Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6063/10.3TBBRG.G1
Relator: EDUARDO JOSÉ OLIVEIRA AZEVEDO
Descritores: LEI DE IMPRENSA
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RESPONSABILIDADE CIVIL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/24/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1- Segundo o disposto no artº 29º, nº 2 da Lei nº 02/99 de 13.01 (Aprova a Lei de Imprensa), no caso de escrito ou imagem inseridos numa publicação periódica só se houver conhecimento e inexistência de oposição do director ou seu substituto legal, é que as empresas jornalísticas são solidariamente responsáveis com o autor pelos danos que tiverem causado.
2- A verificação do anterior requisito respeita ainda matéria de autoria de eventual acto susceptível de criar responsabilidade civil e revela-se como norma especial em relação ao que dispõe o artº 500º nº 1 do CC, respeitante às relações entre comitente e comissário.
3- No que à publicidade concerne o artº 28º do mesmo diploma, sob epígrafe com esse significado, também se dispõe que a difusão de materiais publicitários através da imprensa fica sujeita ao disposto nessa lei.
4- De qualquer modo a existência da obrigação de indemnizar depende, ante o mais, da verificação de todos os pressupostos da responsabilidade civil, nos termos dos artºs 483º e 484º do CC.
5- Na actividade publicitária referente a anúncios referenciados como “classificados” em principio existe por parte da proprietária do veículo que lhe serve de suporte incapacidade de se questionar sobre se a publicação do anúncio em que havia a necessidade de exibição de um número de telemóvel tornava-se-lhe exigível eticamente a confirmação nomeadamente da titularidade desse número.
6- Isto, perante a utilidade funcional desse na perspectiva tanto do anunciante, qualquer que ele fosse, desde logo envolvendo o seu interesse económico que não pretenderia ver frustrado, como do público alvo do mesmo.
7- Perante actividade comercial publicitária a pessoa padrão que a lei acolhe terá que ser forçosamente aquela que actua no exercício dessa actividade.
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

RELATÓRIO
A.. interpôs a presente acção com processo sumário, a correr termos no Tribunal Judicial de Braga, 3º Juízo Cível, contra P.., SA, ambos melhor identificados nos autos, pedindo que esta fosse condenada a pagar-lhe, a título de danos não patrimoniais, quantia não inferior a 7.500,00 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
Fundamentou-se, em síntese, que a R, proprietária do jornal .., neste publicou anúncio em dois dias seguidos a pedido de terceiros, publicitando a oferta de serviços de cariz sexual e nele se indicando o seu número de telemóvel; por isso recebeu, durante vários meses, inúmeros telefonemas de pessoas interessadas nos serviços referenciados naquele anúncio, sendo incomodado, vexado, desrespeitado e ficado abalado física e psicologicamente; a R não teve o cuidado, designadamente, como podia e devia, de averiguar e comprovar a titularidade do número de telefone indicado pela anunciante, tornando-se responsável (artºs 483º e 484º do CC) pelos danos de natureza não patrimonial por si sofridos em violação também de direitos de personalidade consagrados nos artºs 26º da CRP e 70º do CC.
Citada, a R contestou, em súmula, impugnando factos por desconhecê-los não sendo pessoais, aceitando ter recebido uma encomenda de terceiro para publicar o texto referido, o que fez, e negando qualquer responsabilidade nos danos que alegadamente advieram ao A porquanto: sendo embora uma publicação no jornal o seu director não teve, pela sua natureza, conhecimento prévio; não tinha de verificar o conteúdo do anúncio designadamente a pertença de número de telefone nele inserto; é o próprio anunciante que se responsabiliza pela veracidade do anúncio; assim, não praticou nenhum facto ilícito; e nem fica demonstrado o nexo de causalidade entre conduta sua e danos alegadamente sofridos pelo A, os quais não são tutelados pelo direito por não terem a relevância exigida.
O A, em resposta, manteve no essencial a sua posição inicial.
Proferiu-se despacho saneador, com dispensa da selecção da matéria assente e da fixação da base instrutória, nos termos do artº 787º, nº 2, do CPC.
Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, altura em que foi dada resposta à matéria de facto controvertida, a qual não mereceu reclamação.
Proferiu-se depois sentença, assim, julgando-se a R absolvida do pedido contra si formulado.
Desta sentença veio o A recorrer, recurso que foi admitido como sendo de apelação, a subir nos próprios autos, imediatamente e com efeito meramente devolutivo (fls 150).
Das respectivas alegações o Recorrente extraiu as seguintes conclusões:
1- Face à matéria de facto dada como provada nos pontos 1 a 26 da douta sentença recorrida, deverá a Ré assumir a responsabilidade por todos os danos de natureza não patrimonial sofridos pelo Autor,
2- designadamente ser condenada no pagamento da indemnização peticionada no valor de € 7.500,00 ( sete mil e quinhentos euros ), adequada e equitativa, á luz dos critérios enunciados no artigo 496º do Código Civil.
3- Agiu a Ré/recorrida com culpa, verificando-se todos os pressupostos da responsabilidade civil extra-contratual, previstos no artigo 483 e seguintes do Código Civil.
