus empregados como se tivesse sido ele mesmo a praticar essa conduta.
HH.– A informação prestada pelo C…., através dos seus funcionários da agência de L…., à autora, acerca do produto financeiro obrigações “S….-2…", foi enganosa, porque, em momento algum, foi explicitado à autora que, no limite, a aquisição do produto financeiro comportava risco, não sendo reconduzível, por forma alguma, à figura de um puro depósito a prazo.
II.– No caso sub judice está provado que os funcionários das agências do D.… tinham indicações superiores para convencerem os clientes a adquirirem aquele produto financeiro como se fosse um produto semelhante a um depósito a prazo e que esses funcionários estavam convencidos, de acordo com indicações superiores que lhes foram transmitidas, que as obrigações “S….-2…” constituíam um produto financeiro seguro e que não oferecia risco para os subscritores, razão pela qual asseguraram à autora que tais obrigações eram um mero sucedâneo de um depósito a prazo, sem qualquer risco e melhor remunerado.
JJ.– Isso mesmo se recolhe da factualidade consignada na sentença recorrida sob o ponto 11 dos factos provados e do mail junto como Doc. 10 da petição inicial.
KK.– O tribunal a quo não podia ter deixado de se debruçar sobre o teor dos dois mails, juntos como documentos n.º 9 e n.º 10 da petição inicial, até porque os mesmos não foram impugnados pelo Banco réu.
LL.– O mail que constitui o doc. 9 da petição inicial é de importância capital para a boa decisão da causa, pois é revelador de um padrão comportamental por parte das chefias do Banco: seduzir os clientes com produtos de risco, como se de depósitos a prazo se tratasse.
MM.– A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.
NN.– Presumindo-se a culpa do devedor, este só consegue evitar a obrigação de indemnizar o credor se demonstrar que não teve culpa na violação do vínculo obrigacional, ou seja, que não lhe possa ser censurável o facto de não ter adotado o comportamento devido.
OO.– Os Bancos devem ter funcionários altamente preparados e especializados, com elevada formação e profundo conhecimento na área dos mercados de valores mobiliários, de modo a proporcionarem aos clientes a melhor e a mais completa informação possível acerca dos produtos financeiros nos quais pretendem investir.
PP.– In casu, na informação prestada à autora acerca do produto financeiro obrigações S….-2…, exigia-se ao D…. uma atuação caracterizada por um elevado grau de diligência, prudência, zelo e cautela.
QQ.– Faz parte do referido dever a obrigação de a entidade bancária colocar à disposição do cliente a respetiva estrutura organizativo-funcional, em ordem da execução de tarefas de tipo variado, ligadas, de um modo ou de outro, à atividade bancário-financeira.
RR.– A instituição bancária, em razão da sua profissionalidade e competência específica, tem uma obrigação de acautelamento de interesses do cliente, no que respeita a todos os assuntos de carácter bancário-financeiro. Trata-se, não de uma pura atitude passiva, mas antes de uma atividade de continuada promoção e vigilância dos interesses do cliente, no particular domínio considerado.
SS.– A relação de confiança inerente a toda a vinculação bancária situa-se num plano contratual, e não meramente legal.
TT.– Na área dos valores mobiliários a sofisticada evolução dos mercados ultrapassa a atualização das fontes legais e mesmo regulamentares - pelo que, mesmo que não exista norma expressa a orientar o intermediário financeiro na resolução do conflito de interesses com o cliente, o princípio da proteção dos legítimos interesses deste (art. 304.º, n.º 1, do C.V.M.) não deixará de estabelecer um dever de conduta a adotar.
UU.– Atenta a diversidade entre investidor e intermediário financeiro, este como profissional do mercado, não há fundamento para que se estabeleça uma igualdade formal civilística entre as partes, por sobressair a tendencial debilidade do cliente individual.
VV.– É dever do intermediário financeiro prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, de modo a que esteja assegurada a completude, verdade, atualidade, clareza, objetividade e licitude dessas informações.
WW.– A informação prestada ao cliente deve ser pautada por características de rigor técnico-jurídico e de clareza, simplicidade e eficiência adequadas a cada cliente em concreto, contudo, no caso em apreço, ficou provado que “À A. foi dito que tal produto era semelhante a um depósito a prazo”.
XX.– O D…. não logrou ilidir a presunção de culpa que sobre si impende, pois não fez prova de que, tendo em conta o circunstancialismo do caso concreto, agiu com toda a diligência que lhe era exigível e atuou de acordo com o grau de zelo, de cautela, de responsabilidade e competência técnica que a situação exigia.
YY.– Os documentos n.º 7, n.º 8, n.º 9 e n.º 10 da petição inicial, conjugados com os depoimentos das testemunhas AA… e BB e com a matéria de facto provada, demonstram que o D…., ao invés de informar a autora do risco inerente à aquisição das obrigações “S….-2…", através dos seus quadros superiores, deu indicações os funcionários das suas agências para convencerem os clientes a adquirirem aquele produto financeiro como se fosse um produto semelhante a um depósito a prazo; convenceu a autora, através dos seus funcionários da agência de L…., a adquirir uma obrigação S….-2…;convenceu os seus funcionários da agência, assim como os seus demais funcionários das outras agências, que as obrigações S….-2…, emitidas pela S…., constituíam um produto financeiro seguro e que não oferecia risco para os subscritores; através dos seus funcionários da agência de L…., assegurou à autora que as obrigações S….-2… eram um produto semelhante a um depósito a prazo, sem qualquer risco e melhor remunerado; não informou a autora que, ao adquirir a obrigação S….-2…, perdia o controlo sobre o dinheiro investido; não podia, após tal aquisição, movimentar, levantar ou gastar, até 30 de abril de 2016, data do termo da maturidade daquele produto financeiro, o dinheiro investido e que o empréstimo do mesmo à S…., consubstanciado na aquisição da obrigação S….-2…, só poderia ser reembolsado a partir daquela data.
ZZ.– A autora só adquiriu a obrigação S….-2… por ter sido convencida, pelos funcionários do D…. que o retorno da quantia investida na sua aquisição, era garantido pelo próprio Banco, e que se tratava de um produto semelhante a um depósito a prazo, com características semelhantes a este, mas melhor remunerado.

AAA.– A autora nunca teve intenção de adquirir aquele produto financeiro, nem o teria adquirido se os funcionários do D…. a tivessem previamente informado acerca das suas características, ou se lhe tivessem mostrado e explicado o conteúdo das “notas informativas” respeitante a tais produtos, nomeadamente o teor dos capítulos “Reembolso antecipado”; “Liquidez” e “Subordinação”.
BBB.– Consideramos evidente que, no caso em apreço, ao arrepio do que a douta sentença recorrida considerou, ocorreu uma gritante violação dos deveres de informação a que o D…. estava vinculado na atividade que desenvolveu junto da autora, enquanto intermediário financeiro.
CCC.– A autora avançou para a aquisição de uma aplicação financeira, num montante considerável, sem ter sido alertada (antes, por ter sido enganada) das características e riscos que o produto em causa encerrava, incorrendo, assim, o D…. em responsabilidade.
DDD.– Sendo o D…. responsável perante os credores pelos atos dos seus funcionários violou, de forma ostensiva, os deveres de informação, bem como os princípios da boa-fé, diligência, lealdade e transparência a que estava adstrito, quer por força do relacionamento contratual existente com a autora, quer na qualidade de intermediário financeiro.
EEE.– Atuou de forma ilícita e não ilidiu a presunção de culpa que sobre si impedia.
FFF.– A falha de informação inicial do D…. acerca das características das obrigações S….-2… (assim como a violação dos demais deveres que sobre si impediam) projetou-se negativamente na esfera patrimonial da autora, a qual, após o vencimento da aplicação, não foi reembolsada pela emitente S…..
GGG.– O comportamento do C…. foi decisivo e causal na produção dos danos sofridos pela autora, pois que foi com base na informação de capital garantido e sem risco (um produto semelhante a um depósito a prazo), que esta deu o seu acordo na aquisição da obrigação S….-2….
HHH.– É ostensivo o nexo de causalidade entre a violação dos deveres resultantes da lei, nomeadamente os deveres de informação, a que o D…. estava adstrito e os danos que a autora reclama nesta ação.
III.– O dano da autora corresponde ao valor do montante investido e não reembolsado na data do vencimento da aplicação.
JJJ.– O D.L. n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, no âmbito das normas de conduta, limitou-se a levar a cabo a concretização da matéria relativa á adequação da operação às circunstâncias do cliente.
KKK.– Tratou-se de uma lei meramente interpretativa, não inovadora, que se integra na lei interpretada e deve ser aplicada imediatamente.
LLL.– Notificado para informar se alguma vez classificou o perfil da autora como investidora, o Banco respondeu nunca o ter feito.
MMM.– O mail junto como Doc. n.º 9 da petição inicial está em sintonia com os depoimentos das testemunhas e traduz-se num incentivo aos funcionários para ocultarem aos clientes as verdadeiras características dos produtos comercializados.
NNN.– O ónus da prova da prestação da informação correta sobre o produto financeiro cabia ao Banco réu.
OOO.– O tribunal a quo revela incoerência quando, referindo-o como uma das causas de responsabilidade do intermediário financeiro, não se debruça sobre o demonstrado conflito de interesses entre a S…. e o Banco réu.
PPP.– Os autos demonstram uma intermediação excessiva, pois a atividade descrita e demonstrada nos autos não era a da intermediação financeira, no verdadeiro sentido do termo: do que se tratava era de utilizar o Banco réu para captar de forma ilícita recursos para a sua dona, através de uma autêntica caça aos depósitos a prazo dos seus clientes.
QQQ.– A decisão de que ora se recorre vai contra o entendimento maioritário e consolidado dos juízes do Juízo Cível Central de Lisboa, em causas da mesma natureza, patrocinadas pelo mesmo mandatário, por factos praticados em L…., pelos mesmos funcionários, conforme sentenças, proferidas no âmbito dos processos n.ºs 6543/16.7T8LSB, do Juiz 4; 3317/15.6T8LRA, do Juiz 13 e 3341/15.9T8LRA, do Juiz 18, todas transitadas em julgado.
RRR.– O próprio tribunal a quo (Juiz 9), em sentença de 18 de julho de 2017, proferida no processo nº 949/16.9T8LSB, ainda não transitada em julgado, patrocinada pelo mandatário signatário, respeitante a factos similares praticados em L…., professou diferente entendimento quanto á natureza e á extensão dos deveres a que estava adstrito o banco réu e, bem assim, quanto á ilicitude do procedimento deste, adotando ali o entendimento aqui propugnado.
SSS.– O entendimento aqui propugnado tem sido perfilhado por este Venerando Tribunal, nomeadamente nos acórdãos de 15/09/2015 (Maria Amélia Ribeiro), disponível em www.dgsi.pt, de 20/09/2017 (Maria do Rosário Gonçalves) e de 10/10/2017 (Carlos Oliveira) estes últimos ainda não transitados em julgado, prolatados em causas totalmente semelhantes á presente, com os mesmos mandatários, proferidos nos processos nº 753/16.4T8LSB.L1 da 1ª secção e nº 4042/16.6T8LSB.L1 da 7ª secção, respetivamente.
TTT.– Também o Supremo Tribunal de Justiça tem perfilhado o mesmo entendimento, nomeadamente nos acórdãos de 10/01/2013 (Tavares de Paiva) e de 17/03/2016 Maria Clara Sottomayor), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
UUU.– Demonstrados o facto, o tipo, a ilicitude, a culpa (que se presume), bem como o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano, deverá inequivocamente, ser revogada a douta sentença recorrida.
VVV.– O prazo de prescrição a aplicar no caso sub judice seria sempre o prazo geral de 20 anos e não o especial de dois anos.
WWW.– A douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 73.º; 74.º; 75.º, n.º 1, 76.º e 77º do R.G.I.C.S.F.; nos artigos 227º, 309.º; 323.º, n.º 1; 344.º, n.º 1; 376.º; 406.º; 483.º; 485.º; 487.º; 563.º; 573.º; 762.º, n.º 1; 798.º; 799.º e 800.º do Código Civil; nos artigos 574.º, n.º 1 e n.º 2; 607.º, n.º 4 e n.º 5 e 615.º, n.º 2, alíneas b) e c) do C.P.C. e nos artigos 1.º, n.º 1, al. a); 7.º; 30.º; 289.º; 290.º; 292.º; 293.º, n.º 1, al. a); 304.º; 304.º-A; 305.º; 309.º-A; 309.º-B; 310.º; 312.º; 314.º; 324.º, n.º 2 e 325.º a 334.º do C.V.M.”.
Conclui, no sentido da procedência do recurso, devendo ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que julgue a acção totalmente procedente.

8– O Réu Banco D……,S.A. apresentou contra-alegações, aduzindo, em súmula, o seguinte (não constantes do processo físico, às quais apenas se acedeu através da plataforma electrónica citius):
– A resposta à alínea a), dos factos não provados resulta mesmo da alegação da Apelante, pois quer do teor do documento junto com a PI, quer os vários depoimentos demonstram que não havia qualquer instrução para não mostrar a ficha técnica aos clientes ;
– Relativamente á alínea c) dos factos não provados, não foi produzida qualquer prova de que tenha sido transmitido à Autora que o Banco asseguraria o pagamento do produto no seu vencimento ou que este fosse apenas um mero sucedâneo de um depósito a prazo ;
– No que concerne á alínea e), igualmente dos factos não provados, a testemunha AA… foi muito claro ao afirmar que nunca transmitiu à Apelante que o produto se tratava de uma obrigação e muito menos que lhe tivesse explicado o que era a subordinação ;
– Não podemos, nem devemos, confundir a violação de deveres de ordem pública, como os referentes à boa prática de supervisão e regulação, com as obrigações estabelecidas legalmente em benefício estrito dos investidores, gerando na esfera destes um direito de crédito ou de conduta tal que a sua violação, sem mais, possa fazer incorrer o intermediário financeiro na obrigação de indemnizar ;
– A Apelante imputa à Apelada responsabilidade civil por conselhos ou recomendações que haja feito àqueles e, apesar de introduzir este tema enquanto discute os deveres de informação do intermediário financeiro, o certo é que vem a referir-se a conselhos e/ou recomendações enquanto uma prestação autónoma, aparentemente como se a Apelada os houvesse prestado efectivamente ;
– A Apelada interveio junto dos Apelantes como intermediária financeira, estando por isso adstrita a um conjunto de deveres, onde pontifica o dever de informação ;
– Esse dever decorre da lei, não resultando dos factos provados que a Apelada alguma vez haja garantido fosse o que fosse a título pessoal ;
– uma tal garantia pressuporia sempre uma verdadeira declaração negocial de fiança ou garantia pessoal semelhante a cada uma das emissões obrigacionistas, ou pelo menos a cada um dos obrigacionistas ;
– A mera menção (mesmo assim não provada) a um produto garantido não tem a virtualidade da tal produção de efeitos na esfera da Apelada, sendo pois, nesse sentido insuficiente para os fins a que a Apelante se refere ;
– De todo o modo, e ainda que assim não fosse, não resulta dos autos que a Apelada haja alguma vez prestado qualquer tipo de conselhos ou recomendações sobre a subscrição de Obrigações S….-2…. Provado ficou, outrossim, que o Banco se limitou a apresentar o dito produto, no sentido de o anunciar, caracterizando-o, pelo que o regime previsto no artº 485 nº 2 do Código Civil nunca poderia vir a aplicar-se ao caso dos autos por não se verificarem os respectivos pressupostos ;
– In casu, foram prestadas informações bastantes sobre o produto, nomeadamente quanto ao facto de se tratar de uma aplicação financeira da dona do banco, com capital garantido pela entidade emitente e com boa remuneração e com a possibilidade de obter liquidez através do endosso do produto a outro cliente ;
– Sem prejuízo dessa informação, o sublinhado naturalmente dirigia-se à relação entre a sociedade emitente e o Banco, conferindo um grau de risco ou de segurança - como se prefira –semelhante a uma dívida do Banco, como por exemplo de um Depósito a Prazo ;
– Mesmo este paralelismo era razoável, não apenas em função das ditas relações societárias de grupo, mas também pela natureza limitada do Fundo de G……, a que vulgarmente se atribui a garantia de uma tal aplicação financeira ;
– Tais deveres de informação devem ser prestados de forma a permitir ao cliente a melhor tomada decisão possível, e portanto, devem ter em conta o conhecimento e experiência do cliente nas matérias em causa, sendo certo que nos presentes autos estamos perante uma cliente licenciada em economia e que exercia as funções de directora financeira numa sociedade comercial também ela cliente do banco ;
– estes não eram produtos de risco quando lhe foram vendidos. Pelo contrário, as Obrigações, e em particular emitidas pela sociedade-mãe do Banco eram instrumentos financeiros conservadores com um risco muito baixo e portanto seguros! ;
– a informação prestada foi verdadeira e não enganosa, acontecendo que um produto que não era de risco, ao longo do seu prazo de vigência passou a sê-lo por circunstâncias verdadeiramente anómalas e imprevisíveis, que resultaram de uma decisão estritamente política, e portanto não apenas jurídica de nacionalização do capital social do Banco, retirando à entidade emitente a sua capacidade de financiamento e simultaneamente o seu maior activo ;
– o Apelado informou a Apelante de forma suficiente cumprindo assim todos os deveres a que estava obrigado! ;
– sobre o intermediário se recai uma presunção de culpa, não recai já, por regra geral, qualquer tipo de presunção de ilicitude e muito menos de causalidade entre esta ilicitude o dano, pelo que todos estes pressupostos gerais da responsabilidade civil carecem de ser alegados e provados pelos Autores ;
– sendo que no caso concreto não resultou provada a prática de qualquer acto ilícito ;
– e, ainda que assim se não entendesse, sempre restaria por provar manifestamente qualquer nexo de causalidade entre qualquer eventual falta da Apelada e os alegados danos da Apelante, pois este nexo também não se pode presumir… e ele não foi de todo provado!

Conclui, pela “inadmissibilidade da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, e, em qualquer caso, pela improcedência do presente recurso de Apelação, e por via dela, pela manutenção da douta decisão em crise, e absolvição da Apelada do pedido”.

A Apelada veio, ainda, nos termos do nº. 2, do artº. 651º, do Cód. de Processo Civil, juntar aos autos dois pareceres de jurisconsultos.

9– O recurso foi admitido por despacho datado de 13/12/2017, constante de fls. 331, como de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

10– Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir.
***

II– ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
“1– o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2– Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a)- As normas jurídicas violadas ;
b)- O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ;
c)- Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.

Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação da recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Pelo que, na ponderação do objecto do recurso interposto pela Autora, delimitado pelo teor das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede determina o conhecimento das seguintes questões:

1.– da invocada NULIDADE da SENTENÇA, por preenchimento das causas enunciadas nas alíneas c) e d), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil ;
2.– DA EVENTUAL PERTINÊNCIA DA MODIFICABILIDADE DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO, nos quadros do artº. 662º, do Cód. de Processo Civil, o que determina a aferição:
I)- Da indicação dos concretos pontos de facto incorrectamente julgados =) conclusões A) a L), o que implica a REAPRECIAÇÃO DA PROVA produzida ;

3.– Seguidamente, aferir acerca da eventual ocorrência de ERRO de JULGAMENTO na SUBSUNÇÃO JURÍDICA EXPOSTA NA DECISÃO RECORRIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS (inicialmente ou fruto das alterações infra em apreciação), o que implica apreciação do ENQUADRAMENTO JURÍDICO DA CAUSA.

Na apreciação deste, impõe-se o conhecimento das seguintes questões:
1)– Do enquadramento jurídico ;
2)– Da actividade e responsabilidade decorrente da intermediação financeira ;
3)– Do dever de informação do D…. para com a Autora ;
4)– Da sua (in)obsevância e do competente ónus probatório ;
5)– Da responsabilidade em equação (obrigacional e/ou delitual) ;
6)– Do(não) preenchimento dos pressupostos de responsabilidade ;
7)– Do conflito de interesses ;
8)– Da alegada intermediação excessiva ;
9)–Da prescrição do direito da Autora no âmbito da intermediação financeira.
***

III–FUNDAMENTAÇÃO.

