Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
360/08-2
Relator: TERESA BALTAZAR
Descritores: SEGREDO DE JUSTIÇA
PRAZOS
SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/14/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: I – A interpretação que se mostra mais consentânea com as regras de aplicação da lei processual penal no tempo é a que entende que o regime do segredo de justiça tal como é configurado na nova lei (...) será de aplicação imediata, mas dirigida ao futuro, não colocando em causa os actos praticados em sede da lei antiga.
II – De outro modo a aplicação imediata da nova lei implicará sempre efeitos retroactivos não permitidos que atingem actos anteriormente praticados, violando o disposto no art. 5º nº 1 do Cód. Processo Penal.
III – No caso, a interpretação que a decisão recorrida, faz do disposto no art. 89º, n.º 6 do C. P. Penal, no sentido de que a prorrogação da manutenção do segredo de justiça é possível até ao prazo objectivamente indispensável à conclusão da investigação, levaria a uma solução que não foi desejada pelo legislador: a de, a requerimento do MP, o segredo de justiça poder ser prorrogado indefinidamente, enquanto durasse o inquérito, desde que isso fosse “objectivamente indispensável à conclusão da investigação”.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães:
- Tribunal recorrido:
Tribunal Judicial de Guimarães (1º Juízo Criminal - Proc. n.º 50/05. 0TE LSB).
- Recorrentes:
Albino e Agostinho.
- Objecto do recurso:
No processo n.º 50/05.0TELSB, da Secção Única do Tribunal Judicial de Guimarães, por despacho de 14-01-2008 (cfr. fls. 10, 11 e certidão de fls. 1), no que aqui importa, foi decidido o seguinte: " (...) nos termos do Art. 89°, n.º 6 do CPP determina-se a prorrogação da manutenção do segredo de justiça até ao dia 4.10.2008, uma vez que este é o prazo objectivamente indispensável à conclusão da investigação (...)"
*
Inconformados com a supra referida decisão, os arguidos Albino e Agostinho dela interpuseram recurso, terminando a motivação com as seguintes conclusões:

"
1. O presente processo começou em 2005.
2. No entanto, segundo o Mº Pº, só em 26 de Maio de 2006, cerca de 1 ano depois do início do processo, foi contra pessoa determinada, pelo que só então se iniciou o inquérito para efeitos de contagem do seu prazo máximo.
3. O prazo máximo do inquérito é, no caso, de doze meses, que se perfizeram, sempre em segredo de justiça, em 26 de Maio de 2007.
4. O segredo de justiça interno vem-se mantendo desde o início que significa que dura há quase três anos e, desde que o inquérito começou a correr contra pessoa determinada, dura há quase vinte meses.
5. Desde 15 de Setembro último que o segredo de justiça, não pode durar mais de 18 meses, em inquérito, sendo que os meses que se seguirem ao prazo máximo do inquérito, dependem de decisões judiciais, um adiamento por 3 meses, no máximo e uma prorrogação de tal período máximo, ambas sujeitas as critérios de legalidade estrita.
6. Face ao facto de o segredo de justiça não poder manter-se para além de dezoito meses, desde 15 de Setembro, o segredo de justiça interno, para os arguidos cessou em 26 de Novembro.
7. Admitindo, que não concedendo, que o facto de o juiz ter competência para adiar o acesso aos autos, nos termos do art. 89° nº 6 do CPP, é uma realidade nova, desde 15 de Setembro último, ainda assim, o segredo de justiça interno nos presentes não pode estender-se para além 15 de Março de 2008.
8. A decisão recorrida violou os arts.89 nº 6 e 5°, ambos do CPP.
9. Assim, impõe-se a sua revogação, declarando-se que:
a) o segredo de justiça interno, nestes autos, face ao inicio do inquérito em 26 de Maio de 2006, terminou em 26 de Novembro, quando se perfizeram 18 meses sobre a data em que o inquérito foi contra pessoa determinada,
subsidiariamente, sem prescindir
b) deve ser declarado que o segredo de justiça interno dos presentes, em nenhuma circunstância, pode ultrapassar o dia 15 de Março próximo.
Assim se fará JUSTIÇA! ".
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O recurso foi admitido por despacho datado de 12-02-2008, constante a fls. 47.
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O M. P. respondeu ( cfr. fls. 16 a 45 ), concluindo que, no seu entender, o recurso não deve merecer provimento.
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O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, nesta Relação emitiu parecer ( cfr. fls. 51 e 52 ), no qual, igualmente, conclui que o recurso não merece provimento.
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Cumprido o disposto no artigo 417º, n.º 2, do C. P. Penal, os arguidos apresentaram a resposta de fls 55 e 56, que aqui se dá integralmente como reproduzida, onde mantêm o entendimento de que a norma do art. 89º, n.º 6 do CPP, no que respeita aos termos " (...) prorrogado, por uma só vez (...)" apenas permite a "(...) interpretação que o prazo objectivamente indispensável à conclusão da investigação tenha de ser dentro de novo prazo máximo de três meses.".
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Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, prosseguiram os autos para conferência, na qual foi observado todo o formalismo legal.
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- Cumpre apreciar e decidir:
- A - É de começar por salientar que, para além das questões de conhecimento oficioso, são as conclusões do recurso que definem o seu objecto, nos termos do disposto no art. 412º, n.º 1, do C. P. Penal.
- B - Sendo que, no essencial, a questão colocada no requerimento de interposição do recurso pelos arguidos, é a seguinte:
- Saber se a norma do art. 89º, n.º 6 do C. P. P., no que respeita aos termos " (...) prorrogado, por uma só vez (...)" apenas permite a "(...) interpretação que o prazo objectivamente indispensável à conclusão da investigação tenha de ser dentro de novo prazo máximo de três meses.".

- Ou caso, se entenda, por uma questão de aplicação da lei no tempo, que o adiamento de tal período só pode começar na data da entrada em vigor da Lei n.º 48/2007, de 29-08 (o que os recorrentes admitem, mas não concedem), isto é 15 de Setembro, saber, nesse caso, se o segredo de justiça interno dos presentes autos, em nenhuma circunstância, pode ultrapassar o dia 15 de Março de 2008.
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- C - O despacho recorrido (cfr. fls. 10 e 11), na parte que aqui importa, tem o teor seguinte:
"Atento os motivos invocados pela ilustre Magistrada do Ministério Público, e ainda, tendo em atenção o tipo de crimes em investigação, e a dificuldade na obtenção e análise de novos elementos de prova, nomeadamente na expedição das cartas rogatórias e nos exames a efectuar ao tabaco apreendido, bem como na prova pericial a efectuar aos elementos bancários e contabilísticos, sem os quais não pode ser concluída a presente investigação, nos termos do Art. 89°, n.º 6 do CPP determina-se a prorrogação da manutenção do segredo de justiça até ao dia 4.10.2008, uma vez que este é o prazo objectivamente indispensável à conclusão da investigação, com os fundamentos de facto e de direito constantes do despacho do Ministério Público através do qual determinou a sujeição dos presentes autos ao segredo de justiça, nos termos do Art. 86°, n.o 3 do CPP, para os quais se remete.
Notifique. ".
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- Quanto à questão colocada pelos arguidos no seu recurso:
- Saber se a norma do art. 89º, n.º 6 do C. P. P., no que respeita aos termos " (...) prorrogado, por uma só vez (...)" apenas permite a "(...) interpretação que o prazo objectivamente indispensável à conclusão da investigação tenha de ser dentro de novo prazo máximo de três meses.".

- Ou caso, se entenda, por uma questão de aplicação da lei no tempo, que o adiamento de tal período só pode começar na data da entrada em vigor da Lei n.º 48/2007, de 29-08 (o que os recorrentes admitem, mas não concedem), isto é 15 de Setembro, saber, nesse caso, se o segredo de justiça interno dos presentes autos, em nenhuma circunstância, pode ultrapassar o dia 15 de Março de 2008.
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Como se refere a fls. 13 e 16, os autos iniciaram-se em 2005, correndo contra pessoa determinada desde 26 de Maio de 2006.
Em 10 de Outubro de 2007, foi proferido despacho a determinar que o acesso aos autos fosse adiado por um período de três meses, nos termos do disposto no art. 89º, n.º 6 do C. P. Penal (cfr. fls. 2 e 3 dos presentes autos).
Constando a fls. 3 (parte final do despacho) que o M. P. havia já determinado a sujeição dos autos ao segredo de justiça, nos termos do art. 86º, n.º 3 do C. P. Penal.
Por despacho datado de 30-10-2007, foi declarada a "excepcional complexidade do processo", pelas razões constantes de fls. 5 e 6 dos presentes autos (ali consta "(...) que no presente inquérito se investiga a prática de factos, por parte de treze arguidos, que integram, entre outros, os tipos legais de associação criminosa, contrabando agravado, introdução fraudulenta ao consumo agravada e branqueamento de capitais.").
Sendo de referir que aquando da entrada em vigor da Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto, em 15-09-2007, os autos se encontravam sob um regime de segredo de justiça.
Estamos, assim, perante uma situação de sucessão de Leis processuais penais no tempo e na ausência de qualquer regime ou norma transitórios que solucionem a questão, rege o princípio da aplicação imediata da nova lei processual penal, mas nos termos previstos no art. 5º do Código de Processo Penal.
E tudo sopesado, concorda-se com o referido pelo M. P. a fls. 35 onde refere que " (...) a interpretação que se mostra mais consentânea com as regras de aplicação da lei processual penal no tempo é a que entende que o regime do segredo de justiça tal como é configurado na nova lei (...) será de aplicação imediata, mas dirigida ao futuro, não colocando em causa os actos praticados em sede da lei antiga.".
De outro modo a aplicação imediata da nova lei implicará sempre efeitos retroactivos não permitidos que atingem actos anteriormente praticados, violando o disposto no art. 5º nº 1 do Cód. Processo Penal.
Na sequência de requerimento do M. P. nesse sentido, em 14-01-2008, atendendo a que existiam ainda diligências de investigação a realizar e que o seu conhecimento antecipado, por parte dos arguidos, podia fazer perigar a investigação, a M.ma Juíza de instrução criminal determinou "(...) a prorrogação da manutenção do segredo de justiça até ao dia 4.10.2008, uma vez que este é o prazo objectivamente indispensável à conclusão da investigação (...).".
O que está aqui em causa com o presente recurso é, no essencial, precisamente saber se é legalmente admissível esta prorrogação efectuada nestes termos ou se a mesma tem necessariamente como limite igual período do adiamento, ou seja, três meses (v. art. 89º, n.º 6 do C. P. P.).
A este respeito é sabido que a última revisão do CPP (dada pela Lei n.º 48/2007, de 29-08) pretendeu consagrar com maior amplitude o princípio da publicidade. A interpretação que a decisão recorrida faz do disposto no art. 89º, n.º 6 do C. P. Penal levaria a uma solução que não foi desejada pelo legislador. A de, a requerimento do MP, o segredo de justiça poder ser prorrogado indefinidamente, enquanto durasse o inquérito, desde que isso fosse “objectivamente indispensável à conclusão da investigação”.
É certo que numa primeira versão foi prevista a possibilidade do juiz de instrução apenas poder determinar, no interesse da investigação, um adiamento pelo período máximo e improrrogável de 3 meses – v. exposição de motivos da proposta de Lei nº 109/X.
Porém, a redacção que veio a ser adoptada apenas acrescentou novo período máximo de três meses ao anteriormente previsto. Esse período máximo de três meses deverá inclusivamente ser reduzido se for menor o “prazo objectivamente indispensável à conclusão da investigação”. Outra interpretação deixa sem sentido a referência ao facto de a prorrogação apenas poder ser feita “uma só vez”. Se a ideia tivesse sido não estabelecer limites temporais para a nova prorrogação, nenhum sentido faria vedar a possibilidade do juiz, a todo o tempo, fixando sucessivos prazos, ir fiscalizando se continua a justificar-se em concreto a prorrogação. Nem, também, nenhum sentido faria estabelecer um primeiro período de três meses, que o legislador qualificou de «máximo». Nada permite a interpretação de que a redacção adoptada visou esvaziar o conteúdo da proposta inicial.
Ou seja, em nosso entender, a última parte da norma em causa (art. 89º, n.º 6 do C. P. Penal) deve ser interpretada em sentido oposto à interpretação dada à mesma pela decisão recorrida.
Em conclusão, tendo sido declarado em 10-10-2007 o adiamento do acesso aos autos por três meses (cfr. fls. 2 e 3) esse prazo terminou em 10-01-2008, só podendo ser o mesmo ser prorrogado até igual período de 3 meses, o qual terminou em 10-04-2008.
Pelo que deve dado provimento ao recurso e ser alterada a decisão recorrida (de fls. 10 e 11 destes autos) nesse sentido, deferindo-se apenas parcialmente o requerimento do M. P. ali em apreço.
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Assim, sem mais considerações, conclui-se que o recurso dos arguidos deve ser julgado procedente nos sobreditos termos.
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- DECISÃO:
De harmonia com o exposto, acordam os juízes desta Relação de Guimarães, em conceder provimento ao recurso dos arguidos, nos sobreditos termos, alterando-se a decisão recorrida (de fls. 10 e 11 destes autos), deferindo-se apenas parcialmente o requerimento do M. P. ali em apreço, no sentido de ser prorrogado o acesso aos autos, nos termos do disposto no art. 89º, n.º 6 do C. P. Penal, apenas pelo período máximo de três meses (o qual terminou em 10-04-2008).
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Sem custas.
Notifique.
D. N. .
Guimarães, 14 de Abril de 2008