Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
318/07.1PBVCT.G1
Relator: FERNANDO MONTERROSO
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
PENA
OBRIGAÇÃO DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/18/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: I – Uma vez verificados os respectivos pressupostos, o tribunal não pode deixar de optar por uma pena de substituição, pois a aplicação destas não é uma faculdade discricionária do juiz, mas um poder/dever;
II – Sendo abstractamente possível a opção por mais do que uma pena de substituição, o tribunal, sob pena de nulidade da sentença, deverá especificadamente ponderar a aplicação, ou não aplicação, de cada uma delas.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

No 1º Juízo Criminal de Viana do Castelo, em processo comum com intervenção do tribunal singular (Proc.nº 318/07.PBVCT), foi proferida sentença que decidiu:
A - Condenar o arguido Augusto C... como autor material de:
a) - 1 (um) crime de condução de veículo em estado de embriagues ou sob influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, p.p. pelo art. 292.º, n.º 1 do CP, na pena de 8 (oito) meses de prisão a qual não se converte em multa nem se suspende na execução;
B – Atento que o arguido Augusto C... não possui, tal qual não possuía à data dos factos, título habilitativo válido de exercício de condução de veículos automóveis, mostra-se inviável a aplicação de medida de segurança não privativa da liberdade de cassação do título de carta de condução;
C – Nos termos do art. 101º, nº. 1 b), 2 ) e 4 3 do CP, uma vez que o crime em causa traduz grave violação das regras de trânsito, sendo o arguido Augusto C... não detentor de título habilitativo de exercício de condução de veículos automóveis, decreto a medida de segurança não privativa da liberdade interdição de concessão de título habilitativo de exercício de condução de quaisquer veículos, pelo período de 3 anos (art. 101.º, n.º 5 e 100.º, n.º 2, 3 e 4 do CP),não podendo o arguido obter novo título de condução durante tal período, tudo sem prejuízo da segunda parte do n.º 2 do art. 100.º do CP.;
D – Indiciam suficientemente os autos a prática, em autoria material, por parte do arguido Augusto C... de um crime de condução sem habilitação legal, p. p. pelo art. 3.º, n.º 2 do DL 2/98 de 3JAN, pelo que ordeno a extracção de certidão da presente sentença, bem como das informações de fls. 140 a 143, para efeitos de procedimento criminal.
E - Condenar o arguido Augusto C... como autor material de:
a) - 1 (uma) contra-ordenação, p. p. pelos arts. 24.º - C1, e 26.º, n.º 1 do DecRegulamentar 22-A/98, de 1OUT, na coima de €100,00;
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O arguido Augusto C... interpôs recurso deste acórdão, suscitando as seguintes questões:
- o tribunal não se pronunciou sobre a possibilidade de a pena de prisão ser executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância;
- no caso, o tribunal deveria ter determinado o cumprimento daquela pena de substituição, uma vez que com ela se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
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Respondendo, o magistrado do MP junto do tribunal recorrido defendeu a improcedência do recurso.
Nesta instância, o sr. procurador-geral adjunto emitiu parecer no mesmo sentido.
Cumpriu-se o disposto no art. 417 nº 2 do CPP.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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I – No acórdão recorrido foram considerados provados os seguintes factos (transcrição):
Prov. - A. No dia 11JUL2007, pelas 17.30h, na Meadela, Viana do Castelo, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula 8951.WX.84 (francesa), da marca e modelo “Mercedes-Benz”.
Prov. - B. Cerca das 17,35 horas, o arguido acedeu à Rua Padre Alfredo Guerreiro, em direcção à Rua Quinta do Bispo de Angola, segundo o sentido de marcha Oeste/Este.
Prov. - C. Fê-lo em trajecto contrário ao legalmente permitido pois que no início da Rua Padre Alfredo Guerreiro, atento o referido sentido de marcha, existe um sinal gráfico vertical de sentido proibido.
Prov. - D. Depois de percorrer a quase totalidade da Rua Padre Alfredo Guerreiro o arguido imobilizou o veículo automóvel que conduzia na parte terminal da artéria, a cerca de dois metros do passeio direito, atento o seu sentido de marcha.
Prov. - E. Entretanto, Mónica V... conduzia o seu veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula 47.23...., pela Rua Quinta do Bispo de Angola, que entronca à sua esquerda com a referida Rua Padre Alfredo Guerreiro.
Prov. - F. Porque pretendia seguir pela Rua Padre Alfredo Guerreiro, Mónica V... dirigiu o veículo automóvel de matrícula 47.23.... para a zona confluente à entrada para aquela artéria, após o que avançou cerca de um metro e meio pelo arruamento, tendo detido a marcha do veículo em virtude do trânsito que se fazia sentir.
Prov. - G. Naquele momento, em virtude de estar a embaraçar o trânsito, dada a sua posição contrária ao sentido do mesmo, o arguido foi instado por populares a retirar o veículo automóvel de matrícula 8951.WX.84 do local onde se encontrava estacionado.
Prov. - H. Logo que engrenou a primeira velocidade o arguido perdeu o controlo do veículo automóvel de matrícula 8951.WX.84 pelo que embateu com a parte frontal do mesmo na parte frontal do veículo automóvel de matrícula 47.23.....
Prov. - I. Pretendendo pôr-se em fuga, o arguido efectuou uma manobra de marcha-atrás e avançou de seguida tendo embatido novamente na parte frontal do veículo automóvel de matrícula 47.23.....
Prov. - J. Face ao comportamento do arguido, Mónica V... saiu do veículo automóvel de matrícula 47.23.... e posicionou-se à frente do veículo automóvel de matrícula 8951.WX.84.
Prov. - K. Não obstante, o arguido prosseguiu com a marcha do veículo que conduzia tendo embatido várias vezes com a frente do mesmo nas pernas de Mónica V..., obrigando-a a recuar alguns metros.
Prov. - L. Instantes depois, o arguido saiu da viatura e envolveu-se em discussão com Mónica V... e alguns transeuntes, que lhe comunicaram que já tinham solicitado à PSP que acorresse ao local.
Prov. - M. De imediato, o arguido recolheu-se ao veículo automóvel de matrícula 8951.WX.84 para se retirar do local, pelo que Mónica V... se posicionou mais uma vez na frente do mesmo.
Prov. - N. Contudo, o arguido progrediu com a marcha do veículo tendo embatido de novo, por várias vezes, nas pernas de Mónica V..., obrigando-a a recuar.
Prov. - O. Em consequência dos actos perpetrados pelo arguido, Mónica V... sofreu:
- dor em ambos os joelhos, sendo mais intensa na face lateral do joelho esquerdo;
- entorse do ligamento cruzado externo do joelho esquerdo.
Prov. - P. Tais lesões determinaram-lhe trinta dias de doença, com oito dias de incapacidade para o trabalho.
Prov. - Q. Por sua vez, em resultado dos embates resultaram várias amolgadelas no pára-choques frontal, no guarda-lamas, na óptica e capot, todos do lado esquerdo, do veículo automóvel de matrícula 47.23...., cuja reparação orçou em €352,23.
Prov. - R. Comparecida no local uma patrulha da PSP, foi o mesmo submetido a teste de pesquisa de alcoolémia, através de aparelho denominado "Drager Alcooltest", modelo 7110 MK III P, n.º de série ARRL-0084 (aprovado pelo IPQ – DR, III.ª S, n.º 223, de 25SET1996 e DR III.ª S, n.º 54 de 5MAR1998, com autorização de uso através do despacho 001/DGV/ALC/98 de 6AGO1998), o qual acusou uma TAS (registada) de 3,12 g/l, correspondente a uma TAS no mínimo (deduzido o erro máximo admissível, na percentagem de 15% - Port. 748/94 de 13AGO e norma NFX20-01 da OIML, hodiernamente Port. 1556/2007 de 10DEZ e norma OIML R 126) de 2,65 g/l;
Prov. - S. Facultado o direito, o arguido não exerceu contraprova.
Prov. - T. O arguido previamente à condução havia ingerido bebidas alcoólicas.
Prov. - U. Sabia que as mesmas eram suficientes para provocar uma TAS superior a 1,2 g/l, e, mesmo assim, quis conduzir o referido veículo.
Prov. - V. O arguido sabia não podia conduzir veículo automóvel de matrícula 8951.WX.84 numa via em sentido contrário ao legalmente permitido.
Prov. - W. Bem sabia o arguido que a supra descrita conduta era proibida e punida por lei.
Prov. - X. Não obstante não deixou de agir como agiu, de forma livre e consciente.
Prov. - Y. O arguido tem antecedentes criminais:
a) PCS 367/95- TJ Viana do Castelo – 1.º Criminal – crime de ofensa à integridade física simples + crime de introdução em lugar vedado ao público - factos de 12MAR1995 - st. de 14MAI1996 – pena de 96 dias multa;
b) PESumário 442/98 (actual 449/98.7GTVCT) - TJ Viana do Castelo – 1.º Criminal – crime de condução de veiculo em estado de embriaguez - factos de 25OUT1998 - st. de 25OUT1998 – pena de 90 dias multa;
c) 0201500477PT – Justiça da Republica Francesa – Tribunal Correccional de D’Aix-En-Provence – crime de ameaça + crime de dano - st. de 23OUT2001 – pena de 3 meses de prisão;
d) 0320901426PT – Justiça da Republica Francesa – Tribunal Correccional de D’Aix-En-Provence – crime de violência doméstica - st. de 5NOV2002 – pena de 5 meses de prisão;
e) 0407505217PT – Justiça da Republica Francesa – Tribunal Correccional de D’Aix-En-Provence – crime de condução de veiculo em estado de embriaguez - st. de 14OUT2003 – pena de 3 meses de prisão;
f) 0707803474PT – Justiça da Republica Francesa – Tribunal Correccional de D’Aix-En-Provence – crime de condução de veiculo em estado de embriaguez + condução sem habilitação legal - st. de 9FEV2006 – pena de 10 meses de prisão;
g) PESumário 27/08.4GBCMN - TJ Caminha – crime de condução de veiculo em estado de embriaguez - factos de 13FEV2008 - st. de 27FEV2008 – pena de 6 meses de prisão, suspensa na execução por 1 ano;
Prov. - Z. O arguido confessou os factos de reporte à acusação, com excepção da condução em contramão.