A–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

Na sentença recorrida/apelada, foi considerado como PROVADO o seguinte (figuram a negrito os factos objecto de alteração, constando a antecedente redacção em nota de rodapé, bem como os factos aditados, nos termos do artº. 607º, nºs. 4 e 5, ex vi do nº. 2, do artº. 663º e 662º, nº. 1, todos do Cód. de Processo Civil ; procede-se, ainda, à correcção dos lapsos de redacção) :

1.–O Banco réu girava anteriormente sob a denominação “C….–Banco…….,S.A.” -cf. certidão junta a fls. 19 vº a 37;
2.–Até à nacionalização do “C….–Banco……,S.A.”(com a Lei nº 62-A/2008, de 11/11) a totalidade do capital social do Banco era detida, na íntegra, pela sociedade “C.…,……,S.A.”, a qual, por sua vez, era detida, também na íntegra, pela sociedade então denominada “S….–S……,….,S.A.”. – cf. certidão de fls. 38 a 52 e 52 vº a 57;
3.–A autora é há cerca de 15 anos, cliente do Banco réu, através da agência de L.…;
4.–Pela “S….–S……,….,S.A.”, foi decidido emitir 1000 obrigações subordinadas a 10 anos, denominadas “S….-2…”, por “emissão de 1.000 obrigações subordinadas, no valor nominal de 50.000€ cada, por dez anos, em 08/05/2016, nos termos da nota informativa junta a fls. 63 vº a 79 vº, cujo teor se reproduz;
5.–Nos termos da nota informativa referida refere-se quanto a juros do 1º cupão 4,5%, e os 9 cupões seguintes TANB Euribor 6 meses + 1,5%, e como capital garantido, transaccionáveis fora de bolsa, bem como a natureza de obrigações subordinadas, com possibilidade de “call option” a partir do 5º ano – cf. fls, 65 a 67;
6.–A autora tinha, no Banco réu, em Maio de 2006, valores em depósito no valor de 40.000€ e de 10.000€, por transferências ocorridas entre Abril e Maio desse mesmo ano – cf. fls. 87 vº e 88 cujo teor se reproduz ;

7.–A A. era considerada conservadora nas aplicações financeiras que possuía no Banco réu, avessa ao risco e tendo no mesmo essencialmente depósitos bancários ;
7-A.– em Maio de 2006, a Autora não tinha realizado no Banco Réu quaisquer operações de volume significativo nos mercados de valores mobiliários, com a frequência média de, pelo menos, 10 operações por trimestre ao longo dos últimos 4 trimestres, nem tinha uma carteira de valores mobiliários de montante superior a €500.000,00, nem tinha, por último, prestado funções, pelo menos durante 1 ano, no sector financeiro, numa posição profissional em que seja exigível o conhecimento do investimento em valores mobiliários ;
7-B.– a Autora é licenciada em economia ou gestão de empresas, desempenhando, em Abril/Maio de 2006, as funções de Directora Financeira numa empresa ;

8.– A Autora foi contactada em Abril de 2006, por um funcionário do Balcão onde a A. tinha conta, dizendo-lhe que estava a ser lançado um novo produto financeiro, com a natureza de Obrigação, de características similares às de um depósito a prazo, só que melhor remunerado, com capital garantido [2];
9.– Mais referiu que, atentas as características do produto, o mesmo estava a ter uma procura enorme junto dos clientes do Banco;
10.– À A. foi dito que tal produto era semelhante a um depósito a prazo;
11.– Os funcionários do balcão onde a autora tinha depositadas as suas quantias acreditavam que os produtos que vendiam eram seguros e que não ofereciam risco para os subscritores;
12.– A A. autorizou tal operação verbalmente, tendo procedido à compra de “PTSLNRMais2E” no dia 08/05/2006 e no valor de 50.000€;
13.– O funcionário do banco explicou ainda à A. que podia proceder ao resgate do valor em causa, desde que transmitisse as obrigações, por endosso a terceiros, e se o fizesse antecipadamente perderia apenas os juros;
14.– Foi ainda dito à autora que o produto financeiro adquirido era um produto seguro e emitido pela dona do banco, a S….;
14.-A– Nunca tendo sido transmitido à Autora que a Obrigação descrita em 8. tinha natureza subordinada ;
15.– A nível interno existia ainda uma informação cuja cópia se encontra junta a fls. 97 a 101 e cujo teor se reproduz, que servia de base á explicação dada aos clientes, mas cuja cópia não era dada, salvo se o cliente a solicitasse;
15.-A– Tal informação, bem como a nota informativa descrita em 4. e 5., nunca foram mostradas á Autora, nem lhe foi entregue cópia das mesmas ;
16.– O título em causa encontra-se indicado nos extractos emitidos pela Ré à Autora como pertencendo ao item “carteira de títulos”, onde figuravam “Obrigações EUR” e S….-2…, no valor de 50.000€, encontrando-se a mesma depositada no banco – cf. doc. de fls. 88 vº cujo teor se reproduz;
17.– Os juros contratados na aquisição efectuada nos autos foram pagos até 2015 pela G…., através do banco réu (artº 77º da pi );
18.– A “S….–S……,….,S.A.”, hoje denominada “G.…,……,S.A.” apresentou, no Tribunal da Comarca de Lisboa, um Processo Especial de Revitalização, o qual corre seus termos pela 1.ª Secção de Comércio - J4, com o número 22922/15.4T8LSB, tendo sido logo proferido o despacho e sido proferida sentença que, declarando encerrado o processo negocial, sem aprovação do Plano de Recuperação, determinou o encerramento do Processo de Revitalização – cf. doc. de fls. 90 a 92 vº;
19.– Por sentença de 29/06/2016, proferida pelo Tribunal da Comarca de Lisboa, 1.ª Secção de Comércio-J4, no âmbito do processo número 23449/15.0T8LSB foi a sociedade “G.…,……,S.A.” declarada insolvente – cf. fls. 93 e 93 vº ;
20.– A «S….–S……,….,S.A.», presentemente denominada «G.…,……,S.A.», não pagou a obrigação identificada em 12. na data do seu vencimento.

-------------

Na mesma sentença, foram considerados NÃO PROVADOS os seguintes factos (figura a negrito o facto objecto de alteração, constando a antecedente redacção em nota de rodapé):

a)- Que tenham sido dadas instruções aos funcionários do Banco para não entregarem aos clientes, potenciais ou efectivos subscritores das obrigações, as notas informativas das obrigações em causa, ou para nem sequer mostrarem tal nota informativa aos clientes ;
b)- Que a venda das obrigações foi determinada pela auditoria às contas do Banco réu, e a ordem do Banco de Portugal para que este reforçasse os seus capitais próprios;
c)- Que à A. tenha sido afiançado pelos funcionários do mesmo que o retorno das quantias em questão era garantido pelo próprio Banco (mas sim o provado em 13. e 14.);
d)- Que a A. é uma pessoa com elevado espírito de trabalho e de poupança (artº 54º da pi);
e)- que tenha sido dito à Autora, aquando da aquisição descrita de 8. a 12., que a mencionada Obrigação era subordinada [3] ;
f)- Que os funcionários do banco réu, a partir de 2008, tenham dito à A.para aguardar que brevemente teria o dinheiro(artº76º da pi );
g)- Que a A. tenha interpelado várias vezes o Banco e que este se tenha recusado a restituir a quantia “que lhe foi confiada” (artº 114º da pi).
***

B–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

I)– da NULIDADE da SENTENÇA, por preenchimento da causa enunciada na alínea c), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil

Sob a conclusão constante da alínea EE), refere a Apelante que a sentença “enferma de vício de contradição profunda entre a factualidade dada como provada e a decisão de direito que tais factos mereceram”.

Em sede do corpo alegacional, invoca que atenta a factualidade dada como provada não é possível afirmar-se que a Autora Apelante não tenha sido enganada ao subscrever o produto “S….-2…”, pelo que se impunha o julgamento de procedência da acção. O que é ainda mais notório, e raia a flagrante e gritante injustiça, se considerarmos a matéria de facto considerada erradamente como não provada.

Efectivamente, foi dada à Autora a garantia de que o produto S…. era semelhante a um depósito a prazo e que era a qualquer tempo mobilizável, pelo que não pode deixar de concluir-se no sentido da Autora ter sido enganada (cf., artigos 94, 95 e 102 a 105 do corpo das alegações).

Decidindo:

Prescreve a enunciada alínea c), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil, ser “nula a sentença quando:
c)- os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
Refere Ferreira de Almeida [4] tratar-se na presente causa de nulidade de “uma «construção viciosa», ou seja, de um vício lógico da sentença: o juiz elegeu deliberadamente determinada fundamentação e seguiu um determinado raciocínio para extrair uma dada conclusão ; só que esses fundamentos conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a um resultado oposto a esse, isto é, existe contradição entre os fundamentos e a decisão (por ex., toda a lógica fundamentadora da sentença apontaria para a condenação do réu no pagamento da dívida reclamada pelo autor, mas o juiz, na sentença, decreta, de modo contraditório, a absolvição do réu do pedido). Não se trata de um qualquer simples erro material (em que o juiz escreveu coisa diversa da pretendida – contradição ou oposição aparente) mas de um erro lógico-discursivo em termos da obtenção de um determinado resultado – contradição ou oposição real. O que não se confunde, também, com o chamado erro de julgamento, isto é, com a errada subsunção da hipótese concreta na correspondente fattispecie ou previsão normativa abstracta, vício este só sindicável em sede de recurso jurisdicional”.

Por outro lado, acrescenta, a sentença padece de ambiguidade “quando alguma das suas passagens se presta a diferentes interpretações ou pode comportar mais do que um sentido, quer na fundamentação, quer na decisão”, sendo que este fundamento de nulidade da 2ª parte da alínea c) apenas ocorre “se tais vícios tornarem a «decisão ininteligível» ou incompreensível”.

Na presente causa de nulidade da sentença não está em equação “um problema de viciação da pronúncia de facto”, mas antes “uma contradição entre o segmento decisório final e a fundamentação – podendo esta ser, incluindo a decisão de facto, intrinsecamente coerente.

A fonte do vício (obscuridade ou ambiguidade) situa-se na fundamentação, na sua ambiguidade ou na sua obscuridade, vindo depois a contaminar a decisão, tornando-a ininteligível. A fundamentação assume aqui o papel de elemento de interpretação extrínseco (hoc sensu), auxiliando o destinatário na interpretação da decisão, dela se extraindo que não é seguro que a decisão tenha o sentido unívoco que aparentava ter, sendo, sim, ininteligível”.

Pelo que “o elemento viciador em causa tanto pode situar-se nos fundamentos, como no segmento decisório da sentença”, sendo que o “vício oriundo da fundamentação só é relevante quando comprometa inquestionavelmente a decisão: a ambiguidade ou obscuridade pontual da fundamentação são irrelevantes, neste contexto, quando não provoquem a ininteligibilidade da decisão” [5].

Analisada a decisão apelada, e de forma liminar, não se constata, minimamente, que a mesma seja contraditória entre os fundamentos e a decisão, ou seja, que exista uma construção viciosa ou um vício lógico de raciocínio, capaz de a inquinar.

Efectivamente, ponderada a fundamentação apresentada, não é legítimo concluir que a mesma contradiga ou esteja em distonia com a decisão proferida, isto é, que da mera e imediata análise da fundamentação aduzida fosse expectável ou legítimo concluir por diferenciada decisão. Inexiste, efectivamente, qualquer erro lógico-discursivo, no sentido de que a decisão proferida não encontre qualquer lastro ou conforto no juízo seguido na fundamentação exarada, ou seja, que a decisão, no iter de interpretação da fundamentação exarada, e mediante uma análise de lógica dedução, tivesse surgido de forma surpreendente ou inesperada.

Por outro lado, também não se pode afirmar que a decisão recorrida seja ambígua, de forma a torná-la ininteligível ou incompreensível.

Efectivamente, não é possível afirmar, de forma pertinente, que da fundamentação da mesma resulte, ainda que parcialmente, diferenciadas interpretações, com multiplicidade de sentidos, susceptível de a inquinar nos termos descritos. Ou seja, que da interpretação feita constar seja possível extrair uma multiplicidade de sentidos, afastando-a de um sentido unívoco, susceptível de afectar a decisão ao ponto de a inquinar de ininteligibilidade ou incompreensibilidade.

Ademais, não se olvide, conforme supra exarado, que o vício a existir, radicado na fundamentação, apenas teria relevância em termos de mácula legalmente acolhida, caso comprometesse, de forma inquestionável, a decisão (ou seja, provocasse a sua ininteligibilidade), sendo totalmente irrelevantes as situações de pontual ambiguidade da fundamentação. Que, consigne-se, também não se reconhecem in casu.

Ora, não existe qualquer contradição entre a decisão de absolvição do demandado Banco Réu, pelo não reconhecimento da verificação de qualquer conduta ilícita por parte deste ou dos seus funcionários e o fundamento da mesma, quer factual, quer de direito.

O que determina, necessariamente, e sem outras delongas, improcedência da invocada nulidade de sentença, com legal inscrição na alínea c), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil e, consequentemente, juízo de improcedência, nesta parte, da apelação em apreciação.

II)– da NULIDADE da SENTENÇA, por preenchimento da causa enunciada na alínea d), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil.

Alega, ainda, a Apelante que o Tribunal a quo não se debruçou, “ainda que ao de leve, sobre o teor dos dois mails, juntos como documentos nº. 9 e nº. 10 da petição inicial, nem que fosse para infirmar o respectivo teor”, acrescentando que, não tendo sido impugnados, “terão forçosamente de ser valorados, nos termos do artigo 376º do C.C.”.

Pelo que, após enunciar o teor de tais documentos, acrescenta que “ao omitir qualquer referência aos documentos nº. 9 e nº. 10 da petição inicial, incorreu o tribunal a quo na nulidade a que se referem os artigos 607º, nº. 4 e 615º, nº. 1, al. d): o tribunal a quo não procedeu ao exame crítico das provas e deixou de se pronunciar sobre questão que devesse apreciar” – cf., artigos 126º a 131º do corpo alegacional.

Analisemos.

Enunciando as causas de nulidade da sentença, prescreve a alínea d), do nº. 1, do artº. 615º, ser “nula a sentença quando:
d)- o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Por sua vez, o invocado nº. 4, do artº. 607º, prevendo acerca da elaboração da sentença, referencia que “na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”.

No regime jurídico das nulidades dos actos decisórios releva “a divergência entre o que é objectivamente praticado ou declarado pelo juiz, e o que a lei determina ou o que resultou demonstrado da produção de prova”. Estamos no campo do error in procedendo, que se traduz “na violação de uma disposição reguladora da forma (em sentido amplo) do ato processual: o ato executado é formalmente diferente do legalmente previsto. Aqui não se discute se a questão foi bem julgada, refletindo a decisão este julgamento acertado – por exemplo, é irrelevante que a sentença (à qual falte a fundamentação) reconheça a cada parte o que lhe pertence (suum cuique tribuere)” [6] [7].

Assim, nas situações ou manifestações mais graves, o error in procedendo fere o acto de nulidade, estando-se perante vícios do acto processual formais, pois os “vícios substanciais, como por ex., os cometidos na apreciação da matéria de fundo, ou na tramitação do processo, são objecto de recurso, não se inserindo na previsão normativa das nulidades” [8].

A diferenciação ocorre, assim, por referência ao error in judicando, que “é um vício de julgamento do thema decidendum (seja este de direito, processual ou material ou de facto). O juiz falha na escolha da norma pertinente ou na sua interpretação, não aplicando apropriadamente o direito – dito de outro modo, não subsume correctamente os factos fundamento da decisão à realidade normativa vigente (questão de direito) -; ou falha na afirmação ou na negação dos factos ocorridos (positivos ou negativos), tal como a realidade histórica resultou demonstrada da prova produzida, havendo uma divergência entre esta demonstração e o conteúdo da decisão de facto (questão de facto). Não está aqui em causa a regularidade formal do ato decisório, isto é, se este satisfaz ou não as disposições da lei processual que regulam a forma dos atos. A questão não foi bem julgada, embora a decisão – isto é, o ato processual decisório – possa ter sido formalmente bem elaborada.

A decisão (ato decisório) que exteriorize um error in judicando não é, com este fundamento, inválida. O meio adequado à sua impugnação é o recurso, sendo o objecto deste o julgamento em que assenta a pronúncia. Confirmando-se o julgamento, a decisão é mantida; no caso oposto, é, por consequência, cassada, ou revogada e substituída – dependendo do sistema de recursos vigente” [9].

As nulidades de sentença – cf., artigos 615º e 666º -, integrando, juntamente com as nulidades de processo – artigos 186º a 202º -, “o género das nulidades judiciais ou adjectivas”, distinguem-se, entre si, “porquanto, às primeiras, subjazem desvios ao formalismo processual prescrito na lei, quer por se praticar um ato proibido, quer por se omitir uma ato prescrito na lei, quer por se realizar um acto imposto ou permitido por lei mas sem o formalismo requerido, enquanto que as segundas se traduzem na violação da lei processual por parte do juiz (ou do tribunal) prolator de alguma decisão”.

Como vício de limite, a nulidade de sentença enunciada na transcrita alínea d) divide-se em dois segmentos, sendo o primeiro atinente à omissão de pronúncia. 

Neste, em correspondência com o nº. 2 do artº. 608º, “deve o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, de todas as causas de pedir e exceções invocadas e de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer”.

Assim, “integra esta causa de nulidade a omissão do conhecimento (total ou parcial) do pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (não a fundamentação jurídica adrede invocada por qualquer das partes).

Não confundir, porém, questões com razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vingar as suas posições (jurídico-processuais ou jurídico-substantivas); só a omissão da abordagem de uma qualquer questão temática central integra vício invalidante da sentença, que não a falta de consideração de um qualquer elemento da retórica argumentativa produzida pelas partes” [10].

Na omissão de pronúncia, nas palavras de Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro [11], está em equação a vinculação do tribunal em “emitir pronúncia sobre todos os factos essenciais alegados carecidos de prova (arts. 607º, nº. 3, e 608º, nº. 2), sob pena de ocorrer uma omissão de pronúncia no julgamento da questão de facto. A omissão de pronúncia sobre um facto essencial gera a nulidade da sentença. Esta nulidade, presente na fundamentação da decisão final da causa, mas que se reporta à decisão de facto, deve ser arguida pela parte interessada, salvo quando impossibilite a reapreciação da causa pelo tribunal superior, sendo aqui de conhecimento oficioso (art. 662º, nº. 2, al. c))”.

Ora, resulta do supra exposto que no caso concreto em apreciação não está em equação a omissão de conhecimento de qualquer pedido deduzido, de qualquer causa de pedir afirmada ou o conhecimento de qualquer excepção invocada ou sobre a qual se imponha qualquer oficioso conhecimento. Nem está em equação qualquer omissão de pronúncia por parte do Tribunal a quo no julgamento da questão de facto, nomeadamente sobre um facto essencial alegado, que não tivesse merecido o devido conhecimento.

Pelo que, conclui-se, a aludida omissão de pronunciamento do Tribunal sobre um determinado meio probatório, podendo ter relevância na fixação do acervo factual provado e não provado, não configura, todavia, qualquer nulidade da sentença proferida, nomeadamente a resultante de omissão de pronúncia, nos termos previstos no 1º segmento da alínea d), do nº. 1, do artº. 615º.

O que determina, logicamente, nesta parte, improcedência da presente apelação.

III)–da REAPRECIAÇÃO da PROVA em resultado da IMPUGNAÇÃO da MATÉRIA de FACTO

Alega a Recorrente, no que concerne ao presente item recursório, basicamente o seguinte:
1.- os factos vertidos sob as alíneas a) e c) dos não provados devem passar a figurar como provados ;
2.- a alínea e) dos factos não provados deveria passar a constar nos factos provados com diferenciada redacção, nomeadamente que “não foi mencionada nem explicada à Autora a característica da subordinação, e nem sequer era conhecida dos funcionários do Banco que com a Autora lidavam” ;
3.- os factos constantes dos artigos 13º e 14º da petição inicial devem passar a figurar como factos provados.

Na fundamentação de tal pretensão, e no que se reporta às conclusões recursórias apresentadas – cf., alíneas A) a L) -, alega a Apelante, em súmula, o seguinte:

– não é aceitável, e nem sequer é defensável, que se considere que um banco presta informação verdadeira, actual, clara e objectiva quando vende a investidores não qualificados, simples aforradores, uma obrigação subordinada, dizendo aos clientes que se trata de um produto semelhante a um depósito a prazo ;
– pelo que se reputa, quase como um facto público e notório, o modus operandi do Banco Réu nas relações que mantinha com os seus clientes, o qual consistiu em seduzir meros aforradores com produtos financeiros com remuneração superior à comummente praticada por outros operadores financeiros ;
– e, em ordem a esse desiderato, convencerem tais aforradores que os produtos vendidos eram meros sucedâneos de depósito a prazo, mobilizáveis a qualquer tempo, com eventual perda de juros, o que na realidade não era verdade, o que também foi considerado na sentença recorrida ;
– os depoimentos de AA… e BB…, deixam claro que a ficha técnica não era, por norma, entregue aos clientes e que não foi entregue á ora recorrente, sendo que segundo as regras da repartição da prova, competia ao Banco réu demonstrar que tinha entregue tal documento à autora, na altura da subscrição ;
– se o próprio gestor de conta da Autora lhe garantiu que o produto era garantido pelo Banco, se ele próprio estava convencido desse facto, não se pode afirmar que a Autora não foi enganada aquando da aquisição da obrigação dos autos ;
– foi essa a informação que lhe foi prestada pelo seu gestor de conta, era essa a informação que todos os funcionários do Banco réu haviam recebido, na altura, dos seus superiores hierárquicos e era essa confiança que transmitiam, depois, aos seus melhores clientes, conhecidos, amigos ;
– os factos alegados nos artigos 13.º e 14.º da p. i., que foram elencados no ponto 1 dos temas da prova, não foram impugnados pelo Réu na sua contestação, pelo que não podiam os mesmos deixar de ter sido elencados na lista dos factos provados.

Nas contra-alegações apresentadas, o Recorrido/Apelado invocou que:
– A resposta à alínea a), dos factos não provados resulta mesmo da alegação da Apelante, pois quer do teor do documento junto com a PI, quer os vários depoimentos demonstram que não havia qualquer instrução para não mostrar a ficha técnica aos clientes ;
– Relativamente á alínea c) dos factos não provados, não foi produzida qualquer prova de que tenha sido transmitido à Autora que o Banco asseguraria o pagamento do produto no seu vencimento ou que este fosse apenas um mero sucedâneo de um depósito a prazo ;
– No que concerne á alínea e), igualmente dos factos não provados, a testemunha AA… foi muito claro ao afirmar que nunca transmitiu à Apelante que o produto se tratava de uma obrigação e muito menos que lhe tivesse explicado o que era a subordinação.

Prevendo acerca da modificabilidade da decisão de facto, consagra o artigo 662º do Cód. de Processo Civil os poderes vinculados da Relação, estatuindo que:
“ 1– A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

2– A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a)- Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b)- Ordenar em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c)- Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d)- Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados”.

Para que tal conhecimento se consuma, deve previamente o recorrente/apelante, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o ónus a seu cargo, plasmado no artigo 640º do mesmo diploma, o qual dispõe que:
“1– Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a)- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b)- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2.– No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a)- Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b)- Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3– O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.

No caso sub judice, a prova produzida em audiência foi gravada. E, a Recorrente/Apelante invoca, entre outros, como concreto meio probatório a ponderar o resultante da prova testemunhal produzida.

Ora, tendo a Apelante identificado tais meios probatórios, por referência à transcrição dos excertos que considera relevantes, que se mostram devidamente precisados, não vemos qualquer óbice a tal apreciação, pois esta supre a ausência da indicação exacta das passagens da gravação áudio realizada.

