Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
639/18.8T8FNC-A.L1-4
Relator: CELINA NÓBREGA
Descritores: PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO
ADITAMENTO
ROL DE TESTEMUNHAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/30/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA
Sumário: I– À luz do princípio do inquisitório, cabe ao juiz ordenar e realizar todas as diligências que se revelem necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, tenham elas sido requeridas pelas partes, tenham elas partido de iniciativa sua.

II– Mas o princípio do inquisitório não concede ao juiz o poder de se substituir às partes, colmatando os seus lapsos ou esquecimentos no que respeita ao ónus de arrolar ou de aditar determinada testemunha ao rol apresentado.

(Elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


Na presente acção sob a forma de processo comum que AAA, patrocinado pelo Ministério Público, intentou contra BBB, na segunda sessão da audiência final que se realizou no dia 11 de Julho de 2018, o Digno Magistrado do Ministério Público formulou o seguinte requerimento que se mostra transcrito na acta:

Sendo que, posteriormente à apresentação do rol, o Ministério Público teve conhecimento de que a senhora (…) conhece os termos da execução do contrato de trabalho do autor bem como a data em que este terminou, requer o Ministério Público, ao abrigo dos artigos 6º e 411º do Código de Processo Civil aplicado por remissão e ao abrigo do princípio do inquisitório que V.Exa. determine a inquirição da mesma, sendo que o seu depoimento se manifesta essencial à descoberta da verdade.”

Sobre o citado requerimento pronunciou-se a Ré nos seguintes termos:

“ Nos termos do artigo 63º do Código de Processo do Trabalho as provas têm de ser indicadas com os articulados, designadamente o rol de testemunhas, por sua vez o rol de testemunhas pode ser aditado até 20 dias antes da data que se realiza a audiência final, que até a ré usou dessa prerrogativa. O Autor representado pelo Ministério Público foi notificado dessa prerrogativa e não utilizou pelo que o requerimento ora efectuado não deverá ser admitido uma vez que o aditamento efectuado no decurso da audiência de julgamento é intempestivo e ainda que se diga que se aplica subsidiariamente o Código de Processo Civil, uma vez que só se aplica subsidiariamente o Código de Processo Civil quando o Código de Processo do Trabalho não disponha expressamente, aqui há uma norma do Código de Processo do Trabalho, aliás, com base na qual V.Exa. admitiu o aditamento ao rol de testemunhas efectuado pela Ré, essa norma existe, não está aqui cumprido o prazo que a lei prevê, pelo que já se disse, terá o referido aditamento de ser indeferido por intempestivo.”

De novo foi dada a palavra ao Digno Magistrado do Ministério Público que se pronunciou nos termos seguintes:

“Esta questão não se encontra especialmente regulada no Código de Processo do Trabalho porquanto de igual regulamentação é feita no Código de Processo Civil, trata-se de um apuramento do princípio do inquisitório segundo o qual o juiz deve usar o princípio do inquisitório para a descoberta da verdade em todas as questões que sejam suscitadas, como são as que lhe foram, neste caso a existência de contrato de trabalho e a invocada prescrição e sendo que existindo norma no Código de Processo Civil e no Código de Processo do Trabalho quanto à apresentação de rol e ao seu aditamento, esta norma mantém valor subsidiário que é do poder inquisitório do juiz, que naturalmente o juiz não perde o seu poder inquisitório no processo de trabalho.”

Sobre o citado requerimento recaiu o seguinte despacho, também transcrito na acta e a fls.13 e 13vº dos autos:

