Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4013/15.0T8LRS.L1-7
Relator: ANA RODRIGUES DA SILVA
Descritores: DOCUMENTOS PARTICULARES
FORÇA PROBATÓRIA
SUBSTITUIÇÃO
PROCURAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: RECURSO DE APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: · Os documentos particulares que tenham sido impugnados deixam de fazer prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, nos termos previstos no art. 376º do CC, mas podem ser utilizados como meios de prova, apreciados livremente pelo tribunal;
· A circunstância de não estar junto aos autos o original de um documento impugnado não invalida que se dê como provado o facto que o mesmo pretendia provar, se esse mesmo facto resultar da demais prova produzida;
· A impossibilidade de substituição de meio de prova prevista no art. 364º do CC apenas releva quanto aos efeitos do negócio, sendo possível provar a celebração de um determinado negócio, ainda que nulo por falta de forma, através de documento particular, de prova testemunhal ou até por presunções judiciais;
A clausula de irrevogabilidade constante de uma procuração tem de decorrer de uma relação jurídica causal e basilar, na qual o mandatário tem direito a uma prestação de que o mandante é devedor.
Decisão Texto Parcial:Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. RELATÓRIO
1. A. e B.intentaram contra C., D., E., F., G. e H. acção declarativa de condenação sob a forma comum pedindo que os 1º e 2ª RR. sejam condenados, como devedores solidários principais, e os 3º e 4ª RR., subsidiariamente aos dois primeiros, a restituir aos AA. a quantia mutuada ainda em dívida no valor de Eur. 24.450, acrescida de juros vincendos, bem como dos já vencidos, que se liquidam nesta data em Eur.5.419, julgando procedente, por provada, a presente impugnação pauliana relativa ao contrato de doação celebrado entre os 3ª e 4º RR. e a 5ª R., registado em 11.12.2012, ap. 2..., sobre o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Odivelas, sob o nº 1... da mesma freguesia e concelho de Odivelas, e inscrito na matriz predial urbana sob o art. 7..., repondo-se a propriedade do imóvel na titularidade dos 3º e 4º RR., para que o A. Varão volte a ter na sua disponibilidade a possibilidade do exercício do direito que lhe assiste, de dispor do bem em causa, na medida do seu interesse, podendo executá-lo no património do obrigado à restituição e praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei, nos exactos termos previstos no art.º616, n.º do C.C.; e, em alternativa ao pedido deduzido na alínea anterior, deverão os 3º, 4º, 5º e 6º RR. ser condenados a indemnizarem, solidariamente, os AA. em montante a liquidar em execução de sentença, atendendo a que violaram o contrato de mandato que estava consubstanciado na procuração junta aos autos, e que permitia os AA. negociarem consigo mesmos o imóvel objecto da mesma procuração, e no seu próprio interesse.

2. Citados os RR., apresentaram os RR. D., E., F., G. e H., contestação, na qual deduziram a excepção de ilegitimidade do R. H. e de nulidade, tendo ainda impugnado a factualidade constante da petição inicial.

3. Convidados a pronunciar-se sobre a matéria de excepção, defenderam os AA. a sua improcedência.

4. Foi proferido despacho saneador, no qual se julgou procedente a excepção de ilegitimidade do R. H. apenas quanto ao pedido alternativo formulado sob a alínea c), e se procedeu à fixação do objecto do litígio e de temas de prova.

5. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, no decurso do qual os AA. reduziram o pedido, e foi proferida sentença em que se julgou improcedente a acção, absolvendo-se os RR. do pedido.

6. Inconformado, os AA. recorrem desta sentença, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
(...)
7. Em sede de contra-alegações, os RR. defenderam a manutenção da sentença recorrida.

II. QUESTÕES A DECIDIR

Considerando o disposto nos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC, nos termos dos quais as questões submetidas a recurso são delimitadas pelas conclusões de recurso, impõe-se concluir que as questões submetidas a recurso, delimitadas pelas aludidas conclusões, são:
- da nulidade da sentença recorrida;
- da impugnação da matéria de facto;
- da existência dos requisitos da impugnação pauliana;
- da nulidade da procuração irrevogável.


III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença sob recurso decidiu a matéria de facto nos seguintes termos:

“São os seguintes os factos que consideramos provados:
1- Em 05 de Maio de 2009 o 1º Co - Réu e a 2ª Co – Ré , respectivamente C. e D. , eram casados entre si no regime de comunhão de bens adquiridos;
2- O 1º Co - Autor A. e o 1º Co - Réu C. são irmãos;
3- O 1º Co - Autor A. contraiu um empréstimo bancário no Banco Santander Totta no montante de € 25.000,00;
4- O 1º Co - Réu e a 2ª Co - Ré , C. e D. , contraíram casamento um com o outro, sem convenção antenupcial, em 10/11/1985 , o qual foi dissolvido por divórcio decretado por sentença que transitou em julgado em 16/12/2011;
5- A 5ª Co-Ré G.é filha do 1º Co - Réu e da 2ª Co - Ré e casou com o 6º Co - Réu H. no dia 09 de Maio de 2009;
6- A boda de casamento da 5ª Co - Ré e do 6º Co - Réu teve 185 convidados e o seu custo ascendeu a € 14.330,00;
7- O 1º Co - Réu C. exerceu a actividade de feirante;
8- No dia 05 de Maio de 2009 o 3º Co - Réu e a 4ª Co -Ré , respectivamente E. e F., compareceram no Cartório Notarial de Odivelas perante a notária Sandra ... tendo ambos outorgado e assinado um documento intitulado “ Procuração “ , constando do seu teor que “ Pelos Outorgantes foi dito:
----Que, pelo presente instrumento, constituem seu bastante procurador A., casado, natural da freguesia de Odivelas, concelho de Loures, residente na Praceta ..., em Odivelas, NIF 1..., a quem conferem os poderes necessários para, podendo fazer negócio consigo mesmo, vender, pelo preço, termos e condições que entender, um oitavo do prédio urbano, composto por rés-do-chão, sótão, para habitação, e logradouro, sito no Largo ..., freguesia e concelho de Odivelas, a confrontar ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Odivelas, sob o número ..., da referida freguesia, e inscrito na respectiva matriz sob o Artigo 7....
----Mais lhe conferem poderes para celebrar contratos-promessa de compra e venda, outorgar e assinar a respectiva escritura, receber o preço e dar quitação, proceder a quaisquer actos de registo predial, provisórios ou definitivos, averbamentos e cancelamentos, e ainda representá-los junto de quaisquer repartições públicas, praticando e assinando tudo o mais que necessário se torne aos indicados fins.
----Que a presente procuração é conferida também no interesse do mandatário, nos termos e para os efeitos do disposto no número 3 do artigo 265º, número 2 do artigo 1170º e artigo 1175º, todos do Código Cívil, pelo que não caduca por morte dos mandantes, nem pode ser revogada sem o acordo do mandatário “;
No último parágrafo do referido instrumento jurídico consta ainda expressamente que “ Esta procuração foi lida aos outorgantes e aos mesmos explicado o seu conteúdo “;
9- O prédio urbano referido na procuração aludida no ponto 8- supra é constituído por diversas unidades de habitação independentes , ainda que não submetidas em regime de propriedade horizontal , mas encontrando-se perfeitamente divididas e autónomas entre si , respeitando cada comproprietário a “ propriedade efectiva “ , a ocupação plena , de cada um dos restantes comproprietários sobre a respectiva unidade de habitação, em termos definidos há longos anos;
10- No caso do 3º Co – Réu e da 4ª Co - Ré , E. e F. , o direito dos mesmos traduz-se na posse e uso exclusivos sobre a unidade de alojamento identificada com o nº 1 do Largo ... , sendo certo que na Conservatória do Registo Predial o prédio surge identificado como situado no Largo... , confrontando ...;
11- O 1º Co - Réu , a 2ª Co - Ré , o 3º Co - Réu e a 4ª Co - Ré , C. , D. , E. e F. , entregaram aos Autores o montante global de € 14.214.00 ( Catorze mil , duzentos e catorze Euros);
12- A partir de Novembro de 2012 nenhuma outra quantia foi entregue aos Autores pelos Co - Réus , C. , D.  E. e F.;
13- No dia 11 de Dezembro de 2012 na Conservatória do Registo Predial de Odivelas foi celebrado um “ Título de Doação “ entre o 3º Co - Réu e a 4ª Co - Ré , E. e F., na qualidade de “ Parte Doadora “ e a 5ª Co - Ré G. , na qualidade de “ Parte Donatária “ , que o assinaram , tendo os primeiros declarado “ Que por conta da quota disponível , doam à segunda interveniente , sua neta , livre de ónus ou encargos , um oitavo do prédio supra identificado , correspondendo à parte transmitida o valor patrimonial de vinte e três mil, trezentos e oitenta e cinco, valor igual ao que lhe atribuem “;
14- O prédio mencionado no dito “ Título de Doação “ é constituído por “ edifício composto de r/c e sótão para habitação e logradouro “ , sito no “ Largo ... , actualmente Largo ... freguesia e concelho de Odivelas “ , descrito sob o número ..., da freguesia e concelho de Odivelas, na Conservatória do Registo Predial de Odivelas e inscrito na respectiva matriz urbana com o nº 1..., com o valor patrimonial de 187.080,00 Euros;
15- A doação referida no ponto 13- supra foi registada na Conservatória do Registo Predial em 11/12/2012;
16- O 3º Co - Réu E. nasceu em 13/09/1942 e a 4ª Co - Ré F. nasceu em 09/11/1942;
17 - O 3º Co - Réu E. sofre de “ Síndrome Pós Traumático de Guerra “ desde que retornou do serviço militar que prestou na Guiné em 1965, foi seguido prolongadamente no Hospital Júlio de Matos, necessitando de medicação crónica diária para controlo sintomático dos efeitos de tal Síndrome , nomeadamente “ humor deprimido , angústia persistente , agressividade , com descontrole de impulsos e fobias “ , mantendo como terapêutica de base Alprazolam 0.5 2xdia e adt 25 ao deitar;
18- CS e DS são pais do 6º Co - Réu e sogros da 5ª Co - Ré;
19- CS emitiu no dia 09 de Maio de 2009 um cheque no montante de € 12.830,00 à ordem de “ VC...“ , que foi descontado na conta titulada por si com o nº 00..., visando o pagamento das despesas em dívida com o casamento dos 6º Co – Réu e 5ª Co-Ré;
20- Em Junho de 2008 o 1º Co - Réu C. pagou € 1.500,00 a VC, a título de sinal, do copo de água do 6º Co – Réu e 5ª Co - Ré;
21- O 3º Co - Réu E. aufere desde 06/02/2000 pensão de velhice no valor mensal actual de € 389,34 , tendo recebido entre 01/01/2012 e 31/12/2015 o valor anual de € 5456,56;
22- A 4ª Co - Ré F. aufere desde 09/11/2007 pensão de velhice , no valor mensal actual de € 311,47 , tendo recebido entre 01/12/2012 e 31/12/2015 o valor anual de € 4245,22.
*
V - FACTOS NÃO PROVADOS
(...)
IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Face ao teor das alegações de recurso e às questões a decidir, importa iniciar a sua análise de forma lógica, o que se passa a efectuar.