Pelo que os invocados meios probatórios serão ponderados no que concerne á sua potencialidade probatória, e adequação à matéria de facto considerada provada, nomeadamente na aferição se os mesmos impunham, por referência aos concretos pontos de facto impugnados, diferenciada decisão.

Não se desconhece que “para negar a admissibilidade da modificação da decisão da matéria de facto, designadamente quando esta seja sustentada em meios de prova gravados, não pode servir de justificação o mero facto de existirem elementos não verbalizados (gestos, hesitações, posturas no depoimento, etc.) insusceptíveis de serem recolhidos pela gravação áudio ou vídeo. Também não encontra justificação a invocação, como factor impeditivo da reapreciação da prova oralmente produzida e da eventual modificação da decisão da matéria de facto, da necessidade de respeitar o princípio da livre apreciação pelo qual o tribunal de 1ª instância se guiou ou sequer as dificuldades de reapreciação de provas gravadas em face da falta de imediação”.

Pelo que, poderá e deverá a Relação “modificar a decisão da matéria de facto se e quando puder extrair dos meios de prova, com ponderação de todas as circunstâncias e sem ocultar também a livre apreciação da prova, um resultado diferente que seja racionalmente sustentado” [12].

Reconhece-se que o registo dos depoimentos, seja áudio ou vídeo, “nem sempre consegue traduzir tudo quanto pôde ser observado no tribunal a quo. Como a experiência o demonstra frequentemente, tanto ou mais importante que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, sendo que a mera gravação dos depoimentos não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que porventura influenciaram o juiz da 1ª instância.

Na verdade, existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador”.

Efectivamente, e esta é uma fragilidade que urge assumir e reconhecer, “o sistema não garante de forma tão perfeita quanto a que é possível na 1ª instância a percepção do entusiasmo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão, em suma, de todos os factores coligidos pela psicologia judiciária e de onde é legítimo aos tribunais retirar argumentos que permitam, com razoável segurança, credibilizar determinada informação ou deixar de lhe atribuir qualquer relevo”.

Todavia, tais dificuldades não devem justificar, por si só, a recusa da actividade judicativa conducente à reapreciação dos meios de prova, ainda que tais circunstâncias ou fragilidades devam ser necessariamente “ponderadas na ocasião em que a Relação procede à reapreciação dos meios de prova, evitando a introdução de alterações quando, fazendo actuar o princípio da livre apreciação das provas, não seja possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de erro de apreciação relativamente aos concretos pontos de facto impugnados” [13] (sublinhado nosso).
---------------

DA INDICAÇÃO DOS CONCRETOS PONTOS DE FACTO INCORRECTAMENTE JULGADOS

Por referência aos factos NÃO PROVADOS, é a seguinte a factualidade em equação:
Alínea a)
“Que tenham sido dadas instruções aos funcionários do Banco para não entregarem aos clientes, potenciais ou efectivos subscritores das obrigações, as notas informativas das obrigações em causa, ou para nem sequer mostrarem tal nota informativa aos clientes” ;
Alínea c)
“Que à A. tenha sido afiançado pelos funcionários do mesmo que o retorno das quantias em questão era garantido pelo próprio Banco” ;
Alínea e)
“Que tenha sido dito à A., aquando da aquisição, que era uma obrigação e subordinada”.

Por outro lado, reclama-se a figuração como provados dos factos aduzidos nos artigos 13º e 14º da petição inicial, nomeadamente:
13º
“a Autora não poderia deixar de ser considerada perante o Banco Réu como uma investidora não qualificada” ;
14º
“a Autora não tinha realizado naquele Banco quaisquer “operações de volume significativo nos mercados de valores mobiliários, com a frequência média de, pelo menos, 10 operações por trimestre ao longo dos últimos 4 trimestres”, nem tinha “uma carteira de valores mobiliários de montante superior a €500.000,00”, nem tinha, por último, “prestado funções, pelo menos durante 1 ano, no setor financeiro, numa posição profissional em que seja exigível o conhecimento do investimento em valores mobiliários” – artigo 110.º-A, n.º 1, al. b) do C.V.M. in fine”.

Apreciando:

no que concerne à alínea a) dos factos não provados

Relativamente ao presente ponto factual, alega a Apelante ter referido “a testemunha AA…, a pessoa que aconselhou a autora a adquirir a obrigação dos autos, quando foi questionada se entregou à autora a ficha técnica da mesma: “Não. A ficha técnica existia, mas raramente era entregue aos clientes. Os clientes, também, como é lógico, o negócio bancário é um negocio de confiança e entre os clientes subscreviam depósitos a prazo como outros produtos, com base na (…) confiança na relação que tinham com o Banco, raramente, pode haver alguns clientes que solicitaram, mas raramente os clientes solicitavam mais informação adicional” (pág. 8 da transcrição).

Questionada se as características do produto por si anunciadas à autora teriam partido de si própria ou dos seus superiores hierárquicos, a testemunha respondeu: “Este discurso era o argumentário que nós tínhamos, que nos era enviado pelo departamento de marketing, por onde nós, quando nós apresentávamos estes produtos e era o conceito, e era a ideia transmitida por todas as estruturas, como eu disse, quer Diretores, quer Administração, nas reuniões que tínhamos, portanto, eu era uma pessoa, um quadro médio, e tive em algumas reuniões e era este o conceito da venda destes produtos (…)” (pág. 9 da transcrição)”.

Acrescenta, ainda, que, por seu turno, “a testemunha BB… referiu que “(…) não era disponibilizada a ficha técnica do produto, ou pior, ela dizia lá que estava disponível no marketing, caso o cliente o pedisse, o solicitasse, mas não, nem nós explicitávamos isso, o cliente também não e nós nem sequer tínhamos conhecimento da ficha do produto (…)” (pág. 38 transcrição)”.

Pelo que, conclui, os “depoimentos elencados supra deixam claro que a ficha técnica não era, por norma, entregue aos clientes e que só deveria ser mostrada em casos extremos, uma vez que o cliente comum, confiante e incauto, nunca a solicitaria…”, resultando do citado depoimento da testemunha AA… que a ficha técnica não foi entregue á autora no momento da subscrição.

Pelo que, competindo, segundo as regras do direito probatório, “ao Banco réu demonstrar que tinha entregue tal documento à autora, na altura da subscrição”, deveria a alínea a) dos factos não provados merecer a resposta de “provada” – cf., artigos 14. a 20. do corpo das alegações.

Na resposta, refere o Banco Apelado que a resposta conferida à citada alínea a) resulta da própria alegação da Apelante, “pois quer do teor do documento junto com a PI, quer os vários depoimentos demonstram que não havia qualquer instrução para não mostrar a ficha técnica aos clientes”.

Decidindo:

Compulsada a prova produzida, nomeadamente a prova testemunhal que foi objecto da devida audição por parte deste Tribunal (estando, exceptuando pequenos lapsos, fielmente reproduzida na transcrição junta), não resulta claramente da mesma que o facto em apreciação deva merecer diferenciada resposta, ou seja, que se imponha a sua consideração como facto provado.

Efectivamente, em nenhum momento foi referenciado pelas testemunhas inquiridas, nem tal resulta de qualquer outro meio de prova produzido, que aos funcionários o Banco Réu tenham sido dadas instruções para não entregarem aos clientes, que subscrevessem ou mostrassem interesse em subscrever as obrigações, as notas informativas referenciadas nos factos 4. e 15. provados, ou para nem sequer mostrarem tais notas informativas. O que bem ajuizou o Tribunal apelado ao fundamentar a não prova deste facto no teor do depoimento da testemunha AA….

Apenas resulta que normalmente não eram mostradas e que os clientes também normalmente não o solicitavam nem davam importância a tal, focando antes a sua atenção nalgumas características do produto financeiro que lhes era apresentado ou disponibilizado.

Pelo que, sem ulteriores delongas, à míngua de produção probatória que o sustente, a decisão só pode ser a de improcedência de figurar como factualidade provada a constante da alínea a) dos factos não provados, que aí deve manter-se.

no que concerne à alínea c) dos factos não provados

Relativamente ao presente ponto factual, o argumentário da Recorrente, fundado nos depoimentos das testemunhas AA… e BB…, enformou-se nos seguintes termos:

A testemunha AA… afirmou que tratava-se de “um produto, produto de risco do Banco, era assim que ele era vendido, foi assim que eu vendi a vários clientes e aconselhei. (…)”; “(…) era um produto seguro, um produto que nós considerávamos de risco igual a um deposito a prazo, idêntico (...)” (pág. 7 da transcrição)”, referindo, ainda, que “(…) para nós era um produto do Banco e como tal era, tinha-o como seguro, e era assim que era entendido por toda a estrutura do Banco”; “Para nós, C…., S…., para nós era a mesma coisa, era (…) entidades jurídicas, mas para nós, o conceito que era, era Banco, portanto, era (…) vendido no Banco, (…) e sabíamos que havia, a S…. detinha o Banco, para nós o risco era igual” (pág. 8 da transcrição)”.

E que “O que na altura, ela, ela, quando, quando foi apresentada a aplicação, era uma aplicação do Banco que, ela, diz estar segura, aquela aplicação não tinha risco” (pág. 19 da transcrição); “(…) nós dizíamos o produto com completa consciência que estávamos a vender um produto seguro, um produto, um produto seguro, um produto do Banco” (pág. 23 da transcrição).

Por outro lado, a testemunha BB… também refere que “(…) Para o cliente era visto, praticamente, e para nós também, dizíamos ao cliente que era risco do Banco, era quase semelhante a um deposito a prazo, porque isto era semelhante” (pág. 39 da transcrição)”.

E esclarece que “O que, no fundo, era explicado ao cliente era uma, um produto financeiro a 10 anos, com uma taxa, uma rentabilidade boa, acima do deposito a prazo, garantido, com capital garantido e era isso (…) que se apresentava praticamente ao cliente, não é, eram os pontos importantes, era o capital está garantido, a taxa de juro está garantida, pronto, a partir daí está tudo bem (…)” (pág. 43 da transcrição)”.

Acrescenta, então, que “se o próprio gestor de conta da autora lhe garantiu que o produto era garantido pelo Banco, se ele próprio estava convencido desse facto, como é que se pode dizer que a autora não foi enganada aquando da aquisição da obrigação dos autos?

Ainda que a autora fosse uma pessoa informada e tivesse outros produtos financeiros no Banco réu, o argumentário de venda das Obrigações S….-2… era, como já vimos, de “Capital garantido” pelo C….

Foi essa a informação que lhe foi prestada pelo seu gestor de conta, conhecido de longa data, em quem a autora confiava e de quem aceitava, de boa-fé, os conselhos e recomendações sobre como melhor gerir e fazer render o dinheiro que tinha depositado no Banco réu.

E era essa a informação que todos os funcionários do Banco réu haviam recebido, na altura, dos seus superiores hierárquicos (através do argumentário interno de venda do produto) e na qual acreditavam plenamente.

E era essa confiança que transmitiam, depois, aos seus melhores clientes, conhecidos, amigos…

Pelo que, atento o supra exposto, deverá ser dada por “provada” a alínea c) dos factos não provados” – cf., artigos 21. a 31. do corpo das alegações.

Na resposta, alega o Banco Apelado não ter “sido produzida qualquer prova de que tenha sido transmitido à Autora que o Banco asseguraria o pagamento do produto no seu vencimento ou que este fosse apenas um mero sucedâneo de um depósito a prazo”.

Na motivação feita constar na sentença apelada, a Sra. Juíza a quo fundou a resposta negativa dada a tal facto, nomeadamente, no depoimento prestado pela testemunha AA…, cujo teor fez corresponder, no que ora se cuida, nos factos 13. e 14 provados, ou seja, ter-se provado que “o funcionário do banco explicou ainda à A. que podia proceder ao resgate do valor em causa, desde que transmitisse as obrigações, por endosso a terceiros, e se o fizesse antecipadamente perderia apenas os juros”, e que “foi ainda dito à autora que o produto financeiro adquirido era um produto seguro e emitido pela dona do banco, a S.…”.

Decidindo:

Da audição da prova testemunhal produzida existe uma declarada sintonia na consideração de que aquele produto era vendido como seguro, de “risco Banco”, “quase semelhante a um depósito a prazo”.

O que era fundamentado pelo facto do mesmo ser emitido pela então dona do C….–Banco……,S.A., ou seja, a sociedade S….–S……,….,S.A..

Donde resultava que, para os funcionários do Banco C…., este e a sociedade S…., dona do Banco, “era a mesma coisa”, apesar de bem saberem que se tratavam de entidades jurídicas distintas, pois consideravam que tal implicava idêntico risco. Efectivamente, se o produto (obrigações) provinha e era emitido pela dona do Banco, seria lógico concluir que a garantia também se encontrava no próprio Banco, como uma activo daquela sociedade emitente.

Todavia, o que não resulta da prova produzida, nem é legítimo da mesma extrapolar, ainda que por mera presunção, é que os funcionários do Apelado Banco lhe tenham concretamente afiançado que “o retorno das quantias em questão era garantido pelo próprio Banco”. Ou seja, que para além da entidade emitente – S….–, também o Banco–C….-, como entidade jurídica distinta, garantia ou afiançava o pagamento da aplicação financeira em causa, aquando da sua maturidade, isto é, que garantia ou afiançava o pagamento do capital investido aquando do terminus do período da aplicação.

Efectivamente, o Banco C…. apenas serviria de, digamos, garante da aplicação financeira vendida, na medida em que fazia parte do património, ou seja, do activo, da entidade emitente do produto obrigações – S….-, caso esta não cumprisse, findo o período do empréstimo titulado por obrigações, com o dever de reembolso do capital aplicado.

Pelo que, nos termos em que o aduzido facto surge afirmado, a conclusão só pode a ser o reconhecimento da sua não prova, o que se decide, devendo manter-se na elencagem dos factos não provados.

no que concerne à alínea e) dos factos não provados
              
No que concerne ao presente ponto impugnatório, aduz a Recorrente que “deveria ter ficado a constar dos factos provados que não foi mencionada nem explicada á autora a característica da subordinação.

Efectivamente, questionada sobre o assunto, disse a testemunha AA… que “Não, eu não tinha essa ideia na altura (…) penso que a maioria das pessoas ou quase todas não tinham a noção desse ponto, desse conceito (…) para nós era um produto do banco (…)” (pág. 8 da transcrição)”.

Acrescenta, ainda, que também “a testemunha BB…, questionada sobre o assunto, referiu que “Não. (…) mesmo nós próprios funcionários não tínhamos formação nessa área, isto foi muito mais tarde, digamos, em 2008, em que nós tivemos formação sobre obrigações subordinadas. (…) o que era uma obrigação subordinada, também nós, faltava-nos essa própria formação.” (pág. 38 da transcrição)”.

Pelo que, conclui, devia “ter ficado a constar da matéria de facto provada que a característica da subordinação não foi referida á autora e nem sequer era conhecida dos funcionários do banco que com a autora lidavam” – cf., artigos 32. a 35. do corpo das alegações.

Nas contra-alegações apresentadas, refere o Banco Apelado que “a testemunha AA… foi muito claro ao afirmar que nunca transmitiu à Apelante que o produto se tratava de uma obrigação e muito menos que lhe tivesse explicado o que era a subordinação”.

Na fundamentação de tal resposta negativa, fez-se constar na sentença apelada que a testemunha AA… “em momento algum referiu que se tratava de uma obrigação, ou explicou a subordinação, dizendo que era uma «aplicação» ou «produto», daí o facto negativo da alínea e) (….)”.

Decidindo:

Vejamos.

Encontra-se dado como não provado que “tenha sido dito à Autora, aquando da aquisição, que era uma obrigação e subordinada”, pretendendo a Apelante Autora que se dê como provado que a ”característica da subordinação não foi referida à Autora e nem sequer era conhecida dos funcionários do Banco que com a Autora lidavam”.

Na sua petição inicial, refere a Autora que (sublinhado nosso):
– o funcionário do Banco Réu referiu-lhe “que se tratava de um produto com muita procura, o qual lhe proporcionaria um rendimento bem superior ao de um depósito a prazo que tinha ali no Banco, pelo que lhe aconselhava a compra de 1 obrigação S….-2…, no valor de € 50.000,00” – cf., artº. 51º ;
– foi-lhe assegurado que “não obstante tratar-se de obrigação a dez anos, esta poderia, querendo, resgatá-la a qualquer altura, com o que apenas sofreria, como sucede nos depósitos a prazo, uma penalização nos juros” – cf., artº. 60º ;
– nunca “teria aceitado subscrever 1 obrigação «S….-2…», se lhe tivessem sido explicadas as características do produto que lhe estava a ser vendido (….)” – cf., 1ª parte do artº. 71º. 
Resulta do exposto que a Autora reconhece, desde logo no seu articulado inicial, ter-lhe sido dito, aquando da aquisição, que o produto oferecido/proposto era uma obrigação, afirmando, todavia, não lhe ter sido dito que a mesma tinha a natureza de subordinada – cf., artigos 146º e 147º do mesmo articulado.
Na contestação apresentada, o Réu Banco, ora Apelado, alegou que:
–“apresentou o produto como se tratando de subscrição de obrigações”– cf., artº. 61º ;
– “apresentou as condições do produto” – cf., artº. 65º ;
– “a Autora foi total e exaustivamente esclarecida sobre as condições do produto (…)”, tendo-lhe sido apresentadas “as características”– cf., artºs. 73º e 76º.

Resulta do exposto o seguinte:

1.– por um lado, não pode manter-se a resposta conferida à alínea e), no segmento em que se deu como não provado que tenha sido dito à Autora, aquando da aquisição, que o produto financeiro era uma Obrigação ;
2.– com efeito, nesta parte não pode valorar-se o aduzido pela testemunha AA…, quando este afirma, de forma reiterada no depoimento prestado, que não terá dito à ora Apelante que o produto financeiro se tratava de uma obrigação ;
3.– com efeito, para além da pouca fiabilidade do declarado, que resultou manifesta das declarações prestadas, nessa parte, conforme decorreu do confronto com as mesmas efectuado pelo Ilustre Mandatário do Réu Banco, é a própria Autora a reconhecer, nos termos supra expostos, que tal lhe terá sido dito aquando da aquisição ;

4.– pelo que, desde logo, decide-se pela alteração do ponto 8. da matéria de facto dada como provada, a qual passará a ter a seguinte redacção:
A Autora foi contactada em Abril de 2006, por um funcionário do Balcão onde a A. tinha conta, dizendo-lhe que estava a ser lançado um novo produto financeiro, com a natureza de Obrigação, de características similares às de um depósito a prazo, só que melhor remunerado, com capital garantido” ;

5.– no que concerne à sua natureza subordinada, não resulta efectivamente da prova produzida que a mesma tenha sido transmitida à Autora, o que melhor apreciaremos infra ;
6.– pelo que, na ponderação das várias soluções plausíveis, poderá entender-se caber ao Banco Réu observar o ónus probatório da prestação de tal informação à cliente Autora ;
7.– pelo que, de acordo com tal entendimento, cabendo-lhe tal ónus, a resposta factual deve ser efectuada nos termos feitos constar na sentença apelada, ou seja, de acordo com a versão factual aduzida pelo Réu contestante (supra exposta) ;
8.– e não nos propostos termos negativos, ou seja que “a característica da subordinação não foi referida á autora” ;

9.– donde resulta que a alínea e) dos factos não provados deverá manter-se, ainda que com diferenciada redacção, nos seguintes termos:
que tenha sido dito à Autora, aquando da aquisição descrita de 8. a 12., que a mencionada Obrigação era subordinada” ;

10.– por fim, relativamente à pretensão de que figure na factualidade provada que a característica da subordinação não era conhecida dos funcionários do banco que com a autora lidavam, esta sempre seria susceptível de aditamento, como facto instrumental, nos quadros da alínea a), do nº. 2, do artº. 5º, do Cód. de Processo Civil, pois trata-se de matéria de facto que não foi objecto de alegação ;
11.– todavia, apesar de tal ter sido afirmado pelas testemunhas inquiridas, nos termos transcritos, não se nos afigura que tal mereça a mínima credibilidade ou ponderação ;
12.– com efeito, as características da subordinação das Obrigações em venda, relativamente ao ponto fulcral ou essencial decorrente de tal natureza – o reembolso do subscritor fica subordinado ao prévio reembolso de todos os demais credores, tendo, no entanto, prioridade sobre os accionistas da S….,……, SA -, encontram-se devidamente explicitadas quer na Nota Informativa referenciada no facto 4. – cf., fls. 63 vº a 79 vº -, quer na informação interna descrita no ponto 15. – cf., fls. 97 a 101 ;
13.– pelo que, não podendo tais testemunhas, atentas as funções que exerciam, desconhecer o conteúdo de tais documentos, não é minimamente verosímil o alegado total desconhecimento das características da subordinação ;
14.– pelo que, sem outras delongas, nessa parte, conclui-se pela improcedência da impugnação factual apresentada.

no que concerne aos factos constantes dos artigos 13º e 14º da petição inicial

Invoca a Apelante que a matéria factual constante dos artigos 13º e 14º da petição inicial não foi impugnada pelo banco Réu, pelo que devem passar a figurar, como admitidos por acordo, nos factos provados.

Acrescenta que tal factualidade foi elencada no ponto 1 dos temas de prova e que são essenciais para a descoberta da verdade material, não podendo deixar de figurar na matéria de facto provada.

Ao não fazê-lo, conclui, incorreu o Tribunal no vício de apreciação e valoração da prova, invocando o prescrito no artº. 607º, nº. 4, do Cód. de Processo Civil – cf., artigos 36. a 41. do corpo das alegações.

Decidindo:

Os artigos da petição inicial em consideração têm a seguinte redacção:
“a Autora não poderia deixar de ser considerada perante o Banco Réu como uma investidora não qualificada” – artº. 13º ;
“a Autora não tinha realizado naquele Banco quaisquer “operações de volume significativo nos mercados de valores mobiliários, com a frequência média de, pelo menos, 10 operações por trimestre ao longo dos últimos 4 trimestres”, nem tinha “uma carteira de valores mobiliários de montante superior a €500.000,00”, nem tinha, por último, “prestado funções, pelo menos durante 1 ano, no setor financeiro, numa posição profissional em que seja exigível o conhecimento do investimento em valores mobiliários” – artigo 110.º-A, n.º 1, al. b) do C.V.M. in fine” – artº. 14º.