“Princípio basilar do direito adjectivo é o da descoberta da verdade material; princípio esse que perpassa ao longo de todas as normas do Código de Processo Civil, normativo onde ancoram subsidiariamente todos os restantes processos, que regulamentam não apenas o decurso das audiências mas que também suportam a concretização dos interesses privados e dos direitos subjectivos. Assim, veja-se o disposto no artigo 6º que impõe ao Juiz o dever de gestão processual, o artigo 547º que impõe a adaptação dos actos processuais de forma a assegurar o processo equitativo e naturalmente um processo que conduza ao apuramento de todos os factos que importam à decisão de uma causa. No caso do Código de Processo do Trabalho o mesmo prevê no seu artigo 1º, n.º 2, alínea a) que se aplique subsidiariamente o Código de Processo Civil em todo o que nele não se encontre expressamente regulado, daí que, v.g., se aplique o disposto no artigo 417º do Código de Processo Civil que contém o princípio já enunciado supra: o da descoberta da verdade. Consequentemente determina que todos os sujeitos, sejam ou não partes no processo, devam cooperar almejando essa descoberta. E, daí se contemple a situação alegada no requerimento do senhor Procurador da República, a qual não se reconduz às normas que o ilustre Advogado invocou, porquanto não se pretende aqui qualquer aditamento aos róis de testemunhas nos termos previsto no Código de Processo do Trabalho, prorrogativa que ambas as partes usaram antes do 20º dia em que se realize a audiência final (art.62º do Código de processo de Trabalho). O juiz pode ouvir qualquer pessoa, mesmo que esta não conste do rol de testemunhas desde que o requerimento seja claro quanto ao pedido de inquirição pelo Tribunal de quem se pretenda ouvir e desde que tal pessoa se encontre presente no Tribunal.

Considerando que se encontram reunidos os requisitos e os pressupostos de que depende o deferimento do requerido pelo Digno Procurador admite-se a audição da pessoa identificada quanto à matéria delimitada no requerimento apresentado nesta audiência.”

Inconformada com este despacho, a Ré recorreu, sintetizando as suas alegações nas seguintes conclusões:

“a)- Foi violado o princípio do inquisitório com vista ao apuramento da verdade material uma vez que não deve servir para que uma parte ao aperceber-se que, após a inquirição de todas as suas testemunhas, a versão da P.I. não estava minimamente provada e sem que ninguém referisse o nome da testemunha agora indicada, vir agora tentar remediar a situação e indicar uma segunda testemunha numa segunda sessão da audiência de julgamento.

b)- A inquirição ordenada pelo Tribunal a quo não consubstanciou uma diligência “stritu sensu” oficiosamente ordenada pelo juiz, outrossim tratou-se do deferimento de uma pretensão de uma das partes na sequência de requerimento pela mesma efectuado, tendo-se, deste modo excedido o âmbito da pura e simples iniciativa do juiz a que se reporta o princípio do inquisitório.

c)- Também foram violados os princípios da preclusão, contraditório e igualdade, medida em que o Tribunal admite indirectamente a prática de atos por uma das partes, quando tal possibilidade encontrava-se precludida por norma da lei adjectiva, pois que o aditamento/alteração do rol teria de ser efectuado até 20 dias antes da audiência final nos termos do artigo 63º do CPT, e ainda atribuiu a apenas uma das partes uma faculdade – prática de ato além do prazo – que à outra não foi concedida, ficando a Ré/recorrente sem a possibilidade de indicar e produzir prova suscetível de contrariar a produzida pela parte contrária e indicada posteriormente ao momento em que o deveria ter sido, aliás, à semelhança do que sucede com os artigos 63º do CPT e artigo 598º/2 do CPC, para o caso de alteração ao rol por uma das partes.”

Termina pedindo que seja revogado o despacho que admitiu a inquirição da testemunha (…), devendo ser substituído por outro que a indefira, dando-se sem efeito o depoimento já prestado, tendo sido violados os artigos 63º do CPT, 6º, 411º e 547º todos do CPC.

O Ministério Público, patrocinando o Autor, contra-alegou e formulou as seguintes conclusões:

“1.– Deverá ser mantido o despacho recorrido.

2.– Tendo surgido uma testemunha com conhecimento directo dos factos  posteriormente à apresentação do rol, nos termos do artigo 6º e 547º do CPC, aplicáveis por remissão do nº 2 al.a) do art.1º do CPT, em nome do princípio da descoberta da verdade material, bem foi determinada pela MMª Juiz a inquirição de tal testemunha.

3.– Não está em causa a preclusão de qualquer prazo para apresentação do rol de testemunhas mas sim a audição de uma testemunha determinada pela Mmª Juiz ao abrigo do princípio do inquisitório.

4.– Não foram violadas pelo despacho recorrido quaisquer disposições legais, designadamente os art.63º do CPT, 6º, 411º e 547º do CPC.”

O recurso foi admitido.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

Objecto do recurso

Sendo pacífico que o âmbito do recurso é limitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º nº 4 e 639º do CPC, ex vi do nº 1 do artigo 87º do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608º nº 2 do CPC), nos presentes autos importa saber se o despacho que admitiu a audição da testemunha viola os princípios do inquisitório, da preclusão, do contraditório e da igualdade, devendo ser revogado.

Fundamentação de facto

Os factos com interesse para a decisão são os que constam do relatório que antecede para o qual se remete.

Fundamentação de direito

Apreciemos, então, se o despacho que admitiu a audição da testemunha viola os princípios do inquisitório, da preclusão, do contraditório e da igualdade.

O Autor, patrocinado pelo Ministério Público, veio, ao abrigo do disposto nos artigos 6º e 411º do CPC ex vi al.a) do nº 2 do artigo 1º do CPT, requerer a audição da testemunha (…), invocando que posteriormente à apresentação do rol, o Ministério Público teve conhecimento que a mencionada testemunha conhece os termos da execução do contrato de trabalho do Autor, bem como a data em que este terminou.

A Ré opôs-se alegando que o pretendido aditamento ao rol de testemunhas é intempestivo e viola o disposto no artigo 63º do CPT.

O Tribunal a quo entendeu que o requerido pelo Autor não se reconduz a um aditamento ao rol de testemunhas, avocou o princípio da descoberta da verdade material, referenciando o disposto nos artigos 6º, 547º e 417º do CPC e deferiu o pedido de audição da testemunha.

De acordo com o nº 1 do artigo 6º do CPC, o juiz tem o dever de gestão processual dirigindo activamente o processo e providenciando pelo seu andamento célere, promovendo as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção, recusando o que for meramente dilatório ou impertinente, adoptando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável.

Por seu turno, dispõe o artigo 547º do mesmo Código que o juiz deve adoptar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos actos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo.

Ambas as normas visam a justa composição do litígio e um processo célere justo e equitativo mas de um ponto de vista formal e de gestão processual, não se confundindo com o princípio do inquisitório nem com o princípio da verdade material.

Por isso, se é certo que as mencionadas normas de agilização e gestão processual, em última instância, também contribuem para a descoberta da verdade material, salvo o devido respeito, não nos parece que, só por si, legitimem a audição de uma testemunha que não foi indicada no local e momento próprios. 

Por seu turno, o artigo 417º do CPC, sob a epígrafe (Dever de cooperação para a descoberta da verdade) estipula:

“1.– Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os atos que forem determinados.
(…)”.

A propósito desta norma, escrevem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre no “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 2º, Artigos 362º a 626º, 3ª edição, pag.221 “ O dever de cooperação para a descoberta da verdade, de que trata este artigo (que reproduz, com a mera alteração dum tempo verbal, a redação do artigo 519º do CPC de 1961), constitui, enquanto radicado nas partes, emanação do dever geral de cooperação consagrado no art.7 no campo da instrução da causa. Tal como o dever de esclarecer imposto pelo nº 2 do art.7 respeita ao plano da cooperação material, dele se distinguindo, porém, por respeitar, já não ao esclarecimento da alegação, mas ao esclarecimento dos factos, isto é, à prova (veja-se o nº 3 do comentário ao art.7). Além disso incumbe também a terceiros.”

Impõe esta norma o dever de colaboração quer das partes, quer de terceiros, com vista à descoberta da verdade. Contudo, tal como o disposto nos artigos 6º e 547º do CPC, não suporta, sem mais, a diligência que foi determinada pelo Tribunal a quo.

Ora, conforme decorre da acta da audiência de discussão e julgamento, de 11 de Julho de 2018, junta aos autos, a testemunha foi indicada na 2ª sessão da audiência final e após terem sido ouvidas as testemunhas arroladas pelo Autor.  

Como se sabe, o Código de Processo do Trabalho contempla normas específicas relativas à instrução (cfr. arts. 63º a 67º do CPT).

Dispõe o artigo 63º do CPT:

“ 1.– Com os articulados, devem as partes juntar os documentos, apresentar o rol de testemunhas e requerer quaisquer outras provas.

2.– O rol de testemunhas pode ser alterado ou aditado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, sendo a parte contrária notificada para usar, querendo, de igual faculdade no prazo de 5 dias.”

Do referido preceito decorre que as partes, querendo apresentar testemunhas ou outras provas, devem fazê-lo nos articulados, podendo alterar ou aditar o rol até 20 dias antes da data designada para a audiência final.

Contudo, esta regra não fecha a porta a que, também no processo laboral, ao abrigo do princípio do inquisitório enformador do direito civil e previsto no artigo 411º do CPC, sejam admitidas a depor testemunhas que não tenham sido indicadas nos articulados, sem que com tal actuação seja violado o disposto no artigo 63º do CPT.

Tal possibilidade decorre, de modo claro, do disposto na al.a) do nº 2 do artigo 1º do CPT, que dispõe que, nos casos omissos recorre-se, sucessivamente, à legislação processual comum, civil ou penal que directamente os previna.

Mas a admissão de testemunhas ao abrigo do referido princípio não significa o exercício de um poder arbitrário na medida em que essa admissão só poderá ocorrer dentro dos moldes traçados por aquele mesmo princípio e de harmonia com o sistema processual civil considerado na globalidade.

Assim sendo, antes de mais, importa lançar um olhar sobre os princípios que a Recorrente afirma terem sido violados - princípios do inquisitório, da preclusão, do contraditório e da igualdade.

Dispõe o artigo 411º do CPC, sob a epígrafe Princípio do inquisitório:

“Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.”

Sobre este princípio escreve José Lebre de Freitas, na obra “Introdução ao Processo Civil Conceito e Princípios Gerais à Luz do Novo Código”, 4ª Edição, pag.178: “A prova dos factos da causa deixou, no processo civil hodierno, de constituir monopólio das partes: de acordo com o art.411, o juiz tem o dever de realizar ou ordenar oficiosamente as diligências necessárias ao apuramento da verdade. Trata-se do princípio do inquisitório, que constitui o inverso do princípio da controvérsia; ao juiz cabe no campo da instrução do processo, a iniciativa e às partes incumbe o dever de colaborar na descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os actos que foram determinados (art.471-1). O papel do juiz- árbitro encontra-se definitivamente ultrapassado.”

E em anotação ao artigo 411º do CPC, escrevem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre no “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 2º, Artigos 362.º a 626.º, 3ª Edição, pag.207 e 208: “Neste domínio, o juiz tem poderes mais amplos do que no domínio da investigação de factos, na medida em que pode determinar quaisquer diligências probatórias que não hajam sido solicitadas pelas partes, mas não lhe é lícito, a menos que o processo seja de jurisdição voluntária (art.986-2, 1.ª parte), considerar factos essenciais não alegados (arts.5-1, 608-2, 2ª parte e 615-1-d, 2ª parte).

(…).

Os poderes-deveres do juiz estabelecidos pelo artigo em anotação não se limitam à prova de iniciativa oficiosa, como mostra o segmento “mesmo oficiosamente”. Ao juiz cabe também realizar ou ordenar as diligências dos procedimentos probatórios relativos aos meios de prova propostos pelas partes, na medida em que necessários ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio. Daqui se pode extrair, a contrario, que lhe cabe rejeitar os meios de prova desnecessários, dentro dos limites em que o direito fundamental do acesso à justiça o permita (…).”