1. Da nulidade da sentença recorrida:
Nas suas Conclusões, em concreto na conclusão KKK, alega o apelante que existe um “manifesto erro de aplicação do direito, e mesmo contradição que torna a decisão ininteligível (artº 615, nº 1, alínea c) do CPC), na douta sentença em crise, quando esta retira força à validade dos factos que deu como provados elencados como n.º 11 (considerando provado o pagamento pelos RR. de parte da dívida) e 12 (falta de pagamento do restante) e ainda assim, e contraditoriamente, conclui pela não comprovação do empréstimo e da consequente existência de créditos dos AA. sobre os 1º a 4º RR – pelo que a douta sentença é nula, em função do mesmo artigo 615º”.
Refira-se que, apesar de não ter sido proferido o despacho previsto no art. 617º do CPC, contêm os autos todos os elementos para apreciar a referida nulidade, o que se passa a fazer.
No que à nulidade prevista na al. c) do art. 615º do CPC diz respeito, há que salientar que, nos termos deste preceito, a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Nos termos do art. 607º, nº 1 do CPC, encerrada a audiência final, deve ser o processo concluso para prolação de sentença, a qual deve conter a identificação das partes, do objecto do litígio e das questões a solucionar e ainda os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final, cfr. decorre dos nºs 2 e 3 do preceito em causa.
Quer isto dizer que a sentença deve obedecer a uma estrutura lógica, na qual se possa apreender o nexo entre a decisão e a sua motivação, v.g. os seus fundamentos de facto e de direito, e ainda entre estes dois segmentos da fundamentação.
Como refere Tomé Gomes, in “Da Sentença Cível”, in “O novo processo civil”, caderno V, ebook publicado pelo Centro de Estudos Judiciários, Janeiro de 2014, pág. 373, disponível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/ProcessoCivil/CadernoV_NCPC_Textos_Jurisprudencia.pdf “a oposição entre os fundamentos e a decisão da sentença só releva como vício formal, para os efeitos da nulidade cominada na alínea c), do n.º 1, do artigo 615.º, do CPC, quando se traduzir numa contradição nos seus próprios termos, num dizer e desdizer desprovido de qualquer nexo lógico positivo ou negativo, que não permita sequer ajuizar sobre o seu mérito. Se a relação entre a fundamentação e a decisão for apenas de mera inconcludência, estar-se-á já perante uma questão de mérito, reconduzida a erro de julgamento e, por isso, determinativa da improcedência da acção”.
Do confronto destas considerações com a sentença recorrida, verifica-se que não existe qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão, já que a sentença em causa se mostra estruturada de acordo com as regras supra referidas, sendo possível apreender o nexo causal entre os vários segmentos da decisão e da sua fundamentação. Quer isto dizer que não há qualquer contradição entre a decisão final e os seus fundamentos, quer de facto, quer de direito, sendo as questões suscitadas pelo apelante questões de mérito e que não levam à nulidade da sentença, o que determina a improcedência, nesta parte, da apelação.

