Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2957/17.3T9LSB.L1-5
Relator: ANABELA CARDOSO
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTE
CONSUMO MÉDIO INDIVIDUAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/02/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: – O valor médio de consumo diário não deve ser aferido, em concreto, para cada consumidor.

– A quantidade de heroína que a recorrente detinha na sua posse - 0,297 gramas de peso líquido -, obsta ao preenchimento do crime previsto nos nºs 1 e 2 do artº 40º do D.L. nº 15/93, de 22/01, porquanto não atinge a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 (dez) dias, definido pelo artº 2º, nº 2 da Lei 30/2000, de 29/11, exigido para o efeito, e que corresponde a 1(um) grama, de acordo com o artº 9º da Portaria nº 94/96, de 26 de Março e respectivo Mapa anexo.

– O recurso aos critérios jurisprudenciais, que alegadamente se baseiam nas regras da experiência comum e que têm em conta o normal grau de impureza das substâncias estupefacientes quando chegam ao consumidor final, só constitui uma alternativa a uma tabela tornada inaplicável por força da incompletude dos exames laboratoriais, ou seja, só na ausência dos adequados exames laboratoriais que determinem qual a percentagem do princípio activo contido na substância apreendida é que a jurisprudência tem afastado o recurso à tabela constante da citada Portaria nº 94/96, estabelecendo e definindo, em alternativa, quantidades médias para o consumo médio individual durante um dia, o que não acontece no caso, pois os exames laboratoriais juntos aos autos identificam as substâncias em causa, o seu peso bruto e o seu peso líquido, e bem assim a concentração.

– Ora, tendo os limites fixados na referida tabela um valor de meio de prova, a apreciar nos termos da prova pericial, tal significa que o juízo a fazer sobre a suficiência ou insuficiência desses limites se presume subtraído à livre apreciação do julgador, devendo este fundamentar qualquer divergência desse juízo.

– Considerando a duração da conduta (cerca de 8 meses, longe de se considerar ter sido uma actividade esporádica ou rara), a qualidade das drogas (heroína e cocaína – das consideradas mais nocivas), a quantidade de produto estupefaciente apreendido ao arguido no dia da sua detenção (19,649 gramas de heroína), a quantidade que tinha acabado de vender ao co-arguido (20,9 gramas de heroína e 4,72 gramas de cocaína), o elevado número de vendas que efectuou aos restantes co-arguidos e a outros indivíduos, com carácter regular, o modo como era contactado (via telemóvel), o conhecimento revelado na preparação das doses, o balança digital de que dispunha para preparar/pesar as doses e a quantia apreendida proveniente das vendas, impõe-se concluir que estão preenchidos os elementos objectivo e subjectivo do crime de tráfico de estupefacientes, previsto no artº 21º, pelo qual o arguido foi acertadamente condenado.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


1.– No Processo Comum Colectivo nº 2957/17.3T9LSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo Central Criminal de Loures - Juiz 1, foi proferido Acórdão, em 9 de Novembro de 2018, que decidiu:

“Pelo exposto, as juízas que compõem este Tribunal Coletivo decidem:
a)- ABSOLVER os arguidos E., e P., da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.°, n.° 1 do D.L. 15/93, de 22-01, pelo qual vinham acusados.
b)-  ABSOLVER os arguidos M.,  e A., da prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.° al. a) do D.L. 15/93, de 22-01, pelo qual vinham acusados.
c)- CONDENAR o arguido S., pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos artigos 21.°, n.° 1 do D.L. 15/93, de 22-01, por referência às Tabelas I-A e I-B anexas, na pena de 5 (cinco) anos de prisão efetiva.
d)- CONDENAR o arguido E., pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade (por convolação do crime previsto no artigo 21.° do qual se absolve), p. e p. pelo artigo 25.°, al. a) do D.L. 15/93, de 22-01, por referência às Tabelas I-A e I-B anexas, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.
e)- SUSPENDER a execução da pena em que o arguido E., acaba de ser condenado, por igual período, a contar da data do trânsito em julgado desta decisão.
f)- CONDENAR o arguido P., pela prática de um crime de consumo (por convolação do crime previsto no artigo 21.° do qual se absolve), p. e p. pelo artigo 40.°, n.°s 1 e 2 do D.L. 15/93, de 22-01, por referência às Tabelas I-A e I-B anexas, na pena de 10 (dez) meses de prisão.
g)- SUSPENDER a execução da pena em que o arguido P., acaba de ser condenado, pelo período de um ano, a contar da data do trânsito em julgado desta decisão.
h)CONDENAR a arguida M., pela prática de um crime de consumo (por convolação do crime previsto no artigo 25.° do qual se absolve), p. e p. pelo artigo 40.°, n.°s 1 e 2 do D.L. 15/93, de 22-01, por referência às Tabelas I-A e I-B anexas, na pena de 6 (seis) meses de prisão.
i)- SUSPENDER a execução da pena em que a arguida M., acaba de ser condenada, pelo período de um ano, a contar da data do trânsito em julgado desta decisão, acompanhada de REGIME DE PROVA, com sujeição a avaliação especializada para despiste de necessidade de tratamento/acompanhamento na área da toxicodependência, nos termos do disposto nos artigos 50.°, n.°s 1 e 5 e 53.°, n.° 3, ambos do C.Penal.
j)CONDENAR o arguido A., pela prática de um crime de consumo (por convolação do crime previsto no artigo 21.° do qual se absolve), p. e p. pelo artigo 40.°, n.°s 1 e 2 do D.L. 15/93, de 22-01, por referência às Tabelas I-A e I-B anexas, na pena de 10 (dez) meses de prisão.
k)- SUSPENDER a execução da pena em que o arguido A., acaba de ser condenado, pelo período de um ano, a contar da data do trânsito em julgado desta decisão, acompanhada de REGIME DE PROVA, com sujeição a avaliação especializada para despiste de necessidade de tratamento/acompanhamento na área da toxicodependência, nos termos do disposto nos artigos 50.°, n.°s 1 e 5 e 53.°, n.° 3, ambos do C. Penal
l)- Condenar os arguidos nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça individual em 3 (três) U.C., ao abrigo do disposto no artigo 513.°, n.° 3 do C.P.P.
m)- Declarar perdidos a favor do Estado, por terem resultado/servido para a prática do crime, todo o produto estupefaciente apreendido, ordenando, desde já, e após trânsito, a sua destruição (cfr. art.° 62.°, n.° 6 do D.L. 15/93), bem como os restantes objetos e quantias monetárias, apreendidos aos arguidos S., e E., ao abrigo do disposto no artigo 109.°, n.° 1, do Código Penal.
O arguido S., recolhe ao Estabelecimento Prisional a fim de aguardar o trânsito em julgado da presente decisão na situação de prisão preventiva em que se encontra, uma vez que não se alteraram as circunstâncias que ditaram a aplicação de tal medida de coação, encontrando-se até as mesmas reforçadas, face à presente condenação.
Após trânsito:
– Remeta cópia do presente acórdão aos Serviços de Reinserção Social, com vista à elaboração do respetivo Plano de Reinserção Social dos arguidos M.,  e A..
Remeta Boletins ao Registo Criminal. “
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2.– Não se conformando com esta decisão, dela recorreram os arguidos S., P., e M., que apresentaram motivação da qual extraíram as seguintes conclusões:

Arguido S.  :
“Nos termos expostos, com o sempre mui Douto Suprimento deste Venerando Tribunal, deve o Douto Acórdão de primeira instância ser revisto, por algum ou algum dos seguintes fundamentos:
1.– O recorrente, que é primário, confessou os factos, esclareceu o modo de execução do mesmos e as condutas que empreendeu e que se mostra arrependido e consciente da danosidade dos seus comportamentos, sempre deveria ter sido condenado ao abrigo do disposto no artigo 25° da Lei da Droga (DL. 15/93 de 22 Janeiro) e nunca nos termos do disposto no artigo 21° do referido diploma como aconteceu;
2.– Na realidade, a atividade decorreu em pequeno período de tempo - inferior a seis meses - com comercialização de pequenas quantidades, na vertente de tráfico de rua;
3.– Também a qualidade e pureza dos produtos fornecidos - embora heroína e cocaína - era de pouco relevo;
4.– O recorrente atuou sempre sozinho, sem grande sofisticação, fator este que, a par com os antecedentemente referidos, diminui acentuadamente a ilicitude da sua conduta;
5.– O arguido, ora recorrente, atuou numa situação de desemprego próprio e de extrema pobreza da sua companheira, pensionista com rendimento inferior a trezentos euros mensais; e perante uma situação de doença crónica dos seus dois filhos menores;
6.– Tal fator diminui também sensivelmente a censurabilidade do ato por si praticado, não obstante tal constituir crime inadmissível, de que o recorrente tem consciência, conforme assumiu em julgamento;
7.– O recorrente também assumiu a danosidade do seu ato criminoso, o que diminui sensivelmente a necessidade de lhe ser aplicada uma pena de prisão efetiva;
8.– Em face dos pontos acima resumidos - que diminuem sensivelmente, quer a ilicitude do ato praticado pelo agente; quer a culpa ou censurabilidade do facto e, por conseguinte, também a necessidade da pena - deveria o crime praticado ter sido qualificado como tráfico de estupefacientes de menor gravidade, nos termos do disposto no artigo 25° do Dl. 15/93, na sua atual redação;
9.– Não tendo sido ainda operada a qualificação correta requer-se, nesta fase, que o crime ainda possa ser qualificado nos termos do aludido artigo 25°; mais deverá a pena aplicada ser reduzida proporcionalmente, atenta a diferente qualificação do crime operada (se, nos termos do artigo 21°, numa pena abstrata de 4 a 12 anos de prisão; a responsabilidade do arguido foi graduada em 5 anos de prisão, operando-se a substituição do ilícito previsto no artigo 21° pela, mais atenuada do artigo 25°, logo a pena aplicada ao arguido deverá ser revisitada, sem prejuízo das conclusões referentes 20 à suspensão da pena, que se aplicarão, qualquer que seja a pena aplicada e o artigo julgado mais condicente com a atuação do recorrente);
10.– A propósito ainda da aplicação do artigo 25° da vulgarmente conhecida como "lei da droga" está em causa a imagem global do facto praticado pelo condenado, imagem essa que, atentas as circunstâncias do caso - já explicitadas e resumidas nas presentes conclusões - se mostra, em concreto, como atenuadora da ilicitude do ato, da responsabilidade de agente e mesmo da pena a aplicar (cfr. A multiplicidade de jurisprudência existente, alguma dela já enunciada nas presentes motivações de recurso).
11.– Sem prescindir, ainda que se entenda - erradamente na perspetiva da Defesa do ora recorrente S., - que o caso dos Autos se enquadra no tipo base de crime de tráfico de estupefacientes a que se reporta o artigo 21° do Dl. 15/93, sempre deverá a pena concreta, mercê da confissão relevante, do arrependimento sincero e do reconhecimento efetivo da danosidade dos factos, ser especialmente atenuada, por referência ao disposto nos artigos 72° e 73° do Código Penal;
12.– Ora operando a atenuação especial - a que o Tribunal deverá proceder por força do supra aludido artigo 72° - a pena mínima deverá ser reduzida para cerca de 10 meses, situando-se a máxima nos 8 anos de prisão (cfr. Artigo 73° do Código Penal).
13.– Assim, se a pena aplicada, sem atenuação especial, se situou em 5 anos; operando a referida atenuação (cfr. Confissão, arrependimento, narração de códigos utilizados nas conversas com consumidores, confirmação de vendas de produtos com indicação da identidade dos compradores, relato de preços utilizados, entre outros) nunca deverá a pena a aplicar, depois de especialmente atenuada, exceder 3 a 4 anos de prisão;
14.– Em qualquer caso - seja o recorrente condenado pelo artigo 21° ou 25°; e seja a pena concreta aplicada especialmente atenuada ou não - sempre deverá a pena encontrada ser suspensa na respetiva execução, nos termos do disposto no artigo 50° do Código Penal, por estar em causa pena não superior a 5 anos; e existir um juízo de prognose francamente positivo relativamente ao facto da mera ameaça de prisão ser dissuasora da prática de novos crimes, "máxime" da mesma natureza do aqui em causa;
15.– Por todos, quanto à conveniência de suspensão da pena - com ou sem imposição de regime de prova - cfr. cfr., entre outros, Ac. Trl., ., proc. 42/2008-9, de 5 de Março de 21 2009, relatado pelo SR. Dr. Juiz Desembargador Abrunhosa de Carvalho, acessível em www.dgsi.pt).
Assim se decidindo, pela punição do arguido ao abrigo do disposto no artigo 25° do D. n° 15/93; ou, sem prescindir, pela respetiva punição nos termos do artigo 21° do referido diploma numa pena especialmente atenuada, cfr. Artigos 72° e 73° do Código Penal; ou ainda pela aplicação do artigo 21°; mas, em qualquer caso, optando-se pela suspensão da pena de prisão imposta”.
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Arguido P.:
“1.– O Recorrente não se pode conformar com a Douta Sentença do Tribunal a quo que o condenou pela prática de um crime de consumo (por convolação do crime previsto no artigo 21.° do qual se absolve), p. e p. pelo artigo 40.°, n.°s 1 e 2 do D.L. 15/93, de 22-01, por referência às Tabelas I-A e I-B anexas, na pena de 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução, pelo período de um ano,
2.– O recorrente não se conforma com o Douto Acórdão porquanto o mesmo padece de erro de julgamento e de vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do artigo 410.° n.° 2 alínea a) do CPP.
3.– Ora, o tribunal a quo ao condenar o arguido entendeu que as substâncias apreendidas ao mesmo excediam a quantidade necessária para o consumo médio do mesmo durante o período de dez dias, o que salvo mais avisada opinião, não podia ter dado como provado.
4.– Segundo o acórdão de fixação de jurisprudência 3/2008, DR 150, Série I, de 5/8, do STJ “Não obstante a derrogação operada pelo artigo 28.° da Lei 30/2000, de 29/11, o art. 40.°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro, manteve-se em vigor não só “quanto ao cultivo” como relativamente à aquisição ou detenção, para consumo próprio, de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV, em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias.
5.– Por sua vez, o art. 2.° da Lei 30/2000, de 29-11, qualifica como contra-ordenação a conduta de quem adquire ou detém para consumo próprio aquelas substâncias em quantidade inferior à necessária para o consumo médio individual durante 10 dias.
6.– O tribunal recorrido considerou tão só o peso líquido do produto estupefaciente apreendido ao recorrente, não fazendo contudo qualquer referência aos valores constantes da tabela a que se refere o art. 9.° da Portaria 94/96 de 26-03, até porque sempre estaria vedada essa possibilidade.
7.– Isto porque, dos exames periciais ao produto estupefaciente apreendido a P., junto aos autos (a fls 1007, e complementado a fls. 11391140; - Auto de exame, em Al..., constante de fls. 1046.) resulta apenas e tão só o tipo de produto estupefaciente apreendido e o seu peso liquido e não a substancia activa e o grau de pureza.
8.– Resulta dos referidos exames laboratoriais que o arguido tinha na sua posse, no dia 02/11/2017, 0,504 g de heroína e duas saquetas de metadona, e no dia 20/11/2017, 0,698 g de canábis (resina) e 2,469 de heroína desconhecendo-se, contudo, a quantidade de substância ativa de tais saquetas de metadona, heroína, e canabis e respectivo grau de pureza, porquanto é omissa no exame pericial.
9.– Para a determinação do estado de toxicodependência é essencial não só identificar a natureza da substância detida, com vista à demonstração de que ela integra as tabelas I a IV anexas do DL n.° 15/93, de 22/1, como ainda também a percentagem de substância activa existente no produto apreendido.
10.– As tabelas anexas à portaria referem-se apenas ao princípio ativo das substâncias, ou seja à “droga pura” e não a um qualquer composto que tenha estupefacientes, pois só a droga pura permite uma quantificação como aquela que consta das tabelas.
11.– Só depois, com estes valores fixados no exame laboratorial, e que podemos socorrer-nos dos valores referidos na tabela anexa à Porta n.° 94/96, de 26/3: só perante a percentagem do princípio ativo constante da substância apreendida, só perante um produto “puro”, conforme se diz em linguagem corrente - seja canabis, seja com qualquer outra substância, mormente heroína ou cocaína é que podemos avaliar se a quantidade detida é “superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias”.
12.– No caso sub judice, o exame aos produtos apreendidos, efetuado pelo Laboratório de Polícia Científica, não quantifica a percentagem do princípio activo de qualquer produto.
13.– Não determinando os exames laboratoriais qual a percentagem do princípio ativo contido nas substâncias apreendidas, a jurisprudência tem afastado o recurso à tabela constante da citada Portaria (inaplicável por força da incompletude dos exames laboratoriais), estabelecendo e definindo, em alternativa, quantidades médias para o consumo individual durante um dia que se afastam dos valores da tabela (fixando tal quantidade em 1,5 gramas para a cocaína e heroína e em cerca de 2 gramas para o haxixe), baseando-se nas regras de experiência comum e que têm em conta o normal grau de impureza das substâncias estupefacientes quando chegam ao consumidor final. - vide Acórdão TRL de 06-11-2012, processo n.° 5929/09.8TDLSB.L1-5
14.– Ou seja, existindo impossibilidade do determinação do grau de pureza deve valer o entendimento de que “é possível recorrer ao critério seguido pela jurisprudência já antes da publicação dessa Portaria, baseado nas regras da experiência comum e que tem em conta o normal grau de impureza das substâncias estupefacientes quando chegam ao consumidor final, de acordo com o qual, é de 2 gramas a quantidade necessária para o consumo médio individual diário de canabis e 1,5 grama para heroína ” (assim acórdão da Rel. do Porto de 04/06/2014, no processo 29/09.3SFPRT-B.P1, e acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Janeiro de 1990, in Boletim do Ministério da Justiça, n.° 393, p. 319; de 5 de Fevereiro de 1991, in Boletim do Ministério da Justiça, n.° 404, p. 51; e de 10 de Julho de 1991, in Boletim do Ministério da Justiça, n.° 409, p. 392).
15.– E nesta medida, não existindo elementos quanto à quantidade de metadona, atendendo à quantidade de heroína, 2,469 g e 0, 528 g (sendo a dose máxima 1,5 x 10 = 15 g ) e de cannabis, 0,698 g( sendo a dose máxima 2g x 10=20 g) , sempre se impunha absolver o arguido, isto porque, não era possível afirmar que a quantidade de metadona, cannabis (resina) e heroína detida pelo arguido era superior ao necessário para consumo durante 10 dias.
16.– Dessa forma, sempre se impunha a absolvição do arguido pela prática do crime de que vem acusado, constituindo antes o seu comportamento a prática de uma contra-ordenação.
17.– Caso se entenda que ainda é possível determinar o grau de pureza, mormente com base na amostra processo ou outra disponível, sempre estaremos perante uma situação que consubstancia o vício de insuficiência da matéria de facto provada (art. 410.°, n.°2, al. a) do Cód. Proc. Penal), na definição daquele consumo médio individual.
18.– A falta de indicação do grau de pureza da cannabis, da heroína e a quantidade de metadona é um facto essencial à subsunção jurídica, constituindo uma insuficiência para a decisão de matéria de facto provada - al. a), do n° 2 do artigo 410° do Código Penal - devendo determinar-se a realização de novo exame com recurso à amostra-cofre para determinar o grau de pureza das substâncias ativas.
19.– Tal vício conduz ao reenvio do processo para novo julgamento, restrito à questão enunciada, isto é, à determinação do grau de pureza das substâncias ativas em causa.
20.–  Pelo que se deve concluir pela absolvição do crime por que foi condenado ou ser determinado o reenvio do processo para novo julgamento para determinação do grau de pureza do produto estupefaciente apreendido ao arguido, ora recorrente.
21.– O Douto Acórdão ao decidir como decidiu está igualmente a violar o artigo 40.° n.°s 1 e 2 do D.L. 15/93, de 22-01, por referência às Tabelas I-A e I-B anexas.”.
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A arguida M. :
“1.– O tribunal a quo condenou a arguida pela prática de um crime de consumo (por convolação do crime previsto no artigo 25.° do qual foi absolvida), p. e p. pelo artigo 40.°, n.°s 1 e 2 do D.L. 15/93, de 22-01, por referência às Tabelas I-A e I-B anexas, na pena de 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano e com regime de prova.
2.– Fundamentou tal decisão no facto de a arguida ser consumidora de heroína e de ter na sua posse a quantia de 0,297 gramas de heroína que destinava a consumo próprio.
3.– O Tribunal a quo não referiu nem fixou qual a quantidade necessária ao consumo diário individual médio de heroína para um consumidor como era a arguida.
4.– Porém, como já vasta jurisprudência se pronunciou sobre tais valores, o consumo médio individual de heroína oscila entre 0,5 gramas e 1,5 gramas por dia, pelo que a quantidade apreendida à arguida daria, quanto muito, para um dia.
5.– A arguida não tem registo de qualquer condenação no seu certificado criminal.
6.– A arguida não cometeu qualquer crime e nenhuma pena lhe poderia ser aplicada.
7.– O tribunal a quo, ao condenar a arguida pela prática de um crime de consumo, violou o preceituado nos art°s 2°, n° 2, da Lei n.° 30/2000, de 29 de Novembro e 40° do Decreto-Lei n° 15/93, de 22 de Janeiro.
NESTES TERMOS, nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de V.Exas, deverá o douto acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro em que seja decretada a absolvição da arguida.”
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3.– Admitidos os recursos, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo, veio a Digna Magistrada do Ministério Público responder, pugnando no sentido de o recurso interposto pela recorrente M.,  ser julgado procedente e se revogar a decisão recorrida, devendo, quanto aos demais recursos, interpostos pelos recorrentes P., e S., se julgar os mesmos improcedentes e se manter a decisão recorrida.

