Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
783/06-1
Relator: ESTELITA MENDONÇA
Descritores: PRISÃO PREVENTIVA
REEXAME DOS PRESSUPOSTOS DA PRISÃO PREVENTIVA
FUNDAMENTAÇÃO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/08/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I – Contrariamente ao que os recorrentes pretendem, o despacho que procedendo ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva, decidir manter tal medida por nada se perfilar que justifique a sua alteração, não precisa de maior fundamentação do que a expressão da inalteração da situação.
II – Efectivamente, sobre a verificação dos pressupostos já se pronunciou a decisão que impôs a referida medida, sendo inútil, quando tudo se mantém inalterado, a reiteração, necessariamente repetitiva, da argumentação de facto e de direito expendida naquela decisão, pois que, se não ocorre nenhuma circunstância que justifique a alteração desses pressupostos da medida, nada há, logicamente, a comentar.
III – Nada mais será assim exigível, em termos de fundamentação, do que dar nota da inalteração da situação antes considerada, o que tem necessariamente implícitas a subsistência do circunstancialismo preexistente perante o qual aqueles pressupostos se julgaram preenchidos e a inexistência de circunstâncias novas determinantes de alteração e da consequente manutenção da medida (Neste sentido ver Ac. Rel. de Coimbra de 4/11/2004, publicado na Colect. Jurisp., T., V, pág. 129).
IV – Pelo contrário, se houvesse alteração da medida por se julgarem verificadas circunstâncias que determinassem essa alteração, aí sim já seria exigível a fundamentação da alteração da medida a ser explicitada em termos que pudessem ser avaliados por raciocínio lógico e em concreto.
V – Por outro lado, não se vislumbra, com a interpretação agora feita, qualquer violação dos nºs 1, e 6, do art. 32° da Constituição da Republica Portuguesa, porquanto estão asseguradas todas as garantias de defesa dos arguidos, e o processo está a correr os trâmites normais e a celeridade de um processo de arguidos presos tendo até já sido proferido despacho de acusação.
VI – O artº 213º do CPP, no seu nº 3, com vista à revisão trimestral oficiosa e obrigatória da subsistência dos pressupostos da prisão preventiva aí prevista, diz que, sempre que necessário, o juiz ouve o Mº Pº e o arguido.
VII – Ora, logo da letra da lei se verifica que a prévia audição do arguido não é obrigatória, pois depende de juízo de necessidade cuja formulação compete ao Juiz, ou seja, essa audição terá ou não lugar conforme o Juiz a julgue ou não necessária segundo a avaliação que fizer do caso concreto.
VIII – Impõe-se assim a conclusão de que a não audição do arguido prévia ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva não constitui pois violação de qualquer direito, já que o disposto no art. 61, nº 1, b), do CPP, não prevalece sobre o art. 213, nº 2, do mesmo diploma, sendo aliás que este constitui uma das excepções previstas naquele, que estabelece o direito do arguido ser ouvido sempre que devam ser tomadas decisões que o afectem “salvas as excepções da lei”
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juizes da Relação de Guimarães:

TRIBUNAL RECORRIDO :
Tribunal Judicial de Guimarães – (Inquérito n.º 904/05.4GBGMR-D).

RECORRENTES :
- "A"
- "B"