Assim, à luz do princípio do inquisitório, cabe ao juiz ordenar e realizar todas as diligências que se revelem necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, tenham elas sido requeridas pelas partes, tenham elas partido de iniciativa sua, pelo que aceitamos a afirmação do Tribunal a quo de que “o juiz pode ouvir qualquer pessoa, mesmo que esta não conste do rol de testemunhas”.

Sucede, porém, que relativamente às diligências requeridas pelas partes é pressuposto do seu deferimento o terem sido requeridas dentro dos prazos concedidos pela lei.

E nem a constante e necessária busca da verdade material autoriza que assim não seja.

Como se escreve no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2.3.2010, in ww.dgsi.pt, “ A necessidade de que o tribunal decida de acordo com a verdade material não significa que esta deva ser obtida à outrance e por qualquer modo. O que seria mais adequado a um tribunal norteado pelo populismo e pelo justicialismo, característico de situações sociais de anarquia em que as instituições vão surgindo e funcionando de forma espontânea.

A obtenção da verdade material tem regras e leva-nos àquilo que é normalmente chamado de verdade formal, ou seja, aquela que é obtida por certa forma, ou por certas formas processuais. A verdade formal não é uma mentira, mas a verdade material que foi possível obter. Daqui que a qualidade processual de um sistema de justiça avalie-se pela capacidade de aproximar a "sua" verdade da verdade "real".”

Deste modo, seguir e aplicar correctamente os preceitos da verdade formal é a forma com mais segurança que tem o julgador, de acordo, aliás com o que a lei lhe impõe, de obter uma segura visão da realidade sobre a qual tem de actuar.”

Acresce que o princípio do inquisitório não concede ao juiz o poder de se substituir às partes, colmatando os seus lapsos ou esquecimentos no que respeita ao ónus de arrolar ou de aditar determinada testemunha ao rol apresentado.

E como se afirma no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11.7.2000, citado no “Código de Processo do Trabalho anotado “, de Marlene Mendes, Sérgio Almeida e João Botelho, pag.107, “I- A inquirição de testemunhas não oportunamente arroladas, depende de o tribunal, não se considerando inteirado de todas as circunstâncias do evento, as reputar necessárias para tal fim. II-(…).” 

Sobre o princípio da preclusão e da autorresponsabilidade das partes escreve José Lebre de Freitas na obra citada, pags.184 e 185:

“ Ónus, preclusões e cominações ligam-se entre si ao longo de todo o processo, com referência aos atos que as partes, considerada a tramitação aplicável, nele têm de praticar dentro de prazos perentórios. (…).

As partes têm assim o ónus de praticar os atos que devam ter lugar em prazo perentório, sob pena de preclusão e, nos casos indicados na lei, de cominações. A autorresponsabilidade da parte exprime-se na consequência negativa (desvantagem ou perda de vantagem) decorrente da omissão do ato.”   

E quanto ao princípio do contraditório, dispõe o artigo 3º nº 3 do CPC que “ O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.”

Sobre este princípio escreve José Lebre de Freitas a pags.126 e 127 da obra citada: “ A esta concepção válida mas restritiva, substitui-se hoje uma noção mais lata de contraditoriedade, com origem na garantia constitucional do rechtliches Gehor germânico, entendida como garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todo os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão.

O escopo principal do princípio do contraditório deixou assim de ser a defesa, no sentido negativo de oposição e resistência à atuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido mais positivo de direito de incidir ativamente no desenvolvimento e no êxito do processo.”

Por fim, quanto ao princípio da igualdade dispõe o artigo 4º do CPC:

“ O tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais.