Apresentou as seguintes conclusões:

Relativamente aos recursos interpostos pelos arguidos M.,  e P. :
“1ª– Os arguidos M., e P., inconformados com o douto acórdão proferido a fls. 1331 e seguintes que os condenou pela prática de um crime de consumo, p. e p. pelo artº 40º, nºs 1 e 2 do D.L. nº 15/93, de 22/01, por referência às Tabelas I-A e I-B anexas, na pena de 6 (seis) meses de prisão, suspensa pelo período de um ano, acompanhada do regime de prova e na pena de 10 (dez) meses de prisão, suspensa pelo período de um ano, respectivamente, vieram dele interpor recurso.
2ª– Da análise das alegações de recurso e, mais concretamente, das suas conclusões, que como é consabido delimitam o objecto do recurso, constata-se que, no essencial, as questões a dilucidar são 2 (duas), a saber: do erro de julgamento e da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
3ª– Da  leitura  das  conclusões   formuladas  pela  Recorrente  M., resulta que a mesma aceita a factualidade dada como assente, que lhe é imputada, nomeadamente, a constante dos factos 1.37 e 1.38, defendendo, porém, que tal factualidade não é idónea ao preenchimento dos elementos típicos do crime de consumo pelo qual foi condenada.
4ª– Alega, para além do mais, que a quantidade de 0,297 gramas de heroína que detinha era para seu consumo pelo que o Tribunal a quo não podia concluir, como concluiu, pela comissão do crime de consumo.
5ª– E assiste razão à Recorrente.
6ª– Com efeito, a quantidade de heroína que a mesma detinha na sua posse, de 0,297 gramas de peso líquido, obsta ao preenchimento do crime previsto nos nºs 1 e 2 do artº 40º do D.L. nº 15/93, de 22/01, porquanto não atinge a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 (dez) dias definido pelo artº 2º, nº 2 da Lei 30/2000, de 29/11, exigido para o efeito, e que corresponde a 1 (uma) grama, de acordo com o artº 9º da Portaria nº 94/96, de 26 de Março e respectivo Mapa anexo.
7ª– Donde, não sendo os factos dados como assentes sob os pontos 1.37 e 1.38, relativos à ora Recorrente, suficientes para o preenchimento dos elementos típicos do crime de consumo pelo qual foi condenada, resta concluir pela sua absolvição.
8ª– Das conclusões formuladas pelo Recorrente P., constata-se que pretende impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto dada como provada invocando que, face à prova produzida em audiência, existem factos incorrectamente julgados e provas que impõem uma decisão diversa, desde logo, os elencados nos pontos 1.34. e 1.36. da matéria de facto, uma vez que nos exames periciais que os suportam não foi apurado o princípio activo da heroína e cannabis que lhe foi aprendida nas circunstâncias descritas nos pontos 1.32 e 1.35. que aceita como provados.
9ª– Sucede que, sem razão.
10ª– É verdade que quanto ao facto 1.34. suportado pelo exame pericial junto a fls. 1046 o LPC não apurou o princípio activo presente na heroína apreendida ao arguido nas circunstâncias narradas no facto 1.32., tendo apenas apurado o peso líquido de 0,528 gramas.
11ª– Porém, tal circunstância não obsta a que o facto provado se mostre correcto e nos moldes em que o foi porque suportado em prova pericial.
12ª– Ademais, sempre se dirá que este facto é absolutamente inócuo e irrelevante para o preenchimento dos elementos típicos do crime de consumo pelo qual o arguido foi condenado.
13ª– Já no que se reporta ao facto 1.36. o Recorrente certamente não atentou que o exame pericial junto a fls. 1007 foi complementado pelo exame pericial junto a fls. 1139 e 1140.
14ª– Com efeito, da mera análise dos exames periciais juntos aos autos, nomeadamente do exame pericial junto a fls. 1139 e 1140 relativo aos produtos estupefacientes apreendidos ao ora Recorrente no dia 20 de Novembro de 2017 (facto provado em 1.35.), realizado em complemento ao exame pericial junto a fls. 1007, resulta que o LPC apurou, não só o princípio activo presente na cannabis e na heroína apreendidas, como os respectivos pesos líquidos de 0,896 e 2,594 gramas.
15ª– Assim sendo, tendo sido apurado o grau de pureza das 2,594 gramas de heroína detidas pelo arguido no dia 20/11/2017, falece a argumentação expendida quanto à prova dos aludidos factos e ao seu enquadramento legal.
16ª– Na verdade, ao invés do que refere, constata-se que o ora Recorrente pretende verdadeiramente impugnar o processo de formação da convicção do Tribunal a quo que levou à fixação da matéria de facto dada como provada – os já referidos factos e, bem assim, a restante matéria de facto – e não provada, embora demonstre perfeito conhecimento do conteúdo, sentido e extensão do princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artº 127º do Código de Processo Penal, insindicável em reexame da matéria de direito.
17ª– Visa, com base em tais argumentos, impor a sua leitura e apreciação da prova pericial que selecciona e que, como é do seu conhecimento, se encontra subtraída à livre apreciação do julgador e, desse modo, alterar a convicção do julgador e a razão de ser deste ter decidido a matéria de facto do modo como o fez.
18ª– É manifesto que a quantidade de heroína que detinha na sua posse, de 2,594 gramas de peso líquido, preenche os elementos típicos do crime previsto nos nºs 1 e 2 do artº 40º do D.L. nº 15/93, de 22/01, porquanto excede a quantidade mínima necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 (dez) dias definido pelo artº 2º, nº 2 da Lei 30/2000, de 29/11, exigido para o efeito, e que corresponde a 1 (uma) grama, de acordo com o artº 9º da Portaria nº 94/96, de 26 de Março e respectivo Mapa anexo.
19ª– Donde, impõe-se concluir que o acórdão sub judicio não padece que qualquer vício, mormente do invocado erro de julgamento, não se mostrando violado o preceituado no artº 412º, nº 3 do Código de Processo Penal, pois inexistem factos incorrectamente julgados, não colhendo a interpretação dada pelo ora Recorrente à prova produzida, no sentido da decisão ser a de absolvição.
20ª– Invoca, ainda, o Recorrente P., que o acórdão recorrido enferma do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
21ª– Também aqui sem razão.
22ª– Os vícios previstos no nº 2 do artº 410º do Código de Processo Penal, mormente o previsto na al. a), têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum.
23ª– Conforme se decidiu no Acórdão do STJ de 03/07/2011, o vício previsto na al. a) do nº 2 do artº 410º do Código de Processo Penal ocorre sempre que “a matéria de facto provada é insuficiente para a decisão de direito, porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar relativamente a factos relevantes para a decisão da causa, alegados pela acusação ou pela defesa, ou que resultarem da audiência, ou nela deviam ter sido apurados por força da referida relevância para a decisão.”
24ª– Ora, in casu, e ao contrário do propugnado pelo Recorrente, conforme ficou dito supra quanto ao facto 1.36., o mesmo não atentou que o exame pericial junto a fls. 1007 foi complementado pelo exame pericial junto a fls. 1139 e 1140, de cuja análise resulta que o LPC apurou, não só o princípio activo presente na cannabis e na heroína apreendidas, como os respectivos pesos líquidos de 0,896 e 2,594 gramas.
25ª– Assim sendo, sem necessidade de mais considerações resta concluir que os factos provados, enunciados nos pontos 1.27 a 1.36., 1.49., 1.51., 1.52., 1.55. e 1.57. da Fundamentação de facto, são suficientes para sustentar a decisão de direito, i.e. preenchem os elementos típicos objectivo e subjectivo do crime de consumo pelo qual veio a ser condenado.
26ª– Destarte, impõe-se concluir que o acórdão recorrido não enferma do apontado vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto, resultando à saciedade que os factos dados como provados, preenchem os elementos objectivo e subjectivo do mencionado ilícito, conforme se pode ler de  fls. 1373 a 1378,  pelo  que o enquadramento jurídico efectuado não merece qualquer reparo.
Termos em que deverá o recurso interposto pela Recorrente M., ser julgado procedente e revogar-se a decisão recorrida.
Quanto ao recurso apresentado pelo Recorrente P., deverá o mesmo ser julgado improcedente e manter-se a decisão recorrida.”
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Relativamente ao recurso interposto pelo arguido S. :
“1ª– O arguido S., inconformado com o douto acórdão de fls. 1331 e seguintes, que o condenou pela prática, como autor material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artº 21º, nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22/01, por referência às Tabelas I-A e I-B anexas, na pena de 5 (cinco) anos de prisão efectiva, veio dele interpor recurso.
2ª– Da leitura da motivação apresentada pelo Recorrente e respectivas Conclusões (que, como é sobejamente sabido, delimitam o objecto do recurso) resulta que o mesmo discorda de tal acórdão por duas ordens de razões, a saber: do enquadramento jurídico-penal e da escolha e medida da pena.
3ª– O Recorrente restringe o seu objecto à matéria de direito, pelo que se impõe concluir que a matéria de facto que diz respeito ao arguido, concretizada nos factos 1.1. a 1.5., 1.8., 1.15., 1.16. a 1.29., 1.39. a 1.47., 1.52. a 1.54., 1.56., 1.57., 1.58. e 1.63. do douto acórdão, se mostra assente e, por isso, inatacável.
4ª– Invoca que é primário, que confessou os factos e esclareceu o modo de actuação e as condutas que empreendeu, que se mostra arrependido e consciente da danosidade dos seus comportamentos, defendendo que a sua conduta integra o disposto no artº 25º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22/01 e não o preceituado no artº 21º do mesmo diploma legal.
5ª– Para tanto sustenta, em síntese, que a actividade decorreu num curto período de tempo, com comercialização de pequenas quantidades, a qualidade e quantidade dos produtos, actuou sempre sozinho, sem sofisticação, na vertente de rua e agiu numa situação de desemprego, de extrema pobreza da companheira e perante uma doença crónica dos seus dois filhos, o que diminui a censurabilidade do acto.
6ª– Todavia, sem razão.
7ª– Importa, referir que ao invés do alegado, o Recorrente não é primário, conforme se alcança do facto provado em 1.63., de onde resulta que já sofreu já 4 (quatro) condenações anteriores, uma delas por factos praticados em 25/06/2002, transitada em julgado em 02/05/2005, por crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade e uma outra numa pena de prisão efectiva (cfr. fls. 1357).
8ª– Salvo o devido respeito, a factualidade dada como provada em relação ao comportamento do arguido não preenche, conforme pretende o Recorrente, o tipo de crime de tráfico de menor gravidade, mas sim o tipo de crime de tráfico, previsto no artº 21º, nº 1 do mencionado diploma legal, pelo qual vinha acusado e foi condenado.
9ª– Com efeito, ponderando a duração da conduta (cerca de 8 meses), a quantidade de produto estupefaciente apreendido ao arguido no dia da sua detenção (19,649 gramas de heroína), a quantidade que tinha acabado de vender ao co-arguido A. (20,9 gramas de heroína e 4,72 gramas de cocaína), o elevado número de vendas que efectuou aos restantes co-arguidos e a outros indivíduos, com carácter regular, o modo como era contactado (via telemóvel), o conhecimento revelado na preparação das doses, o balança digital de que dispunha para preparar/pesar as doses e a quantia apreendida proveniente das vendas, impõe-se concluir que estão preenchidos os elementos objectivo e subjectivo do crime de tráfico previsto no artº 21º, pelo qual foi condenado.
10ª– Ademais, cumpre realçar que o arguido admitiu a prática dos factos – tendo esclarecido que não era consumidor de produtos estupefacientes e o preço a que vendia a heroína –, o que significa que o produto estupefaciente que detinha era destinado exclusivamente à venda, procurando obter lucros elevados.
11ª– Inexistindo, por isso, na nossa perspectiva, qualquer diminuição da ilicitude, sendo certo que as dificuldades económicas, o desemprego e a doença crónica dos filhos não são susceptíveis de integrar o conceito de ilicitude “consideravelmente diminuída” exigida no artº 25º do citado diploma legal, que se reporta, naturalmente, ao concreto modo de actuação.
12ª– Destarte, inexistindo uma diminuição considerável da ilicitude, impõe-se concluir que a conduta do arguido não é subsumível no artº 25º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22/01, mas sim no nº 1 do artº 21º do mesmo diploma legal, pelo que não merece qualquer reparo o enquadramento jurídico efectuado pelo Tribunal a quo.
13ª– Vem o Recorrente invocar que, caso se mantenha o enquadramento jurídico, o Tribunal a quo não ponderou devidamente a confissão do arguido que se mostrou “relevante” e o seu arrependimento sincero, revelador do reconhecimento efectivo da danosidade dos factos, nos termos do disposto nos artigos 72º e 73º do Código Penal.
14ª– Pugna, ainda, e caso se mantenha a sua condenação na pena de 5 anos de prisão, pela suspensão da sua execução, nos termos do disposto no artº 50º do Código Penal, por existir um juízo de prognose francamente positivo.
15ª– Também aqui sem razão.
16ª– A encimar o acervo de finalidades das penas coloca o artº 40º do Código Penal, a protecção de bens jurídicos, encontrando-se a ele subjacente a intenção de limitar o poder punitivo do Estado, na linha, do artº 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual as restrições a direitos, liberdades e garantias se limitarão “ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.
17ª– Depois de escolhida a pena e para a sua determinação o Tribunal deve eleger os factores relevantes para o efeito, valorando-os à luz dos vectores de culpa e prevenção, nos termos do disposto no artº 71º do Código Penal que enumera, no seu nº 2, de forma exemplificativa, alguns dos mais importantes factores de medida da pena de carácter a aferir segundo critérios objectivos.
18ª– In casu, o  Tribunal  tomou  em consideração, nos termos  dos  citados preceitos legais, todas as circunstâncias a favor e contra o arguido, tendo escolhido a pena de prisão – por ser aquela que está prevista no tipo legal – e graduado de acordo, e em síntese, com as fortes exigências de prevenção geral, o modo de actuação do arguido e circunstância de ter agido um grau de ilicitude moderado, as quantidades de heroína e cocaína apreendidas, a culpa intensa espelhada no dolo directo, a existência de antecedentes criminais, sopesando a sua confissão integral e sem reservas que se mostrou relevante para a descoberta da verdade material e a sua situação pessoal – cfr. fls. 1378 a 1382.
19ª– De facto, o Tribunal a quo aplicou a pena que, em concreto, se mostra adequada, ponderando as elevadas exigências de prevenção geral e especial e as circunstâncias acima referidas, tendo por limite a culpa, fixando a pena muito próxima do limite mínimo da moldura abstracta aplicável.
20ª– Da análise ponderada das circunstâncias pessoais do arguido e das elevadas exigências de prevenção especial, por contraponto à gravidade dos factos e às elevadas exigências de prevenção geral, o Tribunal a quo não podia concluir pela aplicação de uma pena que, em concreto, não fosse de prisão e, muito menos, optar por uma pena suspensa na sua execução, sendo certo que só se deve optar pela suspensão da pena quando existir um juízo de prognose favorável, centrado na pessoa do arguido.
21ª– Havendo razões sérias, como é o caso, para duvidar da capacidade do arguido em se conformar com o direito e não cometer novos crimes, ao contrário do afirmado pelo Recorrente, mostra-se adequada e justa a pena aplicada pelo Tribunal a quo, face aos limites da moldura abstracta, reflectindo a gravidade da sua conduta.
22ª– Acresce que, ao invés do que pretende o Recorrente, a sua confissão foi devidamente valorada nos termos do disposto no artº 71º do Código Penal.
23ª– Porém, tal  confissão  não  importa a  atenuação especial da  pena, por não integrar qualquer uma das alíneas previstas no artº 72º do mesmo Código.
24ª– Em todo o caso sempre se dirá que só a ponderação da confissão como uma das circunstâncias a considerar na determinação da medida da pena, a par da situação pessoal do arguido, explica que tenha sido aplicada uma pena de 5 (cinco) anos de prisão, próxima do limite mínimo abstracto, pois que, a existência de antecedentes criminais por crime de idêntica natureza apontaria para uma pena concreta mais elevada.
25ª– Assim, ponderando por um lado o tempo de duração da conduta e, por outro, a natureza e quantidade das substâncias vendidas, pese embora a confissão e arrependimento manifestado, revelam que iria persistir nessa actividade, o que só não sucedeu por ter sido detido.
26ª– Donde, a pena concreta mostra-se adequada, justa e proporcional, não merecendo qualquer reparo.
27ª– Aliás, mal se compreende a pretensão do arguido na defesa de uma pena que não seja de prisão efectiva, e, muito menos, pela suspensão da sua execução por estar em causa uma pena de 5 (cinco) anos de prisão, atenta a natureza gravosa dos factos pelos quais foi condenado, sendo certo que o apoio familiar não o impediu de agir conforme descrito e, sobretudo, porque regista antecedentes criminais, entre eles uma condenação por crime de tráfico de menor gravidade, o que, por si só, revela que não interiorizou o desvalor da sua conduta e a impossibilidade de se efectuar um juízo de prognose favorável.
28ª– Por todo o exposto, não merece qualquer censura o quantum da pena aplicada ao Recorrente e, nessa medida, não se mostra violado o preceituado nos artigos 40º, 50º, 71º, 72º e 73º, todos do Código Penal.
Termos em que deverá o recurso ser julgado improcedente e manter-se a decisão recorrida.”
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4.– Neste Tribunal da Relação de Lisboa, a Exma. Senhora Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido no sentido de que os recursos não merecem provimento, remetendo para o teor das respostas apresentadas pelo Digno Magistrado do Ministério Público, junto do tribunal da 1ª instância.
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5.– A este parecer, respondeu a recorrente M., invocando que, contrariamente ao referido pela Exma. Senhora Procuradora Geral Adjunta, o Digno Magistrado do Ministério Público junto do tribunal da 1ª instância não defendeu a manutenção de decidido relativamente à mesma, devendo proceder o recurso por si apresentado e ser revogada a sentença recorrida no que tange à arguida, que deve ser absolvida.
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6.– Foram colhidos os vistos e realizada conferência.
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7.– O objecto do recurso, tal como se mostra delimitado pelas respectivas conclusões, reporta-se à apreciação das seguintes questões:
No recurso apresentado pela arguida M.:
- Da prática do crime de consumo, p. e p. pelo art. 40º nº 1 e 2 DL 15/93, de 22.01;
           
No recurso apresentado pelo arguido P. :
- Do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
- Da impugnação da matéria de facto;
- Da prática do crime de consumo, p. e p. pelo art. 40º nº 1 e 2 DL 15/93, de 22.01;
 
No recurso apresentado pelo arguido S. :
- Do enquadramento jurídico;
- Da atenuação especial da pena;
- Da medida concreta da pena de prisão aplicada;
- Da suspensão da execução da pena de prisão;
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8.– A decisão recorrida, no que diz respeito aos factos provados, não provados e respectiva fundamentação é do seguinte teor:
“1.– Da instrução e discussão da causa, com interesse para a decisão da mesma, resultaram PROVADOS os seguintes factos:
1.1.- Desde pelo menos o início do mês de março de 2017, que o arguido S.,  mais conhecido como "P.", procedia diariamente à venda de cocaína e heroína a diversos consumidores, na zona da A....
1.2.- Tais vendas eram combinadas muitas vezes através do telefone, chamadas de voz, mensagens de texto, onde eram marcados os locais das entregas e combinadas as quantias de estupefaciente a entregar e os valores a pagar.
1.3.- Após os referidos contactos telefónicos o arguido encontrava-se pessoalmente com os compradores no interior do B...C...M..., – A..., onde procedia às entregas de heroína e cocaína e recebia o dinheiro para pagamento das doses que entregava.
1.4.Para o efeito o arguido S.,  usava habitualmente os números de telefone 9......4 e 9......0 para contactar com os consumidores.
1.5.- O arguido S., adquiria o referido estupefaciente a um indivíduo não identificado e depois procedia no interior da sua residência, sita na sita na C...M...,–A..., à sua preparação, pesagem e divisão em embalagens individuais.
1.6.- O arguido E., usava para estabelecer contactos com os consumidores os números de telefone 9......6 e 9......3.
1.7.- No dia 23 de maio de 2017, pelas 17h00, no interior do B... C...M..., – A..., mais concretamente na R. o arguido E., vendeu a JC. uma embalagem contendo 0,25 gramas de heroína, encontro esse combinado mediante prévio contacto telefónico efetuado para o número 9......3.
1.8.-  No dia 25 de maio de 2017, no interior do B...C...M..., o arguido S., vendeu a AR. uma embalagem contendo 0,75 gramas de cocaína, pelo valor de 40 euros, encontro esse combinado mediante prévio contacto telefónico efetuado para o número 9......0.
1.9.-  No dia 30 de maio de 2017, pelas 16h00 horas, o arguido E., encontrava-se na Rua C...C...M... a vender estupefaciente.
1.10. Nesse local, A., preparava-se para entregar a E., duas notas de vinte euros e duas notas de cinco euros, esperando receber em troca estupefaciente que o arguido tinha consigo e que se encontrava a vender, o que só não ocorreu porque a PSP os abordou, frustrando a transação.
1.11.- O arguido E., tinha, nessa ocasião, na sua posse, uma embalagem contendo cocaína com o peso bruto de 0,16 gramas e dois pacotes de heroína com o peso bruto de 1,73 gramas.