Efectivamente, os artigos em equação não foram objecto de impugnação por parte do Réu contestante, conforme decorre da oposição/contestação apresentada nos autos, maxime do disposto nos artigos 78º e 79º deste articulado.

O aduzido no artº. 14º consubstancia, ainda que com remissão para o conceito qualificativo exposto no artº. 110º-A, do Código dos Valores Mobiliários (aprovado pelo DL nº. 486/99, de 13/11, na redacção conferida pelo DL nº. 52/2006, de 15/03), verdadeira alegação factual, que o Réu Banco não questiona, tendo por pressuposto a enunciação dos requisitos ou pressupostos para que pequenas e médias empresas, bem como pessoas singulares, devam ser considerados investidores qualificados (cf., a alínea b), do nº. 1).

Estamos, assim, perante matéria factual ponderável, pois tal qualificação tem efectiva e real importância na definição do perfil da Autora enquanto investidora financeira, o que constitui tema de prova (nº. 1).

Por outro lado, o aduzido no artº. 13º traduz a definição ou qualificação que deve ser extraída daquela mesma factualidade, possuindo natureza claramente conclusiva.

Pelo que, no aproveitamento do alegado, decide-se aditar á matéria de facto provada um novo ponto, que figurará sob o nº. 7-A, com a seguinte redacção:
em Maio de 2006, a Autora não tinha realizado no Banco Réu quaisquer operações de volume significativo nos mercados de valores mobiliários, com a frequência média de, pelo menos, 10 operações por trimestre ao longo dos últimos 4 trimestres, nem tinha uma carteira de valores mobiliários de montante superior a €500.000,00, nem tinha, por último, prestado funções, pelo menos durante 1 ano, no sector financeiro, numa posição profissional em que seja exigível o conhecimento do investimento em valores mobiliários”.

da demais modificabilidade da matéria de facto – cf., artº. 607º, nºs. 4 e 5, ex vi do nº. 2, do artº. 663º, e 662º, nº. 1, todos do Cód. de Processo Civil

Por remissão do nº. 2, do artº. 663º, dispõem os nºs. 4 e 5, do artº. 607º, ambos do Cód. de Processo Civil, que “na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.

5– O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.

Ora, da audição efectuada da prova testemunhal produzida constata-se ter-se apurado factualidade que poderá revelar-se de importância para a resolução do litígio trazido a juízo, referente às condições pessoais da Autora, nomeadamente no que concerne à densificação do seu perfil enquanto investidora financeira, constituindo este um tema de prova.

Reportamo-nos, nomeadamente, à alegação de que a Autora é licenciada em economia ou em gestão de empresas,exercendo,à data da aquisição da Obrigação S….-2…, as funções de directora financeira de uma empresa.

Tal prova resulta das declarações da testemunha AA…, concretamente aos minutos 2.35 a 2.45 e 18.04 a 18.09 do seu depoimento, encontrando-se as mesmas devidamente transcritas a fls. 3 e 12 da transcrição junta aos autos.

Tal factualidade, não aduzida pelas partes, poderá, e deverá, ser considerada pelo julgador como facto instrumental resultante da instrução da causa, nos quadros da alínea a), do nº. 2, do artº. 5º, do Cód. de Processo Civil, resultando a sua relevância, desde logo, na aferição da amplitude dos deveres de informação a prestar pelo intermediário financeiro (in casu, o Banco Apelado), a qual varia, no que concerne à extensão e profundidade, consoante o grau de conhecimentos e experiência do cliente (in casu, a Autora Apelante) – cf., o nº. 2, do artº. 312º, do Código dos Valores Mobiliários (aprovado pelo DL nº. 486/99, de 13/11, na redacção inicial, então vigente, o qual dispunha que “a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente”).

Pelo exposto, decide-se em aditar um novo facto á matéria factual provada, que figurará sob o nº. 7-B, com a seguinte redacção:
“a Autora é licenciada em economia ou gestão de empresas, desempenhando, em Abril/Maio de 2006, as funções de Directora Financeira numa empresa”.

No articulado inicial, alega a Autora que a Obrigação referenciada nos autos não foi paga pela sociedade emitente – cf., artº. 110º, 2ª parte.

Tal facto não mereceu controvérsia por parte do Banco Réu, conforme resulta do articulado contestação, nomeadamente dos artigos 78º e 79º desta.

Todavia, apesar de admitido por acordo das partes, tal facto não figurou, como devia, na factualidade provada, sendo certo que o mesmo é reconhecidamente relevante para a apreciação do petitório em equação.

Pelo exposto, ao abrigo do prescrito no nº. 1, do artº. 662º, do Cód. de Processo Civil, adita-se à matéria factual provada um novo facto, que figurará sob o nº. 20., com a seguinte redacção:
A «S….–S……,….,S.A.», presentemente denominada «G….,……,S.A.», não pagou a obrigação identificada em 12. na data do seu vencimento”.

Igualmente no articulado inicial invoca a Autora que aquando da aquisição da Obrigação nunca lhe foi transmitido pelo Banco Réu que esta tinha a natureza de “subordinada” – cf., 2ª parte do artº. 71º.

Todavia, na resposta à matéria de facto operada pelo Tribunal a quo apenas se referenciou a versão factual aduzida pelo Réu Banco, constando da alínea e) dos factos não provados, ora rectificada, que tenha sido dito à Autora, aquando da aquisição descrita de 8. a 12., que a mencionada Obrigação era subordinada.

Ora, tendo em atenção as várias soluções possíveis em termos de ónus probatório – e consigne-se, desde já, entendermos que este, no que concerne á existência do incumprimento, quer a relação venha a ser apreciada no âmbito da responsabilidade bancária, quer venha a operar-se no âmbito da intermediação financeira, onera a Autora investidora -, tal facto deveria ter merecido apreciação segundo a versão factual aduzida pela Autora. O que não se mostra efectuado.

Assim, apreciando a prova produzida, nomeadamente as declarações prestadas pela testemunha AA…, resulta exuberantemente das declarações por este prestadas que a característica da subordinação não chegou a ser transmitida à Autora – cf., pag. 7 e 8 da transcrição -, o mesmo se extraindo das declarações da testemunha BB…, ao mencionar que a característica da subordinação não era transmitida, aduzindo, inclusive, que aos próprios funcionários faltava formação nessa área – cf., pág. 38 da transcrição.

Pelo exposto, ao abrigo do prescrito no nº. 1, do artº. 662º, do Cód. de Processo Civil, adita-se à matéria factual provada um novo facto, que figurará sob o nº. 14.-A, com a seguinte redacção:
nunca tendo sido transmitido à Autora que a Obrigação descrita em 8. tinha natureza subordinada”.  

Resulta ainda da petição inicial a alegação da Autora de que nunca teve acesso aos documentos nºs. 6 e 7, ou seja, à nota informativa descrita nos factos 4. e 5., bem como à informação existente a nível interno, descrita no facto 15..

Tal facto foi devidamente corroborado pelo depoimento das testemunhas inquiridas, as quais mencionaram o que alegadamente era transmitido aos adquirentes, referenciando expressamente a testemunha AA… que a ficha técnica do produto raramente era entregue aos clientes, apenas tal sucedendo quando o solicitavam – cf., página 4 da transcrição. E, alegando não ter transmitido à Autora, nomeadamente, a característica da subordinação da Obrigação (e inclusive que se tratava de uma Obrigação, não sendo, nesta parte valorado o aduzido, nos termos supra justificados), logicamente daí se depreende que nunca tais documentos foram exibidos ou entregues.

Pelo que, tendo tal facto importância para o total aferir da informação prestada à Autora, enquanto cliente investidora, decide-se, nos termos do citado nº. 1, do artº. 662º, do Cód. de Processo Civil, aditar à matéria factual provada um novo facto, que figurará sob o nº. 15.-A, com a seguinte redacção:
“tal informação, bem como a nota informativa descrita em 4. e 5., nunca foram mostradas á Autora, nem lhe foi entregue cópia das mesmas”.  

Em guisa conclusória, no que se reporta ao presente segmento recursório de impugnação da matéria factual, decide-se, num juízo de parcial procedência, o seguinte:
– na manutenção dos factos a) e c) na factualidade não provada ;
– na alteração do ponto 8. da matéria de facto dada como provada, a qual passará a ter a seguinte redacção:
“A Autora foi contactada em Abril de 2006, por um funcionário do Balcão onde a A. tinha conta, dizendo-lhe que estava a ser lançado um novo produto financeiro, com a natureza de Obrigação, de características similares às de um depósito a prazo, só que melhor remunerado, com capital garantido” ;
– na alteração da redacção da alínea e) dos factos não provados, que passará a ter a seguinte redacção:
que tenha sido dito à Autora, aquando da aquisição descrita de 8. a 12., que a mencionada Obrigação era subordinada” ;
– no aditamento á matéria de facto provada de um novo ponto, que figurará sob o nº. 7-A, com a seguinte redacção:
“devendo ser considerada  perante o Banco Réu como uma investidora não qualificada” ;
– no aditamento de um novo facto á matéria factual provada, que figurará sob o nº. 7-B, com a seguinte redacção:
“a Autora é licenciada em economia ou gestão de empresas, desempenhando, em Abril/Maio de 2006, as funções de Directora Financeira numa empresa” ;

– no aditamento de um novo facto á matéria factual provada, que figurará sob o nº. 20., com a seguinte redacção:
A «S….–S……,….,S.A.», presentemente denominada «G….,……,S.A.», não pagou a obrigação identificada em 12. na data do seu vencimento” ;
– no aditamento de um novo facto á matéria factual provada, que figurará sob o nº. 14-A, com a seguinte redacção:
“nunca tendo sido transmitido à Autora que a Obrigação descrita em 8. tinha natureza subordinada” ;
– no aditamento de um novo facto á matéria factual provada, que figurará sob o nº. 15-A, com a seguinte redacção:
“tal informação, bem como a nota informativa descrita em 4. e 5., nunca foram mostradas á Autora, nem lhe foi entregue cópia das mesmas”.

A–Do enquadramento jurídico

A sentença apelada raciocinou, basicamente, nos seguintes termos:
– a Autora pretende receber o valor correspondente ao montante investido na Obrigação subscrita, acrescido dos respectivos juros, não da entidade emitente da mesma – S….(S……,….,S.A.), presentemente G.…) -, mas antes do Réu Banco – D.…, que sucedeu ao C.… (Banco……,S.A.)-, como intermediário financeiro na venda dessa Obrigação, imputando-lhe a violação dos deveres de informação, lealdade e protecção ;
– assim, a responsabilidade civil em causa é a do intermediário financeiro, estando em equação a verificação dos respectivos requisitos ou pressupostos – facto, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade -, competindo ao cliente/investidor, ou seja, à ora Autora, a prova do facto ilícito e do nexo de causalidade (adequada) ;
– não está demonstrada qualquer actuação ilícita por parte do intermediário financeiro, pelas informações prestadas, à data, com o conhecimento que existia na altura, pelo que não se pode concluir pela violação do dever de informação ;
– para além da ausência da prova da ilicitude, também não se verifica, no caso concreto, o nexo de causalidade entre a actuação do Banco Réu, na qualidade de intermediário financeiro, e o não reembolso do capital investido ;
– o que determina a decisão de improcedência da acção, com consequente juízo de absolvição do Réu do pedido formulado pela Autora.

Analisemos acerca do (des)acerto do decidido.

I)–DA ACTIVIDADE e RESPONSABILIDADE DECORRENTE da INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA

A intermediação financeira traduz ou designa o conjunto das actividades ou práticas destinadas a mediar o encontro entre a oferta e a procura no mercado de capitais, assim assegurando o seu eficaz e regular funcionamento [14].

O legislador não avança com a definição de intermediação financeira ou de intermediário financeiro, “optando por elencar as actividades e serviços reconduzíveis a essa qualidade e por estabelecer um regime de controlo profilático, sujeitando o exercício da actividade a autorização concedida pela autoridade competente e a registo prévio junto da CMVM”  [15], conforme dispõem as alíneas a) e b), do nº. 1, do artº. 295º, do Código dos Valores Mobiliários [16].

Por sua vez, o nº. 1, do artº. 289º, do mesmo diploma, elenca as actividades de intermediação financeira, entre as quais figuram, os serviços e actividades de investimento em instrumentos financeiros, enumerados no artº. 290º, enumerando-se entre os serviços de investimento “a recepção e a transmissão de ordens por conta de outrem” e “a execução de ordens por conta de outrem” – cf., alíneas a) e b), do nº. 1.

Tal actividade é passível de ser exercida pelos bancos como resulta previsto nos artigos 4º/1 als e), f), h), i) e r) e 199º-A do Decreto-Lei 298/92, de 31 de Dezembro (Regime Geral das Instituições de Crédito) e dos artigos 289º e 293º, ambos do Código dos Valores Mobiliários.

Relativamente aos contratos de intermediação financeira, traduzem-se estes nos negócios jurídicos celebrados entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor) relativos à prestação de actividades de intermediação financeira, encontrando-se elencados nos artigos 321º a 345º, do CVM.

Para além dos contratos de intermediação típicos – gestão de carteira ; assistência ; colocação ; tomada firme ; registo e depósito -, configuram-se dois tipos de contratos de intermediação comuns, nomeadamente o “contrato de consultoria para investimento” e “contrato de intermediação em sentido estrito, também dito negócio de cobertura”.

Tais contratos têm como objecto mediato, valores mobiliários (acções, obrigações, unidades de participação, entre outros), mas também instrumentos monetários, tais como bilhetes do tesouro, papel comercial, obrigações de caixa e também instrumentos derivados, entre eles, futuros, opções, swaps.

E, tais contratos, traduzindo efectivos negócios jurídicos celebrados entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor) relativos à prestação de actividades de intermediação financeira, pressupõem a existência de um negócio antecedente – designado normalmente como negócio de cobertura – que serve de base à subscrição ou transacção de valores mobiliários, assumindo-se estas operações como negócios de execução da relação de cobertura.

Nas palavras de Menezes Cordeiro [17], “a receção, transmissão e execução de ordens surgem sempre associadas a um contrato base – contrato de abertura de conta, contrato de intermediação ou mesmo contrato de intermediação financeira de receção e transmissão de ordens -, quer seja anterior ao envio e à receção da ordem, quer seja contemporâneo da própria ordem”.

Pelo que, “uma ordem dirigida a um intermediário financeiro representa inevitavelmente, um negócio jurídico, na medida em que depende de uma manifestação de vontade e o seu exacto conteúdo é determinado pelo cliente (declaratário)”. E, “as ordens sobre valores mobiliários, dirigidas a um intermediário, são negócios jurídicos unilaterais, visto produzirem efeitos por si só: não estão dependentes de qualquer tipo de aceitação ou de acordo. Quando o intermediário dá seguimento à ordem, está apenas a cumprir as obrigações assumidas pelo cliente ; quando recusa, está a obedecer à Lei”.

No que concerne à sua natureza jurídica, entende José Engrácia Antunes [18] traduzir-se o negócio jurídico de cobertura num contrato de comissão, regulado pelo CVM, configurando-o como um contrato de mandato Carlos Ferreira de Almeida [19] e Menezes Cordeiro [20].

Deste modo, a execução das ordens que o intermediário recebe a partir do seu cliente que pretende investir pode ser efectuada de duas formas: ou por conta alheia do cliente, com base no artigo 290.º, n.º 1, a) e b) do CVM, ou por conta própria tornando-se na contraparte, nos termos dos artigos 290.º, n.º 1, e) e 346.º do CVM.

Pelo que, se a execução for efectuada por conta alheia do cliente, pode-se falar nos já denominados negócios de cobertura e negócios de execução, em que, no primeiro caso, o negócio é celebrado entre o intermediário e o cliente para que aquele possa celebrar os negócios de execução.

Neste tipo contratual de intermediação financeira, configuram-se, ainda, como particularidades a assinalar:
– O facto das ordens do ordenador/investidor poderem ser transmitidas por via oral ou de forma escrita – cf., artigo 327.º, n.º 1 do CVM ;
– a configuração de um dever de aceitação, por parte do intermediário, das ordens recebidas – nº. 3, do artº. 326º, do CVM -, não obstante ter ainda o dever, e poder, de recusa, segundo os trâmites dos nºs. 1 e 2, do mesmo normativo ;
– a possibilidade de o cliente poder revogar ou modificar as ordens dadas por si, segundo as regras prescritas pelo art. 329.º do CVM ;
– a existência de uma “obrigação del credere”, em que o intermediário financeiro garante estritamente o cumprimento das obrigações assumidas – cf., artº. 334.º do CVM ;
– o cumprimento das ordens deverá reger-se e obedecer ao princípio legal de execução das melhores condições, nos termos dos artigos 330.º a 333.º do CVM.

                             
II)–DOS DEVERES DOS INTERMEDIÁRIOS FINANCEIROS, MAXIME, DOS DEVERES DE INFORMAÇÃO

No âmbito dos deveres dos intermediários financeiros, mas focando-nos essencialmente sobre os deveres de informação que os oneram, as normas do Código dos Valores Mobiliários a considerar são, fundamentalmente, as seguintes:

Artigo 7º
Qualidade da informação
1- A informação respeitante a instrumentos financeiros, a formas organizadas de negociação, às actividades de intermediação financeira, à liquidação e à compensação de operações, a ofertas públicas de valores mobiliários e a emitentes deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita.
2- O disposto no número anterior aplica-se seja qual for o meio de divulgação e ainda que a informação seja inserida em conselho, recomendação, mensagem publicitária ou relatório de notação de risco.
(…).”


Artigo 30.º
Investidores institucionais
1— Consideram-se investidores institucionais as instituições de crédito, as empresas de investimento, as instituições de investimento colectivo e respectivas sociedades gestoras, as empresas seguradoras e as sociedades gestoras de fundos de pensões.
2— Não beneficiam da protecção conferida aos investidores não institucionais as entidades públicas, as sociedades abertas, as sociedades gestoras de participações sociais, os titulares de participação qualificada em sociedade aberta, os consultores autónomos e as entidades colocadoras de unidades de participação por conta de outrem.”

Artigo 304.º
“Princípios
1— Os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.
2— Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.
3— Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar.
4— Os intermediários financeiros estão sujeitos ao dever de segredo profissional nos termos previstos para o segredo bancário.
5— Estes princípios e os deveres referidos nos artigos seguintes são aplicáveis aos titulares do órgão de administração do intermediário financeiro e às pessoas que efectivamente dirigem ou fiscalizam cada uma das actividades de intermediação.”

Artigo 305.º
Aptidão e organização profissionais
1—No exercício da sua actividade, o intermediário financeiro deve assegurar elevados níveis de aptidão profissional.
2—O intermediário financeiro deve manter a sua organização empresarial equipada com os meios humanos, materiais e técnicos necessários para prestar os seus serviços em condições adequadas de qualidade e de eficiência e por forma a evitar procedimentos errados ou negligentes.”

Artigo 312.º
“Deveres de informação
1— O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:
a)- Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;
b)- Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar;
c)- Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente que abranja os serviços a prestar;
d)- Custo do serviço a prestar.

2— A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.
3— A circunstância de os elementos informativos serem inseridos na prestação de conselho, dado a qualquer título, ou em mensagem promocional ou publicitária não exime o intermediário financeiro da observância dos requisitos e do regime aplicáveis à informação em geral.”

Artigo 314.º
“Responsabilidade civil
1— Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.
2— A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.”

Artigo 324.º
“Responsabilidade contratual
1— São nulas quaisquer cláusulas que excluam a responsabilidade do intermediário financeiro por actos praticados por seu representante ou auxiliar.
2— Salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos.” (sublinhado nosso).

No exercício da actividade de intermediação financeira, os intermediários financeiros encontram-se sujeitos a múltiplos deveres de informação, sejam estes comuns – cf., artigos 304º e 312º -, sejam específicos ou característicos dos vários contratos de intermediação – cf., artigos 321º e segs. -, ou das regras de negociação por conta própria – cf., artigos 346º e segs..

Segundo os ditames do Código dos Valores Mobiliários, a actividade dos intermediários financeiros deve regular-se pela bússola que acautela a protecção dos legítimos interesses dos seus clientes, com observância das exigências e directivas da boa fé, de acordo com elevados padrões de lealdade e transparência.

Acrescentando-se, ainda, que a protecção conferida pelo sistema legislativo vigente, através das normas que disciplinam a actuação do intermediário financeiro, não se centra na decisão de investimento mas sim o processo que leva à formação dessa decisão de investimento.

Nas palavras de Menezes Cordeiro [21], a visão clássica que atribui ao Direito dos valores mobiliários duas grandes funções – a protecção dos investidores e a eficiência do mercado – “apresenta-se excessivamente formal e, consequentemente, de pouca utilidade real”, o que inclusive sucede no campo da interpretação jurídica, em que o “seu interesse tende a circunscrever-se à protecção dos investidores: confrontado com um preceito de conteúdo impreciso, o intérprete-aplicador deve assumir a solução que melhor acautele a posição jurídica desses sujeitos”.

Propõe, assim, que a matéria em equação seja sistematizada e focada em “dois grandes princípios, necessariamente sustentados em normas e institutos mobiliários: (i) a integridade ; e (ii) a transparência”.

Nestes, “a disponibilização de informação clara, precisa e de forma atempada consubstancia uma exigência do princípio da transparência”, sendo, todavia, distintas as preocupações subjacentes a cada um dos institutos: ”em termos genéricos, mas esclarecedores, a transparência respeita à divulgação de informação e a integridade ao nivelamento substantivo da informação que pode ou não ser utilizada”.

Especificamente no que concerne ao princípio da transparência, este aparece “intrinsecamente associado ao conceito de informação e às obrigações de divulgação, impõe-se de forma transversal, em todo o universo mobiliário: um mercado será transparente na exacta medida em que os investidores e os restantes sujeitos mobiliários tenham acesso à informação necessária na tomada das suas decisões”.

