Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
709/16.7T8BRG.G1
Relator: PAULO REIS
Descritores: REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS
ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELA LEI Nº 27/2019
APLICAÇÃO IMEDIATA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/01/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- O regime emergente do disposto no artigo 14.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 27/2019, de 28-03, é imediatamente aplicável à tramitação de ação declarativa pendente em que a decisão que pôs termo ao processo foi proferida ainda no domínio da lei antiga mas o processo apenas foi remetido à conta após a entrada em vigor da lei nova, o mesmo sucedendo com o requerimento apresentado pelas partes para dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida quer quanto ao processo principal quer quanto aos recursos, o qual veio a ser ulteriormente decidido por despacho que indeferiu tal dispensa quanto ao remanescente da taxa de justiça referente ao processo.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

Nos autos de ação declarativa de condenação, sob a forma comum, do Juízo Central Cível de Braga - Juiz 3 - do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, que X - Gestão de Interesses, Lda., instaurou contra A. C., efetuada conta de custas n.º .........19 da responsabilidade do réu, veio este apresentar reclamação da mesma, pedindo que tal conta seja revogada e substituída, por não respeitar os normativos legais aplicáveis, nomeadamente o artigo 14.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), na redação anterior à conferida pela Lei 27/2019, de 28-03, e condenando o réu apenas e só ao pagamento do remanescente da taxa de justiça devida pelo seu próprio impulso processual, imputando à autora o valor do remanescente da taxa de justiça devida pelo respetivo impulso processual; subsidiariamente, caso se considere que o artigo 14.º, n.º 9, do RCP, com a redação dada pela lei 27/2019, de 28-03, é aplicável in casu, revogar e substituir a conta elaborada após apurada a percentagem de decaimento de cada uma das partes, imputando-se o pagamento do remanescente de taxa de justiça de forma proporcional com esse decaimento.
Em contraditório, veio a autora pronunciar-se no sentido de ser negado provimento à reclamação apresentada e mantida a condenação do réu no pagamento da totalidade da taxa de justiça devida, defendendo, no essencial, que o teor da conta de custas reclamada se enquadra no que as partes quiseram fazer constar do n.º2 da transação celebrada.
Após ter sido elaborada informação pelo Escrivão contador no sentido de que a conta reclamada foi devidamente elaborada, e tendo o Ministério Público promovido o indeferimento da reclamação, veio a ser proferido o despacho de 3-09-2019 julgando a conta elaborada de acordo com a sentença homologatória da transação na parte respeitante à condenação em custas e com as respetivas normas aplicáveis, indeferindo a reclamação apresentada.

É desse despacho que o réu vem agora recorrer apresentando no final das suas alegações de recurso, agora corrigidas quanto ao lapso material evidenciado e devidamente sintetizadas nos termos do artigo 639.º, n.º3, do Código de Processo Civil (CPC), as seguintes conclusões (que se transcrevem):
«I - Objeto do Recurso.
1- O presente recurso tem por objeto o douto despacho proferido pelo Tribunal a quo, relativamente à reclamação da conta processual elaborada a 03/06/2019, notificada ao ora recorrente a 04/06/2019, que vem indeferir a reclamação apresentada pelo ora recorrente, mantendo a mesma – e, por conseguinte, imputando ao ora recorrente o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida pelo ora recorrente e pela autora, no valor, respetivamente, de 5.610,00€ e 6.630,00€ - sendo certo que o recorrente não se pode com ela conformar, por diversas razões de facto e de direito, que passamos a descrever.
Vejamos,

II- Contextualização Prévia.
2- Quanto a esta matéria, remetemos para o corpo da motivação, uma vez que se trata de uma pequena contextualização prévia.
III- Da errónea aplicação do novo artigo 14º, nº9 do Regulamento das Custas Processuais.
3- Na conta em causa, verifica-se, na segunda tabela do ponto intitulado “Taxas Aplicáveis”, que é imputado ao réu o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida pelo impulso processual da autora, com a observação “artº 14º, nº9, do RCP (actual redacção)”.
4- O anterior nº 9 do artigo 14º do Regulamento das Custas Processuais – o que estava em vigor à data da propositura da ação, note-se – regia do seguinte modo: “Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º e o responsável pelo impulso processual não seja condenado a final, o mesmo deve ser notificado para efectuar o referido pagamento, no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que ponha termo ao processo.”