4- No direito civil, a personalidade moral, o bom nome, honra, bem estar paz e tranquilidade são direitos invioláveis que merecem a tutela do direito, como resulta dos artigos 70º e 484 do C.C..
5- Tendo-se provado que o Autor recorrente é o utilizador do telemóvel nº .. e que não autorizou a Ré/recorrida a publicitar o contacto telefónico indicado na mensagem erótica “Albufeira, 1ª vez, menina iniciante, sexy, corpo desejado “identificada no ponto 3 dos factos provados, sentindo-se humilhado, vexado e ridicularizado, durante cerca de 1 mês e meio, pelos contactos efectuados por homens, casais e mulheres interessados nos serviços publicados para a prática de sexo, triste e pessimista, ficando abalado física e psicologicamente, demonstrando cansaço, nervosismo e ansiedade, terá que se concluir que ficou afectado na sua honra, consideração e bom nome com a publicação desse anúncio, danos esses de natureza não patrimonial, indemnizáveis.
6- A Ré/Recorrida, correu por sua conta o risco em não averiguar nem comprovar a titularidade do número de telefone indicado pela anunciante, bem como em não confirmar a identidade da anunciante e a veracidade do anúncio (pontos 23 e 24 dos factos provados)
7- Veja-se nesse sentido Acórdão da Relação de Lisboa, de 27/05/2004, in colectânea de jurisprudência, ano XXIX, tomo III, página 91.
8- Desconhecendo-se em absoluto a pessoa que solicitou a publicação do anúncio em causa ( Tendo sido dado como não provado na resposta dos factos da base instrutória que a publicação do anúncio foi solicitada por I.. ( ponto 7 dos factos não provados ),
9- violou a Ré/recorrida o dever de diligencia e cuidado a que estava obrigada, pelos que terá que assumir a responsabilidade dos danos sofridos pelo recorrente.
10- Tratando-se de um jornal diário conhecido e de grande tiragem ( ponto 25 dos factos provados ), facto, aliás, notório e que carecia de alegação e prova, impunha-se à Ré/recorrida um particular cuidado na publicação de um anúncio de cariz erótico, tendo em conta o universo dos seus destinatários e conhecendo, como não podia deixar de conhecer, os efeitos que esse anúncio produziria caso o denunciante não fosse, como não era, o próprio.
11- Por se tratar a Ré/Recorrida de uma empresa organizada e estruturada, a culpa deverá ser analisada num padrão de grande exigência, sendo certo que bastaria a culpa leve para alicerçar um juízo de censurabilidade ou reprovabilidade da sua conduta.
12- Violou a sentença recorrida os artigos 70º, 483º e 484º do Código Civil bem como os artigos 25º, n.º 1 e 26º, n.º 1 da Constituição da Republica Portuguesa.
Termina pretendendo o provimento ao presente recurso e a revogação da sentença recorrida, condenando-se a Ré/Recorrida no pagamento da quantia de 7.500,00 €, a titulo de danos morais.
Foram apresentadas contra-alegações, nas quais, se concluiu do seguinte modo:
1- Considerou o Tribunal “a quo” que, não obstante os factos dados como provados, não se encontrava preenchido o requisito da culpa, previsto no artigo 483.º do CC, o qual rege o instituto da responsabilidade civil por factos ilícitos, aplicável também aos casos referidos no artigo 484.º do CC.
2- Conforme se pode ler na douta sentença recorrida: “Esclarece no n.º 2 do referido art. 487.º que a culpa é apreciada pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso. Quer isto dizer que o julgador não está vinculado às práticas de desleixo, de desmazelo ou de incúria que porventura se tenham generalizado, se outra for a conduta exigível dos homens de boa formação e de são procedimento … Nesta medida, cumpre colocar uma pessoa medianamente diligente na posição da Ré e perguntar como a mesma actuaria nessas circunstâncias. … Consideramos que, numa situação normal, não é expectável que uma pessoa que publicita um anúncio nas páginas de classificados de um jornal periódico se engane no número de contacto aí igualmente exposto. Com efeito, exceptuando situações absolutamente anormais de actuação dolosa (que, no caso, não se vislumbra existir), é de esperar que quem solicita a publicação do anúncio em causa tenha particular cuidado quando aí especifica o respectivo número de contacto: é que o anunciante tem interesse – nomeadamente económico – em que os potenciais destinatários cheguem efectivamente à fala com ele. Assim, podia a R. legitimamente esperar que o número de contacto telefónico fornecido pelo anunciante correspondia ao que efectivamente pretendia publicitar”
3- Mais considerou o Tribunal “a quo” que a Recorrida se limitou a publicar o anúncio que lhe foi solicitado, com o número de telefone que lhe foi solicitado, pelo que não se verifica que a Recorrida não tenha actuado com a diligencia normal de um bom pai de família, uma vez que … numa situação normal, não é expectável que uma pessoa que publicita um anúncio nas páginas de classificados de um jornal periódico se engane no número de contacto aí igualmente exposto. Com efeito, exceptuando situações absolutamente anormais de actuação dolosa (que, no caso, não se vislumbra existir), é de esperar que quem solicita a publicação do anúncio em causa tenha particular cuidado quando aí especifica o respectivo número de contacto: é que o anunciante tem interesse – nomeadamente económico – em que os potenciais destinatários cheguem efectivamente à fala com ele. Assim, podia a R. legitimamente esperar que o número de contacto telefónico fornecido pelo anunciante correspondia ao que efectivamente pretendia publicitar”.
4- Conforme refere o Tribunal “a quo” na douta sentença recorrida “… a indicação, pelo anunciante, de um contacto telefónico diferente do realmente pretendido constitui uma situação completamente anómala face às regras da normalidade de acontecer.”
5- Entendeu o Tribunal que no caso concreto não seria de impor à Recorrida que antes da publicações dos anúncios a inserir na secção de classificados averiguasse previamente se o contacto neles inserido corresponde ao da pessoa que efectivamente solicitou essa publicação, isto porque, face ao elevado número de anúncios tal encargo revelar-se-ia impraticável e, por isso, manifestamente inexigível. Assim, a imposição dessa conduta à R. implicaria sujeitá-la a um dever de diligência para além do normal, sendo certo que lhe é apenas exigido que cumpra com os deveres gerais de diligência que se impõe ao bom pai de família, conforme previsto no art. 487.º, n.º 2, do CC”.
6- Pelo que, no caso concreto, andou bem o Tribunal “ a quo” ao considerar que, no caso dos autos e face às circunstâncias do caso concreto, não existiu culpa da Recorrida.
7- Conforme refere o Professor Menezes Cordeiro, para que exista culpa a acção deve assentar numa tal relação de meios-fins que o agente incorra num juízo de censura, seja por ter pretendido directa, necessária ou eventualmente atingir as normas violadas, (dolo), seja por não ter pretendido pautar-se pelos deveres de cuidado que ao caso caibam (negligência). A culpa pondera o lado subjectivo do comportamento, ou seja, as circunstâncias individuais concretas que o envolveram (juízo de censura sobre o agente em concreto).
8- No que respeita à negligencia, mencionada o Professor Almeida Costa, à semelhança do mencionado na douta sentença recorrida, que “… a culpa será valorada, em face das circunstancias de cada caso, pela diligencia de um bom pai de família ou homem médio…” Serve assim de paradigma a conduta que teria uma pessoa mediana, cuidadosa, atendendo à especificidade das diversas situações.
9- Já o Professor Antunes Varela ensina que, para que o facto possa ser imputado ao agente é necessário que este tenha agido com culpa, que exista um nexo psicológico entre o facto praticado e a vontade do lesante. A responsabilidade pressupõe a culpa e não existe responsabilidade sem culpa.
10- No caso concreto, a verificar-se alguma coisa só poderíamos estar perante um caso de negligência e nunca de dolo. A mera culpa ou a negligência traduz-se na omissão, por parte do agente, da diligência exigível. No âmbito da mera culpa cabem os casos em que o autor prevê a produção do facto ilícito como possível, mas por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria crê na sua não verificação, e só por isso não toma as providências necessárias para o evitar.
11- O dano ou o facto não podia ser previsível por parte da Recorrida uma vez que não é e nem poderia ser expectável que uma pessoa que publicita um anúncio nas páginas de classificados de um jornal periódico se engane no número de contacto aí igualmente exposto, é na verdade de esperar que quem solicita a publicação do anúncio em causa tenha particular cuidado quando aí especifica o respectivo número de contacto: é que o anunciante tem interesse – nomeadamente económico – em que os potenciais destinatários cheguem efectivamente à fala com ele. Assim, podia a R. legitimamente esperar que o número de contacto telefónico fornecido pelo anunciante correspondia ao que efectivamente pretendia publicitar.
12- A mera culpa ou negligência tem, tal como o dolo, de ser reprovável ou censurável. Ora, tendo em conta que o erro foi da própria anunciante, que, tal como consta da sentença recorrida, face ao elevado número de anúncios diariamente publicados pelo jornal, a verificação da veracidade dos números de telefone revelar-se-ia impraticável e, por isso, manifestamente inexigível, não podemos considerar que estamos perante um acto censurável ou reprovável, uma vez que ele nem sequer podia ser previsto pela própria Recorrida.
13- Assim, conforme referido na douta sentença recorrida, no caso concreto não se verifica o requisito da culpa, uma vez que nas circunstâncias concretas não seria expectável que o anunciante tivesse colocado mal o número de telefone. O requisito da culpa estaria preenchido sim no caso de o erro ter sido da própria Recorrida ao inserir erradamente o número de telefone.
14- Mais se refira que o Recorrente não conseguiu provar toda a extensão dos alegados danos nos quais suporta o montante da indemnização por si peticionada, não conseguiu provar que no dia 17 de Outubro de 2007, uma das chamadas telefónicas foi atendida pela sua companheira, que perante tal situação a companheira desligou o telemóvel e saiu de casa, que por força de tais factos o ficou sem vontade de trabalhar ou de fazer o que quer que seja, nomeadamente, encontrar-se com amigos e conhecidos, que a situação gerou um clima de instabilidade do seu lar familiar, que o Recorrente ficou constrangido e perturbado física e psicologicamente pelo facto de as chamadas telefónicas terem sido atendidas pela sua filha e companheira, que por força de toda a situação o número de telemóvel do Recorrente ficou passível de ser identificado por amigos e conhecidos. (cfr. acta da leitura da matéria de facto de 16.12.2011).
15- Pelo que, mesmo a entender-se que se encontram verificados os pressupostos da responsabilidade por factos ilícitos, tendo em conta os factos dados como não provados pelo Tribunal “a quo”, e os quais o Recorrente não impugnou, não pode este ter direito à indemnização por si peticionada.
16- Sendo que, nos casos de mera culpa ou negligencia, dispõe o artigo 494.º do CC que quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstancias do caso o justifiquem.
17- Ora, por tudo o acima exposto, e caso se considere, ao contrário do referido na douta sentença recorrida, que existiu culpa da Recorrida, e que como tal estão preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil, deve a indemnização ser arbitrada em montante consideravelmente mais baixo que o pedido pelo Recorrente, tendo em conta o diminuto grau de culpa da Recorrida neste caos, que se revela pelo facto de ser de muito difícil, senão impossível previsão que o anunciante se fosse enganar no número de telefone que queria colocar no anuncio.
18- Pelo que, por tudo o acima exposto, deve a sentença proferida ser mantida nos seus precisos termos, ou, caso assim não se entenda, ser arbitrada ao Recorrente indemnização de valor consideravelmente mais baixo, nos termos do artigo 494.º do CC.
Termina-se com a pretensão de que o recurso deva ser julgado improcedente e, em consequência, ser mantida a douta sentença recorrida.

Efectuado o exame preliminar e corridos os vistos legais, cumpre decidir, sabendo-se que os recursos são meios de impugnação de decisões com vista ao reexame da matéria apreciada pela decisão recorrida e o tribunal de recurso não deve conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha que cuidar, a não ser que sejam de conhecimento oficioso.
Para além disso, o âmbito do recurso determina-se pelas conclusões do recorrente, só abrangendo as questões que nelas se contêm, ainda que outras tenham sido afloradas nas alegações propriamente ditas, salvo tratando-se de questões que o tribunal deva conhecer oficiosamente (artºs 660, nº 2, ex vi artº 713º, nº 2, 684º, nºs 3 e 4 e 685º-A, nº 1, do CPC).

As questões propostas à resolução deste Tribunal consistem na averiguação da verificação, ou não, do requisito da culpa constituinte da responsabilidade civil atinente à Recorrida e, no primeiro caso, da suficiência da gravidade das circunstâncias que o Recorrente invoca como resultantes da violação dos seus direitos pessoais para mereçerem a tutela do direito.

FUNDAMENTAÇÃO
Na 1ª instância foi dada como provada a seguinte matéria de facto:
1- A R é proprietária do jornal.., periódico sediado em.. e com uma das suas delegações na Avª .., Braga.
2 - O A é cliente da operadora de comunicações móveis TMN, tendo registado em seu nome o contacto de telemóvel nº ...
3 - Nos dias 17 e 18 de Outubro de 2007, o jornal .., propriedade da R, inseriu na secção Convívio, pág. 26, um anúncio de mensagens eróticas com o seguinte teor: “Albufeira, 1ª vez, menina iniciante, sexy, corpo desejado – (telefone..)”.
4 - A R. recebeu uma encomenda para publicar o texto referido.
5- O A é o utilizador de telemóvel com nº ...
6- O A não autorizou a R a publicitar o contacto telefónico indicado na aludida mensagem.
7- Na manhã do dia 17.10.2007, encontrava-se o A a realizar a sua higiene diária quando o referido telefone móvel tocou.
8- Tendo a filha do A atendido o telemóvel, ouviu a seguinte frase: “Olá, a que horas é que hoje podemos curtir, quanto levas?”.
9- A filha do A desligou o telemóvel.
10- Decorrido pouco tempo, voltaram a ligar para o mesmo telemóvel, atendendo desta vez o A.
11- Uma vez mais, recebia o convite de um homem que o convidava para praticar actos sexuais, mediante o pagamento de um preço.
12- O A limitou-se a desligar o telemóvel, não fazendo a mínima ideia do que se estava a passar.
13- O A voltou a receber recebeu várias chamadas telefónicas com convites para a prática do sexo.
14- Perturbado com as reiteradas chamadas telefónicas, o A, na sequência de mais uma delas, perguntou ao indivíduo que o contactava a forma como havia adquirido o seu contacto telefónico.
15- Ao que este respondeu que o número de telemóvel se encontrava referido na secção de Convívio do jornal ...
16- O A foi de imediato comprar o jornal, tendo constatado, na página da secção Convívio, o anúncio acima referido.
17- O A sentiu-se humilhado, vexado e ridicularizado, durante cerca de um mês e meio, pelos contactos efectuados por homens, casais e mulheres interessados nos serviços publicados para a prática de sexo.
18- Durante aquele período, o A recebeu mais de 100 chamadas telefónicas do cariz das acima descritas, a diferentes horas do dia.
19- O A é pessoa séria e honesta e tem dois filhos.
20- Pautou sempre a sua conduta por padrões de moralidade, verticalidade, respeito e dignidade.
21- Ficou abalado física e psicologicamente, demonstrando cansaço, nervosismo e ansiedade.
22- Bem como triste e pessimista.
23- A R não averiguou nem comprovou a titularidade do número de telefone indicado pela anunciante.
24- Nem confirmou junto do A a identidade da anunciante e a veracidade do anúncio.
25- O .. é um jornal diário de grande tiragem.
26- Para ver publicado um anúncio nos moldes acima expostos, qualquer pessoa, mesmo que não seja a própria, pode preencher um impresso gratuitamente fornecido nos balcões publicitários do jornal ou inseridos no próprio periódico, mediante junção de cheque, vale ou dinheiro.

Posto isto.
A discordância entre o Recorrente e a sentença, como se anteviu, prende-se com a verificação, ou não, do requisito da culpa, elemento que conjugado com outros é fundador da responsabilidade civil designadamente extra-contratual, sendo que a determinação dos danos, a respectiva relevância merecedora de tutela do direito e a sua avaliação são questões que secundam aquela, só merecendo a nossa atenção caso se conclua pela bondade jurídica da posição processual desse impugnante nessa primeira parte.
Importa reter, no caso concreto, quanto aos pressupostos da responsabilidade civil pela prática de acto ilícito, os princípios gerais e o quadro normativo específico, assim, nesta sede envolvendo desde logo o disposto nos artºs 70º, 80º, 483º, nº 1, 484° e 487° do CC, 25º, nº 1 e 26º, nº 1 da CRP, sem prejuízo de regimes jurídicos especiais que possam ser aduzidos, contudo, na estrita medida e sem prejuízo do predito em tese sobre a delimitação temática do conhecimento da Relação de que dos recursos resulta.
Na verdade, segundo o disposto no artº 29º da Lei nº 02/99 de 13.01 (Aprova a Lei de Imprensa), na determinação das formas de efectivação da responsabilidade civil emergente de factos cometidos por meio da imprensa observam-se os princípios gerais (nº 1) e, no caso de escrito ou imagem inseridos numa publicação periódica com conhecimento e sem oposição do director ou seu substituto legal, as empresas jornalísticas são solidariamente responsáveis com o autor pelos danos que tiverem causado (nº 2).
No que à publicidade concerne o artº 28º do mesmo diploma, sob epígrafe com esse significado, também se dispõe que a difusão de materiais publicitários através da imprensa fica sujeita ao disposto no mesmo e demais legislação aplicável (nº 1); e, considera-se publicidade redigida e publicidade gráfica todo o texto ou imagem cuja inserção tenha sido paga, ainda que sem cumprimento da tabela de publicidade do respectivo periódico (nº 3).
Aqui, pois, a existência da obrigação de indemnizar depende, ante o mais, da verificação de todos os pressupostos da responsabilidade civil, nos termos dos citados artºs 483º e 484º: no primeiro prescrevendo que aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação e que só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei; no segundo, especificando que quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados (ilicitude lato sensu).
Na classificação do Professor Antunes Varela os pressupostos da obrigação de indemnizar com base em facto ilícito são, pois, o facto (facto humano controlável ou dominável pela vontade), a ilicitude do facto (nas modalidades de violação de direitos subjectivos ou de disposições legais destinadas a tutelar interesses alheios), o nexo de imputação do facto ao agente (que co-envolve a imputabilidade e como vínculo que liga o acto ilícito ao agente – Pessoa Jorge, Lições de Direito das Obrigações, Lisboa, A.A.F.D.L., 1976, pág. 513 – e a culpa lato sensu, traduzindo-se esta essencialmente na censura ético-jurídica do agente por virtude da sua prática), o dano (o prejuízo reparável) e o nexo causal entre o facto e o dano (consistente na adequação em concreto e em abstracto da acção e ou omissão ao desencadear do resultado danoso).
A violação do disposto no artº 484º, do CC não depende da veracidade ou não do facto divulgado, pelo que a ilicitude do facto não é afastada pelo cumprimento ou não das exigências da verdade.
Veja-se, para aquilatarmos da complexidade e da extensa dimensão das situações jurídicas que se poderiam antepor à correcta decisão desta lide, mas a título meramente de curiosidade, porque se trata de matéria que nem as partes invocaram com acuidade, se bem que a Apelada na contestação a aflorasse ao de leve mas sem dela retirar as devidas consequências legais e sempre competiria ao pretendente ao reconhecimento do direito alegar e provar, como decorre do disposto no artº 342º nº 1 do CC, sob pena de ver contra si decidida a questão, pelo que sobre a qual nem o tribunal a quo teria que se debruçar e por maioria de razão nem esta instância o tem de fazer, que no aludido artº 29º, no seu nº 2, a verificação do respectivo requisito respeita ainda matéria de autoria de eventual acto susceptível de criar responsabilidade civil.
Revela-se, pois, em relação ao que dispõe o artº 500º nº 1 do CC, respeitante às relações entre comitente e comissário, como norma especial: admite-se apenas a responsabilidade das empresas jornalísticas caso o director tenha conhecimento da inserção da notícia e a ela não se oponha, pelo que, logicamente, exclui da respectiva responsabilidade solidária a empresa como comitente fora dessas circunstâncias.
De qualquer modo, ainda que se pudesse equacionar a aplicação directa do disposto no artº 500º do CC, sempre devendo-se alegar, averiguar e provar se à conduta sob censura presidiu o interesse de alguém enquanto director ou proprietário dessas empresas.
No mesmo plano, também se dirá que se poderia alegar, averiguar e provar com base no estatuto de director, qualquer omissão no exercício dessa função, podendo fazê-lo através da acção adequada, acto eventualmente omitido que evitasse publicitação de qualquer informação, tendo em mente o constante no artº 20º, nº 1, alª a) da aludida Lei (competências demasiadamente genéricas, confronte também artº 19º), caindo-se na alçada do disposto no artº 486º do CC. Para esse efeito, uma vez que a culpa que não se presume, tornar-se-ia necessário averiguar se no âmbito das competências que legalmente lhe eram atribuídas (orientar, superintender e determinar o conteúdo da publicação), deixou de praticar culposamente qualquer acto.
As ponderações legais deveriam ainda ser mais vastas, as partes assim o quisessem, nomeadamente o Recorrente, atentando-se ainda no Código da Publicidade, aprovado pelo DL nº 330/90 de 23.10 (com as alterações introduzidas pelos DL nºs 74/93, de 10.03, 6/95, de 17.01, 61/97 de 25.03, 275/98, de 09.09, 51/2001, der 15.02, 332/2001, de 24.12 e 32/2003, de 22.08, 224/2004, de 04.12, 57/2008, de 26.03, Leis nºs 37/2007, de 14.08 e 8/2011, de 11.04), quanto aos seus artºs 2º e 30º.
O primeiro normativo, pelo qual a publicidade rege-se pelo disposto no respectivo diploma e, subsidiariamente, pelas normas de direito civil ou comercial.
O segundo, segundo o qual, epigrafado de responsabilidade civil, determina que os anunciantes, os profissionais, as agências de publicidade e quaisquer outras entidades que exerçam a actividade publicitária, bem como os titulares dos suportes publicitários utilizados ou os respectivos concessionários, respondem civil e solidariamente, nos termos gerais, pelos prejuízos causados a terceiros em resultado da difusão de mensagens publicitárias ilícitas (nº 1); e, os anunciantes eximir-se-ão da responsabilidade prevista no número anterior caso provem não ter tido prévio conhecimento da mensagem publicitária veiculada.
O que quer dizer que a referência da submissão da actividade de publicidade às normas de direito civil é suficientemente genérica para que caso a caso se deva ter sempre em consideração o regime jurídico respeitante ao suporte de difusão da mensagem publicitária; e, por conseguinte, face ao sobredito artº 486º, no que ao conhecimento do teor da mensagem ilícita concerne e tenha sido postergado, são mais ténues os requisitos da responsabilidade daqueles que tivessem o dever de a evitar.
Por seu turno, no Código Civil, obviamente, tutela-se a personalidade: nos termos do artº 70º a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral e, independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ameaçada ou ofendida pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida.
No artº 80º do mesmo código tutela-se a reserva sobre a intimidade da vida privada em que todos devem guardar reserva quanto à intimidade da vida privada de outrem, precisando-se ainda que a extensão da reserva é definida conforme a natureza do caso e a condição das pessoas.
Não se deixando de delimitar constitucionalmente esta matéria, prescreve-se também na Constituição que a integridade moral e física das pessoas é inviolável (artº 25º).
Também que a todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal (que protege os elementos identificadores da pessoa perante a sociedade; este direito abrange o chamado direito à historicidade pessoal, vedando, por exemplo, a elaboração não autorizada de uma biografia, assim como o direito à verdade pessoal, que permite impedir a utilização abusiva de atributos exclusivos de um indivíduo como um pseudónimo, um título, etc), ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação (faculdade de não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social mediante imputação feita por outrem e o direito a defender-se dessa ofensa e a obter a correspondente reparação), à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação (26º nº 1), bem como, que a lei estabelecerá garantias efectivas contra a utilização abusiva, ou contrária à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias (cfr artº 26º, nº 2 e vejam-se os limites exigidos pelas necessidades de convivência social in acórdão do Tribunal Constitucional nº 74/84 de 10.07.1984 in DR, II Série de 11.09.1984 e acórdão do STJ de 26.09.2000, CJ, Tomo 3, pág 42).
Daí, também, no artº 37º do texto fundamental se declare que a todas as pessoas, singulares ou colectivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o direito de resposta e de rectificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos (nº 4).
O direito ao bom nome e reputação analisa-se na faculdade de cada indivíduo exigir o reconhecimento da sua dignidade por parte dos outros. O bem jurídico constitucional assim delineado apresenta um lado individual (o bom nome) e um lado social (a reputação ou consideração), fundidos numa pretensão de respeito que tem como correlativo uma conduta negativa, ao fim e ao cabo, uma pretensão a não ser vilipendiado ou depreciado no seu valor aos olhos da comunidade.