2. Da impugnação da matéria de facto:
Nos termos do art. 662º, nº 1 do CPC, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Por outro lado, dispõe o art. 640º, nº 1 do CPC que “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
Tal como vem sendo entendido pela Doutrina e pela Jurisprudência, resulta deste preceito o ónus de fundamentação da discordância quanto à decisão de facto proferida, fundamentando os pontos da divergência, o que implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância, abarcando a totalidade da prova produzida em primeira instância. Ou seja, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto tem como objectivo colocar em crise a decisão do tribunal recorrido, quanto aos seus argumentos e ponderação dos elementos de prova em que se baseou.
Quer isto dizer que incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, indicar com exactidão as passagens da gravação em que funda o recurso, podendo transcrever os excertos relevantes. Por seu turno, o recorrido indicará os meios de prova que entenda como relevantes para sustentar tese diversa, indicando as passagens da gravação em que se funda a sua defesa, podendo também transcrever os excertos que considere importantes, isto sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal.
Tem sido entendido que, ao abrigo do disposto no art. 662º do CPC, a Relação tem os mesmos poderes de apreciação da prova do que a 1ª instância, por forma a garantir um segundo grau de jurisdição em matéria de facto. Donde, deve a Relação apreciar a prova e sindicar a formação da convicção do juiz, analisando o processo lógico da decisão e recorrendo às regras de experiência comum e demais princípios da livre apreciação da prova, reexaminando as provas indicadas pelo recorrente, pelo recorrido e na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto. Neste sentido, vide António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, pág. 283 e ss..
Por outro lado, no seguimento deste mesmo Autor, “A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em algumas das seguintes situações:
· Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635º, nº 4, e 641º, nº 2, al. b));
· Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º, nº 1, al. a));
· Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.):
· Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
· Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”, ob.cit., págs. 168 e 169.
Defendem os apelados que não foi observado o ónus constante do art. 640º, nºs 1, al. b) e 2, al. a) do CPC.
Ora, da leitura das alegações de recurso e respectivas conclusões, extrai-se que o apelante indica os pontos de facto que coloca em crise e os meios probatórios necessários para modificar essa decisão, pelo que se conclui estar observado o aludido ónus de concretização e especificação, passando-se a apreciar a matéria de facto.
(...)      
No que se refere à obrigatoriedade de junção do original dos documentos juntos através da aplicação informática de apoio aos tribunais e decorrente da Portaria 280/2013, de 26 de Agosto, assiste inteira razão aos apelantes quando referem a desnecessidade de junção do respectivo original, salvo quando tal seja exigido pelo tribunal.
Com efeito, dispõe o art. 4º da aludida Portaria que “O disposto no n.º 1 não prejudica:
a) O dever de exibição das peças processuais em suporte de papel e dos originais dos documentos juntos pelas partes por transmissão eletrónica de dados, sempre que o juiz o determine, designadamente, quando:
i) Duvidar da autenticidade ou genuinidade das peças ou dos documentos;
ii) For necessário realizar perícia à letra ou assinatura dos documentos”.
Ora, no caso dos autos, não está em causa esse dever de exibição mas antes a impugnação do documento efectuado pelos RR..
Importa salientar que o aludido documento se trata de folha escrita, com um texto e duas assinaturas, assumindo-se, pois, como um documento particular.
Como resulta do art. 376º, nº 1 do CC, os documentos particulares fazem prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento.
Da leitura da contestação, verifica-se que os RR. não procedem à impugnação da genuinidade de documento, nos termos e para os efeitos do art. 444º do CPC, mas sim à impugnação do valor probatório de tais documentos e seu conteúdo (arts. 89º e 90º da contestação).
Ora, os documentos particulares que tenham sido impugnados deixam de fazer prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, nos termos previstos no art. 376º do CC, mas podem ser utilizados como meios de prova, apreciados livremente pelo tribunal.
Consequência da impugnação efectuada pelos RR., e nos termos expostos, é a circunstância de incumbir aos AA. a prova dos factos relativos a tais documentos.
Não tendo procedido à junção do respectivo original, não podia o tribunal a quo considerar esse mesmo documento como fazendo prova plena, não tendo o tribunal violado qualquer norma na valoração por si efectuada.
Saliente-se que o facto de o tribunal recorrido não ter convidado os AA. a proceder à junção do respectivo original não consubstancia qualquer violação do principio do inquisitório, como sustentado pelos apelantes.
Nos termos do art. 411º do CPC, “Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”.
Consagração do princípio do inquisitório, pressupõe este preceito a compatibilização entre o princípio do dispositivo, que determina a necessidade de alegação de factos pelas partes, e a actuação do juiz sobre o qual impende a responsabilidade de realizar diligências que repute como essenciais.
No caso dos autos, não se pode entender que a conduta do tribunal seja violadora deste preceito, porquanto não pode o tribunal substituir-se às partes na produção de prova.
Mais, o facto de não estar junto o original em causa não invalida que se dê como provado o facto que o mesmo pretendia provar, se esse mesmo facto resultar da demais prova produzida.
No caso concreto, entendeu o tribunal recorrido que não foram carreados para os autos quaisquer elementos que permitissem dar como provado o aludido empréstimo, não sendo a sua decisão violadora do art. 411º do CPC.
Analisemos então a impugnação que é feita quanto à decisão sobre a matéria de facto.
Como já referido, pretendem os apelantes que determinados factos dados como não provados sejam dados como provados.
Tais factos são os seguintes:
“1- Que na data de 05 de Maio de 2009 e a solicitação do 1º Co - Réu C. o 1º Co - Autor A. tenha emprestado àquele a quantia de € 25.000,00 ( Vinte e cinco mil Euros ) e logo nessa data lhe disponibilizado a referida quantia , tendo o Co - Réu referido dado a respectiva quitação;
2- Que o 1º Co - Autor A. tenha responsabilidades relativas a crédito ao consumo num valor superior a € 26.500,00;
3- Que o montante inicial do empréstimo bancário contraído pelos Autores ascenda a € 26.722,90 , correspondente ao capital de € 25.000,00 , acrescido das despesas e encargos iniciais com a celebração do contrato de mútuo;
4- Que o início da vigência do seguro de suporte do contrato de mútuo celebrado entre os Autores e o Banco tenha ocorrido em 28/04/2009 e fosse para vigorar por 85 meses;
5- Que em 09/05/2009 o 1º Co - Réu e a 2ª Co - Ré, C. e D. , vivessem juntos como casal;
6- Que a 2ª Co - Ré e a 5ª Co - Ré e G., vivessem da actividade de feirante desenvolvida pelo 1º Co - Réu C.;
7- Que em função da emissão da procuração referida no ponto 8- dos Factos Provados, descriminado supra , os Autores tenham sido notificados em 12/03/2012 pela Autoridade Tributária e Aduaneira de um auto de notícia por não haverem entregue o modelo 1 do IMI relativo à declaração de existência de uma procuração irrevogável com poderes de alienação - prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo 7... ( que deu origem ao artigo 1...) , freguesia de Odivelas , concelho de Odivelas;
8- Que o auto de notícia mencionado em 7- supra tenha originado um processo de contra-ordenação e corrido termos com o nº 422.., resultando do mesmo o pagamento de uma coima de € 238,25 pelo 1º Co - Autor A. à Autoridade Tributária e Financeira;
13- Que em 18/10/2012 os Autores tenham pago integralmente ao Banco Santander Totta, a título de liquidação antecipada, o valor de € 20.230,75 e que anteriormente a essa data houvessem pago , em tempo útil, todas as prestações vencidas até aquela liquidação no montante de € 374,00x41 prestações , num total de € 15.293,00”.
Quanto a estes factos, fundamentou o tribunal recorrido a sua decisão nos seguintes termos:
“Quanto ao facto descrito no ponto 1-, por virtude do “ Doc. 1 “ (intitulado “Empréstimo”), junto pelos Autores com a petição inicial , constante de fls. 13 , consubstanciado em fotocópia simples de documento particular , ter sido especificadamente impugnado pelos Co-Réus contestantes , conforme veementemente o expressaram nos artigos 89º e 90º da contestação e os Autores não terem logrado fazer a competente prova admissível , que no caso concreto teria que ser através da apresentação do documento original com vista a comprovação da fotocópia junta aos autos com este último , sendo certo ainda que do cotejo com os extractos de movimentos bancários requisitados , mormente do Banco Santander Totta , constantes de fls. 482 a 509 , máxime a fls. 485-486 , sai reforçada a nossa convicção da não demonstração do facto em apreço; Quanto aos factos referidos no pontos 2- , 3- e 4- por não ter sido relevado o depoimento de Parte prestado pelo 1º Co - Autor A. uma vez que não estão em causa factos que lhe sejam desfavoráveis e possam favorecer a contraparte , as testemunhas inquiridas não terem revelado conhecimento sobre os mesmos e os documentos apresentados pelos Autores com a petição inicial , mormente os Docs. “ 1 A “ , “ 1 B “ e “ 1 C “ , constantes de fls. 13-vº a 16 , terem sido impugnados especificadamente pelos Co - Réus contestantes;
No que respeita ao facto descrito no ponto 5- por não termos relevado o depoimento de parte do 1º Co - Réu C. atendendo a que , em concreto , não constitui um facto desfavorável para si e favorável à contraparte e as testemunhas inquiridas , mormente N.C. e C.L. não terem sido assertivas quanto a tal facto;
Quanto ao facto referido em 6- por não se ter relevado os depoimentos de parte prestados , igualmente por não se traduzirem em concreto em factos desfavoráveis aos depoentes e favoráveis à contraparte , não tendo as testemunhas inquiridas denotado conhecimento concreto da matéria assinalando-se que somente a testemunha CL se referiu ao assunto e apenas para dizer que a 2ª Co - Ré “ ajudava o marido na feira “;
Relativamente aos factos descritos nos pontos 7- e 8-, por não se ter relevado o depoimento de parte do 1º Co - Autor A. visto consubstanciar o reconhecimento de um facto que não lhe é desfavorável e favorável à contraparte , sendo certo que não foi produzida prova testemunhal sobre a matéria e o “ Doc. 8 “ , junto pelos Autores com a petição inicial , constante de fls. 26 – vº e 27 , ter sido expressamente impugnado pelos Co - Réus contestantes;
(…)
No que respeita aos factos descritos nos pontos 12- e 13- pela irrelevância do depoimento de parte prestado pelo 1º Co - Autor A. visto mais uma vez estar em causa o reconhecimento de factos que não lhe são desfavoráveis e outrossim favoráveis à contraparte , sendo certo que não foi produzida prova testemunhal sobre os mesmos e o “ Doc. 12 “ , apresentado pelos Autores com a petição inicial , constante de fls. 29 , ter sido expressamente impugnado pelos Co - Réus contestantes”.
Analisemos então os meios de prova constantes dos autos por forma a apurar da modificação da matéria de facto pretendida pelos apelantes.
No que se refere ao facto 1 (Que na data de 05 de Maio de 2009 e a solicitação do 1º Co - Réu C. o 1º Co - Autor A. tenha emprestado àquele a quantia de € 25.000,00 ( Vinte e cinco mil Euros ) e logo nessa data lhe disponibilizado a referida quantia , tendo o Co - Réu referido dado a respectiva quitação), entendeu o tribunal recorrido que, não tendo os AA. procedido à junção do original do doc. 1, impugnado pelos RR., o facto respectivo não poderia ser dado como provado.
Antes de mais, haverá que dizer que alegando os AA. a existência de um mútuo no valor de € 25 000,00, celebrado unicamente através de um documento particular, face ao disposto no art. 1143º do CC o mesmo seria nulo.

