Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
848/8.8TBPTL.G1
Relator: AUGUSTO CARVALHO
Descritores: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
TRÂNSITO EM JULGADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/26/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I. As decisões proferidas num Estado-Membro e que nesse Estado tenham força executiva podem ser executadas noutro Estado-Membro, depois de nele terem sido declaradas executórias, a requerimento de qualquer parte interessada.
II. A declaração de executoriedade de sentença estrangeira só poderá ser requerida, após o respectivo trânsito em julgado. Este requisito terá de se verificar na altura da apresentação do requerimento de executoriedade.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães


O Banco… , S.A., (actualmente B… ), veio, ao abrigo do disposto nos artigos 31º a 35º e 47º a 49º da Convenção de Bruxelas, de 27 de Setembro de 1968, relativa à Competência Judiciária e à Execução de decisões em Matéria Civil e Comercial, à qual Portugal aderiu, em 26 de Maio de 1989, requerer a declaração de executoriedade de sentença estrangeira.

Alega que, por sentença proferida em 31 de Dezembro de 1997, pelo Tribunal de Grande Instance de Nanterre, Maria… e Francisco… foram condenados, solidariamente, a pagar ao Banco… (actualmente B… ), a quantia de 216721,93 francos franceses, com juros a contar de 25/10/1996, data da entrada em mora; condenada a requerida, na sua qualidade de caucionante da empresa “Le Roi… ” ao Banco… , a quantia de 356.539,51 francos franceses, com juros a contar de 17/10/1995, data da entrada em mora; pagamento a título do artigo 700º do NCPC e condena ambos os requeridos em todas as despesas, por aplicação do artigo 699º do NCPC.
A referida decisão satisfaz os requisitos exigidos pelo artigo 46º da Convenção de Bruxelas, na medida em que não há dúvidas sobre a autenticidade e inteligência, provém de tribunais competentes, não contém princípios contrários à ordem pública e não ofende princípios do direito português.

Através da sentença de fls. 29 e seguintes, o Tribunal de Ponte de Lima declarou a executoriedade da decisão proferida pelo Tribunal de Grande Instance de Nanterre, no âmbito do processo que o aqui requerente B… moveu aos requeridos Maria… e Francisco… .
Para tanto, considerou o Tribunal de Ponte de Lima que se encontravam reunidos todos os requisitos legais indispensáveis à declaração de executoriedade da sentença, pois, a decisão proferida pelo Tribunal de Grande Instance de Nanterre não continha princípios contrários à ordem pública e não ofendia princípios do direito português.

Inconformados, os requeridos recorreram para esta Relação, formulando as seguintes conclusões:
1.O Meritíssimo Juiz a quo deveria, em face dos documentos levados aos autos, ter proferido outra decisão que não a de declarar a executoriedade da decisão estrangeira.
2.O requerente peticionou que a decisão condenatória proferida pelo Tribunal de Grande Instance de Nanterre fosse declarada executória em Portugal.
3.Juntando aos autos como documentos uma fotocópia não autenticada da sentença condenatória do Tribunal de Grande Instance de Nanterre e procuração forense.
4.Com base nestes documentos, decidiu o Meritíssimo Juiz a quo declarar executória a referida sentença estrangeira e julgar procedente a acção de reconhecimento de execução da decisão estrangeira.
5.Não obstante, tal não podia ter acontecido.
6.Porque o documento junto aos autos que sustenta a pretensão do autor não passa de uma cópia simples judicial não autenticada ou acompanhada de documento de autenticação – artigos 369º e seguintes do C.C.
7.Não tem qualquer validade jurídica e, muito menos, poderá servir para sustentar uma decisão judicial, como é o caso da sentença ora recorrida.
8.Por outro lado, verifica-se que o documento apresentado encontra-se redigido em língua francesa, não contendo qualquer tradução do mesmo para língua portuguesa.
9.Pelo que, deveria o Meritíssimo Juiz a quo ter solicitado a tradução do documento apresentado e, só depois, essa tradução se encontrar junta aos autos e devidamente instruída é que deveria proferir decisão.
10.Ao não fazê-lo, entende-se ter violado o disposto nos artigos 139º e 140º do C.P.C.-, e os artigos 369º e seguintes do C.C.
11.Acresce, ainda, que do documento junto pelo requerente não consta nenhum documento emitido por autoridade francesa, ou até portuguesa, sobre o trânsito em julgado da sentença.
12.Ora, a falta deste requisito é fundamental para que os tribunais portugueses e, designadamente, o Tribunal de Ponte de Lima, poderem emitir declaração de executoriedade daquela sentença.
13.Aliás, os requeridos, só agora, com a decisão do Tribunal de Ponte de Lima, tiveram conhecimento da decisão francesa. O que os levou a interpor recurso judicial para os Tribunais Superiores Franceses.
14.Assim,deveria a decisão ter negado a declaração de executoriedade da sentença estrangeira e, consequentemente, não reconhecer, nem declarar a executoriedade da mesma.
15.Em face do exposto, consideramos que a sentença recorrida violou o disposto no artigo 677º do C.P.C.