RECORRIDO :
Ministério Público

OBJECTO DO RECURSO :
"A" e "A" vieram interpor recurso do despacho proferido em 6/03/2006 (a fls. 237 dos autos principais - fls. 31 do presente agravo), o qual, proferido ao abrigo do disposto no art. 213 n.º 1 do C. P. Penal, determinou a manutenção da situação de prisão preventiva dos referidos arguidos por entender não se terem alterado os pressupostos de facto e de direito que a determinaram.
Os recorrentes alegam em matéria de direito, pedindo a revogação de tal despacho, apresentando para tal as seguintes
CONCLUSÕES :
1- Vem o presente recurso interposto do despacho de fls. 237, proferido ao abrigo do art. 213° n.º 1 do Código de Processo Penal, que decidiu no sentido da manutenção aos arguidos da aplicação da medida de coacção de prisão preventiva por entenderem os recorrentes estar a decisão ora recorrida ferida de nulidade por falta de fundamentação e de nulidade insanável por via da não audição dos arguidos com vista à elaboração da decisão recorrida.
2- A decisão recorrida manteve a sujeição dos arguidos à medida de coacção de prisão preventiva sem audiência dos arguidos, sem a requisição oficiosa e avaliação do relatório social, e sem a valoração de outros quaisquer circunstancialismos, baseando-se apenas no facto de existirem novos indícios para além dos já existentes aquando da primitiva aplicação da prisão preventiva, sobre a prática dos factos e de quem foram os seus autores.
3- O tribunal recorrido, na decisão que agora se recorre, ao invés de analisar os pressupostos da manutenção aos arguidos da prisão preventiva limitou-se a analisar a existência de indícios da prática dos factos sub judice e de quem são os seus autores, não analisando criticamente se actualmente se mantém o perigo de fuga, a possibilidade de continuação da actividade criminosa, perigo de continuação de perturbação da ordem e tranquilidade pública ou o perigo de perturbação do decurso do inquérito, como o exigido quer pela letra quer pelo espírito da norma constante do art. 213° n.o 1 do Código de Processo Penal.
4- O art. 213° n.º 1 do Código de Processo Penal, exige expressamente que o Tribunal reanalise os pressupostos de aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, o que terá de ser entendido no sentido de que o Tribunal está obrigado a especificada e fundamentadamente valorar ex novo os pressupostos que serviram de base à aplicação de prisão preventiva, não podendo remeter genericamente para o despacho inicial que aplicou essa mesma medida de coacção sob pena de violar as garantias de defesa do arguido, como se verifica na decisão recorrida.
5- O Tribunal recorrido ao manter a medida de coacção de prisão preventiva, sem solicitar qualquer relatório social sobre os recorrentes, usando apenas como argumento o facto de agora existirem novos indícios está a reportar-se a factos passados que o Tribunal não poderá levar em conta pois o n.º 1 do art. 213° do Código de Processo Penal exige uma análise com base na situação actual sobre se se mantêm os pressupostos que fundamentaram a decisão agora reexaminada que aplicou a medida de coacção de prisão preventiva, carecendo por esta via a decisão recorrida de fundamentação o que acarreta a sua nulidade.
6- Não cabe no livre arbítrio do Tribunal decidir sobre se deve ou não ouvir os arguidos ou se deve requerer ou não requerer relatório social antes de decidir da manutenção ou alteração da medida de coacção de prisão preventiva escudando-se nos termos imprecisos da Lei "sempre que necessário " e "pode ", porquanto, embora os n.ºs 3 e 4 do art. 213° do Código de Processo Penal usem conceitos indeterminados, não está a atribuir um poder discricionário ao Tribunal mas sim a permitir a este um maior alcance interpretativo da Lei, que por conseguinte poderá ser sindicável, não podendo significar que o Tribunal pode manter a medida de coacção de prisão preventiva sem carrear elementos para o processo que fundamentem essa decisão e que sejam capazes de demonstrar que se mantêm os pressupostos exigidos no 204° do Código de Processo Penal para manutenção da prisão preventiva.
7- O Tribunal a quo, não poderia in casu manter a medida de prisão preventiva sem audição do arguido ou sem a requisição de relatório social, uma vez que não dispunha de outros elementos capazes de fundamentar que os pressupostos exigidos no art. 204° do Código de Processo Penal se mantêm, desde logo porque o n.º 1 do art. 213° do Código de Processo Penal, impõe que o Tribunal aquando da apreciação da subsistência dos pressupostos da aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, tenha que fazer uma apreciação integral da actual situação dos recorrentes de modo a não se escudar apenas em factores passados que determinaram a sua primeira aplicação, mas a incluir nela factores actuais que possam influir na ponderação da medida de coacção a aplicar actualmente.
8- No sentido do que vem sendo defendido pelos recorrentes, refere o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, relatado pelo Venerando Desembargador Miguez Garcia de 19/09/2005, publicada in www.dgsi.pt. Que, "Em matéria de medidas de coacção vigora o princípio rebus sic stantibus, só se mantendo a sua validade e eficácia enquanto permanecerem inalterados os pressupostos em que se amparam", o que leva a concluir pela obrigatoriedade, no caso sub judice, do tribunal a quo oficiosamente averiguar das condições pessoais em que os arguidos se encontram actualmente, não podendo deixar os ouvir, para só assim poder sustentar a manutenção da aplicação aos arguidos da medida de coacção de prisão preventiva.
