Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
736-08.8GAEPS.G1
Relator: CARLOS BARREIRA
Descritores: TESTEMUNHA
DEPOIMENTO INDIRECTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/25/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Sumário: I – No nosso ordenamento processual penal, a regra é a da invalidade do depoimento por ciência indirecta, o qual só depois de confirmado se torna válido como meio de prova.

II – Não corresponde a depoimento indirecto o relato feito em audiência de julgamento pelas testemunhas que se limitam a constatar factos e reacções que presenciaram de outrem.
III – Relativamente ao alcance da proibição do testemunho de “ouvir dizer”, pode considerar-se adquirido, por um lado, que os agentes policiais não estão impedidos de depor sobre factos por eles detectados e constatados durante a investigação e, por outro lado, que são irrelevantes as provas extraídas de “conversas informais” mantidas entre esses mesmos agentes e os arguidos, ou seja, declarações obtidas à margem das formalidades e das garantias que a lei processual impõe.
III – Pretenderá, assim, a lei impedir, com a proibição destas “conversas”, que se frustre o direito do arguido ao silêncio, silêncio esse que seria “colmatado” ilegitimamente através da “confissão por ouvir dizer” relatado pelas testemunhas.
IV – Pressuposto desse direito ao silêncio do arguido é, no entanto, a existência de um inquérito e a condição de arguido: a partir de então, as suas declarações só podem ser recolhidas e valoradas nos estritos termos indicados na lei, sendo irrelevantes todas as conversas ou quaisquer outras provas recolhidas informalmente.
V – De forma diferente se passam as coisas quando se está no plano da recolha de indícios de uma infracção de que a autoridade policial acaba de ter notícia: compete-lhe praticar “os actos necessários e urgentes para assegurar os meios de prova”, entre os quais, “colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime” (art.º 249º do C.P. Penal).
VI – Esta é uma fase de pura recolha informal de indícios, que não é dirigida contra ninguém em concreto; as informações que então forem recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito. Ainda que provenham de eventual suspeito, essas informações não são declarações em sentido processual, precisamente porque não há ainda processo.
VII – Completamente diferente é o que se passa com as ditas “conversas informais” ocorridas já durante o inquérito, quando já há arguido constituído, e se pretende suprimir o seu silêncio, mantido em auto de declarações, por depoimentos de agentes policiais testemunhando a “confissão” informal ou qualquer outro tipo de declaração prestada pelo arguido à margem dos formalismos impostos pela lei processual para os actos a realizar no inquérito.
VIII – O que o art. 129º do CPP proíbe são estes testemunhos que visam suprir o silêncio do arguido, não os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligências de investigação, nomeadamente a prática de providências cautelares a que se refere o art. 249º do C. P. Penal
IX – Por outro lado, o testemunho de ouvir dizer não se confunde com o depoimento indirecto. Quando uma testemunha refere o que ouviu dizer ao arguido, que está presente, não se pode qualificar tal como testemunho de ouvir dizer, só porque o arguido optou pelo direito ao silêncio.
X – Não constitui depoimento indirecto, antes sendo algo que aquele ouviu directamente da sua boca, da sua voz, quase de seguida à ocorrência dos mesmos, a afirmação de uma testemunha, seja ela agente da autoridade (e no exercício das suas funções ou não) ou um outro cidadão comum, de que ouviu o arguido dizer que era o condutor de um automóvel que acabara de intervir num acidente de viação, pelo que um tal depoimento constitui prova que é legalmente admissível, sendo valorado dentro da livre apreciação pelo Tribunal, nos termos do art. 127º do C. P. Penal
XI – Aliás, o Tribunal Constitucional tem entendido o seguinte:
a) No Ac. n.º 213/94, DR., II Série, de 23.08.1994, e no BMJ 435, pág. 155 e ss, julgou inconstitucional a norma do n.º1, parte final, do artigo 129º do Código de Processo Penal, enquanto interpretada pelo acórdão recorrido no sentido de admitir que possa servir como meio de prova o depoimento que resultar do que se ouviu dizer a pessoa determinada quando a inquirição desta pessoa não for possível por impossibilidade de ser encontrada, mesmo que esta pessoa seja um co-arguido e o depoente seja um agente da polícia judiciária que com ela contactou quando, na situação de detida, aguardava o primeiro interrogatório judicial.
b) No Ac. n.º 440/99, DR., II Série, de 09.11.1999, e no BMJ 489, pág. 5, decidiu:
“Há, assim, que concluir que o artigo 129º, n.º 1 (conjugado com o artigo 128º, n.º 1, do Código de Processo Penal), interpretado no sentido que o tribunal pode valorar livremente os depoimentos indirectos de testemunhas, que relatem conversas tidas com um co-arguido que, chamado a depor, se recusa a fazê-lo no exercício do seu direito ao silêncio, não atinge, de forma intolerável, desproporcionada ou manifestamente opressiva, o direito de defesa do arguido. Não o atinge, ao menos na dimensão em que essa norma foi aplicada ao caso.
Por isso, não havendo um encurtamento inadmissível do direito de defesa do arguido, tal norma não é inconstitucional.”
XII – Quer dizer: de facto, o que o agente autuante relata é por ele presenciado directamente, quando refere que o condutor do referido veículo assumiu perante ele essa qualidade (de condutor) e perante ele também realizou, voluntariamente, o exame efectuado ao álcool, o mesmo se passando com o depoimento da testemunha … que referiu, além do mais, que o arguido lhe confidenciou que estava cansado e por isso é que foi embater contra o muro da residência.
XIII – De qualquer modo, ainda que se entendesse que se tratava de depoimentos “indirectos” e “por ouvir dizer” – ideia que não subscrevemos – sempre as mais elementares regras da lógica e da experiência comum nos conduziriam à mesma conclusão (ou seja, do facto de as referidas testemunhas verem que um veículo que é propriedade da mãe do arguido, com ele residente na cidade de Braga, se encontra em Esposende, às 5 horas e 15 minutos, esbarrado contra um muro e, por coincidência, naquele mesmo local, ali apenas foi por eles encontrado o arguido e, pela entidade autuante, apenas foram encontrados o arguido e os proprietários da residência atingida.).
Decisão Texto Integral: