Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5834/09.8TBBRG-C.G1
Nº Convencional: JTRG000
Relator: PEREIRA DA ROCHA
Descritores: OMISSÃO
CITIUS
ROL DE TESTEMUNHAS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/11/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Sumário:
Deve ser admitido o rol de testemunhas constante do requerimento probatório anexo ao formulário de requerimento probatório disponibilizado pelo sistema informático CITIUS, apesar da omissão de preenchimento do campo daquele formulário destinado ao arrolamento de testemunhas.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães


I – Relatório
Nestes autos de recurso de apelação, é recorrente [A] & Filhos, L.da e é recorrida [B]-Metalomecânica, S.A.
Em 10/09/2009, a Recorrida instaurou contra a Recorrente acção declarativa com processo comum ordinário, pedindo a condenação dela a pagar-lhe €353.265,48, acrescidos de juros de mora à taxa legal de 9,5%, utilizando, para instauração da acção, o formulário disponibilizado no sistema informático CITIUS do Ministério da Justiça, sob o endereço electrónico http://citius.tribunaisnet.mj.pt, e, electronicamente, tem vindo a ser tramitada a acção, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 138.º-A, n.º 1, e 150.º, n.ºs 1, 3, 4, 7, 8 e 9, do CPC e da Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro.
A Autora, na petição inicial, não indicou, nem requereu, meios de prova.
Proferido despacho saneador, com especificação dos factos assentes e dos factos controvertidos relevantes para a decisão final (base instrutória), foi cumprido pela secretaria o disposto no art.º 512.º do CPC, mediante a notificação das partes do despacho saneador e para, em 15 dias, apresentarem rol de testemunhas, requererem outras provas ou alterarem os requerimentos probatórios que hajam feito nos articulados e requererem a gravação da audiência final ou a intervenção do tribunal colectivo.
Subsequentemente, a Autora, através do seu Mandatário, apresentou requerimento probatório, utilizando, para o efeito, o formulário do sistema informático CITIUS, preenchendo-o nos campos da caracterização, do mandatário subscritor e das notificações entre mandatários nos termos do artigo 229.º-A C.P.C. e anexando-lhe cópia digitalizada do requerimento probatório elaborado pelo seu Mandatário, constando apenas deste o rol de cinco testemunhas, a apresentar, e pedido de gravação da audiência de julgamento, que o referido sistema informático, integralmente, admitiu, validou e expediu, quer para o Tribunal a que era dirigido, quer para sua notificação, por via electrónica, à também nele identificada Mandatária da parte contrária.
No referido formulário do requerimento probatório, a Autora omitiu o preenchimento do campo nele existente para arrolamento de testemunhas.
Por despacho de 25/02/2010, foram admitidos os róis de testemunhas de fls. 32 e 36, ordenada a gravação da audiência e designada data para julgamento.
Não se conformando com este despacho na parte em que admitiu o rol de testemunhas apresentado pela Autora, a Ré interpôs recurso de apelação, com subida em separado e com efeito devolutivo, sintetizando as alegações nas subsequentes conclusões:
-A A. ofereceu o rol de testemunhas, via CITIUS, no seu requerimento probatório.
-A apresentação de peças processuais é efectuada através do preenchimento dos formulários disponibilizados no CITIUS.
-Neste sistema há formulário para a inserção, v. g. do rol de testemunhas e por isso devia o rol ser indicado no campo respectivo e não podia ter sido, como foi, apresentado unicamente no ficheiro anexo.
-Ocorreu desconformidade entre o conteúdo dos formulários (que não foi preenchido com a indicação das testemunhas) e o conteúdo do ficheiro anexo no qual consta o rol de testemunhas.
-Motivo pelo qual deve prevalecer a informação constante dos formulários.
-Não tendo este sido preenchido pela A., havendo campo específico para o efeito, o rol de testemunhas apresentado é inexistente e não devia ter sido admitido.
-Foi violado o disposto no nºs 1 e 2 do artigo 6° da Portaria n.º 114/2008, de 06 de Fevereiro.
Termos em que deve ser julgado que a A. não arrolou testemunhas, rectius que o rol que apresentou é inexistente, pelas sobreditas razões e em consequência deve a decisão que o admitiu ser revogada sendo substituída por outra que não admita o rol de testemunhas da A..
A Apelada apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
Considerando serem as conclusões da recorrente que fixam e delimitam o objecto do recurso, a questão a decidir consiste em saber se não deveria ter sido admitido o rol de testemunhas apresentado pela Autora em anexo ao formulário disponibilizado aos advogados pelo sistema informático CITIUS, por haver nesse formulário um campo destinado ao arrolamento de testemunhas.

