Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
197/11.4GAFAF.G2
Nº Convencional: JTRG000
Relator: FERNANDO CHAVES
Descritores: SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
PROCESSO SUMÁRIO
JUIZ DE INSTRUÇÃO CRIMINAL
TRIBUNAL COMPETENTE
NULIDADE INSANÁVEL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/19/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO PROCEDENTE
Sumário: Após as alterações introduzidas pela Lei 26/2010, de 30 de Agosto, o juiz competente para proferir o despacho a que alude o artigo 384.º, n.º1 do CPP é o juiz de instrução.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório
Nestes autos de processo sumário n.º 197/11.4GAFAF, a correr termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Fafe, o arguido Aníbal M..., com os sinais dos autos, veio interpor recurso da sentença que o condenou pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros), o que perfaz o montante de € 560,00 (quinhentos e sessenta euros), assim como na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista e punida pelo artigo 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, pelo período de 3 (três) meses.
São do seguinte teor as conclusões da motivação que apresentou (transcrição):
“I. O arguido requereu, antes da distribuição e da audiência de discussão e, necessariamente antes da audiência de discussão e julgamento, julgamento, a Suspensão provisória do Processo.
II. Impõe o n.º 1 do art..º 281.º do CPP que o Ministério Público determina a Suspensão provisória do Processo se se verificarem os requisitos para tal, consubstanciando esta norma um poder-dever e não uma arbitrariedade.
III. O Ministério Público opôs-se à pretensão do arguido e, face à posição assumida pelo MP, o tribunal a quo indeferiu o peticionado, não fundamentando sequer a sua decisão.
V. Ocorreu nulidade insanável por violação do disposto nos artigos 389.º-A e 374.º do CPP.
VI. A meritíssima Juiz a quo indeferiu a suspensão provisória do processo, pelo que se encontrava impedida de realizar a audiência de discussão e julgamento.
VII. Efectuado o julgamento pela Meritíssima Juiz que proferiu tal despacho de indeferimento, está este ferido da nulidade prevista no art.º 41.º n.º 3 do CPP.
VIII. Da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, jamais poderia o arguido ter sido condenado, tendo-se ultrapassado, inquestionavelmente, o Princípio da Prova Livre, violando-se inquestionavelmente art.º 127.º do CPP, que deve ser interpretado no sentido exposto quer nas Alegações quer nestas Conclusões.
IX. Tendo-se ultrapassado o Princípio da Prova Livre urge temperar o acima dito com um Princípio igualmente fundamental e crucial em Direito Penal: Princípio In Dubio Pro Reo, que constitui o corolário da presunção basilar do Processo Penal: PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA, também um Princípio basilar relativo à prova e à sua produção em processo penal;
X. Consagra a Constituição da República Portuguesa (adiante designada abreviadamente CRP) logo no seu art.º 1.º o primado da Pessoa Humana e da sua Dignidade, valorizando assim o Ser Humano como Princípio Fundamental do Ordenamento Jurídico Português e do próprio Sistema Democrático.
XI. No sentido atrás exposto consagrou a CRP um conjunto de “Direitos, Liberdades e Garantias Pessoais”, designadamente relativos ao Arguido, designadamente no art.º 32.º, resultando de tudo o acima referenciado, que se violaram as mais elementares garantias de defesa dos Arguidos constitucionalmente consagradas;
XII. A prova de que o arguido conduziu com a taxa de alcoolemia resultante do exame da TAS é inexistente, existindo um erro notório na apreciação da prova, uma vez que dos depoimentos prestados impunha-se, como se impõe, a absolvição do Arguido.
XIII. Não foi, como deveria ter sido, deduzido ao valor da TAS o valor do erro máximo admissível, pelo que também por este motivo existe um erro notório na apreciação da prova.
NESTES TERMOS,
Deve conceder-se integral provimento ao presente recurso,
considerando-se nula a audiência de discussão e julgamento ou, caso assim
não se entenda, revogar-se a sentença recorrido e ser o Recorrente
ABSOLVIDO.
ASSIM SE DECIDINDO SE FARÁ - COMO É TIMBRE -
A CONSTANS, PERPETUA ET VERA IUSTITIA!”

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O Ministério Público respondeu ao recurso pronunciando-se no sentido da sua improcedência.
Nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416.º do Código de Processo Penal, acompanhando a resposta à motivação de recurso apresentada pelo Ministério Público na 1ª instância, emitiu parecer no sentido de que o recurso do arguido não merece provimento.
No âmbito do disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, o arguido nada disse.
Foram colhidos os vistos e realizou-se a conferência.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
1. A sentença recorrida configura a factualidade provada bem como a respectiva motivação da forma seguinte (por transcrição):
“MATÉRIA DE FACTO PROVADA
No dia 11 de Fevereiro de 2011, pelas 20 horas e 35 minutos, na Rua D. Afonso Henriques, Regadas, Fafe, o arguido Aníbal M..., conduzia o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula 24-66-..., sua pertença.