E o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar assenta na necessidade de reconhecimento, a qualquer pessoa, de uma zona individual de exclusão absoluta de publicidade como condição do livre desenvolvimento da personalidade, em nome de valores como a dignidade, a individualidade, a autonomia, a confiança e mesmo o bem-estar físico e psicológico (cfr. Jónatas Machado, Liberdade de Expressão, Coimbra Editora, 2002, pág. 793). Assim, só em casos extremos pode a zona de intimidade aqui protegida ser submetida a uma devassa legítima, designadamente através da comunicação social, o que apenas ocorrerá quando os factos em causa assumem uma, inequívoca valência e significatividade sistémico-social, ou seja, na estrita medida em que contendam com o interesse público (Costa Andrade, Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal, Coimbra editora, 1996, pág. 97).
Não estamos aqui a tratar de qualquer conflito permanente entre direito fundamentais e em salvaguarda dos direitos alegadamente objecto de lesão do Apelante no âmbito da actividade da comunicação social aqui representada pela Recorrida
Por isso, voltando-se ao que intrinsecamente aqui interessa, e mantendo-nos no domínio do direito, legalmente a culpa do agente afere-se pela conduta que um bom pai de família adoptaria no caso concreto (artº 487º nº 2 do CC – a culpa é apreciada em abstracto, por referência a um padrão ideal de Homem).
A culpa “lato sensu” inclui o dolo e a culpa “stricto sensu”, respectivamente, a intenção de realizar o comportamento ilícito que o respectivo agente configurou ou a mera intenção de querer a causa do facto ilícito, sendo que neste caso a censura ético-jurídica exprime um juízo de reprovação pessoal em relação ao agente lesante que, no caso, devia e podia agir em termos de evitar a causa do dano.
Nesta última ainda se distingue, por um lado, a consciente e, por outro a inconsciente, conforme o agente tenha previsto a produção do facto ilícito mas sem razão plausível crê que ela não ocorra, ou pura e simplesmente não a prevê, por falta de atenção ou de perícia, mas podendo prevê-la se nisso concentrasse a inteligência e a vontade.
Ademais, no que respeita ao grau de culpabilidade, tradicionalmente, a nossa Jurisprudência e Doutrina costumam distinguir três formas de culpa quanto ao seu grau, isto é, quanto à sua maior ou menor intensidade. Fala-se assim em culpa lata (também denominada grave ou grosseira), culpa leve e culpa levíssima, aferindo-se sob um critério de apreciação objectiva pelo confronto com um tipo abstracto de pessoa.
Quer a culpa grave, quer a culpa leve correspondem a condutas que uma pessoa normalmente diligente, o bonus pater famílias, se absteria.
Entendendo-se por culpa grave a situação de negligência grosseira, em que a conduta do agente só seria susceptível de ser realizada por uma pessoa especialmente negligente, uma vez que a grande maioria das pessoas não procederia da mesma forma. Ou seja, a que consiste em não fazer o que faz a generalidade das pessoas, em não observar os cuidados que todos, em princípio adoptam. A culpa grave apresenta-se assim como uma situação de negligência grosseira, “nimia” ou “magnata negligentia”.
Dos factos assentes obviamente que não se poderá dizer que alguém quis em termos dolosos atingir o Recorrente nos direitos pessoais que se afirmam violados (artºs 70º e até 80º do CC, 25º, nº 1 e 26º, nº 1 da CRP).
A sentença, na análise do debatido requisito, conjugando o ónus do Apelante de demonstrar factos que o revelassem, não encontra forma de formular juízo de reprovação da conduta da Apelada, mesmo a título negligente, nos termos do artº 487º do CC.
Admitiu, assim, que pessoa medianamente diligente na posição da Recorrida sempre permitiria a publicação do anúncio nos termos como resulta dos factos provados, pelo que, mesmo sem averiguação nem comprovação da titularidade do número de telefone indicado pelo anunciante bem como sem confirmação junto do Apelante da identidade da anunciante e da veracidade do anúncio.
Fundamenta esta asserção, a partir da circunstância da lei que não se revela proibitiva deste tipo de actividade publicitária e nem dela resultam requisitos especiais para o estabelecimento de contactos para a publicitação do tipo de textos como o que se analisa, com sensibilidade e admissibilidade irrefutável face aos interesses e princípios que daí decorrem potencialmente em conflito.
Ao fim ao cabo, na incapacidade da Apelada de se questionar sobre se a publicação do anúncio em que havia a necessidade de exibição de um número de telemóvel tornava-se-lhe exigível eticamente a confirmação nomeadamente da titularidade desse número.
Isto, perante a utilidade funcional desse na perspectiva tanto do anunciante, qualquer que ele fosse, desde logo envolvendo o seu interesse económico que não pretenderia ver frustrado, como do público alvo do mesmo.
Ou seja, não vemos como a reserva que lhe fosse exigível lhe permitisse prever ou representar que, por via da publicação, ofendesse ilicitamente qualquer direito de personalidade do Apelante.