A regulação da informação impõe-se, assim, “essencialmente em duas dimensões: (i) o conteúdo da informação ; e (ii) a imposição de extensos e complexos deveres de divulgação, nas mais variadas situações e às mais distintas entidades – emitentes, intermediários e, pontualmente, aos próprios investidores”, tendo como objectivo principal procurar “equilibrar a assimetria informativa que caracteriza os mercados de capitais”.

Deste modo, para além da divulgação e regulação da informação, urge densificar a qualidade desta, salvaguardando “o próprio conteúdo dos elementos que chegam ao mercado”, pelo que o disposto no transcrito artº. 7º do CVM é extensível aos “bens mobiliários, situações mobiliárias e sujeitos mobiliários”, devendo a informação disponibilizada ser “(i) completa ; (ii) verdadeira ; (iii) atual; (iv) clara ; (v) objectiva ; e (vi) lícita”.

A informação disponibilizada deve, deste modo, ser “correcta ou exacta, por oposição a informação falsa, exagerada ou enganosa”, devendo “espelhar, com exactidão, a real situação do emitente, sociedade aberta, intermediário financeiro ou valor mobiliário”. Deve ser objectiva, em vez de tendenciosa, reportando-se a licitude “ao dever de divulgação”, com a ressalva de que “a obrigatoriedade de dar cumprimento ao dever de informação não é certamente absoluto, cedendo sempre que, da aplicação das regras gerais, um direito conflituante se mostre hierarquicamente superior”.

Os intermediários financeiros encontram-se, ainda, adstritos ao dever “de indagar, junto de cada cliente, os «conhecimentos e experiência no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, bem como, se aplicável, sobre a situação financeira e os objectivos de investimento do cliente»”. 
 
Do transcrito artº. 312º, resulta, assim, o núcleo base ou essencial dos deveres informativos que oneram o intermediário financeiro, o qual se traduz no dever de prestação de toda a informação necessária para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, devendo a extensão e profundidade ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimento e experiência do cliente [22], o que implica a consagração do denominado princípio da proporcionalidade inversa.

Apelando, novamente, aos ensinamentos de Menezes Cordeiro [23], os intermediários financeiros estão “naturalmente, sujeitos a deveres de informação passivos, devendo, consequentemente, esclarecer todas as questões que lhes sejam suscitadas, mas é no campo dos deveres ativos que o dever de informação assume maior relevância real: os intermediários financeiros devem prestar, em relação a todos os serviços que ofereçam e independentemente de lhes ser solicitado, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada (…)”.

Impõem-se, consequentemente, tais deveres a todos os clientes, “independentemente da sua natureza qualificada ou não qualificada”, operando-se apenas a distinção relativamente ao grau exigido: “a extensão e a profundidade da informação prestada adequam-se aos conhecimentos e à experiência do cliente (…), devendo, no caso de o cliente ser um investidor não qualificado, ser apresentada de modo a ser plenamente compreendida (..)”.

Neste sentido, e nas palavras do douto Acórdão do STJ de 12/01/2017 [24]“a densidade do dever de informação resulta tanto das características do produto financeiro que o intermediário financeiro tem, obrigatoriamente, de fornecer ao cliente, como da necessidade de suprimento da insuficiência de conhecimento ou experiência revelada pelo cliente”.

Por outro lado, o intermediário financeiro, para além do dever de informação, tem um dever de avaliar a adequação das operações face aos conhecimentos, experiência, situação financeira e objectivos do cliente.

O que resulta, desde logo, do transcrito nº. 1, do artº. 304º, ao referenciar, nos termos já explicitados, ser obrigação daquele orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes, devendo, ainda, nos termos do nº. 2, do mesmo normativo, conformar a sua actividade aos ditames da boa fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

Na previsão legal do citado nº. 1, deste normativo, prevendo-se acerca das relações entre os intermediários financeiros e os clientes, estamos perante “relações de origem contratual ou paracontratual e que assumem uma natureza fiduciária. A prossecução dos interesses dos clientes depende, consequentemente, da emergência de uma relação jurídica reconhecida e protegida e apenas no âmbito dessa relação poderá essa prossecução ser exigida”, não se esperando, logicamente, “que os intermediários financeiros orientem todos os seus atos, independentemente do seu conteúdo e impacto, no interesse de todos os seus clientes”.

Por sua vez, do nº. 2 do mesmo normativo, sem exclusividade no direito mobiliário, mas antes resultando, de forma transversal, de todo o Direito privatístico, do que é emanação nuclear o prescrito no nº. 2, do artº. 762º, do Cód. Civil – actuação de acordo com os ditames da boa fé -, parece resultar, tendo ainda em consideração o artº. 799º, nº. 2, que remete para o nº. 2, do artº. 487º, ambos do mesmo diploma – no que concerne ao conceito de culpa em equação -,  que “do confronto entre os regimes gerais com o regime mobiliário específico (…), do ponto de vista da diligência exigida, um plus: aos intermediários financeiros é exigida uma diligência que ultrapassa o conceito de bom pai de família (homem médio): espera-se uma actuação com elevados padrões de diligência” [25].

Todavia, não é intenção do legislador que o intermediário preste a informação devida de forma cega, em função de um investidor abstracto, mas antes em função das características do investidor concreto, variando a densidade do dever consoante os conhecimentos e experiência desse investidor (nos termos já expostos), aspectos que o intermediário financeiro tem o dever de conhecer, no que concerne às suas habilitações, experiência e situação financeira e objectivos – cf., o nº. 3, do artº. 304º, correspondente ao vigente nº. 1, do artº. 314º [26].

Relativamente á responsabilidade civil do intermediário financeiro, regem os transcritos nºs. 1 e 2 do artº. 314º, do CVM, a que corresponde o vigente artº. 304º-A, do mesmo diploma, na redacção decorrente das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro, ao dispor que “1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

2– A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação”.
No que concerne ao presente regime de responsabilidade civil, parte da doutrina e jurisprudência têm-no reconduzido “ao campo da responsabilidade delitual, apresentando os deveres respeitantes á organização e ao exercício da sua atividade como normas de proteção, para efeitos de aplicação da segunda parte do artigo 483º/1, 2ª parte (…)”.
Assim, defende o mesmo Autor [27], “quando confrontado com a produção de danos na esfera jurídica de um cliente investidor, em decorrência da suposta violação, por parte de um intermediário financeiro, de um dever que o adstringe, cabe ao intérprete-aplicador esclarecer, ab initio, a natureza jurídica desse mesmo dever”.
Pelo que, tratando-se “de um dever contratual, geral ou decorrente do contrato concluído, a resposta é evidente: estamos no campo, por excelência, da responsabilidade obrigacional, prevista no artigo 798º do CC. Nestes casos, quer por aplicação do Direito comum (799º) quer por aplicação do disposto no artigo 304º-A/2, presume-se uma atuação culposa, por parte do intermediário financeiro”.
Todavia, “fora do campo contratual, importa atender a cada dever específico”, de forma a aquilatar-se acerca do preenchimento da 2ª parte, do nº. 1, do artº. 483º, do Cód. Civil, enquanto norma de protecção operatória.
Nas palavras do douto aresto do STJ de 17/03/2016 [28], na responsabilidade civil do intermediador, pelos danos causados ao cliente, estamos perante “uma modalidade de responsabilidade civil que se situa numa zona intermédia entre a responsabilidade contratual e a extracontratual, e que aqui qualificamos como responsabilidade contratual, aplicando-se em consequência o regime do art. 799.º do CC”.

III)–DO (NÃO) PREENCHIMENTO DOS PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DA CONDUTA DO BANCO RÉU

Efectuado o enquadramento jurídico nos termos expostos, retornemos á factualidade a equacionar.

Provou-se que a Autora é, desde há cerca de 15 anos, cliente do Banco Réu, através da agência de L.…, no qual possuía, em Maio de 2006, valores em depósito no valor de 40.000,00 e 10.000,00 €, por transferências ocorridas entre Abril e Maio desse ano – factos 3. e 6..

Provou-se, ainda, que a Autora era considerada conservadora nas aplicações financeiras que possuía no Banco Réu, avessa ao risco e tendo no mesmo essencialmente depósitos bancários, sendo que, em Maio de 2006, não tinha realizado no Banco Réu quaisquer operações de volume significativo nos mercados de valores mobiliários, com a frequência média de, pelo menos, 10 operações por trimestre ao longo dos últimos 4 trimestres, nem tinha uma carteira de valores mobiliários de montante superior a €500.000,00, nem tinha, por último, prestado funções, pelo menos durante 1 ano, no sector financeiro, numa posição profissional em que seja exigível o conhecimento do investimento em valores mobiliários – factos 7. e 7-A..

Em Abril de 2006, a Autora foi contactada por um funcionário do Balcão onde tinha a conta, referindo-lhe que estava a ser lançado um novo produto financeiro, com a natureza de Obrigação, de características similares às de um depósito a prazo, semelhante a este, só que melhor remunerado, com capital garantido e que, atentas as suas características, estava a ter uma procura enorme junto dos clientes do Banco – factos 8., 9. e 10..

O mesmo funcionário do banco explicou ainda à Autora que podia proceder ao resgate do valor em causa, desde que transmitisse as obrigações, por endosso a terceiros, e se o fizesse antecipadamente perderia apenas os juros, bem como que o produto financeiro adquirido era seguro e emitido pela dona do Banco, a S…., acreditando os funcionários daquele Balcão do Banco que os produtos que vendiam eram seguros e que não ofereciam riscos para os subscritores – factos 11., 13. e 14..

A Autora autorizou, então, verbalmente, tal operação, procedendo, em 08/05/2006, á compra de uma Obrigação S….-2…, pelo valor de 50.000,00 € - facto 12..

Provou-se, igualmente, que a nível interno existia ainda uma informação cuja cópia se encontra junta a fls. 97 a 101 e cujo teor se reproduz, que servia de base á explicação dada aos clientes, mas cuja cópia não era dada, salvo se o cliente a solicitasse. E ainda que tal informação, bem como a nota informativa descrita em 4. e 5., nunca foram mostradas á Autora, nem lhe foi entregue cópia das mesmas – facto 15.-A.

O título em causa encontra-se indicado nos extractos emitidos pelo Réu à Autora como pertencendo ao item “carteira de títulos”, onde figuravam “Obrigações EUR” e S….-2…, no valor de 50.000€, encontrando-se a mesma depositada no banco, sendo que os juros contratados na aquisição efectuada nos autos foram pagos até 2015 pela G.…, através do banco Réu – factos 15. a 17..     

Por fim, ainda se provou que a sociedade emitente da Obrigação adquirida não a pagou na data do seu vencimento – facto 20. -,      e que nunca foi transmitido á Autora, durante o processo de aquisição, que a mesma Obrigação tinha natureza subordinada – facto 14.-A.

Em contraponto, não se provou que:
– tenham sido dadas instruções aos funcionários do Banco para não entregarem aos clientes, potenciais ou efectivos subscritores das obrigações, as notas informativas das obrigações em causa, ou para nem sequer mostrarem tal nota informativa aos clientes – facto a) ;
– tenha sido afiançado pelos funcionários do Banco Réu que o retorno das quantias em questão era garantido pelo próprio Banco – cf., facto c).

Verifica-se, assim, que à Autora foi referenciado que:
– O produto financeiro tinha a natureza de Obrigação ;
– Era semelhante e tinha características similares às de um depósito a prazo, só que melhor remunerado ;
– Tinha capital garantido ;
– Era resgatável, antes do período dos 10 anos, desde que transmitisse a Obrigação, por endosso, a terceiros, caso em que apenas perderia os juros ;
– Era um produto seguro, emitido pela dona do Banco, ou seja, pela S….–S……,….  S.A.

Em contraposição:
– Não foram mostradas nem entregues à Autora cópia da informação existente a nível interno, a qual servia de base á explicação dada aos clientes, bem como da nota informativa descrita nos factos 4. e 5., junta a fls. 63 vº a 79 vº ;
– Nunca lhe foi transmitido que a Obrigação em equação tinha natureza subordinada.

Ora, perante tal quadro factual, pode concluir-se pela existência de responsabilidade civil por parte do Banco Réu ?
Na afirmativa, estamos perante responsabilidade bancária, tout court, ou resultará a mesma da actividade do Banco Réu enquanto intermediário financeiro ?
Poderá extrair-se da conduta do banco Réu o preenchimento da totalidade dos pressupostos conducentes a um juízo de efectiva responsabilização civil ?  
       
Vejamos.

Em primeiro lugar, urge referenciar que a aplicação efectuada pela Autora nada tem a ver com o produto depósito a prazo.

Efectivamente, este configura-se como um depósito bancário, isto é, uma disponibilidade monetária entregue a uma entidade que está sujeita a um conjunto de deveres prudenciais de natureza legal e administrativa que se destinam a garantir que essa entidade pode, a todo o momento e salvo particular acordo inter partes, restituir ao depositante o valor correspondente à totalidade ou parte da quantia depositada – cf., artº. 1º, nºs. 1, 4 e 5, do DL nº. 430/91, de 02/11, o qual prevê acerca das modalidades dos depósitos bancários.

Desenha-se juridicamente como um depósito irregular – cf., os artigos 1185º e 1205º, ambos do Cód. Civil -, beneficiando da protecção legal conferida pelo Fundo G......, em caso de insolvência da depositária instituição bancária – cf., os artigos 164º a 166º, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo DL 298/92, de 31/12 [29].

Ora, completamente distinto de tal produto configuram-se as Obrigações, legalmente definidas como “valores mobiliários que, numa mesma emissão, conferem direitos de crédito iguais” sobre a entidade emitente – cf., o artº. 348º, nº. 1, do Cód. das Sociedades Comerciais.

Nas palavras de Menezes Cordeiro [30], “enquanto bem mobiliário, a obrigação consiste num documento representativo de um direito de crédito que confere, ao seu titular, a faculdade de exigir a restituição da quantia monetária avançada, a que acrescem os juros acordados, na data de vencimento do empréstimo”, fundando-se a situação jurídica subjacente, regra geral, “num contrato de mútuo, celebrado entre a entidade emitente das obrigações e os obrigacionistas (investidores)” [31].

Relativamente às suas diferenciadas modalidades, previstas de forma não taxativa no artº. 360º, do Cód. das Sociedades Comerciais, as Obrigações podem ser sistematizadas:
“(i)- quanto aos juros: existência, modo de pagamento e cálculo ;
(ii)- quanto ao capital: com ou sem reembolso ;
(iii)- quanto à protecção concedida aos obrigacionistas ;
e (iv)- quanto aos direitos especiais concedidos aos obrigacionistas”.

E, no que concerne ao indicado terceiro grupo – quanto à protecção concedida aos seus titulares -, dividem-se, ainda, em três distintas modalidades: “as obrigações hipotecárias e as obrigações titularizadas, especialmente favoráveis às pretensões dos obrigacionistas; e as obrigações subordinadas, que surgem num ponto diametralmente oposto”.

Assim, enquanto as duas primeiras atribuem, respectivamente, aos seus titulares “um privilégio creditório especial sobre os créditos hipotecários que lhes subjazem” e “um privilégio creditório especial sobre os bens afetos às obrigações titularizadas”, os titulares das obrigações subordinadas, “em caso de insolvência do emitente (…), apenas serão reembolsados depois dos demais credores de dívida não subordinada” [32].

São, deste modo, claramente diferenciados os dois produtos financeiros em equação, Nas palavras do Acórdão desta Relação de 21/07/2018 [33], “são diversas as diferenças entre os depósitos a prazo e as obrigações, sendo que, apenas os primeiros têm a particularidade de terem reembolso garantido de capital, e, sobretudo , beneficiam ( ao contrário das obrigações ) da protecção do Fundo G…… [Fundo que se rege pelo disposto nos artigos 154.º a 173.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras - aprovado pelo DL n.º 298/92, de 31 de Dezembro - e que tem por objecto garantir o reembolso de depósitos constituídos nas instituições de crédito que nele participem], protecção esta que salvaguarda o eventual risco da instituição financeira não cumprir com os seus deveres.

Já as obrigações [valor mobiliário, por regra representativo - como vimos supra - de dívida de uma empresa, sendo o obrigacionista um credor da entidade emitente - porque de tradicional mecanismo se trata de financiamento empresarial (18) - e sendo o risco de incumprimento acentuadamente superior], além de se tratarem de títulos de dívida de uma determinada entidade emitente, por regra o respectivo reembolso depende essencialmente da capacidade económico financeira do emitente e, ao contrário do que acontece nos depósitos a prazo, não se mostram “apadrinhadas “ por um qualquer Fundo de Garantia, razão porque verificando-se a incapacidade do emitente em cumprir com os seus devedores, o investidor dificilmente conseguirá reaver o investimento”.

Da factualidade provada resulta, com clareza, tal como já afirmámos, não ter a Autora empregue as suas poupanças num depósito a prazo, mas antes numa Obrigação subordinada, a 10 anos, sem a segurança e liquidez de que beneficiam os depósitos a prazo.

Efectivamente, tal obrigação tinha como entidade emitente uma sociedade jurídica distinta do C….,S.A., ainda que na realidade fosse dona deste, por deter, na totalidade, a sociedade jurídica C….,……,SA, que por sua vez, era integralmente detida pela S….–S……,….,S.A.– cf., facto 1..

Ora, a Autora foi devidamente informada que o produto financeiro que lhe estava a ser proposto se tratava de uma Obrigação. E, sendo a mesma licenciada em economia ou gestão de empresas, desempenhando, à altura, funções de Directora Financeira numa empresa – facto 7-B -, certamente que não podia desconhecer a natureza daquele produto.

Pelo que, a referência que lhe foi feita de que o mesmo era semelhante e tinha características similares às de um depósito a prazo, só que melhor remunerado, com capital garantido, tem que ser analisada em tal contexto.

Efectivamente, não foi transmitido à Autora que tal produto era um depósito a prazo, nem teria sido possível á Autora tê-lo entendido como tal, pois, desde logo, a explicação dada quanto ao resgate do valor – transmissão da obrigação, por endosso a terceiros -, em nada se coadunava com a natureza daquele. O que era facilmente perceptível para uma Directora Financeira de uma empresa, licenciada em economia ou gestão de empresas [34].

Por outro lado, a referência efectuada pelo funcionário do Banco à alegada segurança do produto proposto e ao facto do mesmo possuir capital garantido, também deve merecer a devida interpretação naquele contexto.

Com efeito, não se olvide que a entidade emitente das Obrigações em colocação era, na realidade, a dona do próprio Banco, daí derivando a referência que era efectuada de que se tratava de um produto com a garantia Banco, sendo crença dos próprios funcionários bancários do balcão que propôs a aquisição á Autora de que tal produto era seguro e que não oferecia qualquer risco aos seus subscritores – facto 11..

E, efectivamente, tal como se refere na sentença apelada, o capital aplicado era efectivamente garantido, na sua plenitude, pela entidade emitente, ou seja, pela detentora do próprio Banco.

Pelo que, aquela crença dos funcionários é perfeitamente compreensível e entendível, à luz do ano de 2006, longe de quaisquer notícias quanto á instabilidade financeira dos mercados, insolvência de instituições bancárias ou incumprimento generalizado na solvabilidade de determinados produtos financeiros.

Ademais, não de pode olvidar ou descurar que “a afirmação do reembolso do capital investido tem de ser entendida no contexto do investimento que se apresentava seguro, designadamente face ao bom rating das entidades estrangeiras emitentes das obrigações, sendo certo também que o maior rendimento de qualquer aplicação financeira anda, igualmente, associado a mais elevado risco. De resto, e contrariando a ideia da garantia absoluta do reembolso do capital investido, os Recorrentes não lograram provar que o “negócio não envolvia qualquer risco” (resposta negativa ao artigo 20.º da petição inicial – fls. 938)”.

Com efeito, “o risco, com efeito, é inerente a qualquer aplicação financeira, sendo embora variável, consoante o tipo de aplicação. Na verdade, até aplicações de depósito a prazo, com juros baixos, não estão totalmente isentas de riscos, dado que as instituições financeiras, como se tem observado um pouco por todo o lado, também não estão completamente imunes à insolvência, apesar da sua sujeição à supervisão de entidades públicas. A possibilidade de risco poderá ser remota, mas não poderá ser inteiramente excluída.

Ora, desde que o risco não seja, especificamente, assumido por uma qualquer entidade, não pode deixar de correr por conta do titular do direito, porquanto quem goza das suas vantagens também está sujeito a suportar as suas desvantagens (ubi commoda, ibi incommoda)” [35].

Deste modo, não cremos que com a transmissão de tais referências o Banco Réu, através do seu funcionário de Balcão – cf., artº. 800º, nº. 1, do Cód. Civil, que prevê acerca dos actos dos representantes legais ou auxiliares -, tenha incumprido no seu dever de informação perante a cliente bancária Autora, isto é, que tenha sido omitido qualquer dever geral de actuação segundo as regras da boa fé, quer em termos pré-contratuais, quer mesmo em termos de responsabilidade contratual.

E, reconheça-se, tal dever existia e era notoriamente configurável.

Com efeito, a Autora era cliente do Banco desde há vários anos, pelo que com este mantinha, de forma necessária, uma relação contratual, certamente iniciada com abertura de conta, sendo que esta relação negocial bancária desencadeia entre as partes um elo de confiança, que tenderá a reforçar-se com o seu prolongamento [36].

Nas palavras de José Engrácia Antunes [37], o particular, ao abrir conta num banco, confere a este acesso à sua vida patrimonial e até pessoal, proveniente de todo o giro de prestações a débito e a crédito patenteadas na respectiva conta-corrente, a que acresce o teor das informações decorrentes de concretas operações realizadas, nomeadamente as de concessão de crédito.

Pelo que é concretamente do interesse dos bancos que a sua actuação capte e reforce a confiança do cliente, assim mantendo a seu favor o acesso às respectivas poupanças, manancial essencial da actividade dos bancos, enquanto entidades de intermediação creditícia.