9- A interpretação do n.º 3 e 4 do art. 213° do Código de Processo Penal, no sentido de que não é necessário a requisição de relatório social nem a audição do arguido quando seja de manter a medida de coacção de prisão preventiva sem que sejam carreados para os autos, ainda que oficiosamente, outros elementos capazes de fundamentar a manutenção dos pressupostos de aplicação da medida de coacção de prisão preventiva é inconstitucional por violação das garantias de defesa plasmadas nos n.º s 1, 6, e 7 do art. 32° da Constituição e do principio do acusatório plasmado no n.o 5 do art. 32 da Constituição, concretizado ordinariamente na al. a) do n.º 1 do art. 61 do Código de Processo Penal.
10- O reexame trimestral da situação de sujeição a prisão preventiva visa também aquilatar se outra medida de coacção menos gravosa garantirá os objectivos que o Tribunal visa acautelar ao abrigo do princípio da subsidiariedade ínsito em qualquer decisão sobre a medida de coacção a aplicar ou a manter - cfr. o n.o 2 do art. 193° do Código de Processo Penal e o n.o 2 do art. 28° da Constituição - sendo que na decisão recorrida nada se refere sobre a escolha da manutenção dos arguidos sujeitos à da prisão preventiva, em detrimento de outra medida de coacção menos gravosa.
11- A interpretação do n.º 1 e 4° do art. 213° do Código de Processo Penal no sentido de que o reexame de três em três meses da subsistência dos pressupostos de aplicação da prisão preventiva, não carece de ser fundamentada, podendo apenas genericamente remeter para a primitiva decisão que aplicou a medida de coacção de prisão preventiva, ainda que sem audição dos arguidos e sem qualquer outro elemento que sustente a decisão que não seja a existência de novos indícios é inconstitucional por violação dos n.os 1, 6, art. 32° da Constituição da Republica Portuguesa.
12- Por outro lado a interpretação dada ao art. 213° n.º 1 do Código de Processo Penal, no sentido de não ser necessário na reapreciação trimestral da manutenção da aplicação da prisão preventiva, fundamentar os motivos da escolha da medida de coacção mais gravosa do sistema jurídico-penal português, é inconstitucional por violação do n.o 2 do art. 28° da Constituição.
13- O Tribunal recorrido só poderá optar pela não audição dos recorrentes, caso decida pela aplicação de uma medida de coacção menos gravosa, pois caso opte pela manutenção da prisão preventiva terá que obrigatoriamente os ouvir, enfermando por isso o despacho recorrido de nulidade insanável, tal como o que tem sido defendido nos Tribunais superiores citando-se aqui apenas dois acórdãos da inúmera jurisprudência que corrobora este entendimento: a) Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29 de Setembro de 1999 publicado in Colectânea de Jurisprudência n.º XXIV, tomo 4, pág. 24), onde se sumaria da seguinte forma: "Enferma de nulidade insanável o despacho que determina a continuação do arguido na situação de prisão preventiva, sem previamente o ouvir”. b) Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16 de Junho de 1999 publicado in Colectânea de Jurisprudência n.º XXIV, tomo 3, pág. 241, onde se sumaria da seguinte forma: "- O juiz, antes de proferir despacho a determinar que o arguido continue preso preventivamente, deve ouvi-lo, designadamente mandando-o notificar para que ele possa pronunciar-se ".
14- O Tribunal recorrido estava obrigado a fundamentar a razão da desnecessidade de audição dos arguidos para o reexame da medida de coacção de prisão preventiva, o que não aconteceu como se alcança da análise da decisão ora posto em crise, estando esta por esta via ferido de nulidade insanável, não podendo subsistir, como o já decidido o Tribunal da Relação do Lisboa em acórdão de 29 de Setembro de 1999 publicado in Colectânea de Jurisprudência n.º XXIV, tomo 4, pág. 145, onde se sumaria da seguinte forma: "I - Quando haja de proceder-se ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva e o juiz considere desnecessária audição prévia do MP ou do arguido, deverá fundamentar devidamente essa desnecessidade. II - A falta de fundamentação constitui nulidade insanável. "
15- O Tribunal recorrido na decisão ora posta em crise violou ou fez errada aplicação e ou interpretação dos art.os 61° n.o 1 al. a), 204°, 213° n.os 1, 3 e 4 do Código de Processo Penal, 28° n.o 2, 32.o n.os 1, 5, 6 e 7 da Constituição da República Portuguesa, não podendo por isso ser mantida.
Nestes termos e nos que V. Exas doutamente suprirão deve a decisão recorrida ser decretada nula por falta de fundamentação e concomitantemente declaradas as inconstitucionalidades nos termos supra aduzidos só assim se fazendo JUSTIÇA!
Respondeu o Magistrado do M.P.º sustentando que o despacho em crise aplicou correctamente a lei, pois os pressupostos que determinaram a aplicação ao arguido da medida de prisão preventiva não se alteraram, não sendo necessário ouvir o arguido aquando da revisão da medida.
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Admitido o recurso, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo, foi organizado o apenso do agravo e remetido a este tribunal.
Nesta Instância o Ex.mo Procurador Adjunto foi de parecer que o recurso deve ser considerado improcedente porquanto os pressupostos que determinaram a aplicação ao arguido da medida de prisão preventiva não se alteraram, não sendo necessário ouvir o arguido aquando da revisão da medida, a não ser quando o juiz o entenda necessário ou quando o arguido o solicitar implícita ou explícitamente.
Cumprido o disposto no art. 417 n.º 2 do C. P. Penal não foi apresentada resposta.
Efectuado exame preliminar e não havendo questões a decidir, colhidos os vistos, prosseguiram os autos para conferência.
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Tendo em atenção que são as conclusões do recurso que definem o seu objecto, nos termos do disposto no art. 412 n.1 do Código de Processo Penal, as questões colocadas no requerimento de interposição do recurso são a pretensa falta de fundamentação do despacho recorrido e a omissão de audição prévia do arguido.
Vejamos :

Os arguidos foram detidos, e, apresentados a primeiro interrogatório judicial, por despacho de 19/12/2005 foi-lhes, pela m.ma JIC, aplicada a medida de coacção de prisão preventiva por considerar que se verificavam os perigos do art. 204 alíneas a) e c) do C. P. Penal.

Estão detidos no estabelecimento prisional desde essa data.

Em 6/03/2006, após promoção do M.º P.º, procedendo-se à revisão da situação detentiva dos arguidos, foi proferido o seguinte despacho:

“Os arguidos "A" e "A" encontram-se presos preventivamente à ordem destes autos desde 19.12.2005, na sequência do despacho de fIs. 45 ss., por se considerar existir, no caso concreto, perigo de fuga, perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas e de continuação da actividade criminosa.
Ante o disposto no art. 213.n.º 1 CPP, cumpre reexaminar da subsistência dos pressupostos que determinaram a aplicação daquela medida de coacção.
Ouvido o MP, o mesmo promove a manutenção da medida, por entender não se terem alterado tais pressupostos.
Não considero necessária a audição dos arguidos nem a realização de relatório social (cfr. art. 213 n.º3 e n.º4 CPP), pelo que cumpre decidir.
Como resulta do despacho de fls. 103 ss, que aplicou aos arguidos a medida coactiva a que os mesmos se encontram sujeitos, foram determinantes para a opção pela prisão preventiva, em detrimento de outras medidas menos restritivas, a existência, in casu, de perigo de fuga, de perturbação da ordem e tranquilidade públicas e de continuação da actividade criminosa e de fuga.
Ora, entendo que tais circunstâncias se mantêm inalteradas, tendo os indícios existentes saído reforçados das diligências de inquérito entretanto realizadas e que culminaram, inclusivamente, na prolação de despacho de acusação a fls. 187ss, em que é imputada aos arguidos a prática adicional de crimes - mais graves que os considerados fortemente indiciados aquando da realização do 1.º interrogatório judicial - que nem sequer haviam sido levados em linha de conta em tal diligência (pois que na altura não fortemente indiciados).

Pelo exposto, por entender não se terem alterado os pressupostos de facto e de direito que determinaram a aplicação, aos arguidos, da prisão preventiva, mantenho a medida de coacção aplicada a "A" e "B".
Notifique.
Guimarães, d.s.”
É deste despacho que vem interposto o presente recurso.


1. Da Falta de Fundamentação do despacho

Dizem os arguidos que o tribunal recorrido, ao invés de analisar os pressupostos da manutenção aos arguidos da prisão preventiva se limitou a analisar a existência de indícios da prática dos factos sub judice e de quem são os seus autores, não analisando criticamente se actualmente se mantém o perigo de fuga, a possibilidade de continuação da actividade criminosa, o perigo de continuação de perturbação da ordem e tranquilidade pública ou o perigo de perturbação do decurso do inquérito, como o exigido quer pela letra quer pelo espírito da norma constante do art. 213° n.º 1 do Código de Processo Penal, o qual exige expressamente que o Tribunal reanalise os pressupostos de aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, o que terá de ser entendido no sentido de que o Tribunal está obrigado a especificada e fundamentadamente valorar ex novo os pressupostos que serviram de base à aplicação de prisão preventiva, não podendo remeter genericamente para o despacho inicial que aplicou essa mesma medida de coacção sob pena de violar as garantias de defesa do arguido.
Cremos, no entanto, que não tem razão.
Contrariamente ao que os recorrentes pretendem, o despacho que, procedendo ao reexame dos pressupostos da prisão preven­tiva, decidir manter tal medida por nada se perfilar que justi­fique a sua alteração, não precisa de maior fundamentação do que a expressão da inalteração da situação.
Efectivamente, sobre a verificação dos pressupostos já se pronunciou, abundantemente diga-se..., a decisão que impôs a referida medida (ver despacho de fls. 33 a 47 deste apenso) sendo inútil, quando tudo se mantém inalterado, a reiteração, necessa­riamente repetitiva, da argumentação de facto e de direito expendida naquela decisão.
Ora, se não ocorre nenhuma circunstância que justifique a alteração desses pressupostos da medida, nada há, logicamente, a comentar.
Nada mais será assim exigível em termos de funda­mentação do que dar nota da inalteração da situação antes considerada, o que tem necessariamente implícitas a sub­sistência do circunstancialismo preexistente perante o qual aqueles pressupostos se julgaram preenchidos e a inexistência de circunstâncias novas determinantes de alteração e da consequente manutenção da medida (Neste sentido ver Ac. Rel. Coimbra de 4/11/2004, publicado na Colect. Jurisp. T. V pág. 129).
Assim sendo, a menção que foi feita no caso de que se mantêm inalterados os pressupostos de facto e de direito que determinaram a imposição, aos arguidos referidos no despacho, da prisão preventiva, fundamenta suficiente­mente a decisão assumida de a manter, sendo por outro lado patente a desnecessidade de individualização de um tal despacho.
Pelo contrário, se houvesse alteração da medida por se julgarem verificadas circunstâncias que determinassem essa alteração, aí sim já seria exigível a fundamentação da alteração da medida a ser explicitada em termos que pudessem ser avaliados por raciocínio lógico e em concreto.
Por outro lado, não se vislumbra, com a interpretação agora feita, qualquer violação dos n.os 1, 6, art. 32° da Constituição da Republica Portuguesa, porquanto estão asseguradas todas as garantias de defesa dos arguidos, e o processo está a correr os trâmites normais e a celeridade de um processo de arguidos presos tendo até já sido proferido despacho de acusação (fls. 48 a 55 dos presentes autos).
Improcede assim esta parte da crítica dos recorrentes.