Posto isto,
5- Em primeiro lugar, o ora reclamante não pode concordar com a aplicação deste recém-promulgado preceito à elaboração da conta do presente processo.
6- Desde logo, na referida Lei 27/2019, de 28 de Março, não se encontra nenhuma disposição especial relativamente à aplicação da mesma no tempo, excetuando-se o nº11 in fine¸ relativo somente às execuções fiscais (que, portanto, não cumpre aqui analisar).
7- De acordo com o artigo 12º, nº1 do Código Civil, “A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.”
8- Transpondo para o caso em concreto, verifica-se que a ação deu entrada em 15/02/2016.
9- Bem assim, verifica-se que autora e réu chegaram a um acordo para pôr termo ao processo no dia 28/01/2019, com sentença homologatória datada de 29/01/2019.
10- Isto é, meses antes desta nova lei ter entrado em vigor, já o processo em si estava materialmente findo, faltando, apenas, a parte final atinente à elaboração da conta e respetivas reclamações, sendo certo que o processo foi remetido à conta pela primeira vez também ainda antes da entrada em vigor do diploma ora em causa.
11- Aliás, o próprio Sr. Oficial de Justiça que elaborou a conta já anteriormente se tinha pronunciado quanto a esta questão – vide cota de 29/03/2019, que aqui se considera integralmente reproduzida por questões de economia processual e cujo excerto relevante já transcrevemos na motivação supra.
12- O Ministério Público também se pronunciou em sentido concordante com a informação prestada pelo Oficial de Justiça contador – vide Vista do M.P. de 01/04/2019, que aqui se considera integralmente reproduzida por questões de economia processual.
13- Ora, independentemente das reclamações e requerimentos posteriores, a verdade é que, tendo em conta o despacho proferido a 17/05/2019, a nova conta a ser elaborada deveria ser praticamente igual à conta inicial (datada de 18/03/2019), apenas com a exclusão do valor do remanescente da taxa de justiça devida pelos recursos interpostos por autora e réu.
14- Assim, a lei aplicável à realização da conta neste processo é a lei que vigorava quando foi proferida sentença de homologação do acordo celebrado entre as partes – pois era esta a lei que as partes tiveram em conta quando transigiram.
15- Por outro lado, o réu só celebrou a transação suprarreferida porque teve a legítima expetativa de que tal transação iria estar sujeita à disciplina do Regulamento das Custas Processuais vigente à época, não podendo ser tal expetativa ser frustrada por uma lei nova que não prevê efeito retroativo.
16- Esta circunstância fere ainda, de forma grave, os princípios da confiança e da segurança jurídicas, que resultam do Estado de Direito Democrático previsto no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa, o que resulta numa patente inconstitucionalidade, que expressamente se invoca.
17- Nesta conformidade, verifica-se que a conta ora em causa não respeita os normativos legais aplicáveis, nomeadamente o artigo 12º, nº1 do Código Civil, o artigo 2º da Constituição da República Portuguesa e o artigo 14º, nº9, na redação dada pelo Decreto-Lei 126/2013, de 30 de Agosto (imediatamente anterior à Lei 27/2019, de 28 de Março), pelo que deverá a mesma ser revogada e substituída, condenando o réu apenas e só ao pagamento do remanescente da taxa de justiça devida pelo seu próprio impulso processual e impute à autora o valor do remanescente da taxa de justiça devida pelo impulso processual da autora.