A questão que se coloca é, pois, como efectuar a prova de um contrato nulo.
Nos termos do art. 364º, nº 1 do CC, “quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior”, dispondo o nº 2 do mesmo preceito que “Se, porém, resultar claramente da lei que o documento é exigido apenas para prova da declaração, pode ser substituído por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório”.
Daqui resulta que a falta de escritura pública não pode ser sanada através da utilização de um documento particular ou por prova testemunhal para que se comprove o contrato. Isto é, não poderiam os AA. lograr a prova de um contrato de mútuo deste valor validamente celebrado sem a junção da respectiva escritura pública.
Todavia, esta impossibilidade de substituição apenas releva quanto aos efeitos do negócio, sendo possível provar a sua celebração, ainda que o mesmo seja nulo por falta de forma, através de documento particular, de prova testemunhal ou até por presunções judiciais.
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, 3ª edição revista e actualizada, 1986, Volume II, pág. 683, em anotação ao art. 1143º, “As razões justificativas do carácter formal do contrato - tiradas da extrema falibilidade da prova testemunhal - levariam, em último termo, a impedir a produção de testemunhas para prova da entrega de dinheiro e sua consequente restituição ao abrigo da nulidade do contrato.
Não se trata, porém, duma consequência forçosa, necessária do regime estabelecido.
Concebe-se perfeitamente que a lei considere bastante a sanção da nulidade do contrato (sem prejuízo da prova testemunhal da entrega da coisa mutuada), para garantir a observância da forma visada. Aos efeitos da nulidade do mútuo é aplicável o disposto no artigo 289.º, n. 1, e não a doutrina do enriquecimento sem causa (art. 474.º)”.
Donde, a entrega de determinada quantia a título de mútuo pode ser provada por qualquer meio, seja documento particular, seja prova testemunhal, já que o que se pretende provar são factos que serão, posteriormente, enquadrados num determinado contrato. Ou seja, pode provar-se a celebração de um contrato de mútuo nulo por falta de forma, retirando, posteriormente, as consequências da verificação da respectiva nulidade. Neste sentido, vide Ac. TRG de 18-11-2010, proc. 536/07.2TBFAF.G1 e demais doutrina e jurisprudência aí citada.
No que aos autos interessa, temos que os AA. poderiam provar a existência de tal contrato através dos vários meios de prova ao seu dispor e independentemente da junção aos autos do original do doc. 1.
Quanto a esta junção, importa referir que os RR. impugnaram o conteúdo, a exactidão da reprodução mecânica, bem como as assinaturas apostas no aludido documento (cfr. art. 89º da contestação), pelo que incumbia aos AA. fazer prova da genuinidade do mesmo.
Ora, os documentos particulares que tenham sido impugnados deixam de fazer prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, nos termos previstos no art. 376º do CC, mas podem ser utilizados como meios de prova, apreciados livremente pelo tribunal.
Como referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração, Coimbra, 2018, pág. 513, em anotação ao art. 444º do CPC, “Caso o apresentante do documento não logre fazer prova da genuinidade do documento, o mesmo fica destituído da força probatória consignada no art. 376º, nº 1 do CC, mas poderá, não obstante, contribuir para a livre convicção do juiz sobre os factos controvertidos com base na sua maior ou menor credibilidade (STJ, 15-4-04, 04B795 E SRJ 14-2-17, 2294/12) ”.
Consequência da impugnação efectuada pelos RR., e nos termos expostos, é a circunstância de incumbir aos AA. a prova dos factos relativos a tais documentos.
Revertendo ao facto não provado sob o nº 1, os únicos elementos de prova relativos ao aludido contrato são o doc. 1 junto com a petição inicial, as declarações de parte do A. e o depoimento de parte do R. C.
Com efeito, as testemunhas CS e DS nada referiram quanto a esta matéria, tendo o seu depoimento versado unicamente sobre as questões relativas ao pagamento da cerimónia de casamento de seu filho com a R. G. e que referiram ter sido assumido pela testemunha CS.
Por outro lado, as testemunhas NC e CL, esta irmã do A. e do R. C., aquele companheiro da testemunha CL, relataram ter assistido a conversas, em família, relativamente a um empréstimo de € 25 000,00 entre os dois irmãos e que um prédio pertencente aos sogros do R. C. serviria de garantia de pagamento. Todavia, não tinham estas testemunhas qualquer conhecimento concreto sobre esta matéria, já que não assistiram a quaisquer negociações entre A. e R., nem tiveram conhecimento de qualquer outro assunto relacionado com o mesmo.
Assim, recorrendo às declarações de parte do A. e ao depoimento de parte do R. C., importa referir que o A. confirmou a entrega do dinheiro em causa nos autos e que o R. referiu ter recebido € 25 000,00 em data que não se recorda, em várias tranches, não sabendo precisar nem valores nem data, tendo revelado não se recordar de muitas das questões relativas ao negócio dos autos.
Serão estes elementos suficientes para concluir no sentido pugnado pelos apelantes?
Julgamos que não.
Antes de mais, porquanto os apelantes não carrearam para os autos qualquer elemento que permita concluir pela veracidade do doc. 1, que assim se tem por afastado para efeitos de valoração única.
Com efeito, na ausência da junção do respectivo original e da conjugação do mesmo com as declarações de A. e R. e outros documentos juntos aos autos, não se pode extrair a veracidade do que nele consta, já que a redacção do mesmo e a sua leitura suscitam dúvidas.
Estranha-se que o mesmo seja datado do mesmo dia da procuração irrevogável junta aos autos, outorgada em Cartório Notarial, não se tendo aproveitado esse facto para reconhecer notarialmente as assinaturas nele apostas.
Estranha-se ainda a existência simultânea deste escrito com a outorga de uma procuração irrevogável, sem sustentação nesse escrito, quando seria mais eficaz celebrar qualquer outro contrato e de acordo com a forma legal prescrita, nomeadamente sujeitando o contrato de mútuo à forma legal. Seja por mau aconselhamento jurídico, seja por ignorância, constata-se que a opção das partes suscita muitas dúvidas quanto aos contornos do acordo celebrado, levando a que se questione os exactos termos que constam do texto em causa.
Assim, a valoração deste escrito não permite concluir pela verificação do facto não provado sob o nº 1.
No que se refere às declarações de parte do A., importa referir que, nos termos do art. 466º, nº 3 do CPC, “O tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão”.
Tem vindo a ser amplamente discutido na doutrina e na jurisprudência o modo como esta apreciação deve ser efectuada, podendo dizer-se, tal como no Ac. TRL de 26/04/2018, relator Luís Filipe Pires de Sousa, proc. 18591/15.0T8SNT.L.1, in www.dgsi.pt, que as várias posições relativas à função e valoração das declarações de parte são reconduzíveis a três teses essenciais:
- a tese do carácter supletivo e vinculado à esfera restrita de conhecimento dos factos;
-a tese do princípio de prova;
- a tese da auto-suficiência das declarações de parte.
Tendemos a aderir a esta terceira tese, no seguimento de Luís Filipe Pires de Sousa, in Declarações de Parte. Uma síntese, em www.trl.mj.pt, 2017 e António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pág. 539 e ss., em anotação ao citado art. 466º.
No seguimento destes autores, as declarações de parte estão ao mesmo nível que os demais meios de prova, sendo valoradas de forma autónoma e integrada, sem que se estabeleça qualquer hierarquia entre os vários elementos probatórios.
Quer isto dizer que é em sede de fundamentação da matéria de facto que as declarações de parte devem ser valoradas, ponderando-se o seu conjunto com os demais elementos de prova, sem prejuízo da eventual confissão que ocorra.
Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26/04/2018 supra referido “os critérios de valoração das declarações de parte coincidem essencialmente com os parâmetros de valoração da prova testemunhal, havendo apenas que hierarquizá-los diversamente. Em última instância, nada obsta a que as declarações de parte constituam o único arrimo para dar certo facto como provado desde que as mesmas logrem alcançar o standard de prova exigível para o concreto litígio em apreciação.”
No que aos autos diz respeito, as declarações de parte do A. não podem, por si só, sustentar a sua versão dos factos, na medida em que as mesmas se traduziram na confirmação do que vem alegado na petição inicial, sem qualquer outro suporte probatório, mormente documental.