1.12.- Nesse mesmo dia, mas pelas 17h15, o arguido E., tinha no interior da sua residência sita na C...M..., pertencendo-lhe, o seguinte:
 – €435,70, fracionado em 12 notas de 20 euros, 17 notas de 10 euros, 4 notas de 5 euros, 1 moeda de 2 euros, 3 moedas de 1 euro, 1 moeda de 50 cêntimos e uma moeda de 20 cêntimos;
– em cima da mesa da cozinha, dois pacotes de heroína com o peso bruto de 28,90 gramas, 6 pacotes de cocaína com o peso bruto de 13,29 gramas;
– em cima da mesa da cozinha, uma balança de precisão e uma colher com resíduos de estupefaciente e ainda uma faca de cozinha com o cabo preto e uma embalagem de amoníaco, mais concretamente de marca fulgor, contendo hidróxido de amónio de NH3 com solução a 25% 500 ml.

1.13.– Submetidos a exame o produto estupefaciente e objetos apreendidos a E., os mesmos apresentavam os seguintes valores e características:
- um saco contendo cocaína com o peso líquido de 10,846 gramas;
- dois sacos de plástico contendo heroína com o peso líquido de 1,485 gramas;
- um saco de plástico contendo cocaína com o peso líquido de 0,124 gramas;
- cinco sacos de plástico contendo cocaína com o peso líquido de 1,261 gramas;
- dois sacos de plástico contendo heroína com o peso líquido de 26,903 gramas.

1.14.– A faca e a colher apreendidas na cozinha foram submetidas a perícia e apresentavam resíduos de cocaína.
1.15.– No mês de junho de 2017, o arguido S., deslocou-se a C... V..., tendo entregado a E., um telemóvel, com  o respetivo cartão, com o número … onde recebia os contactos dos consumidores de estupefaciente.
1.16.– Assim, num período de cerca de um mês, o arguido E., assegurou as vendas de estupefaciente, referentes aos clientes de S., bem assim as vendas de estupefaciente, relativas aos seus clientes.
1.17.– No dia 25 de agosto de 2017, no B...M...C...M..., o arguido S., vendeu um pacote de estupefaciente ao condutor do veículo com a matrícula ...-...-....
1.18.– No dia 4 de outubro de 2017, pelas 10h50, na A., o arguido S., vendeu a um indivíduo de sexo feminino, condutor do veículo com a matrícula ...-...-..., um pacote de estupefaciente.
1.19.– No dia 5 de outubro de 2017, o arguido S.,  vendeu a JR., pelo valor de 40 euros, cinco embalagens de plástico contendo heroína com o peso bruto de 1,48 gramas e uma embalagem de plástico contendo cocaína com o peso bruto de 0,15 gramas de cocaína.
1.20.– Submetido a exame o produto estupefaciente apreendido a JR., concluiu-se tratar-se de heroína com o peso líquido de 1,256 gramas, com o grau de pureza de 23,5% e a embalagem de cocaína com o peso líquido de 0,098 gramas, com o grau de pureza de 62,3%.
1.21.– No dia 13 de outubro de 2017, na Rua da G..., o arguido S., vendeu a RS. 0,78 gramas de heroína e 0,66 gramas de cocaína.

1.22.– Submetido a exame, o produto estupefaciente apreendido a RS. apresentava os seguintes valores e características:
2 plásticos contendo heroína com o peso líquido de 0,648 gramas;
- 4 plásticos contendo cocaína com o peso líquido de 0,554 gramas.

1.23.– No dia 15 de novembro de 2017, o arguido S., entregou um pacote de estupefaciente ao condutor do veículo com a matrícula ...-...-..., em troca de dinheiro.
1.24.– Desde, pelo menos, o início do mês de outubro de 2017, que o arguido A., utilizador do número 9......7 comprava heroína e cocaína a S..
1.25.– No dia 19 de novembro de 2017, o arguido S., encontrou-se com A., conhecido por "T", na Rua V..., tendo o primeiro entregado ao segundo 20,19 gramas de heroína e 4,72 gramas de cocaína, quantidade pela qual o A., pagou 500 euros em notas do BCE.

1.26.– Submetido a exame, o produto estupefaciente apreendido a A.,  apresentava os seguintes valores e características:
- um plástico contendo heroína com o peso líquido de 19,756 gramas, com o grau de pureza de 11,6%;
- um plástico contendo cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 4,428 gramas, com o grau de pureza 46,5%.

1.27.– Por diversas vezes, o arguido S., vendeu estupefaciente, mais concretamente heroína e cocaína, a P., e a M..
1.28.– Tais vendas foram realizadas, pelo menos, desde o início do mês de agosto de 2017 até 19 de novembro de 2017.
1.29.– Pelo menos duas vezes por semana, no aludido período, o arguido P., umas vezes sozinho outras vezes acompanhado pela sua companheira M., deslocava-se ao Bº C...M..., – A..., local onde comprava heroína e cocaína ao S., e depois regressava à zona da sua residência, em T...V....
1.30.– Para o efeito, o arguido P., usava o n.° de telefone….
1.31.–Também MNM., que usava o número de telefone... acompanhava P., na compra de estupefaciente.
1.32.– No dia 23 de outubro de 2017, pelas 7h10, o arguido P., foi fiscalizado pela GNR na área de serviços da A2 - Norte/Sul, em Al..., tendo na sua posse, pertencendo-lhe, uma embalagem contendo heroína com o peso bruto de 0,6 gramas e duas saquetas de metadona.
1.33.– O arguido P., não possuía qualquer receita ou autorização que lhe permitisse deter a referida metadona.
1.34.– Submetido a exame o referido produto, veio a confirmar tratar-se de heroína com o peso líquido de 0,528 gramas e duas saquetas de metadona.
1.35.– No dia 20 de novembro de 2017, pelas 2h39, o arguido P., tinha no interior da sua residência, sita em…, T...V..., dois pacotes contendo heroína com o peso bruto de 2,89 gramas, um pacote contendo produto de corte com o peso bruto de 4,03 gramas e um pedaço de haxixe com o peso bruto de 0,91 gramas e ainda a quantia de 55 euros em dinheiro, dividida em cinco notas de 10 euros e uma de 5 euros e ainda um telemóvel com o imei … que usava para contactar o S..

1.36.– Submetido a exame, o produto estupefaciente apreendido a P., apresentava os seguintes valores e características:
- um papel contendo produto vegetal prensado, cannabis resina, com o peso líquido de 0,896 gramas;
- onze embalagens de plástico contendo heroína com o peso líquido de 2,594 gramas;
uma embalagem de plástico contendo paracetamol e cafeína com o peso líquido de 3,770 gramas.

1.37.– No dia 20 de novembro de 2017, pelas 3h15, a arguida
MNM., tinha no interior da sua residência, sita na Rua…, em T...V..., um pacote contendo heroína com o peso bruto de 0,36 gramas e ainda um telemóvel Sony Ericsson, com o IMEI … que usava para contactar o S..
1.38.– Submetida a exame a embalagem de heroína apreendida a M., concluiu-se que continha heroína com o peso líquido de 0,297 gramas.

1.39.– No dia 19 de novembro de 2017, pelas 20h45, o arguido S., tinha na sua residência sita em – A..., pertencendo-lhe, o seguinte:
- 700€;
- dois telemóveis;
- 20,24 gramas de heroína;
- uma balança de precisão.

1.40.– Submetido a exame o produto estupefaciente apreendido a S., concluiu-se que se tratava de heroína com o peso líquido de 19,649 gramas.
1.41.–O estupefaciente apreendido ao arguido S., na sua residência (cerca de 20 gramas de heroína), daria para cerca de duzentas doses individuais, segundo a Tabela da Portaria 94/96 do D.L. n.° 15/93, de 22-01.
1.42.– O arguido S.,  não exerce qualquer atividade profissional, não efetuando quaisquer descontos para a Segurança Social desde dezembro de 2016.
1.43.–A quantia monetária de €700,00 (setecentos euros) apreendida ao arguido S., encontrava-se junto do estupefaciente e resultou de vendas realizadas anteriormente.
1.44.– Os objetos apreendidos supra descritos, foram utilizados para a preparação e embalamento de estupefacientes, nomeadamente a balança, pois apresentava resíduos de estupefacientes.
1.45.– O amoníaco é utilizado para cozer a cocaína.
1.46.– O arguido S., desenvolvia a sua atividade já em grande escala, atenta a quantidade de droga apreendida tanto a ele, como a droga que o mesmo acabara de vender a A., tendo em vista obter elevada compensação económica.
1.47.– O arguido S., cometeu os factos descritos sozinho, querendo e conseguindo agir do modo descrito.
1.48.– O arguido E., cometeu os factos descritos sozinho, querendo e conseguindo agir do modo descrito.
1.49.– O arguido P., cometeu os factos descritos sozinho, querendo e conseguindo agir do modo descrito.
1.50.– A arguida M., cometeu os factos descritos sozinha, querendo e conseguindo agir do modo descrito.
1.51.– O arguido P., não trabalha, não efetuando descontos para a Segurança Social desde novembro de 2009.
1.52.– Sabiam os arguidos S., E., P., M., e A., que é proibido comprar, transportar, guardar, deter a qualquer título, consumir, embalar e vender os referidos produtos e, não obstante tal conhecimento, quiseram e conseguiram os arguidos agir, como agiram, do modo descrito.
1.53.– O dinheiro apreendido aos arguidos S., e E., foi obtido no âmbito da sua atividade de venda de produto estupefaciente, tendo recebido o mesmo, como contrapartida das entregas de tais produtos, que faziam a terceiros.
1.54.– Os arguidos S., e E., destinavam as ditas substâncias a serem vendidas aos que os procurassem para comprar- lha.
1.55.– Os arguidos M., P., e A., destinavam as substâncias que adquiriam ao S., ao seu consumo indivídual.
1.56.– Era através desta atividade que os arguidos S., e E., obtinham lucros.
1.57.– Agiram todos os arguidos de modo livre, deliberada e conscientemente bem sabendo que sua conduta era proibida e punida pela Lei Penal.

Provou-se ainda:
(Dos Relatórios Sociais dos arguidos)
1.58.– S., natural de C...V..., – Ilha de S..., S...C..., é o mais velho de uma fratria de quatro filhos, tendo vindo para Portugal com vinte e um anos de idade, residir com os progenitores que já se encontravam neste país.

O progenitor, ferreiro de profissão até ter sido baleado no bairro onde vivia, passando posteriormente a explorar um café, veio a falecer em 2012.

A progenitora trabalhava como empregada de limpeza no Metro de Lisboa. Presentemente encontra-se reformada.

A nível escolar, S., entrou para o ensino com a idade regulamentada, em C...V..., contudo o desinvestimento e a ausência de estimulação por parte dos familiares redundou em várias reprovações tendo culminado no abandono escolar aos quinze anos de idade, tendo concluído o 6.° ano de escolaridade.
Profissionalmente, em C...V..., iniciou-se a trabalhar na agricultura. Posteriormente, já em Portugal, trabalhou, de forma irregular, como servente da construção civil, a trabalhar com o progenitor no café que o mesmo explorava, em mudanças e entre 2015 e 2016 esteve a trabalhar para a empresa da PT num armazém até ficar desempregado em dezembro de 2016.

Em 2001, passou a viver com atual companheira, cabo-v..., empregada doméstica, de quem tem dois filhos de 16 e 13 anos de idade. O arguido tem mais uma filha, atualmente com 15 anos de idade, fruto de uma relação extra conjugal.

Este não é o primeiro contacto com o aparelho de justiça penal, uma vez que esteve em cumprimento de pena entre 2007 e 2011.

À data dos factos, S., estava a residir com a companheira e os dois filhos do casal na morada constante dos autos, numa casa arrendada.

O arguido refere que à data dos factos em termos laborais encontrava-se desempregado desde dezembro de 2016. A companheira desde esse período que mantinha o agregado financeiramente ficando o arguido com a responsabilidade de cuidar da casa e dos filhos, segundo a mesma.

Ao nível das características pessoais, S., evidencia uma postura adequada e colaborante, com um temperamento calmo, revelando-se sociável e com boa capacidade de integração e adaptação. S., deu entrada neste Estabelecimento Prisional em 2011-2017 à ordem do presente processo, não tendo processos pendentes.

O arguido tem conhecimento do conteúdo da acusação proferida nos autos percecionando os factos inscritos como crime.

Em meio prisional, S., revela uma atitude adequada não registando medidas disciplinares.

Em termos laborais, o arguido encontra-se a trabalhar como faxina da cozinha desde 14-12-2017 sendo pontual e assíduo.

S., tem suporte e apoio da família nuclear e de origem que constam no sistema de registo informático do estabelecimento prisional, pelo que, a nível familiar não houve um impacto negativo desta situação.

1.59.– E., de 43 anos, nasceu em São T...P..., onde viveu até aos seis anos de idade integrado no agregado da progenitora, com três irmãos uterinos. Os progenitores separaram-se quando ainda era bebé e o pai emigrou para Portugal. A mãe, entretanto, também foi para Angola e nessa altura E., veio para Portugal, integrando o agregado do progenitor, que incluía a madrasta e quatro irmãos consanguíneos mais novos. Viveram em vários locais na região de Lisboa e, a partir dos 13 anos do arguido, passaram a viver no Bº. C...M..., – A..., em casa de autoconstrução familiar.

O progenitor trabalhava na Câmara Municipal de Lisboa, como motorista, na recolha de resíduos urbanos, a madrasta não trabalhava por problemas de saúde.

O percurso escolar decorreu sem problemas nem retenções até aos 15 anos de idade, altura em que concluiu o 9.° ano de escolaridade. Esta trajetória foi negativamente interrompida, quando aos 16 anos sofreu um grave acidente, uma queda de um comboio em andamento, na sequência do qual teve de ser amputado dos membros inferiores.

Passou cerca de um ano hospitalizado e devido às sequelas, também psicológicas, só conseguiu retomar as atividades quotidianas, embora com limitações significativas - desloca-se com o auxílio de próteses e canadianas, com elevada dificuldade de locomoção - com cerca de 20 anos de idade. Estas vivências foram profundamente traumáticas para E., que verbaliza ter sido descriminado pelo pai e madrasta em relação aos outros irmãos e deficientemente apoiado nesta situação. Contudo, ultrapassada essa fase, parece ter desenvolvido capacidade de resiliência e de autonomia, pelo que voltou à escola em regime noturno e concluiu o 12.° ano através de unidades capitalizáveis. Tentou arranjar trabalho, mas como não podia permanecer muito tempo de pé, encontrou muitas dificuldades. Aos 25 anos de idade concluiu com bom aproveitamento um curso de Formação de Mediadores promovido pela ACMJ. Posteriormente começou a trabalhar como mediador social numa escola da A..., onde permaneceu dois anos. Terminado o segundo contrato de um ano, não houve segunda renovação e teve de sair, o que lhe provocou bastante desagrado, uma vez que foi uma experiência muito positiva e com resultados concretos junto dos jovens, segundo refere.

Seguidamente começou a trabalhar em telemarketing na empresa "Intertravel", onde permaneceu seis anos em regime de recibos verdes, até 2008 e de onde saiu na sequência de irregularidades da empresa.

Aos 34 anos, através de um projeto de microcrédito, abriu um café-restaurante na A..., mas o negócio não correu bem e fechou passado um ano. Desde então não conseguiu voltar a arranjar trabalho compatível com as suas limitações.

No plano familiar E., registou um único relacionamento, durante 10 anos, entre 2003 e 2013, com uma companheira brasileira, com quem teve duas filhas (atualmente com 12 e 8 anos de idade). Em 2013 a companheira decidiu regressar ao Brasil com as menores, por dificuldades de emprego em Portugal.

Desde então a situação de E., tornou-se muito precária, tendo ficado apenas com o rendimento do aluguer de um dos pisos de casa.

Em 2015 requereu a pensão de invalidez, que lhe foi recusada, apesar de ser portador de 84% de incapacidade.

À data dos factos em apreço no presente processo, em maio de 2017, a situação de E., caraterizava-se por elevada precariedade e bastantes dificuldades económicas. Tinha gastado todos os seus recursos numa viagem ao Brasil a fim de visitar as filhas e, eventualmente trazer a mais velha para Portugal, de acordo com o desejo da mesma, tendo permanecido naquele país entre março e abril de 2017. Não tinha nenhum piso da casa arrendada, não recebia qualquer rendimento ou prestação social, nem apoio familiar. Foi neste contexto que se envolveu nos factos em causa.

Entretanto, em finais de 2017, passou a beneficiar da Prestação Social para a Inclusão (que veio substituir a Pensão de Invalidez), no valor de 269€ mensais e voltou a arrendar parte da casa em janeiro de 2018, recebendo 300€/mês, apresentando-se a situação atualmente mais ajustada.

E., tem contado com o apoio da ACMJ, que foi determinante na obtenção da prestação social. Também estão a ajudá-lo num processo de realojamento no IHRU, porque E., deseja sair da C... M..., por causa das problemáticas criminais associadas.

Para além disso, têm sido um importante suporte para E., na procura ativa de emprego como mediador social.

E., distanciou-se do agregado do progenitor, relativamente ao qual verbaliza sentimentos de abandono. Mantém contactos telefónicos regulares com a mãe, que apenas reencontrou em 2004, numa viagem ao seu país de origem, constituindo a mesma a sua única referência familiar e afetiva, para além das filhas. No entanto, apesar de social e familiarmente isolado, é um indivíduo com facilidade nos relacionamentos interpessoais e que detém uma imagem positiva na comunidade.

Trata-se de um indivíduo que, apesar de ter uma rede social ligada ao seu contexto residencial, que inclui indivíduos com práticas criminais, tem desenvolvido ações concretas no sentido de manter um modo de vida ajustado. Demonstra hábitos de trabalho e sentido de responsabilidade, não obstante as condicionantes decorrentes da sua incapacidade física.