II - Apreciando
A factualidade relevante à decisão do recurso consta do anterior relatório.
Estatui o artigo 138.º-A, n.º 1, do CPC que a tramitação dos processos é efectuada electronicamente em termos a definir por portaria do Ministro da Justiça, devendo as disposições processuais relativas a actos dos magistrados e das secretarias judiciais ser objecto das adaptações práticas que se revelem necessárias.
E o artigo 150.º, n.º 1, do CPC estatui que aos actos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentadas a juízo preferencialmente por transmissão electrónica de dados, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 138.º-A, valendo como data da prática do acto processual a da respectiva expedição.
Portaria esta que é a n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro, alterada pelas Portarias n.º 457/2008, de 20 de Junho, e n.º 1538/2008, de 30 de Dezembro e 195-A/2010 de 8 de Abril.
A questão suscitada prende-se com a aplicação e a interpretação dos artigos 4.º, n.º 1, 5.º, n.ºs 1, a), e 2 e 6.º, n.ºs 1 e 2, e 13.º, a), b) e c), da referida Portaria.
A Portaria n.º 114/2008 de 6/2, em cumprimento parcial do estatuído no n.º 1 do art.º 138.º- A, do CPC, tem por objecto a regulamentação dos aspectos indicados nas várias alíneas do seu art.º 1.º da tramitação electrónica dos processos judiciais nos tribunais de 1.ª instância, não tendo, pois, por escopo estabelecer sanções processuais às partes, nem preclusões de direitos processuais delas, as quais estão previstas e regulamentadas no CPC.
Utilizando o sistema informático CITIUS para apresentação de peças processuais, devem ser preenchidos os formulários disponibilizados no endereço http://citius.tribunais.mj.pt, aos quais se anexam ficheiros com a restante informação legalmente exigida, conteúdo material da peça processual e demais informação que o mandatário considere relevante e que não se enquadre em nenhum campo dos formulários, integrando, para todos os efeitos, a peça processual o formulário preenchido e os anexos a ele (artigo 5.º, n.ºs 1 e 2, da Portaria).
E prescreve o art.º 6.º da citada Portaria que, quando existam campos no formulário para a inserção de informação específica, essa informação específica deve ser indicada no campo respectivo, não podendo ser apresentada unicamente nos ficheiros anexos (n.º 1) e que, em caso de desconformidade entre o conteúdo dos formulários e o conteúdo dos ficheiros anexos, prevalece a informação constante dos formulários» (n.º 2).
Por sua vez o art.º 13.º da mesma Portaria, sob a epígrafe requisitos da transmissão electrónica de dados, nas suas alíneas a), b) e c), prescreve que o sistema informático CITIUS assegura:
a) A certificação da data e hora de expedição;
b) A disponibilização ao remetente de cópia da peça processual e dos documentos enviados com a aposição da data e hora de entrega certificada;
c) A disponibilização ao remetente de mensagem nos casos em que não seja possível a recepção, informando da impossibilidade de entrega da peça processual e dos documentos no sistema informático.
No requerimento probatório apresentado pela Autora, enviado em anexo ao formulário por ela preenchido, além da indicação do rol de testemunhas, que eram a apresentar, foi requerida também a gravação da audiência.
No formulário de requerimento probatório disponibilizado pelo CITIUS, não há campo para requerer a gravação da audiência, nem para a indicação da totalidade dos meios de prova legalmente permitidos.
Apesar da Autora não ter indicado qualquer meio de prova no formulário disponibilizado pelo sistema informático CITIUS para o requerimento probatório, o próprio sistema informático recebeu-o e expediu-o, o que significa que esse requerimento observava as regras estabelecidas para a sua tramitação electrónica.
O n.º 2 do art.º 6.º daquela Portaria, ao aludir à prevalência do conteúdo dos formulários, no caso da sua desconformidade com o conteúdo de ficheiros anexos a tais formulários, visa explicitar o funcionamento automático do próprio sistema informático ou o processamento automático dos actos processuais praticados através dele, não contendo, pois, qualquer sanção processual para a parte que praticou essa desconformidade, nem qualquer preclusão de direito processual dela.
Assim, se houvesse lugar à tramitação electrónica subsequente automática da notificação das testemunhas arroladas, o sistema informático daria prevalência à omissão do formulário e não procederia à sua notificação, por apenas terem sido arroladas no anexo ao formulário.
O mesmo se passaria com o endereçamento automático do formulário de requerimento probatório preenchido pela Autora e do requerimento probatório por ela elaborado e por ela anexado àquele formulário ou com a sua notificação automática à mandatária da parte contrária identificada naquele formulário, endereçamento e notificação estas que o sistema informático, em caso de desconformidade entre o formulário e o anexo, processaria automaticamente de harmonia com o constante do formulário, dando-lhe, assim, a prevalência prescrita pelo n.º 2 do art.º 6.º daquela Portaria.
Em termos pragmáticos, o que este n.º 2 prescreve, elucidando, é que o sistema informático CITIUS apenas processa automaticamente os dados inseridos pelo utilizador nos formulários por ele disponibilizados e, subsequentemente, actua em conformidade com eles.


III - Decisão
Pelo exposto decidimos julgar improcedente a apelação e, consequentemente, mantemos o despacho recorrido.
Custas pela Apelante.
Guimarães, 11 de Maio de 2010.