2. Da necessidade de audição dos arguidos

Sustentam os arguidos que o Tribunal recorrido só poderá optar pela não audição dos recorrentes, caso decida pela aplicação de uma medida de coacção menos gravosa, pois caso opte pela manutenção da prisão preventiva terá que obrigatoriamente os ouvir, enfermando por isso o despacho recorrido de nulidade insanável, tal como, segundo diz, tem sido defendido nos Tribunais superiores, citando 2 acórdãos da Relação do Porto em abono da sua tese,
Sustenta ainda que o Tribunal recorrido estava obrigado a fundamentar a razão da desnecessidade de audição dos arguidos para o reexame da medida de coacção de prisão preventiva, o que não aconteceu, estando esta por esta via ferido de nulidade insanável, não podendo subsistir.
Essa argumentação parece ter subjacente o entendi­mento de que só excepcionalmente a audição do arguido prévia à decisão de manutenção da prisão preventiva aludida no art. 213 n.º 2 e 3 do CPP poderia ser preterida, tendo nesse caso tal preterição que ser objecto de decisão expressa e justificada.
Esse entendimento não merece porém acolhimento.
Socorrendo-nos novamente do Ac. da Relação de Lisboa acima citado, sabemos que o art. 213 do CPP no seu n.º 3 – com vista à revisão trimestral oficiosa e obrigatória da subsistência dos pressupostos da prisão preventiva aí prevista – diz que, sempre que necessário, o juiz ouve o M.º P.º e o arguido (o itálico é nosso).
Ora, logo da letra da lei se verifica que a prévia audição do arguido não é obrigatória, pois depende de juízo de necessidade cuja formulação compete ao Juiz, ou seja, essa audição terá ou não lugar conforme o Juiz a julgue ou não necessá­ria segundo a avaliação que fizer do caso concreto.
Assim será ainda quando, tendo o arguido sido ouvido quando da imposição da medida, no reexame trimes­tral sobre subsistência dos pressupostos da prisão preven­tiva se decide tão só que os pressupostos antes verificados se mantém.
Impõe-se assim a conclusão de que a não audição do arguido prévia ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva não constitui pois violaç­ão de qualquer direito (o disposto no art. 61 n.º 1 b) do CPP não prevalece sobre o art. 213 n.º 2 do mesmo diploma, sendo aliás que este constitui uma das excepções previstas naquele, que estabelece o direito do arguido ser ouvido sempre que devam ser tomadas decisões que o afectem "salvas as excepções da lei").
Também não constitui violação do princípio do contraditório (nos termos do art. 32 n.º 2 da Constituição da República, fora da audiência de julgamento e desde que asseguradas as garantias de defesa, a lei ordinária é livre de determinar quais os actos que estão sujeitos àquele princípio) nem preterição de qualquer formalidade ou exigência imposta por lei.
Esta interpretação também não é inconstitucional por violação dos arts 28.º e 32.º da CRP.
Continuando a seguir aquele Acórdão, “...no que concerne a uma pretensa violação do princípio do contraditório consagrado em ambos - ainda que no primeiro tendo em mente especificamente a impo­sição de medidas na sequência de detenção e no segundo no âmbito das garantias de defesa em processo criminal, há que considerar que, tendo a interpretação vinda de expor aporte na letra da lei, temos de concluir que se o preceito prevê a possibilidade de a audição prévia do arguido não ter lugar, se o Juiz o entender desnecessária, é porque à vertente daquele princípio que essa audição importaria, o legislador sobrepôs, imediatamente, a economia processual mediante a exclusão de actos inúteis (e se não há dúvidas sobre a manutenção da medida, por exemplo por nada de novo haver a ponderar, é inútil a audição) e mediatamente os interesses que informam a própria medida de coacção: a necessidade de assegurar o exercício da acção da justiça e de prevenir a continuação de actividades criminosas e perturbações da ordem e da tranquilidade públicas, inte­resses de indiscutível relevância e que se reconduzem a valores como a segurança e a justiça que, correspondendo a direitos fundamentais com consagração constitucional compete ao Estado garantir.