E., já tem nacionalidade portuguesa há alguns anos e, anteriormente, manteve-se sempre em situação de permanência regular em território nacional.

Ao nível da saúde, para além do problema anteriormente referido, há a assinalar o consumo regular de haxixe, que E., desvaloriza.

1.60.– P., é um dos três filhos de um casal de baixa condição social. Os pais separam-se na primeira infância do arguido, sem que este tenha conhecido o pai, entretanto falecido. Foi criado pela mãe e avó materna, conjuntamente com dois irmãos mais velhos. A infância e adolescência, segundo o arguido, decorreram num quadro de limitações materiais, a que se associou a exposição a consumos abusivos de álcool da progenitora.

A frequência escolar foi pouco investida, tendo registado retenções por absentismo. Abandonou-a aos 14 anos de idade, com apenas a antiga 4.a classe, passando a trabalhar como assalariado agrícola e, posteriormente, como operário no sector da construção civil.

Iniciara, entretanto, o consumo de haxixe, com evolução para uma situação de dependência de heroína a partir dos 25 anos. Durante a execução de pena de prisão efetiva no EPR de Caldas da Rainha a partir de 2007 (Proc n.° 349/03.0PATVD) retomou a frequência escolar, tendo completado o segundo ciclo do ensino básico.

Após a libertação condicional, iniciou tratamento da problemática aditiva, nos serviços do C.– T...V..., mantendo abstinência de consumo de substâncias. Em 2010 decidiu emigrar para a Suíça, onde permaneceu cerca de seis anos.

Após retorno a Portugal, retomou a atividade operária na construção civil e iniciou a relação marital, subsistente à data dos factos pelos quais está acusado. Durante o período de emigração recaíra no consumo de heroína, o qual tem mantido até ao presente, conjuntamente com a companheira.

P., mantém a relação marital com a coarguida M., partilhando ambos uma problemática aditiva. Esta relação, segundo o casal, tem decorrido sem manifestação de incidentes ou dificuldades relacionais.

Tem exercido atividade assalariada como pintor de construção civil por conta da empresa P., Lda, que alterna com períodos de inatividade. O empregador atribui-lhe dificuldade em manter rotinas laborais estáveis, devido a absentismo frequente, motivo pelo qual ainda não formalizou vínculo contratual com o arguido. No contexto de trabalho tem manifestado capacidade de ajustamento comportamental, sem envolvimento em situações de conflitualidade interpessoal.

A sua situação económica tem estado condicionada pelo absentismo laboral e consequente variabilidade dos rendimentos laborais, auferindo 40 euros à hora. A companheira está inativa profissionalmente, devido a sintomatologia depressiva, não tendo o casal uma economia partilhada. A estrutura de despesas mensais relatada pelo arguido inclui consumos de energia e gás (40 euros) e com a manutenção pessoal. Refere não ter encargos com a habitação onde reside, propriedade familiar.

P., refere manter o consumo de substâncias estupefacientes, nomeadamente de heroína. Até à data, e ao contrário da companheira, não recorreu a apoio médico para avaliação e tratamento dessa problemática aditiva, revelando pouca motivação para tal.

Sem uma ocupação específica do tempo livre, os relacionamentos sociais do arguido são superficiais e têm incluído elementos conotados com o consumo e transação de substâncias estupefacientes. Com exceção da companheira, refere desconhecer os restantes coarguidos.

No meio sócio-residencial, apresenta uma imagem estigmatizada, associada à problemática aditiva e a condutas anti-sociais.

P., verbaliza preocupação com a atual situação jurídico- processual e com as consequências penais que dela venham a decorrer.

O arguido adota uma postura de negação de conduta delituosa imputada, revelando fraca assertividade crítica ao abordar a conduta criminal típica em causa, nomeadamente no que se refere ao seu desvalor e danosidade social.

Não mencionou consequências negativas do envolvimento no presente processo-crime a nível familiar, dada a manutenção da relação marital, não tendo afetado a situação laboral nem tendo suscitado reações adversas no meio sócio-residencial do arguido, até à data.

1.61.– O processo de desenvolvimento e de socialização de M., decorreu num agregado familiar numeroso, marcado pela vivência do período da independência de Moçambique, encontrando-.
se a mãe grávida da arguida quando o núcleo familiar foi obrigado, pelas circunstâncias políticas, a regressar repentinamente a Portugal, não tendo conseguido salvar os bens da família. A arguida é o 4.° elemento de uma fratria de quatro elementos, sendo o único filho nascido em Portugal.

Iniciou a escolaridade em idade normal, tendo concluído apenas o 8.° ano de escolaridade. As dificuldades socio-familiares, associadas às fracas expectativas e interesse da própria na aquisição de competências escolares, levaram-na a abandonar os estudos após retenção no 9.° ano, quanto tinha cerca de 17 anos de idade.

Iniciou o seu percurso laboral com 18 anos de idade na área da restauração, tendo desenvolvido um percurso profissional, em atividades de caráter indiferenciado, conseguindo durante alguns períodos manter alguma estabilidade laboral. Todavia, e apesar de revelar hábitos de trabalho, o seu percurso revela também significativa instabilidade na manutenção das colocações laborais, situações sempre coincidentes com o agravamento do seu problema aditivo, cujo abuso de drogas, iniciado com 17 anos de idade, o que interfere na sua capacidade para manter os empregos.

M., estabeleceu a relação afetiva com o coarguido, também consumidor de estupefacientes, quando tinha cerca de 18/19 anos, mantendo, desde então, com o mesmo uma relação de namoro, com períodos de vivência comum, em que partilham habitação e problemática aditiva, não obstante a arguida assumir que nunca se autonomizou definitivamente do agregado familiar, mantendo uma relação afetiva próxima com os pais, os quais sempre se constituíram com o seu principal suporte, situação que se desmoronou com o falecimento do progenitor, há aproximadamente 3 anos, e agravamento do estado de saúde da progenitora, desde então.

Recorre pela primeira vez, e por iniciativa própria, ao tratamento da adição em 2002, no CRI do Oeste, Equipa de tratamento de T... V..., conseguindo vivenciar vários períodos da sua vida em que consegue manter-se abstinente e outros períodos marcados pela recaída e agravamento do consumo de estupefacientes. Apesar deste contexto vivencial em que se tem pautado a sua história de vida, refere que este é o seu primeiro processo-crime.

M.,  afirma viver no agregado de origem, constituído pela própria, mãe, com 77 anos de idade e vários problemas de saúde, reformada, irmão MM., com 47 anos, servente de pedreiro, também com percurso aditivo, e irmã L., com 49 anos de idade, empregada de limpeza, com problemas de saúde do foro psiquiátrico.

Todavia, mantém igualmente uma relação afetiva de proximidade com o coarguido, em virtude de este residir na mesma localidade, pernoitando com frequência na casa daquele, e vive versa, embora mantenham economia doméstica separada.

Apesar da longa relação afetiva com o coarguido, este relacionamento afigura-se-nos marcado pela disfuncionalidade relacional, marcada pelo problema de dependência de estupefacientes de ambos, não obstante existir interajuda entre os mesmos, evidenciando M.,  dependência afetiva relativamente ao coarguido PM..

O atual quadro socioeconómico da arguida foi caracterizado pela própria como equilibrado, em virtude de todos os elementos do agregado disporem de rendimento, adquirindo os proveitos suficientes para fazer face às despesas básicas. A arguida encontra-se a trabalhar na empresa "Inter-coelhos", onde aufere o ordenado mínimo nacional, não obstante há cerca de aproximadamente 6 meses encontrar-se em situação de baixa médica.

Saliente-se que a arguida encontra-se a viver um período da sua vida pessoal especialmente difícil, tendo ocorrido várias situações na sua vida perturbadoras da sua estabilidade psico-emocional, destacando-se o falecimento do progenitor, o qual seria um elemento familiar orientador importante para a arguida, e o agravamento recente da situação de saúde da figura materna, nomeadamente do foro cardíaco e cegueira originada pela diabetes, necessitando de cuidados e apoio por parte da arguida e restantes elementos do agregado.

Por outro lado, o estado de saúde da arguida afigura-se-nos fragilizado, padecendo de depressão e anorexia, para além de dependência de estupefacientes, afigurando-se-nos muito fragilizada e desorganizada. Presentemente, a arguida identifica o consumo de drogas como o principal problema na sua vida, tendo recorrido recentemente, por iniciativa própria, novamente ao apoio do CRI do Oeste, Equipa de Tratamento, tendo no passado dia 17 de setembro iniciado a toma diária de metadona.

M.,  é identificada no meio residencial pelos hábitos de consumo de estupefacientes, aspeto que se reflete no modo como organiza e conduz a sua vida.

1.62.– O processo de desenvolvimento de A., decorreu no agregado familiar de origem - pais e cinco irmãos -, num quadro socioeconómico deficitário, e cultural, enraizado nos valores da etnia cigana.

A família mantém residência em C...R... num bairro social onde predominam problemáticas sociais de relevo. Os progenitores, com ocupações laborais pouco estáveis relacionadas com a venda ambulante, ter-lhe-ão proporcionado estabilidade do ponto de vista afetivo.

A., frequentou o sistema de ensino e refere ter completado o 6.° ano de escolaridade em Caldas da Rainha.

No plano ocupacional, não menciona a frequência de atividades sociais estruturadas e organizadas e em termos laborais relata experiências circunscritas à venda ambulante no apoio aos progenitores e posteriormente de forma independente, salientando-se neste domínio um trajeto marcado pela descontinuidade e irregularidade laboral, indiciador de incipientes competências e hábitos de trabalho.

No início da idade adulta encetou um processo de dependência de drogas pesadas, inserido em contextos de sociabilidade pouco estruturantes do seu meio de residência, com elevado prejuízo da sua capacidade de adaptação e inserção nos diferentes contextos de pertença e de ajustamento comportamental.

A situação de toxicodependência tem-se vindo a perpetuar ainda com alguns períodos de maior estabilização pessoal coincidentes com a sua adesão a processos de tratamento e acompanhamento psicoterapêutico no Cri Oeste - C... R... designadamente em 2012, 2014 e 2016, que nunca deu continuidade, desistindo no decurso dos tratamentos.

No plano afetivo o arguido manteve um relacionamento no início da idade adulta que perdurou durante 4 anos e do qual resultou o nascimento de dois filhos, uma filha de 22 anos de idade e um filho que faleceu há cerca de 3 anos quando contava 19 anos de idade. Tem outra filha de 15 meses fruto do relacionamento afetivo que mantém com a atual companheira, mas com a qual não partilha habitação, ainda que diariamente se desloque e permaneça na sua companhia na habitação onde a mesma reside com mais dois filhos fruto de outro relacionamento.

No período temporal a que se referem os factos pelos quais se encontra indiciado no presente processo A., integrava o agregado de origem, composto pelos progenitores, ambos septuagenários e reformados, residentes numa habitação arrendada inserida num bairro social de C... R..., associado a problemáticas sociais e desviantes.

A sua subsistência dependia do apoio dos progenitores e de proventos incertos angariados através das atividades de venda ambulante e de comércio de ferro velho exercidas de forma irregular, sendo a situação económica da família muito contida.

Mantinha, tal como na atualidade, a relação afetiva com a mãe da sua filha de 15 meses de idade também residente em C... R..., inativa e beneficiária do RSI.

Apresentava um quotidiano focalizado no convívio com familiares diretos e com a companheira, sem atividade laboral regular, e sobretudo junto de pares de influência desestruturante do meio de residência com comportamentos associados ao consumo de estupefacientes, vivenciando também uma condição de toxicodependência.

Atualmente, mantém as condições de inserção familiar assim como a situação de inatividade, persistindo um quotidiano assente na convivência com a companheira e filha menor e com os familiares diretos.

Depende economicamente dos pais, que se disponibilizam a apoiar o arguido de forma incondicional, aferindo-se vínculos e laços familiares de coesão. Preconiza uma condição de estabilidade face aos tóxicos, alcançada sem recurso a apoio médico ou terapêutico com esforço do próprio após confrontar-se com o presente processo, o que se afigura a carecer de consistência considerando o trajeto e antecedentes registados neste domínio.

Não pondera futuros projetos de inserção laboral para além da possibilidade de rentabilizar as ofertas sazonais na agricultura e fruticultura, assim como não valoriza a sua sujeição a mecanismos externos de apoio médico e terapêutico, preventores de recaídas aditivas.

No âmbito pessoal, o arguido apresenta genericamente competências para identificar, em abstrato, condutas normativas, contudo tende a adotar uma atitude consonante com a desejabilidade social, assumindo uma postura de desculpabilização e de atribuição causal externa quando solicitado a refletir nos seus comportamentos.

Ao nível comunitário, o arguido é detentor de uma imagem pouco abonatória no meio vicinal mais restrito, associada ao consumo de álcool e ligação a contextos de sociabilidade desestruturantes.
(Dos certificados do registo criminal)

1.63.– O certificado do registo criminal do arguido S., averba as seguintes condenações:
– no Processo Abreviado n.° 124/04.5PEAMD, por sentença proferida em 20-10-2004 (transitada em 04-11-2004), pela prática, em 24-012004, de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena de 100 dias de multa;
– no Processo Comum (singular) n.° 209/02.2PALSB, por sentença proferida em 14-04-2005 (transitada em 02-05-2005), pela prática, em 25-06-2002, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, numa pena única de 15 meses de prisão, suspensa por três anos;
– no Processo Comum (Coletivo) n.° 591/07.5PDAMD, por acórdão proferido em 06-05-2008 (transitado em 25-05-2009), pela prática, em 01-09-2007, de quatro crimes de roubo, numa pena única de 5 anos e 6 meses de prisão;
– no Processo Sumário n.° 532/13.0PEAMD, por sentença proferida em 01-07-2013 (transitada em 16-09-2013), pela prática, em 30-06-2013, de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena de 150 dias de multa, substituída por trabalho a favor da comunidade.

1.64.– O certificado do registo criminal do arguido P., averba as seguintes condenações:
– no Processo Comum (Coletivo) n.° 349/03.0PATVD, por acórdão proferido pelo STJ em 20-12-2006 (transitado em 10-01-2007), pela prática, em 23-06-2003, de um crime de tráfico de estupefacientes, numa pena de 3 anos de prisão;
– no Processo JLM F 13 9096 do Ministère public du Canton de Fribourg, Suíça, em penas de 80 horas e 48 horas de trabalho.

1.65.– O certificado do registo criminal do arguido A., averba as seguintes condenações:
– no Processo Comum (Coletivo) n.° 278/92, por acórdão proferido em 1992, pela prática, em 17-11-1991, de um crime de tráfico de estupefacientes, numa pena de 8 anos de prisão, à qual veio a ser perdoado um ano (L. 15/94, de 11-05);
– no Processo Comum (Coletivo) n.° 123/98.4PDSNT, por acórdão proferido em 27-01-1999, pela prática, em 16-07-1998, de um crime de tráfico de estupefacientes, numa pena de 6 anos de prisão;
– no Processo Sumário n.° 14/05.4PTCLD, por sentença proferida em 04-03-2005 (transitada em 29-03-2005), pela prática, em 24-02-2005, de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena de 60 dias de multa, à taxa diária de €3,00;
– no Processo Sumário n.° 185/05.0GTLRA, por sentença proferida em 16-06-2005 (transitada em 01-07-2005), pela prática, em 22-052005, de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena de 120 dias de multa, à taxa diária de €5,00;
– no Processo Sumário n.° 36/06.8PTCLD, por sentença proferida em 17-10-2006 (transitada em 02-11-2006), pela prática, em 10-10-2006, de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena de 7 meses de prisão, suspensa por um ano;
– no Processo Comum (singular) n.° 177/08.7GCACB, por sentença proferida em 31-03-2009 (transitada em 11-05-2009), pela prática, em 06-05-2008, de um crime de aproveitamento de obra contrafeita, numa pena de 355 dias de multa, à taxa diária de €6,00;
– no Processo Comum (singular) n.° 113/10.0JALRA, por sentença proferida em 31-01-2013 (transitada em 25-11-2013), pela prática, em 12-10-2010, de um crime de detenção de arma proibida, numa pena de 200 dias de multa, à taxa diária de €5,00.

1.66.– O certificado do registo criminal do arguido E., não averba quaisquer condenações.
1.67.– O certificado do registo criminal da arguida M.,  não averba quaisquer condenações.

2.– Factos NÃO PROVADOS:
2.1.Contava o arguido S., com a colaboração de E., na distribuição de estupefaciente.
2.2.- No dia 30 de maio de 2017, pelas 16h00 horas, o arguido E., encontrava-se a vender estupefaciente a várias pessoas. (mas apenas o provado em 1.8)
2.3.- O arguido E., tinha nessa ocasião, na sua posse, duas notas de 20 euros e duas notas de cinco euros.
2.4.- Após o regresso de S., de C...V... o que ocorreu no final do mês de Junho de 2017, o S., passou a vender estupefaciente sozinho.
2.5.- P., regressava à zona da sua residência, em T...V..., local onde fazia algumas vendas de estupefaciente. (mas apenas o provado em 1.29).
2.6.- Para o efeito e no desenvolvimento da sua atividade, para vender estupefaciente, o arguido P., usava o n° de telefone 9......1.  (mas apenas o provado em 1.30).
2.7.- Também a M., depois procedia à venda do mesmo em T...V..., recebendo contactos dos consumidores e combinar os encontros, durante os quais procedia à entrega do estupefaciente em troca de dinheiro, o que ocorreu também no dia 24 de setembro de 2017. (mas apenas o provado em 1.31).
2.8.- O arguido S., cometeu os factos descritos em conjugação de esforços com o E..
2.9.- O arguido E., cometeu os factos descritos em conjugação de esforços com o S..
2.10.- O arguido P., cometeu os factos descritos em conjugação de esforços com M..
2.11.- A arguida M.,  cometeu os factos descritos em conjugação de esforços com P..
2.12.- Os co-arguidos usavam diversos produtos para adulterar o estupefaciente que vendiam.
2.13.- Os arguidos M., PD., e A., destinavam as ditas substâncias ou parte delas a serem vendidas aos que os procurassem para comprar-lhas.
2.14.- Era através desta atividade que os arguidos M., P., e A., obtinham lucros.

3.– Motivação da decisão de facto.

A convicção do Tribunal sobre a factualidade provada e não provada radicou na análise crítica e ponderada da prova produzida em julgamento, designadamente:
- As declarações prestadas na audiência de julgamento pelos arguidos S., E., P., e A. ;
- As declarações prestadas pelos arguidos S., E., P., M.,  e A., em primeiro interrogatório judicial (insertas nos autos, respetivamente, em CD na contra-capa do II volume e fls. 729, 734, 740 e 1067-1068), tendo todos os arguido sido expressamente advertidos de que tais declarações poderiam ser tidas em consideração em julgamento, ainda que viessem a optar pelo direito ao silêncio em audiência de julgamento (pelo qual optou a arguida M.),
- O depoimento das testemunhas inquiridas em audiência de julgamento, sendo,
De acusação:
- (…)
De defesa:
- (…). .

- Os seguintes elementos de prova pericial:
- Auto de exame ao estupefaciente apreendido a E., constante de fls. 497-498, e complementado a fls. 1148v.°-1149;
- Auto de exame ao estupefaciente apreendido a RS., constante de fls. 547;
- Auto de exame ao estupefaciente apreendido a M., constante de fls. 923;
Auto de exame ao estupefaciente apreendido a P., constante de fls. 1007, e complementado a fls. 1139-1140;
Auto de exame ao estupefaciente apreendido a A., constante de fls. 1011, e complementado a fls. 1059;
- Auto de exame ao estupefaciente apreendido a S., constante de fls. 1029;
Auto de exame ao estupefaciente apreendido a P., em Al..., constante de fls. 1046.