Por outro lado, nas palavras de aresto desta Relação e Secção [38], “reconhecem os clientes aos bancos um superior conhecimento da sua atividade proveniente da sua profissionalização e especialização, confiando que estes atuarão, não só de acordo com normais padrões de diligência e correção ao nível da genérica boa-fé exigida na execução dos contratos (art.º 762.º n.º 2 do CC) ou da sua negociação prévia (art.º 227.º n.º 1 do CC), mas, mais do que isso, esperarão que estes, tal como expressamente enunciado no RGICSF, pautarão a sua atuação por elevados padrões de competência técnica (art.º 73.º do RGICSF), os quais se refletirão na “diligência, neutralidade, lealdade, discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados”, que deverão nortear as suas relações com os clientes (art.º 74.º RGICSF)”.

E, acrescenta que “embora se possa defender a existência de um dever geral de informação a cargo das entidades bancárias (ANTÓNIO PEDRO DE AZEVEDO FERREIRA, A relação negocial bancária, 2005, Quid Juris, 649), aceita-se que é questionável que da relação bancária geral resulte para os bancos um dever genérico de prestação de informações (obrigação de prestação de informações fora de específica contratação ou de imposição legal – cfr. LUÍS MANUEL TELES DE MENEZES LEITÃO, Informação bancária e responsabilidade, Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Inocêncio Galvão Telles, II volume, Direito Bancário, Almedina, 2002, p. 236 - que arrede a regra geral de desresponsabilização prevista no n.º 1 do art.º 485.º do CC” [39].

Pelo que, nesta esteira, entende-se, o que ora sufragamos, que “se o banco, interpelado pelo cliente para prestar uma informação não directamente conexionada com a relação bancária em concreto vigente, aceitar prestá-la, ou se o banco tomar a iniciativa, a latere de concreta relação negocial existente com o cliente, de o abordar para, por exemplo, o informar acerca de uma possibilidade de negócio, deverá fazê-lo em consonância com os deveres de rigor e diligência, incorrendo em responsabilidade obrigacional se falhar – v. AGOSTINHO CARDOSO GUEDES, A responsabilidade do banco por informações à luz do artigo 485.º do Código Civil, Revista de Direito e Economia, ano XIV, 1988, p. 145; LUÍS MANUEL TELES MENEZES DE LEITÃO, ob. cit., 231 nota 14, 236-238”.

Todavia, se o raciocínio supra exposto é perfeitamente válido para o teor das informações analisadas, o mesmo já não sucede no que concerne à particular situação da subordinação da Obrigação.

Efectivamente, não se olvide que as Obrigações emitidas pela S….,……,S.A. eram subordinadas, o que constava quer da nota informativa descrita nos factos 4. e 5., quer da informação, existente a nível interno, mencionada no facto 15..

E que provou-se, conforme facto 14.-A, nunca ter sido transmitido à Autora que a Obrigação que lhe era vendida tinha tal natureza, sendo certo, ainda, nunca lhe ter sido entregue qualquer cópia da referenciada nota informativa e da informação existente a nível interno, o que sempre supriria a omissão de tal informação, pois é igualmente certo que destas constava a referência a tal natureza da obrigação quanto à protecção concedida aos seus titulares.

Ora, a referência a tal modalidade e natureza da obrigação configura-se, de forma manifesta, com carácter essencial ou primordial. Com efeito, não estamos perante uma informação de somenos importância, pois tal colide com o grau de protecção concedido ao titular da mesma, tanto mais premente in casu quando estamos perante uma obrigação menos favorável à pretensão dos obrigacionistas, na medida em que, em caso de insolvência da entidade emitente, os titulares de tais obrigações apenas serão reembolsados depois dos demais credores de dívida não subordinada.

Pelo que, claramente, impunha-se que o funcionário do Banco Réu tivesse devidamente informado a cliente Autora de tal natureza, o que não fez, antes a omitindo nas informações que lhe prestou acerca do produto financeiro em venda.

Assim, resultando da matéria factual provada que o funcionário do Banco, onde a Autora tinha conta, a abordou, aconselhando-a a efectuar uma determinada aplicação das suas poupanças, não lhe tendo prestado, na totalidade, a devida informação, antes lhe fornecendo uma perspectiva não totalmente esclarecida, pois omitiu a necessária informação quanto à natureza subordinada da Obrigação, levando-a a investir o seu dinheiro num produto que não se coadunava com o seu perfil conservador e avesso ao risco nas aplicações financeiras, de que resultou a perda desse dinheiro, uma vez que o respectivo devedor emitente não reembolsou o capital, tendo inclusive sido declarado insolvente, aliada àquele carácter subordinado do crédito, levam a perspectivar que a Autora não virá a reaver da sociedade emitente aquele dinheiro investido.

O que, prima facie, traduz uma concreta situação enformadora de responsabilidade civil contratual ou obrigacional, que gera uma obrigação de indemnização da Autora por parte do Banco Réu.

Com efeito, tal parece resultar da concreta análise e referência aos pressupostos inscritos nos artigos 798.º, 799.º, 562.º e 563.º, todos do Cód. Civil, traduzidos na existência de um facto ilícito (prestação de informação errónea, por omissão, no quadro de relação negocial bancária), culpa (a culpa presume-se, nos termos do art.º 799.º n.º 1 do CC), dano (perda do capital entregue à entidade emissora das Obrigações).

Pelo que, numa primeira aproximação, configurar-se-ia como bastante e suficiente o apelo às regras gerais da responsabilidade civil, em concatenação e harmonia com as características próprias da actividade bancária, para sustentar o êxito da pretensão da Autora.

Todavia, respaldada a matéria factual, não descortinamos na mesma sustento factício bastante capaz de preencher o último dos enunciados pressupostos da responsabilidade civil, ou seja, a concreta verificação de um nexo de causalidade entre o facto ilícito – a prestação, por omissão, de errónea informação -, e o dano ocorrido – a perda do capital investido na aquisição da Obrigação.

Com efeito, incumbia à Autora, nos quadros do artº. 563º, do Cód. Civil, a prova do nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja, que se tivesse sido informada, por completo, da totalidade das características do produto financeiro que lhe foi proposto, nomeadamente da natureza subordinada das Obrigações em venda, o que poderia ter sido efectuado mediante a exibição ou entrega da nota informativa e/ou da informação existente a nível interno, não teria adquirido a Obrigação, mediante a entrega da quantia monetária despendida.  

Com efeito, reconheça-se, apesar da prova da situação configurada como facto ilícito - a prestação, por omissão, de errónea informação, nomeadamente no que concerne à natureza subordinada da Obrigação -, esta circunstância poderá não ter sido causal da subscrição efectuada e consequente dano, ou seja, pode conceber-se que ainda que tal informação tivesse sido prestada de forma completa, isto é, que as obrigações propostas tinham aquela natureza, a Autora poderia, ainda assim, ter subscrito a Obrigação.   

Ora, tal prova não se mostra efectuada nos autos, pois não resulta da factualidade considerada provada, sendo certo que não figura igualmente na factualidade não provada.

Todavia, tal factualidade foi devidamente alegada pela Autora, conforme resulta do artº. 71º da petição inicial, sem que sob tal facto o Tribunal a quo se tenha pronunciado, tendo-o pura e simplesmente omitido.

E, tendo-se procedido à audição da totalidade da prova produzida, nomeadamente a de natureza testemunhal, constata-se que sob tal factualidade não foi inclusive produzida prova (nem directa nem indirectamente), o que inviabiliza, desde logo, a sua percepção por parte desta Relação, nos quadros dos artigos 662º, nº. 1 e 607º, nºs. 3 e 4, ex vi do nº. 2, do artº. 663º, todos do Cód. de Processo Civil.

Aqui chegados, porém, urge ainda apreciar a posição da Autora Apelada, tendo em atenção as regras específicas decorrentes do tipo de investimento em que aplicou os valores que tinha em depósito no Banco Réu.

O que se impõe, pois desta análise e da aferição dos respectivos pressupostos, sempre poderá resultar o ultrapassar da omissão exposta. Que, caso tal não suceda, não poderá deixar de ter necessárias consequências processuais.

Ora, a Obrigação adquirida constitui um efectivo valor mobiliário que, conforme vimos, constitui um instrumento financeiro, cuja venda é efectuada pelos intermediários financeiros – cf., artºs. 1º, nº. 1, alín, b) e 289º, ambos do Cód. de Valores Mobiliários -, podendo estas funções ser desempenhadas, nomeadamente, pelas instituições bancárias – cf., artº. 293º, nº. 1, alín a), do Cód. dos Valores Mobiliários e 4º, nº. 1, ali. e), do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF). 

Na aferição dos pressupostos da responsabilidade civil decorrente da conduta do Banco Réu (ora Apelado), na qualidade de intermediário financeiro, urge ponderar os normativos do Código dos Valores Mobiliários já supra expostos, na já referenciada redacção antecedente às alterações introduzidas pelo DL n.º 357-A/2007, de 31.10, que são posteriores à data dos factos.

Relembremos, apenas, o prescrito nos artigos 314º e 324º, referentes á responsabilidade civil e á responsabilidade contratual do intermediário financeiro, estipulando o nº. 1 do primeiro dos normativos que “os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes seja imposta por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública”, acrescentando o nº. 2, na consagração de uma presunção de culpa do intermediário, que a “culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito das relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação”.

Enquanto o segundo dos normativos estipula serem “nulas quaisquer cláusulas que excluam a responsabilidade do intermediário financeiro por actos praticados por seu representante ou auxiliar.

2— Salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos”.

Já supra definimos e apreciámos os deveres legais de informação que impendem sobre o intermediário financeiro, sendo que, nos termos expostos, urge sempre aferir se o mesmo agiu com dolo ou culpa grave, especificamente, e principalmente, no que concerne à necessária informação prévia a disponibilizar para permitir a tomada de uma decisão consciente por parte do potencial investidor/cliente.

E, na percepção do que deve entender-se por actuação dolosa ou eivada de culpa grave, impõe-se a determinação ou ponderação do relacionamento então existente entre o banco e o cliente/investidor, nomeadamente no que concerne ao grau de confiança que este depositava no Banco, e tempo de duração da relação de clientela, em necessária articulação e concatenação com os já enunciados deveres de informação, lealdade, cuidado com valores alheios e boa fé do Banco em relação ao cliente/investidor.

E, nessa tarefa de graduação da conduta culposa, a bússola norteadora é conferida pelo transcrito nº. 2, do artº. 304º, do mesmo diploma, ao referir que “nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência”.

No âmbito das regras de conduta e prevendo acerca do critério de diligência, o artº. 75º. Nº. 1. do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) prescreve que “os membros dos órgãos de administração das instituições de crédito, bem como as pessoas que nelas exerçam cargos de direção, gerência, chefia ou similares, devem proceder nas suas funções com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição de riscos e da segurança das aplicações e ter em conta o interesse dos depositantes, dos investidores, dos demais credores e de todos os clientes em geral”.

Acerca do dever de informação e assistência, acrescenta o nº. 1, do artº. 77º, do mesmo diploma, que “as instituições de crédito devem informar com clareza os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos, bem como sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos a suportar pelos clientes”.

Ora, a fonte de responsabilidade decorrente da violação do dever de informação, que onera os Bancos, nomeadamente quando agem nas vestes de intermediários financeiros, configura-se como “uma modalidade de responsabilidade civil que se situa numa zona intermédia entre a responsabilidade contratual e a extracontratual, mas que se poderá reconduzir à responsabilidade contratual, cujos pressupostos estão definidos pelo artigo 798º do Código Civil, presumindo-se a culpa, nos termos do artigo 799.º do CC” [40].

Donde, sempre que um Banco, no desempenho da actividade de intermediário financeiro, medeie a aquisição dum produto de tal natureza, exemplificativamente Obrigações, sem observar, estritamente, os deveres de informação, torna-se necessariamente responsável pelos prejuízos/danos causados ao cliente/investidor, nos termos do citado nº. 1, do artigo 314.º n.º 1 do Código de Valores Mobiliários, caso, evidentemente, não logre ilidir a presunção, que o onera, contida no n.º 2 do mesmo normativo.

Ora, tendo por base as funções de intermediação financeira desempenhadas pelo Banco Réu (ora Apelado), poder-se-á concluir pelo preenchimento dos pressupostos de responsabilidade contratual ?
Analisemos.

Parece resultar indubitável que negócio jurídico celebrado entre a Autora e o Banco C….,S.A. traduziu-se num contrato de recepção e transmissão de ordens, estando em causa a subscrição de um empréstimo obrigacionista emitido por uma terceira entidade, ou seja, pela S….–S……,….,S.A., configurando-se este como uma modalidade de mútuo titulada.

Ora, relativamente ao requisito da ilicitude, nos termos supra sufragados, o mesmo surge devidamente preenchido, traduzido na violação do dever de informação – omissão de referência à natureza subordinada da Obrigação transmitida -,  nos seus requisitos indispensáveis: completude, veracidade, actualidade, clareza, objectividade e licitude.

No que se reporta a tais requisitos, e iniciando-se a análise pelo da completude, tem o mesmo por finalidade a suficiência da informação, pretendo-se evitar a omissão de dados informativos que, pela sua importância ou relevância, se devam ter por essenciais e susceptíveis de influenciar o processo de tomada de decisão.

Pelo que, nessa conformidade, exigia-se ao intermediário financeiro - o ora Banco Apelado -, que explicitasse à cliente/investidora – a ora Autora Apelante – quais as especificidades do produto financeiro em equação – as Obrigações – que pudessem ter relevância ou influência no processo de tomada de decisão da sua aquisição.

Relativamente ao requisito da veracidade, nas palavras de Mafalda Gouveia Marques e Mário Freire [41], é verdadeira a informação transmitida sempre que, por assentar em factos verídicos, coincida “com a realidade dos factos, situações, circunstâncias, valores ou perspectivas que se destina a reflectir, não induzindo em erro o investidor ou o potencial investidor”.

No que concerne ao requisito da actualidade, conexiona-se com o antecedente, pois, deixando a informação de ser actual, necessariamente deixa de ser tida como verdadeira.

Relativamente à clareza legalmente exigida, verifica-se o seu preenchimento “sempre que o cliente/investidor entenda as especificidades do instrumento financeiro que lhe é proposto para investir ao ser informado pelo intermediário financeiro das suas características. A informação prestada tem de ser apta a dissipar todas as dúvidas que possam surgir ao cliente/investidor durante o processo de decisão de investimento. A informação não pode ser vaga, ambígua, omissa, pouco explícita ou confusa”.

Por sua vez, a objectividade correlaciona-se “com a concretização dos factos que apoiam a informação prestada, não devendo ser afectado pela função afectiva da linguagem”.

E, por fim, no que se reporta ao requisito da licitude da informação, reporta-se o mesmo “à proibição da violação das regras jurídicas na construção e comunicação da mensagem informativa” [42].

Refere Pedro Boullosa Gonzalez [43], no que se reporta aos presentes requisitos, que a “completude da informação consiste na coincidência entre a mensagem e o referente. Atinge-se por via da inclusão na mensagem informativa de todos os elementos legalmente exigidos e contextualmente relevantes a respeito do referente”, acrescentando que “só é completa a informação que inclui todos os elementos legalmente exigidos e contextualmente relevantes a respeito do referente”.

Acrescenta que “a veracidade da informação consiste numa equivalência total entre o referente e a mensagem, no sentido de esta não conter informação que não tenha correspondência no dito referente”, enquanto que a “atualidade da informação afere-se pela correspondência temporal entre o referente e a mensagem e nessa medida acaba por ser um subtipo do requisito da veracidade. A mensagem atual é a que corresponde com exatidão ao momento do referente porque inclui necessariamente todos os elementos disponíveis sobre o referente aquando da emissão da mensagem”.

Acresce, ainda, que a “clareza é um requisito de qualidade que se centra no destinatário. Consiste na suscetibilidade da mensagem de elucidar o destinatário em relação ao referente. Pressupõe necessariamente a adequação aos padrões de compreensão do destinatário permitindo-lhe reconstituir uma mensagem com as outras qualidades”.

Por sua vez, “a objetividade da informação consiste na aptidão para descrever o referente de forma rigorosa, direta e concisa”, enquanto que “a licitude consiste no respeito pelos preceitos e deveres legais aplicáveis. A informação lícita é a que, em si mesma, não viola quaisquer preceitos aplicáveis, direta ou indiretamente, à difusão de informação. Este requisito de qualidade de informação centra-se na mensagem, pois é o conteúdo desta que se pretende seja conforme aos valores legais” (sublinhado nosso).

Conforme se referencia no douto aresto desta Relação de 15/03/2018 [44], citando Sónia Moreira [45], no seu estado mais puro, a informação “encontra o seu limite na comunicação ditecta de factos objectivos. Não aconselha, não toma posição, não recomenda, limita-se a transmitir dados”, podendo-se assim afirmar “igualmente que o dever de informação será tido, ainda, como o dever jurídico de proceder à indicação, ou melhor dito, à comunicação dos factos que em face do direito positivo devam ser comunicados”.

Ora, in casu, o funcionário do Balcão do Banco Réu onde a Autora tinha conta, ao informá-la, não lhe transmitiu todos os elementos disponíveis e relevantes, nomeadamente que as Obrigações que pretendia vender à Autora possuíam natureza subordinada. Informação que, nos termos que já defendemos supra, é manifestamente relevante, pois tal tem atinência com o grau de protecção concedido ao titular daquelas Obrigações, tanto mais premente quando estamos perante uma obrigação menos favorável à pretensão dos obrigacionistas, na medida em que, em caso de insolvência da entidade emitente, os titulares de tais obrigações apenas serão reembolsados depois dos demais credores de dívida não subordinada.

Pelo que, atenta a relevância de tal característica, não pode deixar de entender-se que a informação transmitida à Autora não se revelou como completamente verdadeira e, muito menos, suficiente, de forma a que esta pudesse apreender a totalidade do conhecimento tido como relevante do produto financeiro que lhe foi proposto.

Ademais, reconheça-se, ainda que não tinha sido tal a revelar a deficiência da informação prestada no presente caso, pertinência nas palavras do já citado douto Acórdão desta Relação de 15/03/2018, quando refere que na informação a prestar ao cliente/investidor “são desaconselháveis expressões como “ausência de risco”, ou “sem risco”, ou ainda contrato destinado a “clientes especiais” e outras similares mais aptas a funções de publicidade e à “sedução” ludibriosa do cliente/investidor, do que à prestação de informação completa, verdadeira, clara, objectiva e lícita, por serem idóneas à indução dolosa do cliente/investidor em erro, por parte do intermediário financeiro”.

Aqui chegados, sempre se poderia, porém, afirmar que, sendo a Autora licenciada em economia ou gestão de empresas e desempenhando, à data da aquisição da Obrigação, as funções de Directora Financeira numa empresa – facto 7.-B -, necessariamente estaríamos perante uma investidora informada e conhecedora dos produtos financeiros, pelo que o dever de informação por parte do intermediário financeiro se deveria considerar preenchido com um menor caudal de informação. Em conformidade, aliás, com a regra da proporcionalidade inversa, contida no nº. 2, do artº. 312º, do Cód. dos Valores Mobiliários, segundo a qual, a extensão e a profundidade da informação a prestar pelo intermediário financeiro ao cliente devem ser tanto maiores quanto menor for o seu grau de conhecimento e experiência.

Conforme refere Sofia Nascimento Rodrigues [46], “a inversão da proporcionalidade entre a informação a prestar e o grau de conhecimento do investidor cria, na esfera do intermediário financeiro, um dever de conhecimento do cliente (Know your cliente rule) e traduz, uma vez mais, a necessidade de tratamento diferenciado entre investidores com vista à superação de inevitáveis desigualdades informativas e à possível reposição de uma tendencial igualdade”.

E, efectivamente, “tem sido entendimento jurisprudencial, que esse dever de informação se encontra, desde logo preenchido, sempre que a esse investidor informado foi transmitida informação suficiente sobre as características do produto em causa, mesmo que se trate de um produto não isento de risco, e ainda que não lhe haja sido entregue qualquer ficha técnica do mesmo ou ainda que os deveres de informação não visem retirar os riscos do mercado que lhes são inerentes, mas possibilitar ao cliente do intermediário financeiro a possibilidade deste tomar as decisões de investimento consciente das consequência do mesmo“ [47].

Nas palavras de António Pinto Monteiro [48], “o quantum de informação necessário para que os clientes possam tomar uma decisão esclarecida e fundamentada sobre a subscrição de uma obrigação deve necessariamente incluir matérias como os seus riscos e natureza, embora a extensão e profundidade da informação a prestar dependa do “grau de conhecimentos e de experiência do cliente”, variando aquelas na razão inversa deste, nos termos do nº. 2 do artigo 312º”.

Exemplificativamente, conforme sumariado no douto aresto do STJ de 06/02/2014 [49], “tal dever de informação encontra-se preenchido se aos autores, enquanto investidores informados e conhecedores de produtos financeiros, foi transmitida informação detalhada das características destes e que o mesmo era um produto não totalmente isento de risco, ainda que não lhes haja sido entregue qualquer ficha técnica do mesmo – exigência que não existia no CVM aprovado pelo DL n.º 486/99, de 13/11, em vigor à data dos factos”. Donde se conclui que, “se o produto não era totalmente isento de risco, do que os autores ficaram conscientes, não se pode aceitar a tese de que estes ficaram convencidos da consistência do reembolso do capital investido, obrigação em que os intermediários não estão, ressalvados os casos de acordo expresso, acometidos”.

Referencie-se, ainda, a situação tratada no douto Acórdão desta Relação de 27/09/2018 [50], em que o Autor desempenhava, à data da aquisição do produto financeiro Obrigações, as funções de director financeiro de uma multinacional, aí se defendendo que “mesmo não sendo um cliente com baixo grau de escolaridade e sem experiência em negócios, sendo gestor de uma empresa de grande dimensão, a E…, o certo é que enquanto investidor o Autor marido tinha um perfil conservador e cauteloso, como resulta da factualidade provada. E nada indica que conhecesse ou devesse conhecer as várias empresas a que fizemos referência”.