No que se refere ao depoimento de parte do R., refira-se que o depoimento de parte é um meio processual destinado a provocar a confissão judicial, ou seja, o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária, tal como decorre do art. 352º CC.
Na medida em que a confissão apenas pode recair sobre factos desfavoráveis ao confitente e favoráveis à parte contrária, tem o depoimento de parte de incidir necessariamente sobre factos desfavoráveis do depoente, pois apenas estes são susceptíveis de serem confessados.
Por outro lado, atento o seu objecto, o depoimento de parte só pode incidir sobre factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento, em conformidade com o disposto no art. 454º, nº 1 CPC.
Importa também referir, como fazem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., em anotação art. 452º, que “o depoimento de parte, naquilo que não apresente valor confessório, constitui um meio de prova sujeito à livre apreciação do tribunal (art. 361º do CC e STJ 4-6-15, 3852/09). Ou seja, embora configurado processualmente no sentido da obtenção da confissão, são reconhecidas ao depoimento de parte virtualidades probatórias irrecusáveis perante um sistema misto de valoração da prova em que, a par de prova tarifada, existem meios de prova sujeitos a livre apreciação”.
Como tem sido entendido pela doutrina, a confissão tem de ser aceite ou rejeitada na íntegra, não sendo possível aceitar apenas os factos relatados e descartar os factos que sejam aditados pelo depoente, dando uma nova coloração aos factos. Tal como escreve Luís Filipe Pires de Sousa in Prova Testemunhal, Coimbra, 2017, pág. 213 “este princípio da indivisibilidade da confissão radica na unidade da declaração confessória”.
No caso vertente, o R. não confessou integralmente o teor do escrito em apreço, tendo revelado alguma indecisão na forma como descreveu os factos, aditando a sua versão quanto às circunstâncias familiares que o envolveram, nomeadamente quanto à entrega, num só momento, da integralidade do dinheiro em causa.
Por esse motivo, e não tendo o R. confessado integralmente a versão dos AA., não se mostra possível fundamentar a matéria de facto provada com base no seu depoimento.
De salientar que a conjugação das declarações de parte do A. com o depoimento de parte do R. não permite concluir em sentido diverso, face às divergências entre esses depoimentos e até ao teor do documento 1 com o depoimento do R., contrário ao que neste consta.
Acresce que os extractos bancários juntos aos autos não permitem concluir pela entrega de qualquer quantia ao R. nos termos alegados, tal como se refere na sentença recorrida.
Donde, e quanto facto não provado sob o nº 1, por falta de elementos de prova nesse sentido, não é possível dar o mesmo como assente.
Relativamente aos factos 2, 3, 4, 7, 8 e 13 (2- Que o 1º Co - Autor A. tenha responsabilidades relativas a crédito ao consumo num valor superior a € 26.500,00; 3- Que o montante inicial do empréstimo bancário contraído pelos Autores ascenda a € 26.722,90 , correspondente ao capital de € 25.000,00 , acrescido das despesas e encargos iniciais com a celebração do contrato de mútuo; 4- Que o início da vigência do seguro de suporte do contrato de mútuo celebrado entre os Autores e o Banco tenha ocorrido em 28/04/2009 e fosse para vigorar por 85 meses);7- Que em função da emissão da procuração referida no ponto 8- dos Factos Provados, descriminado supra , os Autores tenham sido notificados em 12/03/2012 pela Autoridade Tributária e Aduaneira de um auto de notícia por não haverem entregue o modelo 1 do IMI relativo à declaração de existência de uma procuração irrevogável com poderes de alienação - prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo 7... ( que deu origem ao artigo 1...), freguesia de Odivelas , concelho de Odivelas; 8- Que o auto de notícia mencionado em 7- supra tenha originado um processo de contra-ordenação e corrido termos com o nº 4227201206092853, resultando do mesmo o pagamento de uma coima de € 238,25 pelo 1º Co - Autor A. à Autoridade Tributária e Financeira; 13- Que em 18/10/2012 os Autores tenham pago integralmente ao Banco Santander Totta, a título de liquidação antecipada, o valor de € 20.230,75 e que anteriormente a essa data houvessem pago, em tempo útil, todas as prestações vencidas até aquela liquidação no montante de € 374,00x41 prestações , num total de € 15.293,00), entendeu o tribunal recorrido que os mesmos não podiam ter sido dados como provados, face à impugnação efectuada quanto aos documentos correspectivos.
Com efeito, os documentos em causa foram impugnados pelos RR. na sua contestação, não tendo sido juntos os respectivos originais, o que determina, tal como já foi referido, que os mesmos serão apreciados livremente pelo tribunal, cfr. art. 376º do CC.
Ora, o único meio de prova relativo a esta matéria foram as declarações de parte do A., que relatou os seus encargos bancários e as notificações e pagamentos efectuados às finanças.
Contrariamente ao decidido em primeira instância, entendemos que as declarações de parte do A., nesta matéria, são bastantes para dar como assentes os factos em apreço.
Seguindo o entendimento que se expôs quanto à valoração das declarações de parte, verifica-se que o A. referiu os factos em apreço, os quais se mostram corroborados por cópias simples de documentos emitidos por entidades oficiais. Ou seja, da valoração dos documentos em causa, nos termos do art. 376º do CC, integrando-os com as declarações de parte do A., que os confirmam, resultam como assentes os factos correspectivos, o que determina que devam ser dados como provados os factos 2, 3, 4, 7, 8 e 13 dos factos não provados, assim procedendo, nesta parte, a apelação.
No que se refere aos factos 5 e 6 (5- Que em 09/05/2009 o 1º Co - Réu e a 2ª Co - Ré , C. e D. , vivessem juntos como casal; 6- Que a 2ª Co - Ré e a 5ª Co - Ré  e G., vivessem da actividade de feirante desenvolvida pelo 1º Co - Réu C.), verifica-se que o tribunal recorrido efectuou uma correcta valoração dos factos.
Com efeito, a este propósito consta na sentença recorrida que “No que respeita ao facto descrito no ponto 5- por não termos relevado o depoimento de parte do 1º Co - Réu C. atendendo a que, em concreto, não constitui um facto desfavorável para si e favorável à contraparte e as testemunhas inquiridas, mormente NC e CL não terem sido assertivas quanto a tal facto;
Quanto ao facto referido em 6- por não se ter relevado os depoimentos de parte prestados, igualmente por não se traduzirem em concreto em factos desfavoráveis aos depoentes e favoráveis à contraparte, não tendo as testemunhas inquiridas denotado conhecimento concreto da matéria assinalando-se que somente a testemunha CL se referiu ao assunto e apenas para dizer que a 2ª Co - Ré D. “ajudava o marido na feira”.
Da audição de todos os depoimentos resulta a impossibilidade de dar como assentes os factos em crise, porquanto nenhuma das testemunhas referiu, de forma assertiva, os mesmos, nem nada nos autos permitiu chegar a essa conclusão, o que determina a improcedência desta vertente da impugnação efectuada.
Pelo exposto, julgando parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto, aditam-se à matéria de facto provada os seguintes factos:
- O A. A. tem responsabilidades relativas a crédito ao consumo num valor superior a € 26 500,00;
- O montante inicial do empréstimo bancário contraído pelos AA. foi de € 26.722,90, correspondente ao capital de € 25.000,00, acrescido das despesas e encargos iniciais com a celebração do contrato de mútuo;
- O início da vigência do seguro de suporte do contrato de mútuo celebrado entre os AA. e o Banco ocorreu em 28/04/2009, devendo vigorar por 85 meses;
- Os AA. foram notificados em 12/03/2012 pela Autoridade Tributária e Aduaneira de um auto de notícia por não haverem entregue o modelo 1 do IMI relativo à declaração de existência de uma procuração irrevogável com poderes de alienação - prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo 7... ( que deu origem ao artigo 1...) , freguesia de Odivelas , concelho de Odivelas;
- Esse auto de notícia originou um processo de contra-ordenação que correu termos com o nº 4227201206092853 , resultando do mesmo o pagamento de uma coima de € 238,25 pelo A. A. à Autoridade Tributária e Financeira;
- E em 18/10/2012 os AA. pagaram integralmente ao Banco Santander Totta, a título de liquidação antecipada, o valor de € 20.230,75, tendo anteriormente procedido ao pagamento de todas as prestações vencidas até aquela liquidação no montante de € 374,00x41 prestações, num total de € 15.293,00.