- Os seguintes elementos de prova documental:
-  Auto de notícia por detenção de S., constante de fls. 615 e 616;
 Auto de busca e apreensão (S.), constante de fls. 622 a 624;
-  Auto de busca e apreensão (S.), constante de fls. 625 e 626;
Auto de exame e avaliação, constante de fls. 627;
Reportagem fotográfica, constante de fls. 628 a 635;
- Auto de notícia por detenção de P., constante de fls. 656 e 657 (dia da busca à residência);
Auto de notícia por detenção de P., constante de fls. 935 e 936 (operação inopinada da GNR na A2 - área de serviço de Al..., sentido Norte-Sul);
- Auto de busca e apreensão (P.,) constante de fls. 661-663;
Auto de notícia por detenção de MAM., constante de fls. 671-672;
- Auto de busca e apreensão (M.,) constante de fls. 676-678;
-  NUIPC 112/17.1SULB, constante de fls. 468-471;
- Auto de apreensão (estupefaciente na posse de RS.,) constante de fls. 474-475;
- Auto de notícia por detenção de A., constante de fls. 601-602;
- Auto de apreensão (a A.,) constante de fls. 603-604;
- Auto de notícia por detenção de E., constante de fls. 422 a 426;
Auto de busca e apreensão (a E.,) constante de fls. 429 e 430;
- Auto de apreensão, constante de fls. 431-431v.°;
Auto de exame e avaliação, constante de fls. 432;
NUIPC incorporados Reg. 8/2017, da 2.a EIC, levantado a AR., NUIPC 109/17.1SULSB, NUIPC 112/17.1SULSB,

Anexos transcrições de escutas telefónicas, Apensos 3, 5 e 6 A;
- Apenso de Vigilâncias A. e B.;
- Pesquisa de registos da segurança social, constante de fls. 693 e 694;

3.1.– Certidão do NUIPC 109/17.1SULSB, constante de fls. 1076 a 1096, da qual resulta que JR., no dia 05-10-2017, comprou, pelo valor de 40 euros, cinco embalagens de plástico contendo heroína com o peso líquido de 1,256 gramas e uma embalagem de plástico contendo cocaína com o peso líquido de 0,098 gramas, como atesta a sentença transitada em julgado em 29-11-2017.
Relatórios sociais dos arguidos para determinação da sanção, elaborados pela DGRSP e constantes de fls. 1175-1177, 1184-1186, 1224- 1225v.°, 1231v.°-1233 e 1234v.°-1235v.°, que permitiram assentar os factos descritos de 1.58 a 1.62.
Certificados do registo criminal dos arguidos, constantes de fls. 1195 e de fls. 1196, para dar como provada a ausência de antecedentes criminais dos arguidos E., e M., ; e os certificados de fls. 1197- 1201v.°, de fls. 1202-1203v.° e de fls. 1204-1207, para dar como provadas as condenações sofridas, respetivamente, pelos arguidos A., P., e S., como descrito de 1.63 a 1.65.

Os factos imputados aos arguidos S., e E., resultaram provados, em grande parte, através das declarações dos próprios, que, na essencialidade, os confessaram.

Com efeito, em síntese.

O arguido S., declarou, desde logo, que os factos constantes na acusação são verdadeiros, apenas refutando que o arguido E., proprietário da casa onde viveu, colaborasse consigo na distribuição do produto estupefaciente. Nesse particular, negou ter-lhe entregado o negócio (de venda de estupefaciente) quando foi para C...V... em 26-06-2017, explicando que foi o E., quem lhe pediu para lhe deixar o seu telemóvel, o que ele fez, como favor, desconhecendo para que objetivo ele o queria, admitindo, porém, que só usava esse telefone para ser contactado para fornecer produto estupefaciente e que era provável que o E., soubesse disso. Disse, ainda, que quando regressou, em 2207-2017, o E., (que já não era seu senhorio pois o declarante já havia mudado de casa antes de ter isso para C...V...) devolveu-lhe o seu telemóvel, desconhecendo se o E., chegou a vender produto estupefaciente a clientes seus (do próprio S.,) mas se o fez foi com produto dele, E., nada tendo a ver com o negócio do declarante, que vendia antes sozinho e continuou a fazê-lo. Admitiu ter vendido o produto que foi apreendido ao arguido A., pela quantia de €500, quantia esta que fazia parte dos €700 que lhe foram apreendidos, sendo que os restantes €200 poderiam ter outra origem ou ser também produto da venda de estupefaciente. Disse ainda que já tinha vendido anteriormente heroína e cocaína ao arguido A., consumidor destes produtos, umas três vezes, durante os três ou quatro meses que antecederam a detenção. Esclareceu ainda o arguido S., os valores pelos quais comprava e depois revendia a heroína e a cocaína, explicando que ia comprando à medida que era contactado pelos consumidores, confirmando que as expressões constantes nas conversações e mensagens telefónicas transcritas nos autos se referem a transações de droga, designadamente "quiza" ou "branca" significa cocaína e "pequenotes" significa pacotinhos de heroína ou cocaína. Confirmou que vendia tais produtos aos arguidos P., e M., que eram consumidores, negando ter combinado com o P., que ele venderia droga aos seus clientes enquanto estivesse ausente, acrescentando que chegou a comprar ao mesmo vinho e aguardente. Admitiu ainda o arguido que errou e deve pagar por isso, pois, não sendo consumidor, tem consciência de que esse comportamento faz mal às pessoas, acrescentando que estava desempregado, a sua mulher ganhava cerca de trezentos e tal euros, nas limpezas e tinha dois filhos com problemas de saúde.

O arguido E., admitiu que lhe pertencia tudo o que lhe foi apreendido, explicando que resolveu vender estupefacientes a partir de maio de 2017 para angariar dinheiro que lhe permitisse trazer para Portugal a sua filha mais velha, com 12 de idade, que vive no Brasil com a respetiva mãe. Disse ter arrendado a parte de baixo (que corresponde ao 1.° andar) da casa da Rua A... (de 1.° e 2.° andar, propriedade do seu pai) ao arguido S., durante algum tempo e que, após ele ter deixado a casa, em abril ou maio de 2017, ficou com a disponibilidade de toda a casa. Disse que pediu €1.500 emprestados a alguém e que essa pessoa não lhe emprestou dinheiro mas deu-lhe cocaína e heroína até em valor superior para ele vender e depois lhe pagar quando pudesse. Esclareceu, por lhe ter sido perguntado, que o S., após ter saído da sua casa não deixou lá qualquer produto estupefaciente e que não foi através deste que o declarante adquiriu a droga que tinha na sua posse. Admitiu ter efetuado as vendas que constam na acusação, afirmando, porém, que no dia em que foi detido (30-05-2017) ainda não tinha chegado a vender, pois ia ter com um toxicodependente para que o mesmo lhe dissesse como haveria de dividir a heroína, explicando que, anteriormente, no dia 23-05, tinha comprado a heroína já dividida, para revender, o que fez, com lucro, e acrescentando que os polícias fizeram constar no auto que tinha na sua posse duas notas de €20 e duas notas de €5, mas isso não é verdade, só tinha consigo, no momento em que foi abordado pela polícia a embalagem de cocaína e os dois pacotes de heroína que lhe foram apreendidos. Quanto ao que foi apreendido na sua casa, admitiu que a balança se destinava a pesar os produtos estupefacientes para efetuar a respetiva divisão em doses, bem como admitiu ter comprado o amoníaco para cozer a cocaína, afirmando que o dinheiro era proveniente do rendimento de inserção e do pagamento auferido com a renda da casa [refira-se, desde já, que não é crível que a origem do dinheiro fosse essa porquanto o arguido S., já havia deixado de ser arrendatário da casa e o declarante não tinha voltado a arrendá-la a outra pessoa]. Quanto ao telefone que o arguido S.,  lhe deixou foi para C...V..., o arguido E., deu diversas explicações, começando por referir que sabia que ele vendi estupefaciente e que o objectivo era dizer que o S.,  não estava para que o negócio se mantivesse até ele voltar, esclarecendo que chegou a efectuar qualquer venda, tendo apenas atendido uma chamada que acabou por desligar sem ter percebido o que o interlocutor dizia. Confrontado com a conversa telefónica a que corresponde a sessão 2474 do Apenso 3, o arguido afirma que atendeu o telefone do S., dizendo que ele não estava, não conseguindo recordar o teor de tal conversa ocorrida no dia 28-06-2017. Ainda a propósito da entrega do telefone do S., disse que ele confiava em si e que, antes de ele ter ido para C...V..., combinaram que o declarante iria vender cocaína e heroína, mas que a responsabilidade de arranjar esses produtos era sua e que o facto de o S., lhe deixar o telemóvel, não era com o objetivo de continuar o negócio do S., mas simplesmente para o ajudar, deixando-lhe o telemóvel. Negou, assim, ter alguma vez vendido droga para o S.,  ou ele para si, ou sequer ter colaborado com ele. Confrontado ainda com SMS de D. de 22-05-2017 (Apenso 2), admitiu que lhe entregou o que este pediu na mensagem [o que é mais do que consta na acusação] e confirmou que "4 meias de quiza" correspondia a dois gramas de cocaína, no total (4 x 0,25g), o que custava €80, e que "2 quaquas" significava duas quartas de heroína, que custavam €10 cada.

O arguido P., referiu ser consumidor de heroína e cocaína há mais de dez anos, tendo feito um tratamento em 2007 ou 2008 no Cat de T...V..., mas tendo recaído. Esclareceu que se deslocava, sozinho ou com a M., (sua companheira, embora vivam em casas separadas), à C...M.. para adquirir droga para o seu consumo, comprando a várias pessoas, entre elas, ao arguido S., pagando-lhe €10 por cada quarta de heroína e €15 por cada quarta de cocaína. Referiu consumir uma quarta de heroína por dia e mais raramente cocaína e também haxixe. Confirmou o n.° telefone que consta na acusação como sendo o seu, bem como o n.° da M., explicando que contactava o S.,  quando precisava de ir comprar, mas também o contactava para lhe levar vinho e aguardente. Recordou a sua detenção quando estava a ir para o Algarve, onde se encontrava a trabalhar, com o seu patrão, como pintor da construção civil, explicando que a embalagem de heroína era para o seu consumo, tal como as duas saquetas de metadona, para quando não tinha heroína. Confrontado com as sessões 8553 e 8554 do Apenso 5, confirmou que, em novembro de 2017, ainda comprava ao S., a quem tratava por "P.", identificando-se, por sua vez, como "T.".

O arguido A., confirmou ter comprado uma vez ou duas, heroína e cocaína ao arguido S., sendo que uma delas pagou €500 pelo produto, que se destinava só ao seu consumo, explicando que cerca de uma quarta (ou mais) de heroína por dia e cocaína mais raramente., e que comprou tal quantidade para não vir tão frequentemente a Lisboa., sendo que a heroína dar-lhe-ia para vinte e tal dias e a cocaína para cinco a sete dias. Recordou que nesse dia em que comprou, no momento em que foi detido estava dentro do seu carro (Opel Corsa) a consumir cocaína. Negou vender qualquer desses produtos, afirmando que é vendedor ambulante, de artigos de vestuário, ganhando com essa atividade cerca de €300 euro por mês, sendo ajudado pela sua mãe quando precisa, acrescentando que vive em casa dos seus pais, nas C... R....

Também os depoimentos das testemunhas inquiridas corroboraram os factos que vieram a dar-se como provados, designadamente o agente da PSP HB.  e o auto de vigilância de fls. 4 (Apenso A) permitiu perceber que no dia 25-05-2017, a testemunha AR. (que não viu a pessoa a quem o seu amigo B. comprou, por €40 a cocaína para si), havia adquirido a embalagem de cocaína ao arguido S.,  e não ao arguido E.,.

A testemunha DS. apenas interveio nas buscas domiciliárias aos arguidos S.,  e M., e a testemunha DP. na busca à residência do arguido P., que foi buscar o produto estupefaciente em cima de um móvel e o entregou.

A testemunha PG. fez vigilâncias aos arguidos S., E., P., e M., e procedeu às escutas e respetivas transcrições, recordando ter visualizado os dois primeiros arguidos a contactarem um com o outro, desconhecendo que o primeiro viveu na casa do segundo. Viu também os dois últimos arguidos contactarem com o S., em atitudes que se assemelhavam a compra de produto. Cruzando com as escutas, um indivíduo de nome JD., tinha vários contactos com o arguido E., (vigilâncias fls. 6-8 do Apenso A), tendo visto, no dia 28-06-2017, o JD., esperar no seu carro que o arguido E., fosse a casa e voltasse, esclarecendo que nesse dia não o intercetaram, o que já tinha acontecido em 23-05-2017. Disse ainda o depoente que, dos referidos arguidos, o único que trabalhava era o P.,.

A testemunha RS. confirmou a compra do produto estupefaciente e o valor, não recordando a quem, no dia 13-10-2017 (rel. vigilância de fls. 25).

A testemunha U. foi relevante para perceber que, no dia 30-05-2017, o arguido E., se preparava para vender produto estupefaciente (tinha consigo uma embalagem de cocaína e dois pacotes de heroína) a um indivíduo que identificaram de nome A, com aspeto de típico toxicodependente, muito magro, feições "desgastadas", que estava de frente para o arguido e tinha dinheiro na mão. Então, decidiram avançar detendo o arguido E., que tinha consigo o produto que apreenderam, indo posteriormente fazer busca a casa do mesmo (cfr. auto de detenção de fls. 422-426, em que, por lapso, se menciona as duas notas de €20 e as duas notas de €10 do comprador AF. como estando na posse do arguido E.,).

A testemunha JC. começou por admitir que foi consumidor de drogas e que comprava na rua principal da C...M... a quem quer que estivesse a vender, não se recordando de ter comprado ao arguido E., ou a alguém que que locomovesse com a ajuda de canadianas, mesmo confrontado com a fotografia do mesmo (fls. 3 do Ap. de vigilâncias) que, ao tempo, tinha rastas. Após ter sido confrontado com as declarações que prestou no inquérito, a fls. 73-74 dos autos, em que admitia que comparava há cerca de um ano a um indivíduo de nome E., conhecido por "R.", telefonando ao mesmo previamente para combinar a entrega, o depoente acabou por dizer que, se na altura disse isso, é porque é verdade, sendo que, hoje, já não recorda.

A testemunha A., confirmou que, antes de ter sido abordado pela polícia se preparava para comprar heroína e cocaína a quem estivesse a vender, não necessariamente ao arguido E., (como os polícias queriam que ele dissesse, pois nunca lhe tinha comprado antes), mas podia ser a ele. Acrescentou que tinha consigo €65.

A testemunha MFS., mãe do arguido A., afirmou que o seu filho consome heroína há muitos anos e que chegou a ajudá-lo com dinheiro, mesmo sabendo que era para o mal dele, com medo que ele fosse roubar. Disse ainda que ele vive consigo, mas tem uma companheira (que recebe o rendimento mínimo) e uma menina com 17 meses, trabalhando como feirante, tal como a depoente, mas que ganha pouco, cerca de €100 por cada feira semanal.

Sabe que o seu filho já fez tratamento para o seu problema com as drogas mas voltou a recair.

As interceções telefónicas são um meio de obtenção de prova, pelo que, em relação aos arguidos P., M.,  e A., inexistindo outro elemento probatório no sentido de que os mesmos destinavam parte do produto que adquiriam a revender, designadamente prova testemunhal, vigilâncias, seguimentos, as conversações ocorridas especialmente entre o arguido P., e outros indivíduos, não se mostram suficientes para o Tribunal considerar provado que efetivamente o faziam. Provou-se, sim, que eram consumidores. Aliás, mesmo em relação à quantidade de heroína e cocaína que o arguido A  adquiriu ao arguido S., pela quantia de €500, a própria testemunha HB. agente da PSP, recordou com pormenor que o mesmo, quando foi por si abordado, se preparava para consumir com uma prata e parecia estar a ressacar. Ora, residindo o arguido A.,  a alguma distância do local onde adquiria, não se mostra inusitado que adquirisse quantidades maiores em virtude dessa circunstância.

Nesta conformidade, o Tribunal Coletivo ficou com uma dúvida razoável acerca de tais factos e apresentando-se tal dúvida razoável como insanável, não nos restou senão valorá-la em favor dos arguidos, aplicando este Tribunal o princípio in dubio pro reo relativamente a tais factos.

A este propósito, entre muitos outros, citamos o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 03-06-20151:
"I-Se a decisão factual do tribunal recorrido se baseia numa livre convicção objectivada numa fundamentação compreensível e naquela optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção - obtida com o benefício da imediação e da oralidade - apenas pode ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum.
II-Quando a prova pessoal produzida aponta em dois sentidos ou direcções completamente distintas, o tribunal deve recorrer às regras de experiência e apreciar a prova de forma objectiva e motivada, expondo de forma clara e segura as razões que fundamentam a sua opção, justificando os motivos que levaram a dar credibilidade à versão dos factos constante da acusação e a não dar credibilidade à versão dos factos apresentada pelo arguido, permitindo aos sujeitos processuais e ao tribunal de recurso proceder ao exame do processo lógico ou racional que subjaz à convicção do julgador.
V-O princípio in dubio pro reo encerra uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa, pelo que a sua violação exige que o juiz tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido".
Com efeito, é este o sentido do princípio da presunção de inocência consagrado no artigo 32.°, n.° 2 da Constituição da República Portuguesa, fazendo atuar o já referido princípio in dubio pro reo, que aqui tem plena aplicação, dando, em consequência, como não provados os factos imputados aos arguidos na matéria que se apresentou dúbia.

Assim, o Tribunal considerou não provado que os arguidos P., M., e A., vendessem produto estupefaciente.

4.– Enquadramento jurídico-penal dos factos.

Assente a matéria que resultou provada impõe-se o seu enquadramento jurídico-penal, por forma a aferir se os arguidos cometeram o crime de tráfico de estupefacientes, pelo qual se encontram acusados.

Prescreve o artigo 21.°, n.° 1 do D.L. 15/93, de 22-01, que "Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.°, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos".

Este tipo legal protege a saúde pública como bem jurídico.

A heroína e a cocaína constam das tabelas I-A e I-B anexas ao citado D.L. 15/93.

Atenta a factualidade, considerando as circunstâncias em que o arguido S., praticou os factos, designadamente a duração e dimensão da atividade, o modo que já denota alguma organização da sua atuação, e bem assim atentas as quantidades e natureza de produto estupefaciente que detinha, bem como a que vendeu ao arguido A., a reiteração das vendas que efetuava aos arguidos P., e M., não restam quaisquer dúvidas de que o seu comportamento se subsume à previsão do citado artigo 21.° do D.L. 15/93, de 22-01.

Com efeito, atenta a matéria que resultou provada, entende este Tribunal sem necessidade de maiores considerações, que se encontra preenchido o tipo do ilícito previsto no citado artigo 21.°, quer na sua vertente objetiva, quer na sua vertente subjetiva, na atuação do arguido S., em autoria material e não em co-autoria, já que não se provou qualquer conjugação de esforços ou acordo prévio, aliás, em relação a nenhum dos arguidos.

Fazendo o enquadramento jurídico dos factos que resultaram provados relativamente ao arguido E., entendemos que, atentas todas as circunstâncias, teremos que levar em consideração o artigo 25.° do diploma supra citado, que determina que "Se, nos casos dos artigos 21.° e 22.°, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de:
a) prisão de 1 a 5 anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas Tabelas I a III, V e VI".

Com efeito, no caso que nos ocupa, considerando as circunstâncias em que o mesmo praticou os factos, sobretudo atendendo à sua participação muito circunscrita a uma transação efetuada (23-05-2017), uma transação iminente (3005-2017) e às quantidades que detinha na sua casa, somos levados a considerar que estamos perante o chamado "pequeno tráfico", que terá de distinguir-se do traficante que já opera com alguma persistência ou estabilidade, o que não parece ser o caso deste arguido.

Nesta conformidade, atentas todas as circunstâncias, o Tribunal entendeu que esse comportamento se subsume à previsão da alínea a) do artigo 25.° do D.L. 15/93, de 22-01, encontrando-se preenchido quer o tipo objetivo, quer o tipo subjetivo, do citado ilícito, concluindo-se pela responsabilização jurídico-penal do arguido E., no que se refere à prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade.

Atenta a factualidade dada como provada, importa ainda atender ao disposto no artigo 40.° do mencionado diploma, que estabelece:
"1- Quem consumir ou, para o seu consumo, cultivar, adquirir ou detiver plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 30 dias".
2- Se a quantidade de plantas, substâncias ou preparações cultivada, detida ou adquirida pelo agente exceder a necessária para o consumo médio individual durante o período de três dias, a pena é de prisão até 1 ano ou de multa até 120 dias.