Sem prescindir,
IV- Dos erróneos pressupostos tomados em consideração na elaboração da conta, para os efeitos do artigo 14º, nº 9, na versão da Lei 27/2019.
18- Mesmo que se considere que o artigo 14º, nº9, com a redação dada pela lei 27/2019, de 28 de Março, é aplicável in casu, o que não se concede e apenas se concebe por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que aquela norma refere expressamente que o pagamento do remanescente devido pelo responsável pelo impulso processual “que não seja condenado a final” é “imputado à parte vencida”.
19- No caso, as partes chegaram a um acordo de modo a pôr fim ao presente litígio, acordo esse em que chegaram a um “meio termo” mediante o qual a autora abdicou de uma parte daquilo que tinha peticionado e o réu aceitou pagar uma outra parte.
20- Na verdade, ao contrário do que refere o despacho recorrido, ambas as partes cederam mutuamente – embora não em proporções exatamente iguais - pelo que não se pode dizer que o réu foi a única parte vencida.
21- Assim, antes de se proceder a uma imputação global de todo o valor ao ora réu, seria necessário apurar em que medida é que o réu e a autora ficaram vencidos e, a partir daí, imputar o pagamento dos remanescentes devidos pelos impulsos processuais em proporção desse vencimento.
22- Uma vez que a nova redação deste normativo nada diz quanto a esta questão, parece-nos que esta será a solução mais equitativa, tendo em conta todas as normas aplicáveis.
23- Nesta conformidade, fica demonstrado que a conta ora em causa não foi corretamente elaborada, pois não respeita devidamente o disposto no novo artigo 14º, nº9 do Regulamento das Custas Processuais, com a redação dada pela lei 27/2019 de 28 de Março, motivo pelo qual deverá ser revogada e substituída, após apurado a percentagem de decaimento de cada uma das partes, imputando o pagamento do remanescente de taxa de justiça de forma proporcional com esse decaimento.

Ainda sem prescindir,
V- Da transação celebrada entre as partes e da sua interpretação.
24- Cumpre ainda abordar a questão levantada no despacho recorrido, relativa à alegada assunção da responsabilidade do réu relativas às custas processuais remanescentes.
25- Importa explicar que quando o réu celebrou a transação nestes termos, apenas se referia às custas processuais que, eventualmente, se verificassem – perícias, diligências processuais, etc.
26- O que está aqui em causa é o remanescente da taxa de justiça devida pelo impulso processual da autora – isto é, trata-se de uma custa da parte, que é a autora – conforme, aliás, concorda o Ministério Público (vide vista de 01/04/2019, já referida supra).
27- Nesse sentido, não deve ser imputada ao réu a responsabilidade do pagamento do que é, essencialmente, um custo de parte, motivo pelo qual deverá a conta ser reformada em conformidade.

Nestes termos, não só certamente pelo alegado mas principalmente pelo alto critério de Vª Exª, deve ser dado pleno provimento ao presente recurso, devendo, em consequência: A) Revogar e substituir a conta elaborada, nos termos do disposto no artigo 12º, nº1 do Código Civil, o artigo 2º da Constituição da República Portuguesa e o artigo 14º, nº9, na redação dada pelo Decreto-Lei 126/2013, de 30 de Agosto (imediatamente anterior à Lei 27/2019, de 28 de Março), condenando o réu apenas e só ao pagamento do remanescente da taxa de justiça devida pelo seu próprio impulso processual; B) Revogar e substituir a conta elaborada, nos termos do disposto no novo artigo 14º, nº9 do Regulamento das Custas Processuais, com a redação dada pela lei 27/2019 de 28 de Março, após apurado a percentagem de decaimento de cada uma das partes, imputando-se o pagamento do remanescente de taxa de justiça de forma proporcional com esse decaimento».
Não foram apresentadas contra-alegações.
Após reclamação foi o recurso admitido por este Tribunal da Relação, com subida imediata, sendo de apelação [artigo 644.º, n.º 2, al. g) do CPC] e com efeito meramente devolutivo (artigo 647.º, n.º 1, do CPC).