Ora, na situação concreta em análise, se é certo que à Autora, pela formação que possuía e funções que desempenhava, não seria estranho o produto financeiro em equação, no que concerne às suas características e natureza, também não é menos certo que a mesma Autora era conservadora nas aplicações financeiras e avessa ao risco, possuía essencialmente depósitos bancários – facto 7. – e era necessariamente considerada como investidora não qualificada – facto 7.-A.

Pelo que, ainda assim, não estava o intermediário financeiro Réu dispensado de lhe transmitir o manancial de informações pertinentes e necessárias a uma decisão de investimento o tão mais esclarecida possível, entre as quais a natureza subordinada das Obrigações, por que atinente ao risco/segurança do produto, surgia com especial acuidade ou relevância.

Ademais, ainda que se possa entender o facto de não ter sido exibida e entregue à Autora cópia da informação existente a nível interno, descrita no facto 15.,. já não se compreende que o mesmo tenha ocorrido relativamente à nota informativa descrita nos factos 4. e 5. – facto 15.-A -, o que evidencia sonegação de informação com relevância para o esclarecimento da cliente/investidora, entre a qual constava a aludida natureza Subordinada das obrigações comercializadas, que a colocava numa situação bem mais arriscada do que a de mera cliente de depósitos a prazo, e mesmo como cliente do produto financeiro Obrigação, destituído daquela natureza de subordinação.

E isto, apesar de não se ter provado que os aludidos funcionários do Banco Réu tenham sido instruídos para não entregarem aos clientes, potenciais ou efectivos subscritores das obrigações, as notas informativas das obrigações em causa, ou para nem sequer mostrarem tal nota informativa – cf., facto a) dos não provados.

Pelo que, apesar daquele presuntivo conhecimento da Autora, mas ponderando os deveres de informação a cargo do intermediário financeiro, exemplificativamente enunciados no transcrito artº. 312º, do Cód. dos Valores Mobiliários, tendo em consideração o seu conservadorismo e aversão ao risco nas aplicações financeiras efectuadas, dever-lhe-ia ser acautelada informação que lhe foi omitida, por que desprovida da necessária completude, assim se desvirtuando o grau de cuidado e atenção que deveria ter merecido a abordagem e proposta na aquisição do produto financeiro em comercialização. 

Tal dever a onerar o intermediário financeiro tem a natureza de um dever de conduta secundário (ou prestação secundária), e não de um mero dever acessório [51], decorrente da legal imposição prescrita no citado artº. 312º, do Cód. dos Valores Mobiliários, que prevê acerca do dever de informação, sem carência de qualquer expressa previsão contratual.

Assim, na responsabilidade obrigacional/contratual do intermediário financeiro perante o cliente/investidor a ilicitude advém da desconformidade entre o comportamento devido àquele e o concretamente adoptado, que se traduz na inexecução da obrigação para com o cliente. Situação que, nos termos já supra explicitados, se verifica in casu, pois a conduta adoptada pelo Banco Réu, através do seu funcionário (nos termos do artº. 800º, nº. 1, do Cód. Civil [52]), não é susceptível de traduzir efectiva observância dos princípios ético-jurídicos da diligência, integridade, lealdade e transparência.

Todavia, qual a fonte de responsabilidade ínsita ao nº. 2, do artº. 314º, do Cód. de Valores Mobiliários ?

Refere-se no citado aresto desta Relação e Secção, datado de 21/06/2018, estabelecer-se naquele normativo, nos termos que já expusemos, “uma presunção de culpa do intermediário financeiro no caso de responsabilidade emergente da violação de dever de informação, independentemente da fonte contratual, pré-contratual ou meramente legal desse dever, i.e., ainda que se consubstancie responsabilidade civil aquiliana, à luz da segunda parte do n.º 1 do artigo 483.º do Código Civil”.

Por outro lado, acrescenta-se, “ao estender-se a presunção de culpa à responsabilidade pré-contratual, ultrapassou-se o escolho resultante da querela existente acerca da natureza contratual ou delitual do regime do artigo 227.º n.º 1 do CC”.

Pelo que, “no n.º 1 do artigo 314.º aplana-se o caminho da responsabilização delitual do intermediário financeiro pelos prejuízos causados a terceiro, na falta de sujeição a deveres contratuais ou pré-contratuais, qualificando-se os deveres legais e regulamentares impostos aos intermediários financeiros como disposições destinadas a proteger interesses alheios (segunda parte do n.º 1 do art.º 483.º do CC) - cfr. LUÍS MANUEL TELES DE MENEZES LEITÃO, Actividades de intermediação e responsabilidade dos intermediários financeiros, Direito dos Valores Mobiliários, volume II, Coimbra Editora, 2000, 147.

De todo o modo, e como salienta GONÇALO ANDRÉ CASTILHO DOS SANTOS ob. cit., 191-193, o n.º 1 do artigo 314.º do CVM não circunscreve a disciplina da imputação dos danos à responsabilidade delitual. O preceito em causa consagra simultaneamente uma cláusula de imputação obrigacional dos danos sofridos pelo cliente do intermediário financeiro inadimplente no que respeita às obrigações a que estava adstrito e que surgem expressas no rol de deveres que a lei estabeleceu.

De facto, entre o intermediário financeiro e o seu cliente estabelece-se sempre uma relação obrigacional, um vínculo pessoal através do qual o cliente tem direito à realização de determinada prestação com o conteúdo dado por uma específica atividade de intermediação financeira. De todo o modo, tal relação é estabelecida essencialmente por via contratual, implicando que a violação dos respectivos deveres e a consequente responsabilidade pelo seu incumprimento assentem no contrato de intermediação financeira, pese embora o forte contributo da lei mobiliária para a definição do quadro de deveres específicos de conduta impostos ao intermediário financeiro.

Daí que a aparente dicotomia introduzida no n.º 2 do art.º 324.º do CVM (“Salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos”), entre responsabilidade obrigacional de origem legal ou regulamentar e responsabilidade de origem contratual, circunscrevendo o n.º 2 do art.º 324.º à responsabilidade contratual, constitua, como elucida GONÇALO ANDRÉ CASTILHO DOS SANTOS, ob. cit., 259, um falso problema, pois “toda a atividade de intermediação financeira é exercida tendo por base a celebração de contratos de intermediação financeira e, por isso, o regime da responsabilidade civil contratual cobrirá todo o espectro do regime da responsabilidade obrigacional do intermediário financeiro””.

Concluindo-se, deste modo, pela efectiva configuração de uma situação de responsabilidade civil obrigacional, à qual é aplicável o juízo de presunção de culpa prescrito no nº. 2, do artº. 314º, do Cód. dos Valores Mobiliários, em consonância com a regra geral do nº. 1, do artº. 799º, do Cód. Civil e, aceitando-se que tal presunção de culpa contém implicitamente uma necessária presunção de ilicitude, relegando-se a apreciação do pressuposto dano para fase posterior, urge agora aferir acerca do demais pressuposto ou requisito de responsabilidade: o nexo de causalidade. 

Doutrinariamente, defende Margarida Azevedo Almeida [53]que, na salvaguarda da protecção do interesse do investidor “e da eficácia preventiva que também está ligada à responsabilidade civil, as dificuldades de prova em matéria de incumprimento ou deficiente cumprimento de obrigações informativas e de adequação, maxime na área da intermediação financeira, determinam que a inversão do ónus da prova prevista no art.º 314.º n.º 2 do CVM (atual art.º 304.º-A) se estenda ao nexo causal entre o facto ilícito e o dano”.

Por sua vez, Menezes Cordeiro [54] referencia que “na presença de um acordo entre o banqueiro e o seu cliente a «falta do resultado normativamente prefigurado implica presunções de culpa, de ilicitude e de causalidade». Defende, pois, este autor que o artigo 799º do CC contem uma dupla presunção de ilicitude e de culpa, ao referir que «Perante a falta de cumprimento, presume-se que: o devedor não cumpriu, violando as normas jurídicas que mandam cumprir – ilicitude; o devedor incorre no correspondente juízo jurídico de censura – culpa”», encontrando-se também abrangido pela presunção, o nexo entre o facto e o dano” [55].

Todavia, acrescenta-se, tal posição, não sendo doutrinariamente pacífica, traz desde logo ínsita a dúvida “sobre a admissão da existência no nosso ordenamento jurídico de um modelo de presunção de imputação obrigacional em virtude da ilicitude e da culpa serem recebidos pela lei como um macro-pressuposto em que, a verificação do “ilícito-culposo implicaria necessariamente a verificação do pressuposto do nexo causal - v. a propósito e no sentido da não aceitação desse  macro-pressuposto, LUÍS  MANUEL  MENEZES  LEITÃO, Direito das Obrigações, Vol. I, 309-310 e GONÇALO ANDRÉ CASTILHO DOS SANTOS, Ob. cit., 214-225” [56].

Ora, apesar das aduzidas posições doutrinárias, da mera análise do nº. 2 do citado artº. 314º, do Cód, dos Valores Mobiliários, resulta, desde logo, efectiva separação ou autonomia dos enunciados pressupostos financeiros, pelo que não se vislumbra, desde logo, pertinência no entendimento que defende a existência da aludida presunção de causalidade entre o facto ilícito e o dano [57].

Efectivamente, à luz do que ocorre no âmbito da responsabilidade delitual ou aquiliana, mantém plena validade ou justificação a segmentação dos pressupostos de responsabilidade civil. Assim, mantém-se totalmente a justificação para a existência de:
– um facto voluntário do devedor (incumprimento da obrigação) ;
– a sua qualificação de facto ilícito (violação do contrato ou de dever emergente da relação obrigacional) ;
– um juízo de culpa (juízo de censura pelo incumprimento, prevendo-se, aqui, a inversão do ónus da prova) ;
– o surgimento de um dano (prejuízo emergente do incumprimento da obrigação) ;
– e, por fim, o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Nos termos sufragados, os intermediários financeiros são responsáveis pelo ressarcimento dos danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, presumindo-se a sua culpa (admitindo-se, ainda, que esta presunção abranja o juízo de ilicitude [58]) quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais.

Desta forma, e assim se ajuizando, ao investidor, putativo lesado, incumbe a prova de que o intermediário financeiro incumpriu com o dever de informação que o onerava ; por sua vez, ao intermediário financeiro incumbe o ónus de provar de que cumpriu com tal dever, de acordo com as regras legalmente previstas e com observância dos princípios ético-jurídicos enunciados – cf., os artigos 7º, nº. 1 e 312º, ambos do Cód. dos Valores Mobiliários e nº. 2, do artº. 342º, do Cód. Civil.

Por outro lado, na decorrência da legal presunção, onera o intermediário financeiro a prova de falta de culpa no invocado incumprimento ; em contraponto, é ao investidor, putativo lesado, que incumbe a prova do dano decorrente da conduta do intermediário financeiro e o nexo de causalidade entre o facto deste e o dano.
                             
Ora, no caso em apreciação, verificado o incumprimento, bem como a ilicitude deste, a culpa do Réu Banco, enquanto intermediário financeiro, não se mostra ilidida, pois este não logrou demonstrar ter prestado á Autora, tal como lhe era legalmente imposto, toda a informação exigível na intermediação da aquisição do produto financeiro Obrigações. Nomeadamente, tendo em atenção a natureza conservadora da Autora na aplicabilidade dos seus proventos financeiros, que a catalogava como avessa ao risco, sendo ainda certo estarmos perante uma pessoa legalmente tipificada como investidora não qualificada, impunha-se que o intermediário financeiro, para além das informações transmitidas, tivesse ainda a diligência de informá-la acerca da natureza subordinada das Obrigações emitidas, atentas as consequências ínsitas a tal, em termos de garantia de investimento.

Centrando-nos no último dos pressupostos da responsabilidade civil – nexo de causalidade entre o facto e o dano -, cumpre enunciar que “o estabelecimento da relação de causalidade supõe a determinação da vontade do investidor pelo comportamento do intermediário financeiro. A escolha do investidor deverá ter sido causada pela conduta do intermediário financeiro, de tal modo que, se este houvesse cumprido as suas obrigações informativas, a escolha do investidor teria sido diversa”.

Com efeito, “o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano causado aos autores, nos termos do artigo 563.º do Código Civil, deve ser analisado através da demonstração de que, se não tivesse havido a omissão dos deveres de informação, logo, se os mesmos tivessem sido cumpridos, os autores não teriam investido naquela aplicação, mas noutra que lhe garantisse um retorno seguro” [59].

Nas palavras de Margarida Azevedo Almeida [60], “para que se estabeleça o nexo causal é necessário que, caso tivesse formado a sua vontade de modo esclarecido, o investidor ter-se-ia abstido de celebrar qualquer negócio ou teria optado por outro investimento”

Conforme defendido em Acórdão desta Relação e Secção [61], é sobre o investidor que recai o ónus probatório do nexo de causalidade entre o facto do intermediário  financeiro e o dano, ou seja, de que se tivesse formado a sua vontade de modo esclarecido, ter-se-ia abstido de celebrar qualquer negócio ou teria optado por outro investimento.

Donde, o estabelecimento da relação de causalidade supõe a determinação da vontade do investidor pelo comportamento do intermediário financeiro.

Pelo que, no caso em apreciação, impunha-se que a Autora provasse, nomeadamente, que se lhe tivesse sido mostrado e explicado o conteúdo da nota informativa respeitante ao produto financeiro em apreço (ou mesmo da informação existente a nível interno, mencionada no facto 15.), nomeadamente no que se refere à Subordinação do produto financeiro proposto, a Autora não teria efectuado o investimento naquela Obrigação [62] [63] [64] [65].

Ora, conforme supra referenciado, tal factualidade foi devidamente alegada (ainda que em termos mais amplos ou abrangentes), conforme se extrai do artº. 71º da petição inicial (e contestada pelo Réu, conforme artº. 78º da contestação), sem que, contudo, o Tribunal a quo se tivesse sofre a mesma pronunciado, incorrendo, assim, em manifesta omissão.

Também conforme referenciámos, procedeu-se à audição da prova produzida, tendo-se constatado que tal factualidade não foi objecto de actividade probatória (directa ou indirectamente, sendo insusceptível de extrair da mesma), o que inibe a faculdade legal desta Relação poder percepcioná-la, nos quadros dos artigos 662º, nº. 1 e 607º, nºs. 3 e 4, ex vi do nº. 2, do artº. 663º, todos do Cód. de Processo Civil.

Pelo que, afigura-se-nos, impõe-se a ampliação da matéria factual apurada, no que concerne àquele ponto factual em equação, o que determina, nesta sede, nos termos do artº. 662º, nº. 2, alín. c) e 3, alín c), do Cód. de Processo Civil, a anulação da sentença recorrida/apelada, devendo o julgamento a efectuar cingir-se apenas à produção probatória citada, sem prejuízo “da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições”.

A que se seguirá, consequentemente, a prolação de nova sentença, que deverá abranger a resposta à matéria factual omitida.

Determinando, logicamente, prejudicialidade no conhecimento das demais questões objecto da presente apelação.

Por todo o exposto, e sem ulteriores delongas, em guisa conclusória, decide-se:
– determinar a ampliação da matéria factual apurada, no que concerne ao ponto factual alegado no artº. 71º da petição inicial, na parte em que refere que a Autora, caso se lhe tivesse sido mostrado e explicado o conteúdo da nota informativa respeitante ao produto financeiro em apreço (ou mesmo da informação existente a nível interno, mencionada no facto 15.), nomeadamente no que se refere à Subordinação do produto financeiro proposto, não teria efectuado o investimento naquela Obrigação ;
– consequentemente, determinar, nos termos do artº. 662º, nº. 2, alín. c) e 3, alín c), do Cód. de Processo Civil, a anulação da sentença recorrida/apelada, devendo o julgamento a efectuar cingir-se apenas à produção probatória citada, sem prejuízo “da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições” ;
– após, deverá ser prolatada nova sentença, na qual deverá figurar resposta à matéria factual omitida ;
– o que implica, nesta sede e necessariamente, prejudicialidade no conhecimento das demais questões objecto da presente apelação.
***

Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, tendo em consideração a decisão proferida, as custas serão suportadas pela(s) parte(s) vencida(s) , a final.
***

IV.–DECISÃO

Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, no presente recurso de apelação interposto pela Autora/Apelante ME…, em que surge como Réu/Apelado BANCO  D……,S.A., o seguinte:
1.– determinar a ampliação da matéria factual apurada, no que concerne ao ponto factual alegado no artº. 71º da petição inicial, na parte em que refere que a Autora, caso se lhe tivesse sido mostrado e explicado o conteúdo da nota informativa respeitante ao produto financeiro em apreço (ou mesmo da informação existente a nível interno, mencionada no facto 15.), nomeadamente no que se refere à Subordinação do produto financeiro proposto, não teria efectuado o investimento naquela Obrigação ;
2.– consequentemente, determinar, nos termos do artº. 662º, nº. 2, alín. c) e 3, alín c), do Cód. de Processo Civil, a anulação da sentença recorrida/apelada, devendo o julgamento a efectuar cingir-se apenas à produção probatória citada, sem prejuízo “da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições” ;
3.– após, deverá ser prolatada nova sentença, na qual deverá figurar resposta à matéria factual omitida ;
4.– em considerar, atento o supra exposto e, pelo menos, por ora, ocorrer prejudicialidade no conhecimento das demais questões objecto da presente apelação ;
5.– Custas a cargo da(s) parte(s) vencida(s) a final – cf., artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil.

------------------

Lisboa, 07 de Fevereiro de 2019



Arlindo Crua - Relator 
  
Magda Geraldes – 1ª Adjunta
                             (em substituição)

Luciano Farinha Alves – 2º Adjunto
                                 (em substituição)


[1]A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original.
[2]8. A A. foi contactada em Abril de 2006, por um funcionário do Balcão onde a A. tinha conta, dizendo-lhe que estava a ser lançado um novo produto financeiro, de características similares às de um depósito a prazo, só que melhor remunerado, com capital garantido.
[3]Que tenha sido dito à A., aquando da aquisição, que era uma obrigação e subordinada.
[4]Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, pág. 370 e 371.
[5]Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2014, 2ª Edição, Almedina, pág. 604 e 605.
[6]Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Ob. cit., pág. 599.
[7]Traduzem estas nulidades da sentença a “violação da lei processual por parte do juiz (ou do tribunal) prolator de alguma decisão”, pertencendo ao género das nulidades judiciais ou adjectivas – cf., Ferreira de Almeida, Ob. cit., pág. 368.
[8]Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, 1982, pág. 102.
[9]Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, ob. cit, pág. 600 e 601.
[10]Ferreira de Almeida, ob. cit., pág. 368 a 370.
[11]Ob. cit., pág. 606 e 607.
[12]Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª Edição, Almedina, pág. 285.
[13]Idem, pág. 285 a 287.
[14]José Engrácia Antunes, Os Contratos de Intermediação Financeira, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Vol. LXXV, pág. 280.
[15]Cf., A. Barreto Menezes Cordeiro, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 2016, Almedina, pág. 245.
[16]Aprovado pelo DL nº. 486/99, de 13/11, sendo que as referências legais infra a este diploma, salvo expressa menção em contrário, reportar-se-ão sempre à redacção vigente à data dos factos em equação, ou seja, em Maio de 2006, antecedente às alterações introduzidas pelo DL n.º 357-A/2007, de 31/10.
[17]Ob. cit., pág. 317 a 319.
[18]Ob. cit., pág. 289.
[19]As Transacções de Conta Alheia no Âmbito da Intermediação no Mercado de Valores Mobiliários, Direitos dos Valores Mobiliários, pág. 296 a 303.
[20]Ob. cit., pág. 317.
[21]Idem, pág. 91 a 100.
[22]Especificamente sobre os deveres de informação dos intermediários financeiros, entre outros, cf., Paulo Câmara, Manual dos Valores Mobiliários, pág. 364 e segs, e Fazenda Martins, Deveres dos Intermediários Financeiros, em Especial os Deveres para com os Clientes e o Mercado, Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, nº 7.
[23]Ob. cit., pág. 305 e 306.
[24]Relator: Olindo Geraldes, Processo nº. 428/12.3TCFUN.L1.S1, in www.dgsi.pt .
[25]Idem, pág. 256 a 258.
[26]O presente normativo (tal como resulta de outras normas presentemente vigentes) impõe ao intermediário financeiro o dever de obter informações acerca dos conhecimentos e experiência do cliente, com o objectivo de possibilitar efectivamente a avaliação de que o “cliente compreende os riscos envolvidos”, para então formar seu juízo acerca da adequação do investimento para o cliente, informando-o em conformidade.
[27]Menezes Cordeiro, ob. cit., pág. 291 e 292.
[28]Relatora: Maria Clara Sottomayor, Processo nº. 70/13.1TBSEI.C1.S1, in www.dgsi.pt .
[29]À data da subscrição tal garantia tinha com o limite o valor de 25.000 ECU, conforme redacção conferida ao artº. 166º pelo DL nº. 319/2002, de 28/12.
No dia 16/04/2010, o Fundo … … proferiu o seguinte Comunicado:
“Tendo o Banco de Portugal tornado pública em 16 de Abril de 2010 a decisão pela qual foi revogada a autorização do Banco P……, S.A., compete ao Fundo G…..  nos termos da alínea b) do n.º 5 do artigo 167.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras iniciar os procedimentos com vista ao reembolso dos depósitos abrangidos pela garantia, com o limite de 100.000,00 euros por depositante.
Nos termos da lei, o reembolso de depósitos tem por base uma relação completa que o Banco P……,S.A. deve fornecer ao Fundo G……, independentemente das informações e análises de que este careça para satisfazer os seus compromissos, nomeadamente para confirmação das situações de exclusão da garantia de reembolso enumeradas no artigo 165.º, n.º 1 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras
Tendo presente a necessidade de proceder, com a devida segurança, às operações de reembolso dos depósitos abrangidos na referida relação, foram solicitados pelo Banco P……,S.A. a todos os depositantes os números de identificação bancária (NIB) com vista à transferência dos fundos a que cada um dos depositantes tem legalmente direito.
Nestes termos, comunica-se a todos os depositantes do Banco P……, S.A. abrangidos pela garantia do Fundo  G…… que o reembolso a favor dos depositantes que forneceram o número de identificação bancária (NIB), mediante transferência bancária ordenada através do E…., Banco ……,SA, deverá ter lugar dentro dos seguintes prazos:
a)Uma primeira parcela até 10.000 euros de todos os depósitos abrangidos pela garantia, no prazo de sete dias a contar da data em que o Banco de Portugal tornou pública a revogação da autorização do Banco P……,S.A.;
b)O remanescente até ao limite de 100.000 euros, no prazo máximo de vinte dias úteis a contar da data em que o Banco de Portugal tornou pública a revogação da autorização do Banco P……,S.A., sem prejuízo da prorrogação daquele prazo, por período não superior a dez dias úteis, nos termos do n.º 2 do art.º 167º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras;
c)Relativamente aos depositantes que não indicaram ao Banco P.……,S.A. o número de identificação bancária (NIB), os respectivos reembolsos serão processados à medida que os mesmos sejam disponibilizados.
No caso de existirem dúvidas sobre determinadas situações, o Fundo G…… suspende o pagamento até ao seu cabal esclarecimento”.
E, uma semana depois -23/04/2010 – emitiu novo Comunicado, do seguinte teor:
“No seguimento do comunicado de 16 do corrente mês, o Fundo G…… (FGD) torna público que, por deliberação da Comissão Directiva tomada ontem, 22 de Abril, foi ordenado o pagamento imediato do montante previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 167.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (parcela até 10 000 euros), a todos os titulares de depósitos constantes da relação apresentada pelo Banco P……, SA (B……), cujo direito ao reembolso não suscitou dúvidas.
O pagamento será processado através do Banco E……, SA, a quem foram transmitidas as ordens de transferência das importâncias devidas, para as contas correspondentes aos NIB fornecidos ao Banco P…… pelos depositantes.
Para um número significativo de depositantes, não é ainda possível proceder ao pagamento acima referido, por não terem, até esta data, enviado o respectivo NIB ao Banco P…… A transferência será realizada logo que os interessados transmitam ao Banco P…… o NIB da conta onde desejam que seja creditado o reembolso.
Conforme referido no comunicado de 16 de Abril, o reembolso da importância remanescente, até ao limite de 100 000 euros, será realizado no prazo máximo de vinte dias úteis contados a partir da data em que o Banco de Portugal tornou pública a decisão de revogar a autorização ao Banco P…….
Nos casos que suscitaram dúvidas quanto à existência do direito ao reembolso, a Comissão Directiva determinou a suspensão do pagamento, para que seja possível proceder aos necessários esclarecimentos e averiguações complementares, no mais curto prazo possível. Sempre que estas diligências permitam ultrapassar as dúvidas existentes, será ordenado o imediato pagamento das importâncias devidas. Nos casos em que persistam dúvidas fundadas sobre o direito ao reembolso, os interessados serão notificados para exercerem o direito de audiência, antes da decisão final quanto aos créditos em causa.
As principais dúvidas suscitadas, tendo em conta o número de situações envolvidas, são as seguintes: (i) contas abertas posteriormente à data em que o Banco P…… anunciou a suspensão de pagamentos (24 de Novembro de 2008); (ii) contitulares que foram aditados, após a mesma data, a contas de depósito já existentes; (iii) contas cujos titulares têm dividas ao Banco P…… que não foram objecto de compensação por motivo da protecção de direitos de terceiros.