Relativamente a esta questão jurídica (casos em que a detenção de estupefaciente se possa subsumir à expressa revogação do referido artigo 40.° do D.L. 15/93), muito debatida na doutrina e jurisprudência, levantaram-se as seguintes hipóteses:
a)- A interpretação restritiva da norma revogatória (art.° 28.° da Lei 30/2000), considerando-se mantido em vigor o referido 40.°, designadamente o seu n.° 2;
b)- A incriminação da conduta como tráfico de droga, designadamente através do tipo legal contido no artigo 25.° do D.L. 15/93;
c)-  A existência de um vazio sancionatório conducente à não punibilidade da conduta (tese defendida por Rui Pereira, em "A descriminação do consumo de droga, pg. 1176, Coimbra Editora, 2003);
d)A interpretação extensiva do art.° 2.°, n.° 1 da Lei 30/2000, no sentido de considerar despenalizada (passando a mera contra-ordenação) toda a detenção para consumo próprio, independentemente da quantidade da substância detida, ultrapassando a delimitação material contida no n.° 2 da mesma norma;
e)- A qualificação da conduta como contra-ordenação ou como crime (caso de detenção de quantidade superior a dez doses diárias) dependerá sempre da intenção do agente de destinar, ou não, a droga ao seu consumo (tese defendida por Faria Costa, em RLJ n.° 134.°, pg. 278 e subscrita nos acórdãos do S.T.J., de 28-09-2005 (Cons. Henriques Gaspar) e de 20-122006 (Cons. Sousa Fonte).

Esta última tese apresentou-se como aquela que melhor interpreta os normativos legais em apreço, conseguindo ultrapassar, sem atropelo de maior, aquilo que é óbvio, e que é o facto de o legislador, quando revogou o artigo 40.° do D.L. 15/93, se ter esquecido da questão suscitada pelo n.° 2 do artigo 2.° da Lei 30/2000.

Na verdade, se, por um lado, é inaceitável a violação do princípio do Direito Penal nullum crimen sine lege, de igual forma, não se aceita uma ficção incriminadora resultante de uma interpretação restritiva de uma norma revogatória.

Tais dificuldades surgidas com a aplicação deste novo regime - com decisões não coincidentes e constatação de vazios de punição - deram origem a querela prolongada nos Tribunais, culminando no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.° 8/2008, que uniformiza jurisprudência nos seguintes termos:
«Não obstante a derrogação operada pelo art. 28.0 da Lei 30/2000, de 29 de Novembro, o artigo 40.°, n.° 2, do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, manteve-se em vigor não só “quanto ao cultivo" como relativamente à aquisição ou detenção, para consumo próprio, de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV, em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias».

Da factualidade considerada como provada, decorre que a substância estupefaciente detida pelos arguidos P., M.,  e A., se destinava ao seu consumo e não à venda ou cedência a terceiros.

Não há, por isso, tráfico.

E não havendo tráfico, não pode sequer afirmar-se que ele ocorreu numa modalidade menos grave, o que impede a integração de tal conduta na previsão do citado artigo 25.°, alínea a), pois não pode ocorrer condenação por actividade de tráfico de drogas menos grave quando a factualidade provada não evidência o tráfico de drogas.

Todavia, semelhante conclusão não conduz à absolvição dos mencionados arguidos.

Com efeito, a detenção de droga para consumo próprio constitui crime ou contraordenação se, respetivamente, ocorrer relativamente a quantidade superior ou não superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 (dez) dias.

A determinação do consumo médio individual de quem detém droga para consumo próprio revela-se, pois, fundamental para determinar o tipo de ilícito cometido.

Fazendo apelo à factualidade, verificamos que os factos dados como provados revelam, efetivamente, o preenchimento dos requisitos objetivos e subjetivos da punibilidade do crime de consumo de estupefacientes previsto no já citado artigo 40.°, quanto aos arguidos P., M.,  e A.,.

Não emergindo da factualidade provada qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, já que os arguidos não agiram no exercício de um direito ou no cumprimento de um dever, e muito menos coagidos por uma situação apta a desculpar as suas condutas, terão os mesmos de ser condenados pela prática dos crimes supra referidos.

5.– Escolha e determinação da medida da pena
A primeira questão a resolver perante a alternativa proposta pelo preceito punitivo do crime de consumo (já que a norma que pune o crime de tráfico o não admite) é a da escolha da pena, regendo aqui os critérios do artigo 70.° do C.P.

Em resumo, só poderá optar-se pela pena de prisão por um de dois fundamentos: razões de prevenção especial de socialização, estritamente ligadas à prevenção da reincidência lato sensu; e/ou na base de que aquela opção é imposta por exigências irremediáveis de tutela do ordenamento jurídico.

No caso em análise, e ponderando os factos na sua globalidade, afigura-se- nos que existem fortes exigências de prevenção geral (mais relacionadas com a afirmação de validade das normas jurídicas violadas, isto é, com o conteúdo de ilicitude do crime e a gravidade objetiva deste) que impedem a opção pela pena não detentiva.

Com efeito, não podemos deixar de considerar contínuo aumento deste tipo de crime na sociedade em que vivemos.

Assim, no caso em apreço, ponderando todas as circunstâncias, entende-se que a opção pela pena de multa não é suficiente para realizar, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, a saber, proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (artigo 40.°, do C.P.).

A determinação concreta da pena faz-se atendendo aos critérios globais vertidos no artigo 71.°, n.° 1 do C. Penal. Deste preceito claramente se extrai que a determinação da medida da pena será feita em função das categorias da culpa e da prevenção, sendo nomeadamente as circunstâncias gerais enunciadas no n.° 2 daquele artigo, relevantes quer para a culpa quer para a prevenção.

Resta saber como se combinam estas duas categorias no processo de fixação da sanção penal.

Nesta operação, o Tribunal atende, em primeira linha, à culpa do agente, que constitui o fundamento e limite superior e inultrapassável da pena a aplicar, sob pena de, ultrapassando-o, se afrontar a dignidade humana do delinquente. Semelhante limitação resulta do princípio da culpa, que impregna o Código Penal, segundo o qual não há pena sem culpa, nem a medida da pena pode ultrapassar a medida da culpa.

Por seu turno, o limite mínimo da moldura concreta há-de ser dado pela necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto.

Assim, esse limite inferior decorrerá de considerações ligadas às exigências de prevenção geral, não como prevenção negativa ou de intimidação, mas antes como prevenção positiva ou de integração, já que a aplicação de uma pena visa a protecção de bens jurídicos com um significado prospectivo, que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção da validade e vigência da norma infringida.

Estão em causa a integração e o reforço da consciência jurídica comunitária e o seu sentimento de segurança face à ocorrida violação da norma.

Finalmente, o Tribunal deve fixar a pena concreta a aplicar de acordo com as exigências de prevenção especial, quer na vertente da socialização, quer na de advertência individual de segurança ou inocuização do delinquente (Ver Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, pgs. 227 e seguintes).

Aplicando agora as regras sumariamente expostas ao caso que nos ocupa, salienta-se que:
- No que à ilicitude respeita, mostra-se esta moderada, atento o modo de atuação dos arguidos; levam-se, ainda, em conta as quantidades de heroína e cocaína apreendidas.
A culpa dos arguidos é intensa, pois molda-se no dolo direto que presidiu à sua atuação;
- As exigências de prevenção geral são muitíssimo elevadas, pois é o comportamento de pessoas como os arguidos que muito contribui para a expansão e intensificação do tráfico de droga, que continua a ser um flagelo e fonte de inúmeras e profundas desgraças no seio de muitas famílias;
- No que se refere às exigências de prevenção especial, leva-se em conta a ausência de antecedentes criminais quanto aos arguidos primários, bem como os antecedentes criminais dos arguidos, notando-se porém, que pesa a favor do arguido S.,  a admissão dos factos descritos na acusação, que se mostrou muito relevante para a descoberta da verdade.

Tudo ponderado, entende o Tribunal como justas e equilibradas as seguintes penas:
Arguido S., 5 anos de prisão;
Arguido E., 2 anos e 6 meses de prisão;
Arguido P., 10 meses de prisão;
Arguida M., 6 meses de prisão;
Arguido A., 10 meses de prisão.

Estabelece o artigo 43.°, a regra da substituição das penas curtas de prisão.

A pena de prisão aplicada em medida não superior a 1 ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, exceto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes.

Regem aqui unicamente razões de prevenção, sobretudo de cariz especial, não se atendendo já à culpa, uma vez que a ela já se atendeu no momento da determinação da medida concreta da pena de prisão, não podendo agora juízos de culpa justificar a não aplicação de uma pena de substituição.

Ora, tomando em conta o que acaba de expor-se, afigura-se-nos que a execução da pena de prisão que ora foi aplicada aos arguidos P., M., e A.,  é necessária para prevenir o cometimento de futuros crimes, pois, considerando a matéria que logrou provar-se relativamente às suas condições pessoais, existem elementos no que se refere à sua dependência de produtos estupefacientes que fundadamente o fazem supor.

Nestes termos, não se substituem por multa as referidas penas de prisão em que os arguidos vão condenados.

Da suspensão de execução da pena.

Estabelece o artigo 50.°, n.° 1 do Código Penal que "o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos, se atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição".

Por outro lado, diz-nos o artigo 40.° do Código Penal que a aplicação das penas visa a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

Ora, no caso, os antecedentes criminais do arguido S., não permitem concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Com efeito, verificamos que o arguido S.,  foi condenado em vários processos e por crimes diversos, passando por crimes de condução sem habilitação legal praticados em 2004 e 2013 (penas de multa, a última substituída por trabalho), um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade praticado em 2002 (pena suspensa de 15 meses de prisão) e quatro crimes de roubo praticados em 2007 (pena de 5 anos e 6 meses de prisão).

Como já referimos em sede de determinação da medida da pena, a aplicação desta, visa a proteção de bens jurídicos com um significado prospetivo, que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção da validade e vigência da norma infringida no caso concreto.

Pelo exposto, este Tribunal entende que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição no que se refere a este arguido, cuja prognose se nos afigura desfavorável. Impõe-se, pois, a aplicação de pena de prisão efetiva.

Já no que se refere aos restantes arguidos, entendemos que a proteção dos bens jurídicos em causa se pode satisfazer com a suspensão da execução das respetivas penas.

Relativamente aos arguidos E., e M., os mesmos não têm quaisquer antecedentes criminais, tendo o primeiro assumido a essencialidade dos factos, que preenchem a tipicidade de um crime de tráfico de menor gravidade, e a segunda, indo condenada por um crime de consumo de estupefacientes, entende o Tribunal suspender a execução das suas penas, quanto ao arguido E., suspensão pelo período de dois anos e meio, sem sujeição a condições, quanto à arguida M., suspensão pelo período de um ano, e ainda acompanhada de regime de prova, com sujeição a tratamento à sua dependência aditiva, nos termos previstos nos artigos 50.°, n.°s 1 e 5 e 53.°, n.° 3, ambos do Código Penal.

Quanto aos arguidos P., e A., não obstante os seus antecedentes criminais, indo condenados nas penas de dez meses de prisão por um crime de consumo de estupefacientes, por isso de natureza diversas dos já cometidos anteriormente, entende o Tribunal que, quanto aos mesmos, a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Assim, os períodos da suspensão das penas dos arguidos P., e A., têm duração de um ano, sem sujeição a condições no caso do primeiro e sendo ainda tal suspensão, no caso do arguido A., acompanhada de regime de prova, com sujeição a tratamento à sua dependência aditiva, nos termos previstos nos artigos 50.°, n.°s 1 e 5 e 53.°, n.° 3, ambos do Código Penal.

Dos objetos apreendidos.

Tendo resultado provado que, para além dos produtos estupefacientes apreendidos a todos os arguidos, os objetos e quantias monetárias apreendidos aos arguidos S., e E., serviram para a prática do crime em causa, ou foram resultado deste, encontram-se preenchidos os pressupostos referidos no artigo 109.°, n.° 1 do Código Penal, pelo que se impõe declarar perdidos a favor do Estado todos os objetos que foram apreendidos aos arguidos S., e E.,.”
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9.– Cumpre, agora, apreciar as questões suscitadas nos recursos interpostos pelos arguidos:

No recurso apresentado pela arguida M. :

A arguida M., não impugnando a factualidade que, quanto a si, foi considerada provada, vem sustentar que a mesma não é idónea ao preenchimento dos elementos típicos do crime de consumo, p. e p. pelo art. 40º nº 1 e 2 do DL nº 15/93, de 22.1, com referência às Tabelas I-A e I-B anexas, pelo qual foi condenada.

Invoca, para tanto, que a quantidade de 0,297 gramas de heroína que detinha era para seu consumo e que o Tribunal a quo não fixou qual a quantidade necessária para o consumo diário médio individual de heroína para um consumidor, como a arguida e, oscilando o consumo médio individual de heroína entre 0,5 e 1,5 gramas, por dia, a quantidade que lhe foi apreendida daria, quanto muito, para um dia, pelo que não se podia concluir, como se concluiu, pela prática do crime de consumo, tendo sido violado o preceituado nos arts. 2º nº 2 da Lei nº 30/2002, de 29.11 e 40º do DL 15/93, de 22.1.

Apreciando:

Considerando a factualidade dada como provada, nomeadamente nos pontos 1.37 e 1.38, importa saber se a quantidade de droga possuída pela recorrente determina diverso enquadramento legal, relativamente aquele por que foi condenada na decisão recorrida.

A subsunção aos tipos penais, designadamente o tipo contido no 40º, nº 2 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro e o tipo contra-ordenacional previsto no artigo 2º da Lei 30/2000, de 29-11, é feita nos termos estritos da Portaria nº 94/96, de 26 de Março, designadamente do seu artigo 9.º [e Mapa Anexo], que dispõe: “Os limites quantitativos máximos para cada dose média individual diária das plantas, substâncias ou preparações constantes das tabelas I a IV anexas ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, de consumo mais frequente, são os referidos no mapa anexo à presente portaria, da qual faz parte integrante”.

Nos termos do artigo 40.º, nº 2 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro “se a quantidade de plantas, substâncias ou preparações cultivada, detida ou adquirida pelo agente exceder a necessária para o consumo médio individual durante o período de 3 dias, a pena é de prisão até 1 ano ou de multa até 120 dias”.

Por seu turno, o artigo 2º da Lei n. 30/2000, de 29 de Novembro, determina que o consumo, a aquisição e a detenção para consumo próprio de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas referidas no artigo anterior constituem contra-ordenação, desde que a aquisição e a detenção para consumo de estupefacientes não excedam a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias.

O Ac. do STJ de Uniformização de Jurisprudência n.º 8/2008, de 25-06-2008, in DR IA Série, de 05-08-2008 estabeleceu que:

“Não obstante a derrogação operada pelo art. 28.º da Lei 30/2000, de 29 de Novembro, o artigo 40.º, n.º 2, do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, manteve-se em vigor não só quanto ao cultivo como relativamente a aquisição ou detenção, para consumo próprio, de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV, em quantidade superior a necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias”.

Importa, pois, apurar o que seja “consumo médio individual diário”.

Contrariamente ao sustentado pela recorrente, não consideramos que o valor médio de consumo diário deva ser aferido, em concreto, para cada consumidor – neste sentido, entre outros, cf. o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 03/11/2015, relatado por João Gomes de Sousa, disponível in www.dgsi.pt, onde se sumaria que a qualificação jurídica nos tipos de ilícitos relativos a estupefacientes não se centra no número de doses fixado pelo LPC: “2 – Esta qualificação é uma definição que depende de dois factores, no que diz respeito ao estupefaciente: a natureza do produto e a quantidade definida como limite quantitativo máximo constante das colunas do Mapa anexo à Portaria nº 94/96. 3 – A definição de quantitativo diário é sempre feita por referência ao caso concreto por ser necessário saber da natureza do produto e da quantidade detida, o que inviabiliza a sua fixação em abstracto.”

Ora, reportando-nos ao caso em apreço, a quantidade de heroína que a recorrente detinha na sua posse - 0,297 gramas de peso líquido -, obsta ao preenchimento do crime previsto nos nºs 1 e 2 do artº 40º do D.L. nº 15/93, de 22/01, porquanto não atinge a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 (dez) dias, definido pelo artº 2º, nº 2 da Lei 30/2000, de 29/11, exigido para o efeito, e que corresponde a 1(um) grama, de acordo com o artº 9º da Portaria nº 94/96, de 26 de Março e respectivo Mapa anexo.

Nestes termos, não sendo os factos dados como assentes sob os pontos 1.37 e 1.38, relativos à ora Recorrente M., suficientes para o preenchimento dos elementos típicos do crime de consumo pelo qual foi condenada, importa concluir pela procedência do recurso e, em consequência, pela sua absolvição, devendo ser ordenada, pelo tribunal recorrido, a extracção de certidão para efeitos de instauração de procedimento contra-ordenacional, com a respectiva remessa para a Comissão para a Dissuasão da Toxicodependência competente.
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No recurso apresentado pelo arguido P.:
- Do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada:
Vem o recorrente P., invocar que o acórdão enferma do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art. 410º nº 2 al. a) do CPP, considerando que a falta de indicação do grau de pureza da cannabis, da heroína e a quantidade de metadona apreendidas é um facto essencial à subsunção jurídica, na definição do consumo médio individual.

Apreciando:

É sabido que a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do C.P.P., no que se convencionou chamar de “revista alargada”, ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.º 3, 4 e 6, do mesmo diploma.

No primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do n.º 2 do referido artigo 410.º, cuja indagação, como resulta do preceito, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo, por isso, admissível o recurso a elementos àquela estranhos.

No segundo caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.º 3 e 4 do art. 412.º do C.P. Penal.

Temos, pois, que o art. 410º nº 2 do CPP admite o alargamento dos fundamentos do recurso às hipóteses previstas nas suas três alíneas, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum.

Como é consabido, o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que alude a al. a) do nº 2 do art. 410º do CPP, verifica-se quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação (e da medida desta) ou de absolvição – cf. Ac do STJ de 06.04.2000, in BMJ nº 496, p.169.

Este vício, na esteira do entendimento exposto no Ac. da Relação do Porto de 26.05.1993, proc. 9350062, sumário disponível in www.dgsi.pt, tributário do princípio do acusatório, tem de ser aferido em função do objecto do processo, traçado naturalmente pela acusação ou pronúncia, pelo que só quando os factos recolhidos pela investigação do tribunal se ficam aquém do necessário para concluir pela procedência ou improcedência da acusação se concretizará tal vício. 
 
A insuficiência a que se refere a alínea a) do nº 2 do art. 410º do CPP é, no fundo, a que decorre da omissão de pronúncia, pelo Tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão.

Este vício não tem a ver com a insuficiência da prova, mas com a falta de averiguação de factos necessários à decisão.

Daí que a alínea a) do nº 2 do art. 410º do CPP se refira à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito, e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova (art. 127º do CPP), que é insindicável em reexame da matéria de direito – neste sentido, vide Leal Henriques e Simas Santos, in Código de Processo Penal Anotado, t. II, p. 737, Ed. Rei dos Livros 2004.

No caso, o exame pericial junto a fls. 1007 foi complementado pelo exame pericial junto a fls. 1139 e 1140, de cuja análise resulta que o LPC apurou, não só o princípio activo presente na cannabis e na heroína apreendidas, como os respectivos pesos líquidos de 0,896 e 2,594 gramas e percentagem de grau de pureza, termos em não é correcto afirmar que existem factos relevantes que o tribunal tenha deixado de apreciar.

Nestes termos, resta-nos concluir que os factos provados, mais concretamente nos pontos 1.27 a 1.36., 1.49., 1.51., 1.52., 1.55. e 1.57. da fundamentação de facto, são suficientes para sustentar a decisão de direito, relativamente ao arguido P., na medida em que preenchem os elementos típicos objectivo e subjectivo do crime de consumo, pelo qual veio a ser condenado, não se verificando, por isso, o invocado vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artº 410º, nº 2 al. a) do Código de Processo Penal.
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Da impugnação da matéria de facto:
Vem, ainda, o recorrente P., impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto dada como provada e não provada, invocando que, face à prova produzida em audiência, existem diversos pontos de facto incorrectamente julgados e provas que impõem uma decisão diversa, desde logo, os factos elencados nos pontos 1.34. e 1.36. da matéria de facto, que, na sua perspectiva, foram incorrectamente julgados, uma vez que nos exames periciais que os suportam não foi apurado o princípio activo e o grau de pureza dos produtos que lhe foram apreendidos, nas circunstâncias descritas nos pontos 1.32 e 1.35.