3. Da existência dos requisitos da impugnação pauliana:
Nos presentes autos, peticionaram os AA. a condenação dos 1º a 4º RR. na condenação de quantia mutuada, bem como na impugnação pauliana relativa ao contrato de doação celebrado entre os 3ª e 4º RR. e a 5ª R.; e, em alternativa, a indemnizarem, solidariamente, os AA. por violação do contrato de mandato consubstanciado na procuração junta aos autos.
Defendem os apelantes que o tribunal recorrido violou o disposto no art. 610º do CC, “sendo que, no caso sub judice, o crédito do beneficiário da procuração irrevogável é anterior ao ato de doação, pelo que se verificam os pressupostos legais para impugnar a doação efetuada pelos 3º e 4º RR. a favor dos 5º e 6º RR, tal como vieram a fazer os AA.”.
Mais se verifica que os apelantes pretendem a substituição da sentença recorrida por outra que leve à condenação dos RR. ”a pagar aos AA. a importância de 20.230,75 euros, acrescida de juros vencidos e vincendos, e que seja decretada a impugnação pauliana da doação em causa nos autos”.
Vejamos.

Nos termos do art. 610º do CC, “os actos que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito e não sejam de natureza pessoal podem ser impugnados pelo credor, se concorrerem as circunstâncias seguintes:
a) ser o crédito anterior ao acto ou, sendo posterior, ter sido o acto realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor;
b) resultar do acto a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou o agravamento dessa impossibilidade”.
Refere ainda o art. 611º do mesmo diploma que “Incumbe ao credor a prova do montante das dívidas, e ao devedor ou a terceiro interessado na manutenção do acto a prova de que o obrigado possui bens penhoráveis de igual ou maior valor”.
Por seu turno, face ao disposto no art. 612º do CC, para os actos onerosos exige-se ainda a má fé do devedor e do terceiro interveniente no negócio, sendo a mesma entendida como a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor, sendo que o nº 1 deste preceito refere que “se o acto for gratuito, a impugnação procede, ainda que um e outro agissem de boa fé”.
Para que se conclua pela procedência da impugnação pauliana é necessário que o acto impugnado determine a impossibilidade de obtenção da satisfação integral do crédito, ou, pelo menos, o agravamento dessa possibilidade.
Refira-se ainda que na acção pauliana dirigida contra um negócio jurídico posterior ao crédito é exigido que o agente tenha actuado com dolo, dispensando-se essa verificação no caso do crédito ser anterior ao negócio jurídico.
Fundamental para a aplicação deste instituto é a existência de um crédito a favor do impugnante, sendo que é a este que incumbe a prova desse facto.
No caso dos autos, não está assente a existência de um contrato de mútuo nos termos alegados pelos AA. e que levaria à existência do crédito peticionado.
Com efeito, não lograram os AA. provar ter procedido à entrega de quantias aos RR., com a contrapartida da sua devolução e termos da mesma, ao que acresce que não se pode extrair dos autos qual o motivo da existência de uma procuração a favor do A., nos termos constantes dos factos provados, e que esta seja uma garantia prestada em virtude de um contrato de mútuo. Isto é, da prova produzida não foi possível apurar os contornos de um eventual acordo entre as partes no sentido da existência de um contrato, não sendo suficientes as quantias aludidas em 11. para concluir pelos termos desse acordo.
Acresce que não é suficiente a mera entrega ou depósito de dinheiro para concluir pela existência de um contrato de mútuo (ou qualquer outro), já que a mesma pode ter como causa qualquer outra fonte de obrigação.
Por outro lado, também têm de estar assentes factos relativos à assunção da obrigação de restituição de outro tanto do mesmo género e qualidade, que, no caso vertente, não se mostra provado.
Refira-se ainda que não resulta dos autos que os RR. Frederico e Efigénia sejam devedores de qualquer quantia aos AA., nem que a procuração aludida em 8. tenha sido outorgada como garantia do pagamento de quantias mutuadas aos RR..
Importa também salientar que os AA. não lograram provar os motivos que os levaram a contrair o empréstimo referido nos autos ou que justifiquem a entrega de quantias pelos RR. nos termos constantes do facto nº 11.
Na verdade, e não obstante os apelantes entenderem que os factos referidos em 11. e 12. são suficientes para concluir pelos requisitos da impugnação pauliana, há que recordar que nada nos autos está provado que permita concluir que esses valores tenham sido entregues em virtude de um contrato e, na afirmativa, que tipo de contrato.
Tais factos, destituídos de qualquer explicação, não permitem dizer que os RR. tenham recebido dinheiro dos AA. e se tenham comprometido a restitui-lo ou sequer que essas quantias sejam a razão da outorga da procuração aludida em 8..
Assim sendo, não tendo os apelantes logrado provar que os RR. outorgaram tal procuração por forma se constituírem garantes do empréstimo contraído pelo 1º R., nem tendo resultado assente esse empréstimo, não podia o tribunal recorrido concluir de forma diversa, o que determina a impossibilidade de condenar os RR. no pagamento da quantia aludida e na impugnação pauliana pretendida.
Isto é, da conjugação de todos os factos provados e não provados não resulta a existência de uma dívida para com os AA., sendo, pois, improcedentes as conclusões dos apelantes nesse sentido.