E sobre o princípio de igualdade de armas que nos parece ser o que está em causa, escreve o citado autor a págs. 138 e 139 da dita obra:” O princípio da igualdade de armas constitui, tal como o do contraditório, manifestação do princípio, mais geral, da igualdade das partes, que implica a paridade simétrica das suas posições perante o tribunal. No que particularmente lhe respeita, impõe o equilíbrio entre as partes ao longo de todo o processo, na perspectiva dos meios processuais de que dispõem para apresentar e fazer vingar as respectivas teses: não implicando uma identidade formal absoluta de todos os meios, que a diversidade das posições das partes impossibilita, exige, porém, a identidade de faculdades e meios de defesa processuais das partes e a sua sujeição a ónus e cominações idênticos, sempre que a sua posição perante o processo é equiparável e um jogo de compensações, gerador do equilíbrio global do processo, quando a desigualdade objetiva intrínseca de certas posições processuais leva a atribuir a uma parte meios processuais não atribuíveis à outra.”

Revertendo ao caso, podemos afirmar que não descortinamos que o despacho recorrido tenha violado os princípios do contraditório e o da igualdade.

Na verdade, o que se extrai dos autos é que a Recorrente apenas se opôs à requerida admissão da inquirição da testemunha, nada esgrimindo no sentido de influir na dita prova, sendo certo que nada requereu, em paridade com o Autor, que lhe tivesse sido negado pelo Tribunal a quo; a Ré limitou-se a opor-se a que a testemunha fosse inquirida.

Mas terá o despacho recorrido violado os princípio do inquisitório e da preclusão?

Vejamos:

No caso, não se tratou de diligência probatória ordenada oficiosamente pela Sra. Juiz, mas, sim, do deferimento de requerimento apresentado pelo Autor.

O requerimento foi apresentado na 2ª sessão da audiência final, isto é, fora dos articulados e depois de decorrido o prazo previsto para o aditamento ao rol de testemunhas, em violação do disposto no artigo 63º do CPT.

E era sobre o Autor que recaía o ónus de praticar o acto – indicação da testemunha – dentro do prazo legal.

Nada no despacho recorrido aponta no sentido de que o Tribunal a quo não estava ainda esclarecido das circunstâncias do caso e que, por isso, ao abrigo do princípio do inquisitório se lhe imponha a inquirição da testemunha. Aliás, o requerimento nem foi deferido ao abrigo do disposto no artigo 411º do CPC.

Acresce que, contrariamente ao que refere o Tribunal a quo, o requerimento apresentado pelo Ministério Público não é claro quanto às razões que levaram a que a testemunha em causa só fosse indicada na 2ª sessão da audiência de julgamento.

Com efeito, no requerimento em questão, para além de se referir que a testemunha “conhece os termos da execução do contrato de trabalho do autor, bem como a data em que este terminou”, apenas se refere que “ posteriormente à apresentação do rol o Ministério Público teve conhecimento (…)”

E o Autor? Quando é que o Autor teve conhecimento que a referida testemunha tinha conhecimento dos termos do seu contrato? E porque motivo é que não a arrolou no articulado ou não a aditou ao rol de testemunhas?

Ou seja, face ao requerimento em questão, ignora-se, em absoluto, quando é que o Autor teve conhecimento da existência da testemunha e porque motivo não a arrolou anteriormente.

E a verdade é que, mesmo apelando ao princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material, nem do requerimento do Autor, nem do despacho recorrido, que se limitou a deferir a pretensão do Autor, resultam os motivos legitimadores da audição da testemunha fora das circunstâncias previstas no artigo 63º do CPT; nenhum elemento se recolhe no sentido de que ao abrigo daqueles princípios era possível a audição da testemunha.

Consequentemente, é de concluir que a admissão da inquirição da testemunha viola o disposto no artigo 63º do CPC, bem como os princípios do inquisitório e da preclusão e autorresponsabilidade das partes.

Assim, deverá a apelação proceder, revogando-se o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que não admita a audição da testemunha.

Decisão
Em face do exposto, acordam os Juízes deste Tribunal e Secção em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogam o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que não admita a inquirição da testemunha (…).
Sem custas.



Lisboa, 30 de Janeiro de 2019


           
Maria Celina de Jesus de Nóbrega         
Paula de Jesus Jorge dos Santos           
Maria Paula Moreira Sá Fernandes