Ora essa prevalência em nada colide - antes pelo contrário- com a letra ou o espírito da nossa lei fundamen­tal: da análise dos seus preceitos no seu conjunto não podemos deixar de extrair que os interesses que levam a admitir a imposição de restrições à liberdade individual prevalece sobre aqueles que estão implícitos ao principio do contraditório nos casos em que a observância dos . segundos pusesse em eausa ou entravasse a efectivação dos primeiros, deixando-os sem tutela.
A não audição do arguido será assim materialmente fundada sob o ponto de vista da praticabilidade da justiça e da segurança jurídica, pelo que, não se baseando em qualquer razão constitucional imprópria, não pode ser considerada inconstitucional”.
Assim, o preceito em questão, assim interpretado, não está ferido de inconstitucionalidade.
Para além de tudo quanto fica dito, não podemos esquecer que, mesmo que se entenda desne­cessária a audição prévia do arguido, a sua omissão nos termos do citado artigo não prejudica as garantias de defesa, pois tudo quanto o arguido, logo que notificado da sua imposição e fundamentos, entenda dever trazer aos autos, sempre será obrigatoriamente considerado nos termos e para os efeitos, designadamente, do disposto no art. 212 do CPP .
Não ocorre assim a inconstitucionalidade invocada.
Contrariamente ao que alega o recorrente, entendemos também que não é obrigatória como acto prévio à reapreciação nos termos do disposto no art. 213 do CPP, a realização de relatório social do arguido, aliás só possível se por ele consentida.
Efectivamente, nos termos do n.º 4 ao artigo 213 “a fim de fundamentar as decisões (sobre substituição, revogação ou manutenção da prisão preventiva, o Juiz pode, oficiosamente ou a requerimento, solicitar relatório social ou informação dos serviços de reinserção social, desde que o arguido consinta na sua realização”.
Ora, logo da letra da lei resulta que a solicitação do relatório social não é, mesmo quando requerida, obriga­tória, Na verdade, referindo que o Juiz pode, oficiosamente ou a requeri­mento, solicitá-lo (desde que o arguido consinta) o legislador deixa também ao livre arbítrio do Juiz a decisão sobre a sua necessidade, aqui se aplicando todas as considerações acima expandidas quanto à audição prévia.
No entanto, não obstante cabendo nesse livre arbítrio do Juiz, a não audição e não solicitação do relatório social, e consequentemente, o juízo de desnecessidade que têm implícito, nos termos do disposto no art. 97 n.º 4 do CPP, essas decisões têm de ser justificadas.
Ora, no caso vertente, o M.mo juiz a quo justificou a não audição dos arguidos dizendo que “tendo os indícios existentes saído reforçados das diligências de inquérito entretanto realizadas e que culminaram, inclusivamente, na prolação de despacho de acusação a fls. 187ss, em que é imputada aos arguidos a prática adicional de crimes - mais graves que os considerados fortemente indiciados aquando da realização do 1.º interrogatório judicial - que nem sequer haviam sido levados em linha de conta em tal diligência (pois que na altura não fortemente indiciados)”.
Assim, na sequência do que fica dito, tratando-se de realização de acto cuja necessidade fica ao livre arbítrio do Juiz, tal fundamentação é suficiente, não sendo exigível maior justificação.

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DECISÃO :

Termos em que, de harmonia com o exposto, acordam os juizes desta Relação em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Fixa-se a taxa de justiça devida pelos recorrentes em cinco Ucs.
Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (art. 94°, n.º 2 do C.P.P.)
Notifique.
Guimarães, 8 de Maio de 2006.

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