Pelo que bem se ponderou que se estava perante uma situação completamente anómala o erro no anúncio da indicação do número de telefone usado pelo Apelante, face às regras de experiência comum, inclusivamente extensível quanto ao elevado número de anúncios diariamente publicados pelo jornal em causa, que tornaria impraticável qualquer género de confirmação previa à publicação, assim incluindo-a num dever de diligência para além do normal, excluída dos deveres gerais de diligência que se impõem ao “bom pai de família”.
Para além disto, será de não olvidar, que se está perante actividade comercial publicitária e a pessoa padrão que a lei acolhe terá que ser forçosamente aquela que actua no exercício dessa actividade. E, na respectiva diligência paradigma não se poderá sem mais falar em idoneidade de uma classe profissional estritamente a ela dedicada, com código deontológico alicerçado em ética profissional rigidamente balizada como acontece com outras profissões, e estar ela adstrita a informação rigorosa e a isenção de qualquer intuito de impressionar o público alvo através do sensacionalismo.
Igualmente bem concluiu a sentença quando decidiu que “por outro lado, não estamos perante nenhuma das situações legalmente previstas em que a culpa da R se presume ou que em se dispense a verificação dessa mesma culpa (designadamente, no âmbito da responsabilidade pelo risco).”.
Ademais sem se poder determinar que a haver erro no anúncio na indicação do número de telemóvel o mesmo deveria ser assacado à própria Apelada.
Em conclusão, não agiu a Apelada de modo censurável do ponto de vista ético-jurídico, conduzindo-se com culpa, ao menos na modalidade de inconsciente, mesmo que em registo exigente, deste modo não se verificando, nos termos do artº 483º do CC, um dos requisitos da responsabilidade civil, tema desta controvérsia.
Para mais não vislumbramos nas alegações e conclusões do Recorrente argumentação que contenda com o que se acabou de expender, que a nosso ver nem sequer alcança silogismo de raciocínios contrários de igual valor a isso e, com o devido respeito por opinião contrária, só por petição de principio se poderá dizer que a sentença neutraliza os seus direitos de personalidade.
O provado sobre a forma como alguém pode ver publicado um anúncio, é mesmo assim dubitativo de que a Apelada no contexto da sua actividade, comercial, económica, financeira e editorial assume, sem mais, por sua conta o risco, os erros de terceiros, não podendo eximir-se de danos que por esse via possa causa a terceiros.
Precisamente por ser meramente prepositiva esta afirmação sem que se demonstrem moldes de conduta eficazes impeditivos do ocorrido conforme estamos a debater, sendo disso sintomático o facto de nem o Apelante aventar atitude comportamental nesse sentido.
E também nós não a vislumbramos, aqui a podendo concretizar, num universo comunicacional de relativização extrema da titularidade da numeração dos telemóveis, a mais das vezes dependentes de cartões sem qualquer fidelização possível.
Como também do que se não demonstra se pode retirar a prova do sentido inverso será também anódino o que se afirmou sobre a não identidade da anunciante, sendo que a interrogação sobre o modo como o recorrente poderia responsabilizar civilmente um anunciante será matéria de regras de prova que poderá ter interesse discutir em termos de ius condentum mas não de ius conditum.
Por tudo isto deve a sentença proferida ser mantida nos seus precisos termos, julgando-se improcedente a Apelação.

Concluindo e sumariando (artº 713º, nº 7 do CPC):
1- Segundo o disposto no artº 29º, nº 2 da Lei nº 02/99 de 13.01 (Aprova a Lei de Imprensa), no caso de escrito ou imagem inseridos numa publicação periódica só se houver conhecimento e inexistência de oposição do director ou seu substituto legal, é que as empresas jornalísticas são solidariamente responsáveis com o autor pelos danos que tiverem causado.
2- A verificação do anterior requisito respeita ainda matéria de autoria de eventual acto susceptível de criar responsabilidade civil e revela-se como norma especial em relação ao que dispõe o artº 500º nº 1 do CC, respeitante às relações entre comitente e comissário.
3- No que à publicidade concerne o artº 28º do mesmo diploma, sob epígrafe com esse significado, também se dispõe que a difusão de materiais publicitários através da imprensa fica sujeita ao disposto nessa lei.
4- De qualquer modo a existência da obrigação de indemnizar depende, ante o mais, da verificação de todos os pressupostos da responsabilidade civil, nos termos dos artºs 483º e 484º do CC.
5- Na actividade publicitária referente a anúncios referenciados como “classificados” em principio existe por parte da proprietária do veículo que lhe serve de suporte incapacidade de se questionar sobre se a publicação do anúncio em que havia a necessidade de exibição de um número de telemóvel tornava-se-lhe exigível eticamente a confirmação nomeadamente da titularidade desse número.
6- Isto, perante a utilidade funcional desse na perspectiva tanto do anunciante, qualquer que ele fosse, desde logo envolvendo o seu interesse económico que não pretenderia ver frustrado, como do público alvo do mesmo.
7- Perante actividade comercial publicitária a pessoa padrão que a lei acolhe terá que ser forçosamente aquela que actua no exercício dessa actividade.

DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes nesta Relação em, não concedendo provimento ao recurso interposto pelo Apelante, confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Registe e notifique.
Eduardo Azevedo
Espinheira Baltar
Henrique Andrade