4. Da nulidade da procuração irrevogável:

Nas suas conclusões LLL a DDDD, invocam os apelantes a existência de um erro na aplicação do direito quando a sentença recorrida conclui pela nulidade da procuração em causa nos autos.
Importa recordar que o pedido dos AA. era a condenação dos 3º, 4º, 5º e 6º RR. a indemnizarem, solidariamente, os AA. em montante a liquidar em execução de sentença, atendendo a que violaram o contrato de mandato que estava consubstanciado na procuração junta aos autos, e que permitia os AA. negociarem consigo mesmos o imóvel objecto da mesma procuração, e no seu próprio interesse, tendo a sentença recorrida decidido pela improcedência de tal pedido.
Sustentam os apelantes que “A sentença é nula, por violação de lei, dado que os argumentos que fundamentaram a declaração de nulidade daquela cláusula de irrevogabilidade não se sustentam em quaisquer normas legais” e que “a revogação apenas é possível quando haja acordo do mandatário ou justa causa, e no caso concreto nenhuma destas condições se verifica, pelo que o Tribunal a quo violou aqui o disposto no Art. 265., n.º 3 CC”, referindo ainda que “segundo os princípios gerais do Direito, (…) aquele ato (procuração irrevogável) é de facto uma transmissão onerosa de um bem, e como tal, tem determinadas consequências na esfera jurídica dos mandante e mandatário”.
Quanto a esta matéria, fundamentou a sentença recorrida a decisão nos seguintes termos:
“Vejamos, porém e ainda nesta sede se existe fundamento para considerar ineficaz, ou nula, a dita procuração atenta a cláusula de irrevogabilidade nela aposta por , como sustentam os Co - Réus contestantes , não existir qualquer relação jurídica subjacente à outorga de procuração irrevogável.
Conforme sustentou há muito Raul Ventura (R.O.A., 1981 , 3º - 672 ) , a procuração “ é um acto jurídico unilateral “ , sendo certo que se distingue do mandato pois este último é um contrato , ou seja um negócio jurídico bilateral , que envolve a obrigação assumida pelo mandatário perante o mandante de praticar actos jurídicos por conta deste último , enquanto pela procuração , como negócio jurídico unilateral e autónomo , se confere o poder a alguém , o procurador , de celebrar tais actos jurídicos em nome de outrem , o representado ( neste sentido vide Ferrer Correia “ A procuração na teoria da representação voluntária “ , in “ Estudos Jurídicos “ , II e Pessoa Jorge “ O mandato sem representação “ , 1961 ).
Tem sido entendimento pacífico na jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores que a validade da cláusula de irrevogabilidade numa procuração não depende apenas de no seu texto se mencionar expressamente que é irrevogável.
Na verdade a validade de tal cláusula tem que exprimir uma regulação de interesses que justifique tal vinculação, ou seja a dita cláusula tem de decorrer de uma relação jurídica causal e basilar, da qual se possa concluir que o mandatário tem um direito subjectivo a uma prestação de que o mandante é devedor , pois só assim se poderá concluir pela existência de interesse do mandatário ( Neste sentido ver , por todos , os Acórdãos do STJ. de 07/07/2009: Procº 63/2001.C1.S1 , acessível em www.dgsi.pt , de 30/09/2010: Procº 4477/2000.G1.S1 , acessível em www.dgsi.pt e de 18/02/2014 , acessível em CJ/STJ , 2014 , 1º - 130 , bem como da RC de 20/11/2001 , in CJ. , 2001 , 5º - 24 , da RL de 09/07/2003 , in CJ. 2003 , 4º - 82 , de 29/04/2004 , in CJ. , 2004 , 2º - 110 , de 13/12/2007: Procº 6071/07 – 1 , acessível em www.dgsi.pt e da RP de 19/01/2015: Procº 1973/09. , acessível in www.dgsi.pt , do S.T.J. ).
Neste último aresto mencionado mais recente , de 19/01/2015 , decidiu-se que “ Para que uma certa procuração seja irrevogável , não basta que isso se declare no instrumento respectivo ou que se afirme que é outorgada no interesse próprio do mandatário , sendo necessário que se comprove a existência de uma relação subjacente àquela outorga que fundamente essa irrevogabilidade nos termos previstos no nº 3 do artigo 265º do C.C. “.
Ora analisando de novo o teor da procuração outorgada pelo 3º Co - Réu e pela 4ª Co - Ré em 05 de Maio de 2009, descrito no ponto 8 - dos Factos Provados, retira-se com interesse para a questão que ora se aprecia o seguinte:
“ Que a presente procuração é conferida também no interesse do mandatário, nos termos e para os efeitos do disposto no número 3 do artigo 265º, número 2 do artigo 1170º e artigo 1175º, todos do Código Civil, pelo que não caduca por morte dos mandantes, nem pode ser revogada sem o acordo do mandatário “.
A dita fórmula mais não é que a mera afirmação expressa e por remissão para normas jurídicas, que também o expressam, da outorga no interesse próprio do mandatário, sem que da dita procuração resulte qualquer referência à concreta relação subjacente de onde se possa inferir ou concluir pela existência de um direito subjectivo próprio do mandatário e consequente obrigação do mandante perante aquele, que fundamentasse a menção de irrevogabilidade aposta na procuração sub judice, pelo que mais não resta que reconhecer a nulidade ( e não ineficácia ), de tal irrevogabilidade , o que urge declarar ao abrigo do disposto no artigo 280º , nº 1 , parte final e 286º , ambos do C.C. .
E se é certo que do arrazoado dos Autores em sede de petição inicial se depreendia que se arrogavam titulares de um direito de crédito sobre o 3º Co - Réu e 4ª Co - Ré , E. e F. , outorgantes da procuração em causa , por virtude de incumprimento de contrato de mútuo por parte do 1º Co - Réu e 2ª Co - Ré , C. e D. , sustentando serem aqueles garantes destes últimos no cumprimento da obrigação de pagamento assumida no empréstimo concedido por eles Autores , não é menos certo , conforme já acima apreciado , que não resultou provada a outorga do dito empréstimo em 05 de Maio de 2009 , sendo inequívoco que impendia sobre os Autores o ónus de o demonstrar , não podendo presumir-se , em nosso entender , a celebração de um qualquer contrato de mútuo a partir só por si dos factos que resultaram assentes nos pontos 11 - e 12- dos Factos Provados delineados supra , dada a matéria que resultou como não provada supra , designadamente a descrita nos pontos 1- e 11- dos Factos não Provados”.
Vejamos.
No caso dos autos, está em causa um instrumento notarial através do qual os 3º e 4º RR. conferiram ao A. “os poderes necessários para, podendo fazer negócio consigo mesmo, vender, pelo preço, termos e condições que entender, um oitavo do prédio” aí identificado e para “celebrar contratos-promessa de compra e venda, outorgar e assinar a respectiva escritura, receber o preço e dar quitação, proceder a quaisquer actos de registo predial, provisórios ou definitivos, averbamentos e cancelamentos, e ainda representá-los junto de quaisquer repartições públicas, praticando e assinando tudo o mais que necessário se torne aos indicados fins”, constando do texto deste instrumento que “a presente procuração é conferida também no interesse do mandatário, nos termos e para os efeitos do disposto no número 3 do artigo 265º, número 2 do artigo 1170º e artigo 1175º, todos do Código Civil, pelo que não caduca por morte dos mandantes, nem pode ser revogada sem o acordo do mandatário”.
Verifica-se, pois, que os RR. conferiram poderes ao A. para que pudessem celebrar diversos negócios ou praticar outros actos jurídicos em sua representação , produzindo os mesmos - nos limites dos poderes que competem ao representante - os seus efeitos na esfera jurídica dos RR/representados ( cfr. art. 258º do CC ).
Entendeu a sentença recorrida que “sendo nula (…) a menção ou cláusula de irrevogabilidade aposta na procuração apreciada nestes autos é forçoso reconhecer que a mesma era livremente revogável pelo representado , neste caso o 3º Co - Réu e 4ª Co - Ré , E. e F. , de acordo com o que expressamente se prevê no nº 2 , do artigo 265º , do C.C. , pelo que não se vislumbra fundamento para reconhecer direito a qualquer indemnização aos Autores , nos termos que o peticionam em alternativa ao pedido de impugnação pauliana relativa ao contrato de doação acima apreciado no final da petição inicial ( alínea c )”.
Para os apelantes, “a revogação apenas é possível quando haja acordo do mandatário ou justa causa, e no caso concreto nenhuma destas condições se verifica, pelo que o Tribunal a quo violou aqui o disposto no Art. 265., n.º 3 CC”, tendo a sentença colocado em crise a segurança jurídica”.