A apelada apresentou contra-alegações, concluindo pela confirmação da sentença.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Com interesse para decisão do recurso, consideram-se assentes os seguintes factos:
1.Por sentença proferida em 31 de Dezembro de 1997, pelo Tribunal de Grande Instance de Nanterre, Maria… e Francisco… foram condenados, solidariamente, a pagar ao Banco… (actualmente B… ), a quantia de 216721,93 francos franceses, com juros a contar de 25/10/1996, data da entrada em mora; condenada a requerida, na sua qualidade de caucionante da empresa “Le Roi… ” ao Banco… , a quantia de 356.539,51 francos franceses, com juros a contar de 17/10/1995, data da entrada em mora; pagamento a título do artigo 700º do NCPC e condena ambos os requeridos em todas as despesas, por aplicação do artigo 699º do NCPC.
2.Como resulta da certidão do original da Secretaria da Cour d”Appel de Versailles, Despacho de Incidente, junta a fls. 130 a 133, foi declarado «admissível o recurso interposto pelo Sr. e pela Sra. P… , relativamente à sentença impugnada».


São apenas as questões suscitadas pelos recorrentes e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1, do C. P. Civil.
A única questão a decidir consiste em saber se pode ser declarada a executoriedade da decisão proferida pelo Tribunal de Grande Instance de Nanterre.

I. A confiança recíproca na administração da justiça no seio da Comunidade justifica que as decisões judiciais proferidas num Estado-Membro sejam automaticamente reconhecidas, sem necessidade de recorrer a qualquer procedimento, excepto em caso de impugnação.
A mesma confiança recíproca implica a eficácia e a rapidez do procedimento para tornar executória num Estado-Membro uma decisão proferida noutro Estado-Membro.
Para este fim, a declaração de executoriedade deve ser dada de forma quase automática, após um simples controlo formal dos documentos fornecidos, salvaguardando-se, todavia, os direitos de defesa que garantem ao requerido a possibilidade de interpor recurso contra a declaração de executoriedade, se entender que é aplicável qualquer fundamento para a não execução – artigos 34º e 36º da Convenção de Bruxelas, de 27 de Setembro de 1968.
As decisões proferidas num Estado-Membro e que nesse Estado tenham força executiva podem ser executadas noutro Estado-Membro, depois de nele terem sido declaradas executórias, a requerimento de qualquer parte interessada – artigo 31º.
O requerimento apenas poderá ser indeferido nos casos previstos nos artigos 27º e 28º da Convenção, sendo que a parte contra a qual a execução é promovida não pode apresentar observações – citado artigo 34º.
O Tribunal a quo considerou que se encontravam reunidos todos os requisitos legais indispensáveis à declaração de executoriedade da sentença proferida pelo Tribunal de Grande Instance de Nanterre.
Ora, nesta parte, já não se pode aceitar tal posição, pois, através de informações mandadas obter por este Tribunal da Relação, chegou-se à conclusão que a referida sentença francesa ainda não transitou em julgado.
Com efeito, como resulta da certidão do original da Secretaria da Cour d”Appel de Versailles, Despacho de Incidente, junta a fls. 130 a 133, foi declarado «o incidente apresentado pelo B… admissível, mas mal fundado», e foi declarado «admissível o recurso interposto pelo Sr. e pela Sra. P… , relativamente à sentença impugnada».
Ou seja, ao contrário do que acontecia na altura em que o Tribunal de Ponte de Lima declarou a executoriedade, agora, temos a informação documental e autêntica de que foi admitido recurso da sentença proferida pelo Tribunal de Grande Instance de Nanterre.
Nestas circunstâncias, como resulta do disposto no artigo 677º do C.P.C., a sentença não transitou em julgado e, por conseguinte, não pode ser declarada a respectiva executoriedade.
É claro que o requerente/apelado vem sugerir que, dado não estar ainda decidido o recurso interposto, até por uma questão de economia processual, seja a instância suspensa, ao abrigo do disposto no artigo 279º, nº 1, do C.P.C. (fls. 120 e 121).
Não se verificam, porém, os requisitos da suspensão por prejudicialidade prevista no citado artigo 279º, nº 1, pois, aquela pressupõe uma coincidência parcial de objectos processuais simultaneamente pendentes em causas diferentes, o que não acontece entre uma sentença e o recurso dela interposto.
Pelo contrário, entendemos que a declaração de executoriedade de sentença estrangeira só poderá ser requerida, após o respectivo trânsito em julgado. Este requisito terá de se verificar na altura da apresentação do requerimento de executoriedade.
Não tendo a sentença proferida pelo Tribunal de Grande Instance de Nanterre transitado em julgado, não pode ser declarada a sua executoriedade, nem ser suspensa a instância, ao abrigo do citado artigo 279º, nº 1, do C.P.C.
Deste modo, por violação do disposto no artigo 677º do C.P.C., revoga-se a sentença recorrida.


Sumário:
I. As decisões proferidas num Estado-Membro e que nesse Estado tenham força executiva podem ser executadas noutro Estado-Membro, depois de nele terem sido declaradas executórias, a requerimento de qualquer parte interessada.
II. A declaração de executoriedade de sentença estrangeira só poderá ser requerida, após o respectivo trânsito em julgado. Este requisito terá de se verificar na altura da apresentação do requerimento de executoriedade.


Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta secção cível em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogar a sentença recorrida.

Custas pela apelada.
Guimarães, 26.5.2011
Augusto Carvalho
Conceição Bucho
Antero Veiga