Apreciando:

Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.

O recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo, quanto aos «concretos pontos de facto», que o recorrente especifique como incorrectamente julgados.

Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (v. Acs. do S.T.J., de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, de 3 de Julho de 2008, Processo 08P1312, em www. dgsi.pt).

Como realçou o S.T.J., em acórdão de 12-6-2008 (Proc. nº 07P4375, em www.dgsi.pt), “a sindicância da matéria de facto, na impugnação ampla, ainda que debruçando-se sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre quatro tipos de limitações:
- a que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do mencionado ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam;
- a que decorre da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações;
- a que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso;
- a que tem a ver com o facto de ao tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida (al. b) do n.º3 do citado artigo 412.º)” – também, neste sentido, o Ac. RL, de 10.10.2007, proc. nº 8428/2007-3, in www.dgsi.pt.

De resto, em processo penal, a regra é a da livre apreciação da prova, como decorre do estatuído no art. 127º do CPP., onde se estabelece que, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente. Tal princípio não é absoluto e entre as excepções a tal regra incluem-se o valor probatório dos documentos autênticos e autenticados, o caso julgado, a confissão integral e sem reservas no julgamento e a prova pericial – cfr. Ac. STJ, de 1-10-08, Proc. nº 08P2035, in www.dgsi.pt. (sublinhado nosso).

No caso, o que o recorrente pretende questionar é a livre convicção do tribunal e substituí-la pela sua versão dos factos.

Contudo, tendo o recorrente conhecimento do teor da prova pericial, cumpria ao mesmo impugnar os seus dados, nos termos do art. 163º do CPP, o que não fez.

Na verdade, tudo passa por examinar o conceito de “consumo médio individual” e sua densificação.

Sobre ele, seguiremos de perto o teor do douto acórdão desta Relação e Secção de 6 de Novembro de 2012, no processo nº 5929/09.8TDLSB.L1.5, de que foi relator o Mm.º Desembargador Jorge Gonçalves, citado no acórdão de 22 de Setembro de 2015, desta Relação e Secção, de que foi relator o Mmº Desembargador Luís Gominho, disponíveis in www.dgsi.pt:
“O Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, que instituiu o ainda vigente regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, estabeleceu no seu artigo 71.º n.º 1, al. c):
“Os Ministros da Justiça e da Saúde, ouvido o Conselho Superior de Medicina Legal, determinam, mediante portaria: (…) c) Os limites quantitativos máximo do princípio activo para cada dose média individual diária das substâncias ou preparações constantes das tabelas I a IV, de consumo mais frequente”.

Mais se acrescentou no seu n.º 3: “O valor probatório dos exames periciais e dos limites referidos no n.º 1 é apreciado nos termos do artigo 163.º do Código de Processo Penal”.

Da determinação da dose média individual com referência ao princípio activo do estupefaciente pode depender a prática de um ou outro crime de tráfico ou então de consumo de estupefacientes e agora de uma contra-ordenação.

A Portaria n.º 94/96, de 26 de Março, que, de acordo com o seu preâmbulo, teve o propósito de viabilizar a realização da perícia médico-legal e do exame médico referidos nos artigos 52.º e 43.º do Decreto-Lei n.º 15/93, determinou no seu artigo 9.º que “Os limites quantitativos máximos para cada dose média individual diária das plantas, substâncias ou preparações constantes das tabelas I a IV anexas ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, de consumo mais frequente, são os referidos no mapa anexo à presente portaria, da qual faz parte integrante”.

Por sua vez e de acordo com o artigo 10º, nº 1 da mesma Portaria, “Na realização do exame laboratorial referido nos nºs 1 e 2 do artigo 62º do Decreto-Lei n.º 15/93, o perito identifica e quantifica a planta, substância ou preparação examinada, bem como o respectivo princípio activo ou substância de referência”.

E esta tabela passou igualmente a servir para a determinação dos “limites quantitativos máximos para cada dose média individual diária” no que concerne à delimitação dos tipos legais dos crimes de traficante-consumidor e de consumo (26º, nº 3 e 40º, nº 2, do Decreto-Lei n.º 15/93).

Sem nos determos com maior detalhe sobre as controvérsias que se suscitaram a propósito da referida portaria e sobre a questão, não isenta de dúvidas, da quantificação das substâncias estupefacientes (veja-se, por exemplo, João Conde Correia, “Droga: exame laboratorial às substâncias apreendidas e diagnóstico da toxicodependência e das suas consequências”, Revista do CEJ, 2004, nº 1, pp.77 e segs.), certo é que parte do S.T.J. se posicionou no sentido de recusar a aplicação daquele artigo 9º da Portaria n.º 94/96, por se entender que o mencionado artigo 71º, nº 1, al. a) do Decreto-Lei nº 15/93, padecia de ilegalidade e de inconstitucionalidade orgânica (cfr. o Acórdão do S.T.J., de 26 de Março de 1996, Revista do Ministério Público nº 74 páginas 167 e ss.), sem que o Tribunal Constitucional lhe tenha dado razão quando chamado a pronunciar-se sobre a questão. Segundo o Ac. n.º 534/98, de 7 de Agosto de 1998, “os limites fixados na portaria, tendo meramente um valor de meio de prova, a apreciar nos termos da prova pericial, não constituem verdadeiramente, dentro do espírito e letra do art.º 71º do Dec-Lei n.º 15/93, uma delimitação negativa da norma penal que prevê o tipo de crime privilegiado”, mas antes a “remissão para valores indicativos”, susceptíveis de serem fundadamente afastados pelo tribunal.”

Aqui chegados, por via de regra, confrontamo-nos com duas possíveis situações:

Ou existe exame laboratorial a indicar qual é a percentagem desse princípio activo, ou não existe.

Ora, no caso, observamos que o ora recorrente foi condenado por um único crime de consumo, apesar de ter sido surpreendido, por duas vezes, na posse de substâncias estupefacientes.

Assim, e quanto ao facto 1.34., suportado pelo exame pericial junto a fls. 1046 o LPC, é inócuo que não se tenha apurado o princípio activo presente na heroína apreendida ao arguido, nas circunstâncias narradas no facto 1.32. [factos de 23.10.2017], tendo apenas se apurado o peso líquido de 0,528 gramas, já que o peso líquido desta substância não atinge a quantidade mínima de 1 (uma) grama, exigida pelas disposições legais previstas no artº 2º, nº 2 da Lei 30/2000 e no artº 9º da Portaria nº 94/96, de 26 de Março e respectivo Mapa anexo para a comissão do crime de consumo p. e p. pelos nºs 1 e 2 do artº 40º do D.L. nº 15/93, de 22/01.

Mas já no que se reporta ao facto 1.36. importa atentar que o exame pericial junto a fls. 1007 foi complementado pelo exame pericial junto a fls. 1139 e 1140, conforme já nos referimos supra a propósito do invocado vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

Com efeito, da mera análise dos exames periciais juntos aos autos, nomeadamente do exame pericial junto a fls. 1139 e 1140, relativo aos produtos estupefacientes apreendidos ao ora recorrente, no dia 20 de Novembro de 2017, no interior da sua residência (facto provado em 1.35.), realizado em complemento ao exame pericial junto a fls. 1007, resulta que o LPC apurou, não só o princípio activo presente na cannabis e na heroína apreendidas, como os respectivos pesos líquidos de 0,896 e 2,594 gramas.

Assim sendo, tendo sido apurado o grau de pureza das 2,594 gramas de heroína detidas pelo arguido, no dia 20/11/2017, falece a argumentação expendida quanto à prova dos aludidos factos e ao seu enquadramento legal.

É que o recurso aos critérios jurisprudenciais que alegadamente se baseiam nas regras da experiência comum e que têm em conta o normal grau de impureza das substanciais estupefacientes quando chegam ao consumidor final, invocados pelo recorrente, só constitui uma alternativa a uma tabela tornada inaplicável por força da incompletude dos exames laboratoriais. Isto é, só na ausência dos adequados exames laboratoriais que determinem qual a percentagem do princípio activo contido na substância apreendida é que a jurisprudência tem afastado o recurso à tabela constante da citada Portaria nº 94/96, estabelecendo e definindo, em alternativa, quantidades médias para o consumo médio individual durante um dia – cf. o citado o já citado acórdão desta Relação e Secção de 6 de Novembro de 2012, no processo nº 5929/09.8TDLSB.L1.5, disponível in www.dgsi.pt.

Mas, como vimos, não é o caso em apreço, pois os exames laboratoriais juntos aos autos identificam as substâncias em causa, o seu peso bruto e o seu peso líquido, e bem assim a concentração.
Ora, tendo os limites fixados na referida tabela um valor de meio de prova, a apreciar nos termos da prova pericial, tal significa que o juízo a fazer sobre a suficiência ou insuficiência desses limites se presume subtraído à livre apreciação do julgador, devendo este fundamenta qualquer divergência desse juízo.

Na verdade, ao invés do que refere, da análise das alegações de recurso constata-se que o ora recorrente pretende verdadeiramente é impugnar o processo de formação da convicção do Tribunal a quo que levou à fixação da matéria de facto dada como provada – os já referidos factos e, bem assim, a restante matéria de facto – e não provada. Efectivamente, o que o recorrente visa, com base em tais argumentos, é impor a sua leitura e apreciação da prova pericial que selecciona e que, como é do seu conhecimento, se encontra subtraída à livre apreciação do julgador e, desse modo, alterar a convicção do julgador e a razão de ser deste ter decidido a matéria de facto do modo como o fez. A leitura que o recorrente faz não abala a consistência e coerência da fundamentação da matéria de facto, onde o exame crítico da prova produzida revela o raciocínio lógico-dedutivo seguido e o porquê, a medida e a extensão da credibilidade que mereceram (ou não mereceram) os aludidos meios de prova, nomeadamente, a prova pericial, conforme se alcança da fundamentação da matéria de facto do acórdão.

Também no acórdão do STJ de 30-04-2008 (sendo relator o Senhor Conselheiro Raul Borges) ali se disse que:

“A Portaria 94/96, de 26 de Março, norma complementar que veio dar expressão, por força do critério do valor probatório da remissão nela contida, à norma sancionatória (em branco) – norma incompleta – do art.º 71º, nº 1, al. c), do DL 15/93, definidora dos limites quantitativos máximos admitidos nas doses individuais de estupefacientes (em função dos quais se aplicam tipos de ilícitos comuns ou privilegiados), tem natureza meramente técnica, devendo ser interpretada como um critério de prova pericial, permitindo, pois, a impugnação dos dados apresentados, nos termos do art.º 163.º do CPP – neste sentido, Ac. do Tribunal Constitucional nº 534/98, de 7 de Julho”.

O acórdão recorrido não padece, pois, de qualquer vício, mormente do invocado erro de julgamento, não se mostrando violado o preceituado no artº 412º, nº 3 do Código de Processo Penal, pois inexistem factos incorrectamente julgados, não colhendo a interpretação dada pelo ora recorrente à prova produzida, no sentido da decisão ser a de absolvição.
Assim sendo, não se mostra beliscada a matéria de facto inserta da decisão recorrida.
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- Da prática pelo arguido P., do crime de consumo, p. e p. pelo art. 40º nº 1 e 2 DL 15/93, de 22.01:
No caso, é manifesto que a quantidade de heroína que o arguido recorrente detinha na sua posse -  de 2,594 gramas de peso líquido de heroína -, preenche os elementos típicos do crime previsto nos nºs 1 e 2 do artº 40º do D.L. nº 15/93, de 22/01, porquanto excede a quantidade mínima necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 (dez) dias, definido pelo artº 2º, nº 2 da Lei 30/2000, de 29/11, exigido para o efeito, e que corresponde a 1 (um) grama, de acordo com o artº 9º da Portaria nº 94/96, de 26 de Março e respectivo Mapa anexo.

Por outro lado, contrariamente ao sustentado pelo recorrente, e, também, conforme já afirmamos na análise do recurso da arguida M., não entendemos que o valor médio de consumo diário deva ser aferido, em concreto, para cada consumidor, devendo, outrossim, ser calculado de acordo com os supra citados preceitos legais [neste sentido, cf. o supracitado acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 3 de Novembro de 2015, disponível in www.dgsi.pt:
“(…) Por seu turno, o artigo 2º, da Lei n. 30/2000, de 29 de Novembro, que define o regime jurídico aplicável ao consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, determina que o consumo, a aquisição e a detenção para consumo próprio de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas referidas no artigo anterior constituem contra-ordenação, desde que a aquisição e a detenção para consumo de estupefacientes não excedam a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias.

Essencial será, então, apurar o que seja "consumo médio individual diário" já que a inserção naqueles preceitos disso está dependente.

E a contra-posição que interessa ao caso concreto faz-se entre o crime previsto e punido pelo artigo 21º do diploma de 1993 e o tipo contra-ordenacional contido no artigo 2° da Lei n. 30/2000.

Esta é uma definição elementar porque depende de dois simples factores: a natureza do produto e a quantidade definida como “limite quantitativo máximo” constantes das colunas do Mapa anexo à Portaria.

Esses serão, então, os factos: a natureza do produto, a sua quantidade e – para a cannabis – a definição das qualidades do produto das alíneas da nota 3 do Mapa anexo. Para saber da natureza do produto haverá que, naturalmente, verificar qual ela seja pelo relatório pericial.

Para mero exemplo, tratando-se num dos casos de cocaína haverá que apurar se a mesma é cloridrato ou se é éster metílico de benzoilegcomina e fazer a correspondência com o valor indicado na terceira coluna.

No caso concreto, tratando-se de heroína e de cocaína (Cloridrato)¬ fazendo a correspondência entre as colunas do Mapa Anexo à Portaria n° n° 94/96 de 26 de Março - o limite quantitativo máximo diário (ver nota 1 do Mapa Anexo) é de 0,1 gr. para a primeira e 0,2 gr. para a segunda.

Estes valores multiplicar-se-ão, então, pelo número de dias necessários à integração jurídica num dos tipos penais supra citados. No que nos interessa impõe-se, pois, multiplicar por 10 (dez), o que dá 1 grama para a heroína e 2 gr. para a cocaína (cloridrato), no caso concreto.

Ou seja, a definição do quantitativo diário e derivados é sempre feita por referência ao caso concreto por ser necessário saber da natureza do produto e da quantidade detida, o que inviabiliza a sua fixação em abstracto e por referência a decisões judiciais, que se não podem extravasar para todos os casos concretos. (…)

Mas nos casos de detenção de heroína e cocaína, que aqui nos interessam, a simples constatação da sua natureza é independente do grau de pureza, não sendo permitido ao intérprete operar qualquer quantificação por diversos graus de pureza.

B.4 - Assim, o número de doses que a quantidade detida permitiria “fazer”, matéria que nos parece ter estado na base da qualificação jurídica operada pelo tribunal recorrido, é inócua para efeitos normativos de integração, apenas relevando para dar uma ideia da possibilidade de consumo ou difusão do produto.

Em função das quantidades detidas, não estamos perante uma contra-ordenação pois que, afirmando o artigo 2°, da Lei n. 30/2000, de 29 de Novembro, que a detenção para consumo de estupefacientes não pode exceder a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias, a quantidade de produto detida pelo arguido ultrapassa esse quantitativo.

Ou seja, nem a intenção de consumo se indicia, nem a quantidade detida permite a qualificação dos factos como crime de consumo ou contra-ordenação.

Por outro lado, nada permite operar uma qualificação jurídica distinta, designadamente por referência aos artigos 25° 26 ou 40° do Dec- Lei 15/93 pelo que apenas nos resta concluir que bem apreciados foram os indícios e operada a qualificação jurídica pela acusação, não havendo razão que impeça a ida do arguido a julgamento nesses precisos termos. (…)” – sublinhado nosso].

Por todo o exposto, resta concluir que o enquadramento jurídico efectuado pela Tribunal a quo não merece qualquer censura, improcedendo o recurso interposto pelo arguido P..
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Do recurso do arguido S. :
Pugnando pelo provimento do recurso que interpôs, conclui o recorrente S. que se deve substituir o acórdão recorrido por outro que o condene ao abrigo do disposto no artigo 25º do D.L. 15/93, de 22/01 ou, caso assim não se entenda, numa pena especialmente atenuada e, em qualquer caso, se opte pela suspensão da pena de prisão imposta.

- Do enquadramento jurídico:
Entende o recorrente que a sua conduta se enquadra no artigo 25.º alínea a) do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e não no art. 21º do mesmo diploma legal, nos termos do qual foi condenado.
Invoca, para o efeito, que é primário, que confessou os factos e esclareceu o modo de actuação e as condutas que empreendeu, que se mostra arrependido e consciente da danosidade dos seus comportamentos. Acrescenta, ainda, que a actividade decorreu num curto período de tempo – inferior a seis meses –, com comercialização de pequenas quantidades, a qualidade e quantidade dos produtos – embora heroína e cocaína –, actuou sempre sozinho, sem sofisticação, na vertente de rua e agiu numa situação de desemprego, de extrema pobreza da companheira e perante uma doença crónica dos seus dois filhos, o que diminui a censurabilidade do acto.

Cumpre conhecer:
Antes do mais, observado o acórdão recorrido, importa salientar que é com alguma ligeireza que o recorrente afirma que é “primário”, ou seja, que não tem condenações averbadas no seu certificado de registo criminal.

Para tanto basta observar o dado como provado no ponto 1.63 do acórdão recorrido:
“1.63.– O certificado do registo criminal do arguido S., averba as seguintes condenações:
– no Processo Abreviado n.° 124/04.5PEAMD, por sentença proferida em 20-10-2004 (transitada em 04-11-2004), pela prática, em 24-012004, de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena de 100 dias de multa;
– no Processo Comum (singular) n.° 209/02.2PALSB, por sentença proferida em 14-04-2005 (transitada em 02-05-2005), pela prática, em 25-06-2002, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, numa pena única de 15 meses de prisão, suspensa por três anos;
– no Processo Comum (Coletivo) n.° 591/07.5PDAMD, por acórdão proferido em 06-05-2008 (transitado em 25-05-2009), pela prática, em 01-09-2007, de quatro crimes de roubo, numa pena única de 5 anos e 6 meses de prisão;
– no Processo Sumário n.° 532/13.0PEAMD, por sentença proferida em 01-07-2013 (transitada em 16-09-2013), pela prática, em 30-06-2013, de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena de 150 dias de multa, substituída por trabalho a favor da comunidade.”

Com efeito, conforme se alcança do facto provado em 1.63, o arguido S., sofreu já 4 (quatro) condenações anteriores, uma delas por factos praticados em 25/06/2002, com decisão transitada em julgado em 02/05/2005, por crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, ou seja, da mesma natureza do aqui em causa [condenado numa pena de 15 meses de prisão suspensa por 3 anos] e outra numa pena de prisão efectiva, pela prática de quatro crimes de roubo [condenado numa pena única de 5 anos e 6 meses de prisão], termos em que, desde já, falece qualquer argumentação feita com base na alegação de que é “primário”, por tal facto não corresponder à realidade.

Vejamos, agora, o enquadramento jurídico efectuado na decisão recorrida
O arguido S., foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º nº 1 do DL nº 15/93, de 22.1, por referência à Tabela I-A e I-B anexas.

Sustenta, contudo, que a sua conduta se enquadra no artigo 25.º alínea a) do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e não no art. 21º do mesmo diploma legal, nos termos do qual foi condenado.

O artigo 25º do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, em relação ao art. 21º, é um ilícito típico de menor gravidade.

A sua integração exige que a ilicitude do facto, relativamente ao art. 21º, se mostre consideravelmente diminuída, tendo em conta, nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a quantidade ou a qualidade das plantas, substâncias ou preparações.

Resulta, assim, que a conclusão sobre o elemento típico da considerável diminuição da ilicitude do facto terá de resultar de uma valoração global deste, tendo em conta não só as que o artigo numera de forma taxativa, mas, ainda, outras que, atendíveis na referida globalidade, apontem para aquela considerável diminuição.

Observando a moldura da pena abstracta prevista no art. 25º (de 1 a 5 anos de prisão), o chamado tráfico de menor gravidade não é um tráfico de gravidade necessariamente diminuta, apenas não terá a acentuada gravidade do previsto no art. 21º e tem em vista permitir ao julgador encontrar medida justa de punição em casos em que, embora porventura de gravidade ainda significativa, ficam aquém da gravidade do ilícito justificativo da tipificação do art. 21º do DL 15/93, de 22.1 e encontram resposta adequada dentro das molduras penais previstas no art. 25º do mesmo diploma. 

Densificando o teor da lei, consideramos que assumem relevo na identificação de uma situação de menor gravidade, entre outros factores: a quantidade e a qualidade do estupefaciente comercializado, a dimensão dos lucros obtidos e sua influência no modo de vida do agente, o grau de adesão a essa actividade como modo de vida, a afectação ou não de parte dos lucros conseguidos ao financiamento do consumo pessoal de drogas, a duração e a intensidade da actividade desenvolvida, o número de consumidores contactados, a extensão geográfica da actividade do agente, a sua posição no circuito de distribuição clandestina dos estupefacientes, o modo de execução do tráfico, nomeadamente se praticado isoladamente ou antes com colaboradores dependentes e pagos pelo agente (neste sentido – Ac. do STJ de 12.03.2014 - Relator Conselheiro Maia Costa) - proc nº 189/12.6GAANS.S1, in www.dgsi.pt).

A dissemelhança entre os arts. 21º e 25º do DL 15/93 de 22.1 estabelece-se numa dimensão de danosidade social centrada no grau de ilicitude, a avaliar caso a caso, com base na consideração das condições concretamente apuradas e que devem ser globalmente valoradas, por referência à matriz subjacente à enumeração exemplificativamente contida no último desses preceitos (neste sentido decidiu, entre outros, o Ac. do TRP de 22.06.2011 - Relator Desembargadora Deolinda Dionísio - recurso penal nº 67/09.6GACHV.P1 – 4ª Secção) e não nos parece que o pequeno vendedor de rua, que faz dessa actividade “um modo de vida”, deva beneficiar de uma considerável diminuição da ilicitude (neste sentido, o Ac. do STJ de 23.11.2011 -Relator Conselheiro Santos Carvalho, proc. nº 127/09.3PEFUN.S1; e o Ac. do STJ de 19.03.2015 - Relatora Conselheira Helena Moniz – proc. nº 67/13.1PFEVR.S1 – 5ª Secção).

Em relação ao conjunto de itens de natureza objectiva do caso concreto, importa ponderar a factualidade apurada [que não foi impugnada], relativamente ao arguido S.,  :
– Pelo menos desde o início do mês de Março de 2017 e até 19/11/2017, com o interregno de um mês que esteve ausente em C...V..., procedia diariamente à venda de cocaína e heroína a diversos consumidores;
– Tais vendas eram combinadas muitas vezes através do telefone, sendo marcados os locais de entrega e combinadas as quantias de estupefaciente a entregar e o preço a pagar;
– Procedia à preparação, pesagem e divisão do estupefaciente em embalagens no interior da sua residência;
- Vendeu com regularidade aos co-arguidos e a outros indivíduos, indicando-se nos factos 1.8., 1.17. a 1.29., a frequência com que o fez ao longo do referido período de 8 meses;
– Na dita residência, para além de uma balança de precisão, dois telemóveis, foram apreendidas 19,649 gramas de heroína (peso líquido), correspondente a cerca de 200 doses, de acordo  com  a  Portaria nº 94/96, de  26  de Março e respectivo Mapa anexo, que  destinava à venda e - desenvolvia a sua actividade já em grande escala, atenta a quantidade de droga apreendida tanto a ele, como a droga que o mesmo acabara de vender a A., tendo em vista obter elevada compensação económica (cfr. factos 1.25., 1.39. e 1.46.).

Considerando a duração da conduta (cerca de 8 meses, longe de se considerar ter sido uma actividade esporádica ou rara), a qualidade das drogas (heroína e cocaína – das consideradas mais nocivas), a quantidade de produto estupefaciente apreendido ao arguido no dia da sua detenção (19,649 gramas de heroína), a quantidade que tinha acabado de vender ao co-arguido A., (20,9 gramas de heroína e 4,72 gramas de cocaína), o elevado número de vendas que efectuou aos restantes co-arguidos e a outros indivíduos, com carácter regular, o modo como era contactado (via telemóvel), o conhecimento revelado na preparação das doses, o balança digital de que dispunha para preparar/pesar as doses e a quantia apreendida proveniente das vendas, impõe-se concluir que estão preenchidos os elementos objectivo e subjectivo do crime de tráfico de estupefacientes, previsto no artº 21º, pelo qual o arguido foi acertadamente condenado.

O arguido admitiu a prática dos factos – tendo esclarecido que não era consumidor de produtos estupefacientes e que vendia a heroína a € 30,00 a grama e a cocaína a € 40,00, dependendo do grau de pureza, sendo que ao A., vendia a cocaína de € 35,00 a € 40,00 ou € 45,00 e a heroína a € 25,00 quando estava cortada –, o que significa que o produto estupefaciente que detinha era destinado exclusivamente à venda, procurando obter lucros elevados, termos em que inexiste qualquer diminuição da ilicitude, como pretende o recorrente.

Acresce que as invocadas dificuldades económicas, o desemprego e a doença crónica dos filhos não são susceptíveis de integrar o conceito de ilicitude “consideravelmente diminuída”, exigida no artº 25º do citado diploma legal, que se reporta, naturalmente, ao concreto modo de actuação.

Temos que não é possível concluir por uma diminuição “considerável” da ilicitude, tal como exige o art. 25º do DL 15/93, de 22.1, pelo que o recorrente praticou o crime de estupefacientes por que foi condenado, p. e p. pelo art. 21º do mesmo diploma legal, termos em que, nesta parte, improcederá o recurso.
***

Da atenuação especial da pena:
O recorrente defende, igualmente, que, caso se mantenha o enquadramento jurídico, o tribunal a quo não ponderou devidamente a sua confissão, que considera ter sido relevante e o seu arrependimento sincero, revelador do reconhecimento efectivo da danosidade dos factos, nos termos do disposto nos arts. 72º e 73 do CP.

Apreciando:
O art. 72º nº 1 do CP dispõe que o tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente, ou a necessidade da pena, indicando o nº 2 do mesmo preceito, a título exemplificativo, algumas daquelas circunstâncias, como:
«a)- Ter o agente actuado sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência;
b)- Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida;
c)- Ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados;
d)- Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta.»

O regime da atenuação especial da pena destina-se a responder a situações em que a ilicitude do facto e a culpa, mas, também, a necessidade da pena e as exigências de prevenção se revelem diminuídas de forma acentuada.

Temos, assim, que as situações referidas nas diversas alíneas do nº 2 do citado art. 72º do CP não têm, por si só, na sua existência objectiva, um valor atenuativo especial, tendo de ser relacionadas com um determinado efeito que terão de produzir, isto é, a diminuição acentuada da ilicitude do facto e da culpa do agente.

Vejamos, então, a situação particular do recorrente:
Os factos dados como provados não permitem, de modo algum, concluir que “diminuem de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena”, a que alude o artigo 72º n.º 1 do C.P.

Com efeito:
A confissão prestada pelo arguido recorrente, em sede de audiência de discussão e julgamento, só por si, e com a relevância que lhe foi dada para o apuramento da verdade dos factos, não pode ter a virtualidade que o mesmo lhe pretende dar, e, muito menos, a de fundamentar uma atenuação especial da pena.

Perante o acentuado grau da culpa e a necessidade da pena, imposta, também, pelos antecedentes criminais do recorrente, é manifesto que não há fundamento legal para a aplicação do instituto da atenuação especial da pena (art. 72º do CP).

Temos, assim, que as circunstâncias invocadas não são, por si só, suficientes para se reconhecer a existência de atenuação da ilicitude do facto, da culpa, ou da necessidade de pena, razão por que não há fundamento para a pretendida atenuação especial da mesma, o que não significa que não sejam atendidas ao nível da determinação concreta da pena, ao abrigo do preceituado no art. 71º do CP, como efectivamente foram e iremos ver de seguida.
***

Da medida concreta da pena de prisão aplicada:
Na determinação da medida concreta da pena a aplicar há que ter em conta a moldura penal aplicável ao crime, bem como o critério global do art.71º, nº1 do Código Penal, que impõe que se atenda à culpa do agente e às exigências de prevenção, enunciando, de forma exemplificativa, as circunstâncias vertidas no nº2 do mesmo normativo legal, relevantes quer para a culpa, quer para a prevenção.

A ponderação deste binómio culpa-prevenção impõe que, na fixação da pena, se tenha em conta que a culpa, enquanto censura dirigida ao agente em virtude da atitude desvaliosa traduzida num certo facto individualizado, estabelece o máximo da pena concreta, limitação que é consequência do princípio da culpa, subjacente a todo o Código Penal e segundo o qual não há pena sem culpa, nem a medida da pena pode ultrapassar a medida da culpa.

Além do exposto, e porque a medida da pena é dada pela necessidade de tutela dos bens jurídicos concretos, o limite inferior da medida concreta da pena decorrerá de considerações ligadas à prevenção geral, entendida esta como prevenção geral positiva ou de reintegração, contraposta à prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente. A pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor.

No caso particular do crime de tráfico de estupefacientes são acentuadas as necessidades de prevenção geral, atenta a proliferação de ilícitos criminais desta natureza e a insegurança e consequências que provocam, quer ao nível da aniquilamento físico de muitos seres, quer no contributo negativo para a prática de delitos de outra natureza (maxime contra o património).

Com efeito, sobre este tipo de crime já a Resolução do Conselho de Ministros nº 46/99, de 26 de Maio, que aprovou a estratégia nacional de luta contra a droga, fixou como um dos objectivos primordiais o reforço do combate ao tráfico, aliás, como opção estratégica fundamental para Portugal. E acrescentou que “as dramáticas consequências do tenebroso negócio do tráfico ilícito de drogas, empreendido tantas vezes por verdadeiras organizações criminosas, e que atinge não apenas a vida dos jovens, mas também a vida das famílias e a saúde e segurança da comunidade, são de tal modo chocantes que se torna um imperativo mobilizar todos os esforços para combater o tráfico com redobrada determinação…No caso de Portugal, esse combate é particularmente difícil em razão da nossa extensa costa marítima, a que se junta a eliminação de controlos fronteiriços internos no quadro do processo de integração europeia”.

Em causa está, pois, um crime de resultados múltiplos e socialmente nefastos, pelos efeitos demolidores que produz nos respectivos consumidores, pelas repercussões que tem na sociedade, quer do ponto de vista da saúde pública, quer em termos de insegurança e de alarme social que gera.

Observada a decisão recorrida, verificamos que o procedimento adoptado pelo tribunal recorrido na determinação da medida concreta da pena que aplicou ao recorrente se mostra correcto, tendo sido considerados todos os factores que se deviam ter em conta para quantificar a pena, foi feita a ponderação do grau de culpa que o arguido pode suportar e a apreciação das necessidades de prevenção geral e especial, reclamadas pelo caso, não merece reparos.

Com efeito, no caso em apreço, o Tribunal tomou em consideração, nos termos dos citados preceitos legais, todas as circunstâncias a favor e contra o arguido, tendo escolhido a pena de prisão – por ser aquela que está prevista no tipo legal – e graduado de acordo, e em síntese, com as fortes exigências de prevenção geral, o modo de actuação do arguido e circunstância de ter agido com um grau de ilicitude moderado, as quantidades de heroína e cocaína apreendidas, a culpa intensa espelhada no dolo directo, a existência de antecedentes criminais, sopesando a sua confissão integral e sem reservas que se mostrou relevante para a descoberta da verdade material e a sua situação pessoal.

Contrariamente ao que invoca o recorrente, a sua confissão foi devidamente valorada nos termos do disposto no artº 71º do Código Penal, tal como a sua situação, o que explica, aliás, que tenha sido aplicada uma pena de 5 (cinco) anos de prisão, próxima do limite mínimo abstracto [não esqueçamos que os limites abstractos da pena variam entre 4 e os 12 anos de prisão], pois que a existência de antecedentes criminais, um deles por crime de idêntica natureza, apontaria para uma pena concreta mais elevada. A sua inserção familiar e a existência de uma condenação anterior, repete-se, pelo mesmo tipo de crime [para além de outras], não o impediu de enveredar pela venda de cocaína e heroína a consumidores directos, durante, pelo menos, 8 meses, no período compreendido entre Março e 19 de Novembro de 2017, data em que foi detido. Observado o tempo de duração da conduta e, por outro, a natureza e quantidade das substâncias vendidas [ pese embora a confissão e arrependimento manifestado] revelam que iria persistir nessa actividade, o que só não sucedeu por ter sido detido.

Assim, e sendo o crime de tráfico de estupefacientes punível com pena de prisão de 4 a 12 anos de prisão, a graduação da pena concreta em 5 anos de prisão para o recorrente (um ano acima do limite mínimo e bem abaixo do ponto médio entre os limites mínimo e máximo) foi adequada e proporcional, relevando, também, respeito pelo princípio da igualdade, por que se deve nortear o julgador ao sancionar crimes praticados por vários agentes [atendendo às penas concretas por que foram condenados os co-arguidos], salientando-se que o arguido não pode deixar de sentir que a repetição do mesmo crime tem de ter algum reflexo na pena.

Pelo exposto, não merece qualquer censura o acórdão recorrido, pelo que, igualmente, nesta parte, atinente à medida concreta da pena aplicada, improcederá o recurso. 
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Da suspensão da execução da pena de prisão:
Argumenta, ainda, o recorrente que a pena de prisão deverá ser suspensa na sua execução, nos termos do art. 50º do CP, por estar em causa pena não superior a 5 anos de prisão e existir um juízo de prognose francamente positivo relativamente ao facto de a mera ameaça de prisão ser dissuasora da prática de novos crimes, “maxime” da mesma natureza do aqui em causa.

Cumpre apreciar:
A redacção do nº 1 do art.º 50º do Código Penal permite que o Tribunal suspenda a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos, se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

A suspensão da execução da pena, como medida de substituição da pena de prisão, traduz-se numa forte imposição, dirigida ao agente do facto para pautar a sua vida de modo a responder positivamente às exigências de respeito pelos valores comunitários, procurando uma desejável realização pessoal de inclusão e, por isso, também, socialmente valiosa.

Para esse efeito, é necessário que o julgador, reportando-se ao momento da decisão e não da prática do facto, possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição.

A execução da pena que, embora efectivamente pronunciada pelo Tribunal, não chega a ser cumprida, nos casos de suspensão, por se entender que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para realizar as finalidades da punição, deverá ter na sua base uma prognose social favorável ao arguido, a esperança de que o mesmo sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime.

São os seguintes os elementos a atender nesse juízo de prognose:
- A personalidade do arguido;
- As suas condições de vida;
- A conduta anterior e posterior ao facto punível; e
- As circunstâncias do facto punível.

No caso, no acórdão recorrido, quanto a esta matéria e relativamente ao aqui recorrente, lê-se:
“Ora, no caso, os antecedentes criminais do arguido S., não permitem concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Com efeito, verificamos que o arguido S.,  foi condenado em vários processos e por crimes diversos, passando por crimes de condução sem habilitação legal praticados em 2004 e 2013 (penas de multa, a última substituída por trabalho), um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade praticado em 2002 (pena suspensa de 15 meses de prisão) e quatro crimes de roubo praticados em 2007 (pena de 5 anos e 6 meses de prisão).

Como já referimos em sede de determinação da medida da pena, a aplicação desta, visa a proteção de bens jurídicos com um significado prospetivo, que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção da validade e vigência da norma infringida no caso concreto.
Pelo exposto, este Tribunal entende que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição no que se refere a este arguido, cuja prognose se nos afigura desfavorável. Impõe-se, pois, a aplicação de pena de prisão efetiva.”

Efectivamente, e relativamente ao aqui recorrente, as necessidades de prevenção especial são prementes.

Com efeito, observamos que o arguido S., natural de C...V..., a residir em Portugal, sem trabalho regular e desempregado desde Dezembro de 2016, não é a primeira vez que tem contacto com o sistema da justiça penal, pois sofreu já quatro condenações criminais anteriores [uma delas por crime de idêntica natureza, pelo qual foi condenado em pena de prisão cuja execução foi declarada suspensa], em penas de multa e de prisão suspensa e efectiva, que cumpriu, mas que não foram impeditivas do cometimento dos factos aqui em apreço, manifestando não ter interiorizado o desvalor da sua conduta, nem as anteriores advertências feitas pelo Tribunal, levando a concluir, por isso, que muito facilmente retornará ao mesmo, caso a pena lhe fosse, agora, e mais uma vez, suspensa. 

É, pois, fácil de se observar a indiferença com que o recorrente assimilou a anterior suspensão da execução da pena de prisão aplicada, referente a crime da mesma tipologia do aqui em causa. Acresce que já depois dessa condenação sofreu nova condenação, pela prática de crimes de roubo, em pena de prisão efectiva, que cumpriu, mas que, também, não foi impeditivo da continuação da prática do crime aqui em apreço.

Todos estes factores são bem demonstrativos da indiferença pela justiça e a falta de responsabilização do arguido para determinar o seu comportamento e modo de vida em consonância com os valores comunitários e em respeito pelos valores do direito.

Perante o descrito circunstancialismo não é, pois, possível fazer um juízo de confiança no arguido, ou seja, não existem elementos objectivos que permitam acreditar na sua determinação em mudar de vida, o que facilmente o impeliria à prática de novos crimes desta natureza, pelo lucro fácil que lhes anda associado.

Por outro lado, na opção por pena substitutiva não entram, apenas, considerações de prevenção especial, mas, também, de prevenção geral sobre a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico (neste sentido, Jorge Figueiredo Dias, As Consequências do Crime, Reimpressão, 2005, p. 344: “Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise”), sendo de salientar a necessidade de combater eficazmente o tráfico ilícito de estupefacientes, atenta a extrema gravidade de tal actividade, bem como as perniciosas consequências que dele advém para a sociedade, numa época em que a luta contra o uso e abuso de drogas se tornou, sobretudo, uma luta contra a degradação e destruição de seres humanos, sendo os seus custos humanos, sociais, económicos, familiares e de saúde pública exorbitantes, em especial se se atender aos custos de vidas e à erosão de valores que provocam, impelindo à vida marginal e às violências e crimes, a que dão continuamente causa, contribuindo para justificado alarme social.

Impõe-se, assim, que haja uma resposta adequada por parte dos Tribunais, que, ao administrar a justiça, cumprindo o dever de assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, não podem ficar indiferentes à gravidade deste tipo de comportamentos e aos sentimentos de insegurança que os mesmos causam na comunidade, para cuja estabilização não se apresenta, manifestamente, suficiente uma pena cumprida em liberdade, susceptível de criar nessa mesma comunidade um sentimento de impunidade em relação a actos merecedores de elevada censurabilidade.

Face à apurada personalidade do arguido, a suspensão da execução da pena seria em todo caso uma grave violação das finalidades das penas, pois o delinquente apenas a entenderia como sinal de impunidade e de incentivo à prática de futuros crimes, como seria causa de alarme social e violadora das exigências de prevenção geral, que em tal tipo de crimes se fazem especialmente sentir, atentas as gravíssimas consequências sociais e humanas do mesmo.

Entende-se, assim, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, impondo-se a necessidade do cumprimento efectivo da pena de prisão em que o recorrente foi condenado improcedendo, também, nesta parte, o recurso.
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DECISÃO:
Pelo exposto, os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa, após conferência, acordam em:
i.–Julgar procedente o recurso interposto pela recorrente M., e, consequentemente, revogar o acórdão recorrido na parte em que a condenou pela prática de um crime de consumo, p. e p. pelo art. 40º nº 1 e 2 do DL 15/93, de 22.1, por referência às tabelas I-A e I-B anexas, dela o absolvendo;
ii.–Julgar improcedentes os demais recursos interpostos pelos arguidos P., e S., confirmando, quanto aos mesmos, o acórdão recorrido.
Condena-se cada um dos recorrentes P., e S., em 5 Ucs de taxa de justiça.
O tribunal recorrido deverá ordenar a extracção de certidão para efeitos de instauração de procedimento contra-ordenacional, relativamente à arguida M., e a respectiva remessa para a Comissão para a Dissuasão da Toxicodependência competente.


(Texto elaborado em suporte informático e integralmente revisto)



Lisboa, 2 de Abril de 2019   

     
                          
Relatora: Anabela Simões Cardoso 
Adjunto: Cid Geraldo