Por forma a apreciar a questão, importa recordar que, nos termos do art. 262º, nº 1 do CC, procuração é o acto pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos.
A procuração assume-se como um acto jurídico unilateral, pelo qual alguém confere a outrem poderes de representação para a conclusão de um determinado negócio jurídico, o qual produzirá os seus efeitos em relação ao representado.
Daqui resulta que a procuração está sempre ligada a uma relação subjacente, que determinou a sua outorga e tem como objectivo a celebração desse negócio.
Por seu turno, o art. 265º do CPC estatui que:
“1. A procuração extingue-se quando o procurador a ela renuncia, ou quando cessa a relação jurídica que lhe serve de base, excepto se outra for, neste caso, a vontade do representado.
2. A procuração é livremente revogável pelo representado, não obstante convenção em contrário ou renúncia ao direito de revogação.
3. Mas, se a procuração tiver sido conferida também no interesse do procurador ou de terceiro, não pode ser revogada sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa”.
Tem sido entendido pela jurisprudência que a revogabilidade de uma procuração não resulta apenas por constar do seu texto a cláusula de irrevogabilidade, antes sendo fundamental que da relação basilar que está na origem da procuração resulte a existência de um interesse conferido também no interesse do mandatário.
Veja-se o Ac. STJ de 30-09-2010, proc. 4477/2000.G1.S1, in www.dgsi.pt, onde se pode ler: “A clausula de irrevogabilidade numa procuração tem que exprimir uma regulação de interesses que justifiquem tal vinculação, ou seja, tem de decorrer de uma relação jurídica causal e basilar, na qual o mandatário tem direito a uma prestação de que de que o mandante é devedor (cfr. Ac. STJ de 3-06-1997-BMJ,nº 468,pág.361)”.
E ainda o Ac. STJ de 18-02-2014, proc. 3083/11.4TBFARE.E1.S1, que refere que “Temos, assim, que, quer o mandato, quer a procuração não são revogáveis apenas por do contrato ou do acto jurídico unilateral (caso da procuração) constar expressamente uma cláusula de irrevogabilidade; relevante é que da relação basilar, que está na origem da decisão do “dominus”, resulte a existência de um interesse conferido no interesse do mandatário, ou representante, ou de terceiro, que incorpore um direito subjectivo que transcenda o mero interesse do mandante ou do representado”.
Em igual sentido, e para além da jurisprudência citada na sentença recorrida, veja-se ainda Acs. TRL de 19-10-2010, Proc. 1051/08.2TCSNT.L1-7, Ac. TRG de 09-05-2019, Proc. 382/17.5T8FAF.G1, Acs. STJ de 07-07-2009, Proc. 63/2000C1.S1, de 07-12-2016, Proc. 420/10.2TBALQ.L1-6 e de 29-01-2019, Proc. 3698/09.0TBVFX.L1.S1.
Face às alegações de recurso, haverá que dizer, antes de mais, que, ao contrário do sustentado pelos apelantes nas suas alegações (conclusão YYY), a outorga de uma procuração não determina a transferência de direitos, mas apenas a concessão de poderes de representação para a conclusão de um determinado negócio jurídico, o qual produzirá os seus efeitos em relação ao representado, dando lugar à transferência em causa. Isto é, ao outorgarem a procuração dos autos, os RR. não venderam o prédio em causa (melhor, a parte do prédio que lhes pertencia), tão somente concederam ao A. poderes para esse efeito, sendo essa venda relegada para momento posterior.
A esta conclusão não obsta o pagamento dos impostos respectivos, já que nestes casos o legislador considera imediatamente consumada a transmissão, havendo lugar ao pagamento de IMT, tal como resulta dos arts. 2º, nº 3, al. c) e 5º do Código do IMT
Por outro lado, o instrumento notarial em causa se é dotado de fé pública, como bem referem os apelantes, não se assume como um acto de constituição de direitos, ao contrário do que estes defendem, mas sim como um acto de atribuição de poderes representativos, os quais consumarão o negócio jurídico nele referido.
Diga-se ainda que o texto da procuração não tem de conter qualquer menção à relação material entre representante e representado, sem que daí se retire a conclusão pretendida pelos apelantes, porquanto qualquer procuração está sempre dependente da aplicação do art. 265º do CC, nos termos já expostos.
Donde, as conclusões LLL a OOO carecem de suporte legal, estando claramente erradas na apreciação jurídica efectuada.
Quanto à violação do art. 265º, nº 3 do CC que os apelantes imputam à sentença recorrida, resulta dos factos assentes que não lograram os apelantes provar qual a relação na base da outorga da procuração, nem a existência de um interesse dos RR. na celebração de qualquer contrato com os apelantes.
Refira-se que, não constando na procuração qualquer menção a essa relação (como não tinha de estar), incumbia aos apelantes a prova dessa mesma relação, por forma a que se possa considerar eficaz a procuração.
Como se refere no Ac. TRL de 19-10-2010, supra citado, “… face aos termos da lei (art. 265º, nº3, CC), a mera convenção de irrevogabilidade não impede a revogação da procuração. Tal depende do juízo que se vier a formular resultante da ponderação de interesses emergentes da relação subjacente, e não da simples vontade do procurador e do dominus.
Na verdade, a procuração está directamente relacionada com uma relação jurídica que constitui a sua causa (a relação subjacente), pela qual se ajustam os termos da actuação representativa – cf. Castro Mendes, Teoria Geral, III, 404.
Consequentemente, para determinar se a procuração está sujeita ao regime geral da livre revogabilidade (art. 265º, nº2, do CC), ou, pelo contrário, à regra do nº3, do mesmo preceito legal, há que apurar, em cada caso, qual é o interesse relevante do procurador, resultante do negócio que constitui a relação subjacente.
Por sua vez, na concretização desse interesse, importa ter presente que não basta que o procurador tenha um mero interesse geral na execução do negócio: exige-se a prova de que tem um interesse específico nessa execução.
A procuração deverá igualmente representar uma utilidade dirigida à prossecução de fins próprios (isto é, autónomos) do procurador, no quadro da relação subjacente.
Por outro lado, o interesse relevante tem que resultar objectivamente da relação subjacente (não podendo, naturalmente, um qualquer estado psicológico e meramente subjectivo do procurador servir para justificar a irrevogabilidade.
O procurador deve ainda demonstrar ter um interesse directo na conclusão do negócio, manifestado no facto de o mesmo ser parte nesse negócio ou dele beneficiar directamente.
Nas palavras de Pedro Pais de Vasconcelos, ob. cit., pag. 55, «a relação subjacente deverá, assim, consistir num negócio que se destine a regular a relação que resulta da procuração, a relação de representação. Deverá consistir num negócio que esteja estruturalmente concebido de modo a dele se poder retirar o critério de actuação, pelo qual os sujeitos da relação de representação se deverão reger.»
Esse negócio deve por isso mesmo preceder a procuração de modo a poder constituir a causa (função) da sua outorga e permitir, pelo seu conteúdo, concretizar «o fim visado pelas partes, ou seja, a função da procuração e o critério de exercício dos poderes dela emergente»”.
Ora, no caso vertente, na ausência de prova da relação subjacente não pode a procuração em causa servir para determinar a procedência do pedido formulado e que, recorde-se, era a condenação dos AA. por violação do “contrato de mandato que estava consubstanciado na procuração junta aos autos, e que permitia os AA. negociarem consigo mesmos o imóvel objecto da mesma procuração, e no seu próprio interesse”.
E essa impossibilidade decorre quer da ausência de um contrato de mandato ou qualquer outro, quer da ausência de um interesse dos apelantes na concretização do negócio final, porquanto não resultou provado o contrato de mútuo alegado, nem a alegada prestação de garantia por via da outorga da procuração.
Desta conclusão não decorre qualquer violação dos princípios da confiança e segurança jurídicas, porquanto se mostra observado o disposto no art. 265º, nº 3 do CC, o que determina a improcedência da apelação.
Concluindo, entende-se que a sentença recorrida não merece qualquer censura, sendo improcedentes as conclusões do apelante.

V. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, embora deferindo parcialmente a impugnação da matéria de facto, em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.

Lisboa, 11 de Julho de 2019

Ana Rodrigues da Silva
Micaela Sousa
Maria Amélia Ribeiro
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