Prov. - AA. É divorciado.
Prov. - BB. Tem 2 filhas (com as quais não tem qualquer contacto).
Prov. - CC. Tem como habilitações literárias a frequência do 3.º ano do Curso Superior de Belas Artes.
Prov. - DD. Está desempregado, fazendo biscates de decorador.
Prov. - EE. Vive em união de facto.
Prov. - FF. Vive em casa própria.
Prov. - GG. Reconhece que padece de alcoolismo.
Prov. - HH. Não aceita tratamento médico para desintoxicação nos presentes autos.
Prov. - II. Está sujeito tratamento médico para desintoxicação face à decisão do TJ Caminha, situação esta que não tem surtido qualquer efeito.
Prov. - JJ. Aquando dos factos, bem como hodiernamente o arguido não era possuidor de carta de condução válida para a condução de veículos automóveis como o 8951.WX.84.
Prov. - KK. Foi possuidor da carta de condução Francesa 061084200277, trocada indevidamente.
FUNDAMENTAÇÃO
O recorrente não põe em causa a condenação na pena de oito meses de prisão. A questão nuclear suscitada é a não substituição dessa pena pelo cumprimento em regime de permanência na habitação, nos termos previstos no art. 44 nº 1 al. a) do Cod. Penal.
A execução da prisão em regime de permanência na habitação é uma pena de substituição. São «penas de substituição» aquelas que, uma vez determinada a medida da pena de prisão, podem ser aplicadas em vez desta – Prof. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, pag. 326.
A sentença recorrida não ponderou especificadamente a reclamada execução em regime de permanência na habitação. Nenhuma consideração fez sobre as razões da decisão de não a aplicar, sendo que ela é abstractamente admissível nos termos do já referido art. 44 nº 1 al. a) do Cod. Penal.
Isso é gerador da nulidade da sentença prevista no art. 379 nº 1 al. c) do CPP – o tribunal deixar de se pronunciar sobre questão que devesse apreciar. Como se decidiu em recente acórdão desta Relação, “uma vez verificados os respectivos pressupostos, o tribunal não pode deixar de optar por uma pena de substituição, pois a aplicação destas não é uma faculdade discricionária do juiz, mas um poder/dever; Sendo abstractamente possível a opção por mais do que uma pena de substituição, o tribunal, sob pena de nulidade da sentença, deverá especificadamente ponderar a aplicação, ou não aplicação, de cada uma delas” – ac. de 25-2-09, relatado pelo des. Tomé Branco, disponível no sítio da internet desta Relação.
Foi questão discutida na jurisprudência saber se o tribunal tinha de especificadamente indicar as razões por que não optava por determinada pena de substituição. As divergências surgiram a propósito do dever de fundamentação da decisão de não suspender a execução da prisão, mas nenhuma razão existe para não estender a solução ao caso das demais penas de substituição.
Em sentido contrário argumentou-se que o dever de fundamentação das decisões jurisdicionais apenas abrange os actos decisórios concretos tomados pelo Tribunal, não lhe cabendo motivar as razões por que não optou por decisão diferente da que tomou.
Porém, o Tribunal Constitucional decidiu “julgar inconstitucionais, por violação do artigo 205.º, n.º 1, da CRP, as normas dos artigos 50.º, n.º 1, do Código Penal e 374.º, n.º 2, e 375.º, n.º 1, do CPP, interpretadas no sentido de não imporem a fundamentação da decisão de não suspensão da execução de pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos” – ac. 61/06 de 18-1-06, DR IIª série de 28-2-06. Neste acórdão do TC enumeram-se várias decisões do STJ no mesmo sentido, que aqui não se transcrevem por ser repetitivo e poder ser tomado como mero alarde de erudição.
Sendo assim, terá de ser declarada a nulidade da sentença recorrida.
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A nulidade torna inválido o acto em que se verificou e a sua declaração determina a sua repetição – art. 120 nºs 1 e 2 do CPP.
Isto é, deverá o mesmo tribunal que proferiu a sentença recorrida, proferir nova em que seja suprida a apontada nulidade, decidindo sobre a adequação ao caso concreto das penas de substituição abstractamente admissíveis.
A declaração de nulidade prejudica as demais questões suscitadas no recurso, pois, sendo inválida a sentença agora recorrida, é a nova que subsistirá, havendo recurso do que nela for decidido.

DECISÃO
Os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães, concedendo provimento ao recurso, declaram a nulidade da sentença recorrida e ordenam que, pelo mesmo tribunal, seja proferida uma nova em que seja suprida a nulidade apontada.
Sem custas.