Em relação aos depósitos abrangidos por causas legais de exclusão do direito ao reembolso, o FGD irá proceder à notificação dos respectivos titulares, identificando a norma de exclusão aplicável.
O FGD irá divulgando informação referente a este processo, sempre que tal se justifique”.

[30]Ob. cit., pág. 158.
[31]Cf., ainda, Paulo Câmara, ob. cit., pág. 132 e segs.
[32]Menezes Cordeiro, ob. cit., pág. 162 a 164.
[33]Relator: António Santos, Processo nº. 7747/17.0T8LSB.L1-6, in www.dgsi.pt .
[34]Acompanhamos aqui, sem rebuço, o mencionado por António Pinto Monteiro - Parecer sobre os deveres de informação a cargo do banco enquanto intermediário financeiro no contexto de um contrato de recepção e transmissão de ordens, datado de 28/02/2018, pág. 26 e 27 (junto aos autos pelo Banco Apelado) -, no sentido de parecer “perfeitamente irrealista que os clientes considerassem que uma obrigação, para além de oferecer uma taxa de juro aos seus subscritores marcadamente superior à dos depósitos a prazo, lhes proporcionasse também uma segurança em tudo idêntica à destes depósitos. Se assim fosse, e nenhuma diferença existisse entre qualquer dos produtos que não a taxa, por que lhes seriam atribuídas designações tão diversas ? (…) E, mais importante, por que continuariam a existir depósitos a prazo se as obrigações constituíssem um produto em tudo idêntico, exceptuando no que toca a taxa de juro, que seria mais alta ? Que depositante manteria o seu dinheiro agrilhoado a um depósito a prazo se pudesse subscrever um produto que lhe oferecesse exactamente a mesma segurança, mas a taxas muito mais favoráveis ? Será plausível, ou até mesmo concebível, crer que alguém razoavelmente confiasse que uma obrigação seria um produto financeiro em tudo idêntico a um depósito a prazo, mas com uma taxa de juro diferente, largamente mais vantajosa ?! Esperariam os clientes aproveitar mesmo todos os commoda das taxas de juro mais elevadas que uma obrigação lhes proporciona sem qualquer sujeição a pelo menos alguns incommoda correspondentes ?!”.
[35]Assim, o referenciado Acórdão do STJ de 12/01/2017.
[36]Neste sentido, cf., Menezes Cordeiro, Direito Bancário, 6.ª edição, 2016, Almedina, págs. 266 e 286 a 291.
[37]Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, 2009, pág. 470 e 471.
[38]Apelação 9659/16.6T8LSB.L1, de 21/06/2018 – Relatora: Ondina Carmo Alves, no qual o ora Relator foi 2º Adjunto, que vimos seguindo.
[39]Nas palavras de Menezes Cordeiro – Manual de Direito Bancário, 6ª Edição, Almedina, Coimbra, 2016, pág. 407 e 408 -, “não há qualquer dever geral, por parte do banqueiro, de prestar informações: o banco não é, por profissão, uma agência de informações e mesmo esta teria que ser contratada, para informar. Por isso, o dever de informação só ocorre quando o banqueiro o tenha assumido ou quando a boa-fé o exija”.
[40]Assim o já referenciado aresto desta Relação e Secção, de 21/06/2018 ; em idêntico sentido, cf., ainda os Acórdãos desta Relação e Secção de 21/06/2018 e 05/07/2018, Processos nºs. 18613/16.7 T8LSB.L1 e 23968/16.0T8LSB.L1, relatados pela mesma Relatora, nos quais o ora Relator interveio como 2º Adjunto.
[41]A informação no Mercado de Capitais, Cadernos do Mercado dos Valores Mobiliários, nº 3, 2º Semestre de 1998, pág. 115-116.
[42]Assim o referenciado aresto desta Relação e Secção de 21/06/2018, citando Filipe Matias Santos, Divulgação de Informação Privilegiada, Estudos Sobre o Mercado de Valores Mobiliários, 2011, Almedina, pág. 37-38.
[43]Qualidade da Informação, nos Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, nº 49 (Dezembro de 2014), págs. 5 e seguintes.
[44]Relator: Manuel Rodrigues, Processo nº. 5075/16.8T8LSB.L1-6, in www.dgsi.pt .
[45]Da Responsabilidade Pré-Contratual por Violação dos Deveres de Informação, 2003, Braga, Almedina, pág. 67 e 68.
[46]A protecção dos investidores em valores mobiliários, Almedina, 2001, pág. 46.
[47]Assim o referenciado aresto desta Relação e Secção de 21/06/2018.
[48]Ob. cit., pág. 14.
[49]Relator: Granja da Fonseca, Processo nº. 1970/09.9TVPRT.P1.S1, in www.dgsi.pt .
[50]Relator: António Valente, Processo nº. 28438/16.4T8LSB.L1-8, in www.dgsi.pt .
[51]Contra, considerando-o um dever acessório, e não um dever de prestação secundária, cf., Menezes Cordeiro, Responsabilidade bancária, deveres acessórios e nexo de causalidade, Parecer datado de 20/11/2017, pág. 15, junto aos autos pelo Réu Apelado.
[52]Referencia Engrácia Antunes - Deveres e Responsabilidade do Intermediário Financeiro – Alguns Aspetos, pag. 45 - que para os efeitos em análise, é indiferente se os actos ou omissões foram praticados por representantes ou auxiliares do intermediário, em virtude de ser inconcebível o exercício de actividades de intermediação financeira sem o recurso a colaboradores, valendo aqui o princípio geral da responsabilidade do intermediário pela conduta dos seus representantes legais (art. 800, nº 1 do CC e art. 6, nº 5 do CSC).
[53]A responsabilidade civil de intermediários financeiros por informação deficitária e falta de adequação dos instrumentos financeiros”, O novo Direito dos Valores Mobiliários, I Congresso sobre Valores Mobiliários e Mercados Financeiros, 2017, Almedina, pág. 420-421.
[54]Direito Bancário, 5.ª Ed. revista a atualizada, Almedina, Coimbra, 2014, pág. 431-432.
[55]A justificação histórica para tal entendimento é aduzida pelo mesmo Autor - Responsabilidade bancária, deveres acessórios e nexo de causalidade….ob. cit., pág. 19 –, ao referenciar que na responsabilidade obrigacional “mantém-se o esquema francês da faute: “culpa”, nos artigos 798º e 799º, envolve a ilicitude e a culpa”.
Enquanto que, em contraposição, na responsabilidade aquiliana, “acolheu-se o alemão: temos, no artigo 483º/1, claramente contrapostas a ilicitude e a culpa (dolo ou negligência)”.
[56]Citações e texto extraídos do citado Acórdão desta Relação, de 21/06/2018, do qual o ora Relator foi 2º Adjunto.
[57]Parecendo admitir tal situação de presunção de causalidade, em cumulação com a admissibilidade de presunção de culpa e de ilicitude, cf., o já citado Acórdão desta Relação de 21/07/2018 ; salvo o mui devido respeito, mas parecendo eivado de alguma equivocidade, se bem o percepcionámos, parece resultar o juízo exposto no já citado douto Acórdão do STJ de 17/03/2016. Efectivamente, após enunciar que a doutrina considera que a causalidade, ou seja, o nexo entre o facto e o dano, também está abrangida pela presunção do nº. 1, do artº. 799º, do Cód. Civil, acaba por referenciar que tal nexo de causalidade “entre a violação dos deveres de informação e o dano causado ao autor (art. 563.º do CC) deve ser analisado através da demonstração, que decorre claramente da matéria de facto, de que se tais deveres de informação tivessem sido cumpridos, o autor não teria investido naquela aplicação, mas noutra que lhe garantisse um retorno seguro, condição que ele colocou para fazer o investimento”.
[58]Distintamente, referencia António Pinto Monteiro – ob. cit., pág. 24 -, incumbir aos clientes do BPN a prova da “ilicitude da actuação do Banco, quer por ter fornecido falsa informação, quer por ter transmitido informação incompleta ou deficiente. Na verdade, mesmo que se tenha aqui por aplicável o regime da responsabilidade contratual (….), só a culpa se presume – e só de culpa presumida fala também o nº. 2 do artigo 314º CVM”.
[59]Assim, o citado Acórdão desta Relação, de 21/06/2018.
[60]Ob. cit., pág. 421 e 422.
[61]Relator: Jorge Leal, Processo nº. 14202/16.4T8LSB.L1-2, in www.dgsi.pt .
[62]Através da tutela indemnizatória não está em equação qualquer garantia ou tutela de realização das expectativas do investidor aquando da subscrição da aplicação financeira, mas antes, e tão-só, colocá-lo na situação em que estaria caso a sua vontade tivesse sido formada de forma esclarecida e devidamente informada.
[63]Diferenciado entendimento foi sufragado no douto Acórdão desta Relação de 17/04/2018 – Relator: Torres Vouga, Processo nº. 3830/15.5T8LRA.L1-1, in www.dgsi.pt -, no qual se considerou inexistir nexo de causalidade adequada entre a actuação do Réu, enquanto intermediário financeiro, e o não reembolso, na sua totalidade, do capital investido pelos Autores na subscrição das obrigações.
O que determina a ausência do pressuposto da obrigação de indemnizar, consubstanciado na existência de um nexo de causalidade adequada entre o acto ilícito praticado pelo lesante e o prejuízo sofrido pelo lesado, ou seja, a desvalorização dos títulos adquiridos pelos Autores.
Nas palavras de tal aresto, “o prejuízo de que os aqui Autores/Apelantes pretendem ser ressarcidos (na presente acção) não é o prejuízo decorrente do facto de, ao subscreverem as obrigações emitidas pela S...., em 2004 e em 2006, nelas investindo o dinheiro que tinham depositado a prazo junto do BANCO AA, terem perdido a possibilidade de, após tal aquisição, movimentar, levantar ou gastar, até 11 de Outubro de 2014 ou 30 de Abril de 2016 (data do termo da maturidade daquele produto financeiro), o dinheiro nele investido, mas tão só aqueloutro prejuízo decorrente do facto de a entidade emitente das aludidas obrigações (a S...., SA) não ter pago as obrigações «S... Rendimento Mais 2004» na data do seu vencimento (em 24 de Outubro de 2014) e haver apresentado, no Tribunal da Comarca de Lisboa, um Processo Especial de Revitalização (o qual corre seus termos pela 1ª Secção de Comércio - J4, com o número 22922/15.4T8LSB, tendo sido já nele proferido o despacho a que alude o artigo 17.º-C, n.º 3, al. a) do CIRE) – facto que (na perspectiva dos Autores) irá (previsivelmente) implicar que, no melhor dos cenários, os respectivos credores venham a ter de anuir a um perdão parcial da maior parte dos seus créditos (normalmente, mais de 80 %) e a um período de carência de capital e de juros de 3 ou 4 anos, sendo o remanescente pago em 10 ou 12 anos ou, na pior das hipóteses, irá desembocar na declaração de insolvência da devedora (com a liquidação do seu activo e o consequente recebimento duma quantia insignificante por parte dos Autores, daqui a uma dezena de anos): cfr. os arts. 149º e 150º da PI.
Ora – como é evidente -, inexiste nexo de causalidade adequada (art. 563º do Cód. Civil) entre a actuação do Banco réu enquanto intermediário financeiro (em 2004 e em 2006) e o não reembolso, na maturidade (em 2014), do capital investido pelos Autores na aquisição das obrigações emitidas pela S....
De facto – como bem salientou a sentença ora sob censura -, essa falta de reembolso do capital investido pelos Autores na subscrição das obrigações emitidas pela  S... ocorreu por efeito da degradação da situação financeira da sociedade emitente (entre 2004-2006 e 2014) e não por causa de qualquer deficiente informação ou actuação do intermediário financeiro BANCO AA aquando da subscrição das obrigações (ocorrida dez ou doze anos antes)”.
E, acrescenta-se, “ainda que os Autores tivessem logrado provar a sua alegação de que só subscreveram os títulos aqui em causa por que lhes foi afiançado pelo BANCO AA... que o retorno das quantias subscritas era garantido por ele próprio, uma vez que se tratava de um sucedâneo - melhor remunerado - de um depósito a prazo, com características semelhantes e que eles nunca teriam aceite subscrever o «Boletim de Subscrição» das duas obrigações «S.... Rendimento Mais 2004»), se lhe tivessem sido bem explicadas as características do produto; e, sobretudo, se lhe tivesse sido mostrada a «NOTA INFORMATIVA» que é fls. 54 a 70 dos autos (nomeadamente, os pontos «REEMBOLSO ANTECIPADO» e «GARANTIAS E SUBORDINAÇÃO»), estando em causa uma diferença de menos de 2% na taxa de juro nominal, sempre se teria de concluir que, desde que o risco da aplicação financeira não seja, especificamente, assumido por uma qualquer entidade, [ele] corre por conta do titular do direito [28] [29] [30]. E, por outro lado, a afirmação da garantia do reembolso do capital investido pelo intermediário financeiro não significa que a decisão da subscrição das obrigações se tivesse ficado a dever a tal circunstância [31] - o que pressupunha a demonstração de que os Autores se tivessem determinado pela subscrição das obrigações da S... por efeito da garantia do reembolso do capital investido.
De resto, não pode perder-se de vista que o BANCO AA... (que era o banco onde os Autores tinham depositadas as quantias que investiram na aquisição das obrigações emitidas pela S.... em 2004 e em 2006) só foi salvo da sua iminente insolvência pela nacionalização operada pela Lei nº Lei 62-A/2008, de 11 de Novembro.
De sorte que, não fora a imprevisível nacionalização desta instituição bancária (em 2008) – um facto que nenhuma das partes poderia antecipar em 2004 e em 2006 -, sempre se poderia sustentar que a alegada garantia de reembolso, pelo BANCO AA, do capital investido pelos Autores na aquisição das obrigações emitidas pela S.... (em 2004 e em 2006) de muito pouco lhes teria valido, porque o BANCO AA ter-se-ia, ele próprio, tornado insolvente em 2008, isto é, muitos anos antes do vencimento das obrigações emitidas pela S... (que só ocorreu em 2014).
De qualquer modo, como a causa do dano consubstanciado no não pagamento (em 2014) das obrigações emitidas pela S.... e subscritas pelos Autores reside num factor totalmente estranho à actuação dos funcionários do Banco réu (a progressiva degradação da situação financeira da S....), sem que algo permita concluir que, em 2004 e em 2006, pudesse ser antecipada a sua ocorrência, sempre se terá de concluir que, mesmo que tivesse existido incumprimento de deveres legais e contratuais (ilicitude) e que não foi elidida a presunção de culpa que recai sobre o intermediário financeiro (nos termos do art. 314º do CVM), sempre faltaria, para se poder afirmar a existência de responsabilidade civil do ora Réu (com base na actuação inicial dos funcionários do BANCO AA), o imprescindível nexo de causalidade entre o incumprimento de deveres inerentes à actividade de intermediação financeira e a desvalorização dos títulos adquiridos pelos Autores”.
[64]Crítico da solução adoptada quanto ao nexo de causalidade é o entendimento exposto por António Pinto Monteiro – ob. cit., pág. 42 a 46 -, defendendo, na análise do pressuposto da responsabilidade civil nexo de causalidade, a teoria do escopo da norma violada.
Segundo esta, que parte da teoria da conditio sine qua non, não é bastante ou suficiente o “facto de ser condição necessária para a produção do dano”, urgindo, ainda, indagar “da finalidade da norma violada pelo lesante com o intuito de saber quem a norma protege, o que protege, e de quê protege”.
Acrescenta, então, que os deveres de informação impostos aos intermediários financeiros – protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado – “não têm, portanto, a finalidade de proteger estes investidores do incumprimento improvável – resultante de um evento de difícil previsibilidade, como a insolvência que a S…. viria a declarar nove anos depois da emissão da obrigação – do emitente de uma obrigação”.
Pois, aduz, “caso contrário, desembocaríamos numa situação em que teríamos dois factos ilícitos, entendidos como tendo sido causadores dos mesmos danos, a promanarem de relações jurídicas diversas: o incumprimento dos deveres de informação por parte do C… e o incumprimento do dever de prestar por parte da S…. (…)”, ou seja, “se a violação de um dever de informação também fosse causa dos danos sofridos pelo incumprimento do dever de prestar numa outra relação, então funcionaria sempre essa violação como garantia, oferecida ao lesado, do cumprimento do dever de prestar, por outra pessoa, no quadro de uma outra relação jurídica. Independentemente do dever de informação violado, a existência de tal violação representaria uma espécie de seguro gratuito contra o incumprimento de uma outra categoria de dever, que possa vir a ter lugar no contexto, repete-se, de uma outra relação jurídica, encetada com um outro sujeito”.
Acrescenta, ainda, que idêntico resultado seria atingido caso a fosse adoptada a teoria da causalidade adequada (sufragada na presente decisão), pois alude não parecer defensável “que da putativa violação dos deveres de informação do C…. siga em curso normal o dano sofrido pelos clientes”.
E, conclui, por este entendimento, resulta claro inexistir nexo causal caso o investidor informado tivesse actuado da mesma forma sem a recomendação, pelo que “é aos clientes do BPN que cabe provar que não teriam actuado da mesma forma sem a informação ; ou seja, aqueles tinham de provar que não teriam realizado a subscrição da obrigação caso lhes tivesse sido prestada a informação alegadamente em falta”.  
[65]Apontando insuficiências à teoria da causalidade adequada, também Menezes Cordeiro - Responsabilidade bancária, deveres acessórios e nexo de causalidade….ob. cit., pág. 22 e 23 –, invoca a teoria do escopo da norma jurídica violada (ou causalidade normativa), formulando-a, nos seguintes termos: “a causalidade juridicamente relevante verifica-se em relação aos danos causados pelo facto, em termos de conditio sine qua non, nos bens tutelados pela norma jurídica violada”.
Pelo que, acrescenta, no âmbito da responsabilidade bancária, “são imputados os danos correspondentes ao círculo de bens tutelado pela norma jurídica violada”, o que “obriga a indagar o escopo da norma atingida”, permitindo “delimitar danos que, de outro modo, pareceriam ilimitados”.
Assim, “quando esteja em causa a frustração da própria prestação principal, o dano a considerar é o valor desta: há «presunção» de causalidade. No caso de deveres acessórios, temos de indagar o seu escopo concreto e o sentido do não-cumprimento. Aí, sendo o cliente do banqueiro o demandante, cabe a esta a invocação e a prova de todos os factos que permitam o juízo de causalidade normativa” – cf., fls. 34.
O que significa que, para este Autor, a aduzida presunção de
causalidade (que não reconhecemos) parece apenas funcionar
aquando da frustração da prestação principal, e não já quando
estão em causa deveres acessórios.