Ao ser submetido ao exame de pesquisa de álcool no ar expirado, quando conduzia o dito veículo automóvel, apresentou uma taxa de álcool no sangue de 1,33 g/l.
O arguido bem sabia que não podia conduzir na via pública com tal taxa de alcoolemia, que apresentava, sendo proibido ingerir bebidas alcoólicas antes de exercer tal condução.
O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo ser a sua conduta proibida por lei, tendo sido interveniente em acidente de viação.
O arguido é casado e vive em casa própria.
Tem veículo automóvel.
Tem 2 filhos maiores.
É motorista de profissão, auferindo um rendimento médio mensal de 570 €.
A sua esposa é auxiliar de armazém, auferindo o salário mínimo.
Não tem antecedentes criminais.
Está social e profissionalmente inserido.
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MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
O tribunal formou a sua convicção a partir de toda a prova produzida, em sede de audiência de julgamento, depois de criticamente analisada, à luz das regras da experiência e com o especial relevo, tendo em atenção o depoimento prestado pelo Militar da GNR Ricardo Martins que acabou por intervir no âmbito deste processo na medida em que foi chamado ao local aquando do sinistro, do embate a fim de tomar as respectivas declarações e fazer os respectivos exames de pesquisa de álcool no sangue.
O qual foi prestado de forma convincente, credível, coincidente com o teor do auto de notícias de folhas 3 e bem assim o exame de pesquisa de álcool no sangue de folhas 4, tendo este agente confirmado na totalidade a versão introduzida pela acusação em juízo.
Foi ainda relevante o exame de pesquisa de álcool no sangue de folhas 4.
O arguido negou em parte os factos constantes da acusação, acabou por referir que conduzia nas circunstâncias de tempo e lugar descritas na mesma.
Explicou que foi interveniente em acidente de viação, contudo apenas após o embate é que, alegadamente, ingeriu bebidas alcoólicas, mais concretamente duas cervejas.
A testemunha Joaquim Moutas afirmou ao tribunal que o arguido ingeriu duas bebidas alcoólicas, duas cervejas no interior do dito estabelecimento, padaria, café, pastelaria, conforme cada um dos, das pessoas ali, em audiência de julgamento identificaram o dito estabelecimento e que o tempo entre a ingestão e a chegada da GNR foi cerca de 10 minutos.
Acrescentou que o arguido estava nervoso e que a ingestão das bebidas foi rápida.
A testemunha António Neves afirmou ao tribunal que seguia atrás do veículo do arguido, após o sinistro, este saiu do veículo, instantes após viu o mesmo com uma cerveja na mão junto ao veículo automóvel do mesmo, ou seja, aquele que foi interveniente no sinistro.
Não bebeu em momento algum no interior do estabelecimento acima referido.
Perguntou ao arguido se precisava de alguma coisa, que nos disse que não, que seguiu saiu pela sua marcha, ausentando-se do local.
Ora, face à prova produzida o tribunal refere que a versão apresentada pelo arguido, quando conjugada com a demais prova, a testemunhal que se apresentava bêbado, face à acusação pública, bem assim com as regras de experiência comum, não se afigura minimamente credível.
Não é plausível que o comportamento de quem acabou de ter um sinistro, seja o de ingerir logo de seguida bebidas alcoólicas, daí aquilo que o tribunal deu como provado quanto aos factos que constam da acusação.
No que se refere às condições socioeconómicas o tribunal teve presente as declarações complementarmente prestadas pelo senhor em sede de audiência de discussão de julgamento e quanto aos antecedentes criminais o certificado junto aos autos”.
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2. Apreciando.
Dispõe o artigo 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal( - Diploma a que se referem os demais preceitos legais citados sem menção de origem.) que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
Por isso é entendimento unânime que as conclusões da motivação constituem o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso( - Cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, volume III, 2ª edição, 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 7ª edição, 107; Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17/09/1997 e de 24/03/1999, in CJ, ACSTJ, Anos V, tomo III, pág. 173 e VII, tomo I, pág. 247 respectivamente.), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso( - Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado no Diário da República, Série I-A, de 28/12/1995.).
Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente( - Diga-se aqui que são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar – Germano Marques da Silva, obra citada, pág. 335; Daí que se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões – Simas Santos e Leal Henriques, obra citada, pág. 107, nota 116.), são as seguintes as questões a apreciar e decidir:
- nulidade por violação do disposto nos artigos 389.º-A e 374.º;
- nulidade prevista no artigo 41.º, n.º 3;
- violação do princípio in dubio pro reo;
- erro notório na apreciação da prova;
- dedução da margem de erro máximo admissível ao valor da TAS.
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Antes de mais, previamente às questões suscitadas, uma outra, de conhecimento oficioso, indissociável das duas primeiras, se coloca: a questão da competência para o conhecimento do requerimento apresentado pelo arguido no sentido de ser determinada a suspensão provisória do processo.
Na verdade, em 14 de Fevereiro de 2011, antes do início da audiência de julgamento, ao abrigo do disposto nos artigos 280.º, 281.º e 282.º ex-vi artigo 384.º, todos do Código de Processo Penal, o arguido fez dar entrada de um requerimento em que pretende ver determinada a suspensão provisória do processo com os fundamentos constantes de fls. 16 a 17.
Após ter sido aberta vista na sequência do despacho de fls. 20, o Ministério Público deduziu oposição à pretensão formulada pelo arguido nos termos constantes de fls. 22.
Como resulta da acta de fls. 23 a 27, imediatamente após a abertura da audiência de julgamento, a Sra. Juiz, conhecendo de tal requerimento, proferiu o seguinte despacho:
«Atenta a posição assumida pela Srª. Procuradora Adjunta, entende o tribunal não estarem reunidos todos os requisitos para a suspensão provisória do processo requerida pelo arguido, pelo que se indefere a mesma.
Notifique.»
Antes da revisão de 2010( - Décima nona alteração ao Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, operada pela Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto, que entrou em vigor no dia 29 de Outubro de 2010.), a jurisprudência dividia-se relativamente à competência para a decisão do pedido de suspensão provisória do processo pois enquanto uns consideravam que a questão era decidida pelo Mº Pº e pelo juiz de instrução, outros entendiam que tal decisão podia ser tomada pelo Mº Pº e pelo juiz de julgamento( - Sobre esta questão vide Vinício Ribeiro, Código de Processo Penal, Notas e Comentários, 2ª edição, páginas 1101 e 1102.).
Agora, com a nova redacção conferida ao artigo 384.º, designadamente ao seu n.º 2, que regulamenta o processamento da suspensão provisória em sede de processo sumário, deixa de haver dúvidas sobre o juiz competente para se pronunciar acerca da suspensão provisória do processo: o juiz de instrução( - Cfr. Cruz Bucho, A Revisão de 2010 do Código de Processo Penal Português, página 102, disponível em www.dgsi.pt/jtrg/estudos; Acórdãos da Relação do Porto de 4/3/2011, 9/3/20011, 30/3/2011, 13/4/2011, 8/6/2011, 15/6/2011, 11/7/2001 e 31/10/2011, todos disponíveis em www.dgsi.pt/jtrp.).
Trata-se de uma consequência do princípio do acusatório consagrado no artigo 32.º, n.º 5 da Constituição da República.
A estrutura acusatória do processo supõe uma fase de investigação, secreta, sem contraditório, dominada pelo Ministério Público, em que se define o objecto do processo e uma fase de julgamento, pública, com contraditório, dominada pelo juiz, em que se julga o objecto do processo, impondo-se uma separação funcional e orgânica entre estas duas fases( - Cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 7/87, de 9/1, 23/90, de 31/1 e 581/2000, de 20/12, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt.).
A suspensão provisória do processo nunca é decidida pelo “juiz do julgamento”, o qual também não tem qualquer intervenção nos procedimentos com vista à mesma, sendo a lei inequívoca ao indicar que o juiz que intervém é o de “instrução” por ser este quem, no nosso processo, profere as decisões de natureza jurisdicional antes da fase do julgamento( - Acórdão desta Relação de 29/9/2008, disponível em www.dgsi.pt/jtrg.).
Aliás, tanto assim é que a lei estabelece que nenhum juiz pode intervir em julgamento relativo a processo em que tiver recusado a suspensão provisória do processo sob pena de nulidade – artigos 40.º, alínea e) e 41.º, n.º 3.
A competência material para esse tipo de intervenção em toda a fase anterior ao julgamento é do juiz de instrução, tal como resulta directamente do disposto nos artigos 10.º, 17.º, 281.º, n.º 1, 307.º, n.º 2 e 384.º, n.ºs 1 e 2.
A violação das regras de competência do tribunal constitui uma nulidade insanável de conhecimento oficioso e a todo o tempo até ao trânsito em julgado da decisão final – artigo 119.º, alínea e).
Nesta conformidade, competindo materialmente ao juiz de instrução pronunciar-se acerca do requerimento de suspensão provisória do processo apresentado pelo arguido, ao conhecer de tal requerimento em sede de julgamento cometeu a Sra. Juiz a quo uma nulidade insanável, a qual acarreta a nulidade do processado a partir do acto em que se verificou – artigo 122.º, n.º 1.
Pelo exposto, importa declarar a nulidade de todo o processado a partir de fls. 22, incluindo a audiência de julgamento, ficando, em consequência, prejudicada a apreciação das questões acima enunciadas.

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III – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam os juízes desta Relação em declarar a incompetência material do tribunal a quo para conhecer da suspensão provisória do processo requerida pelo arguido e, em consequência, anular o julgamento, determinando-se a remessa dos autos ao Juiz de Instrução a fim de ser proferido o despacho a que alude o artigo 281.º, n.º 1, em conformidade com o disposto no artigo 384.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, por ser o competente para o efeito.

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Sem tributação.
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(O acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.º 2 do CPP)
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Guimarães, 19 de Dezembro de 2011