II. Delimitação do objeto do recurso

Face às conclusões das alegações da recorrente, e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do CPC -, o objeto do presente recurso circunscreve-se à reapreciação do despacho de 3-09-2019 que decidiu indeferir a reclamação apresentada pelo réu relativamente à conta de custas n.º .........19 (de 3-06-2019), no sentido de saber:
i) se é aplicável à conta reclamada o disposto no artigo 14.º, n.º 9, do RCP na redação atual introduzida pela Lei n.º 27/2019, de 28-03, com imputação ao réu, ora recorrente, enquanto parte vencida a final, do pagamento do remanescente da taxa de justiça atinente ao impulso processual da autora, tal como considerou a decisão recorrida, ou se a lei aplicável à realização da conta neste processo é a lei que vigorava quando foi proferida sentença de homologação do acordo celebrado entre as partes - pois era esta a lei que as partes tiveram em conta quando transigiram, tal como pretende o apelante;
ii) subsidiariamente, caso se considere que o artigo 14.º, n.º 9, do RCP na redação atual introduzida pela Lei n.º 27/2019, de 28-03 é aplicável à conta reclamada, saber se a elaboração da conta respeitou a sentença homologatória da transação.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação

1. Os factos
1.1. Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra que aqui se dão por integralmente reproduzidos; atento o que se pode constatar do processo, relevam ainda para a decisão do objeto do recurso os seguintes incidências fáctico-processuais que se consideram assentes:
1.1.1. A autora deu entrada em juízo da petição inicial da presente ação em 15-02-2016, atribuindo à ação o valor de €151.930,00 e juntando com aquele articulado, além do mais, DUC e comprovativo de pagamento da taxa de justiça inicial no valor de €612,00.
1.1.2. Citado o réu contestou e deduziu pedido reconvencional, atribuindo à reconvenção o valor de €600.000,00 e juntando com o respetivo articulado além do mais, DUC e comprovativo do pagamento da 1.ª prestação e pagamento da taxa de justiça inicial no valor de €816,00.
1.1.3. A autora replicou, juntando com o respetivo articulado, além do mais, DUC e comprovativo de pagamento da taxa de justiça no valor de €816,00.
1.1.4. Por requerimento apresentado a 11-05-2016 o réu/reconvinte juntou aos autos DUC e comprovativo de pagamento a título de taxa de justiça no valor de €1.632,00.
1.1.5. Findos os articulados foi designada audiência prévia, na qual, além do mais, foi admitida a reconvenção e fixado à causa o valor de € 780.000,00 (correspondente à soma do preço estipulado no contrato prometido - € 180.000,00 - e ao valor do imóvel atribuído pelo Réu na sua reconvenção - €600.000,00).
1.1.6. Proferido despacho saneador e enunciado o objeto do litígio foram selecionados os temas da prova.
1.1.7. Admitidos os meios de prova e realizada audiência final, veio a ser proferida sentença, de 26-09-2018, julgando a ação parcialmente procedente (e, em consequência, declarando e condenando o réu a reconhecer que a autora é dona e legítima proprietária do prédio urbano destinado a habitação, composto por quatro pisos, tipo T6, sito na rua de …, nºs ..., freguesia de ..., concelho de Braga, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ... e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o nº ..., absolvendo o réu do restante pedido) e a reconvenção parcialmente procedente (e, em consequência, declarando que o réu não recebeu qualquer quantia em dinheiro ou por qualquer forma de pagamento da autora, por efeito do contrato de compra e venda identificado em 2.º dos factos provados, absolvendo a autora do restante pedido), mais fixando as custas da ação pela autora e da reconvenção pelo réu, uma vez considerado que o respetivo vencimento não tem expressão pecuniária.
1.1.8. Autora e réu apresentaram recursos autónomos pedindo a revogação total da sentença e juntando com as respetivas alegações DUC e comprovativos da autoliquidação das correspondentes taxas de justiça.
1.1.9. Em 24-01-2019 foram admitidos ambas as apelações para subirem imediatamente, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
1.1.10. Por requerimento conjunto enviado eletronicamente ao processo em 28-01-2019, autora e réu vieram apresentar transação, nos seguintes termos:
«(…)
CONSIDERANDO QUE:
1 - Por meio de escritura de compra e venda celebrada no dia 28 de Fevereiro de 2014, a Autora adquiriu ao Réu, representado pela sua procuradora M. C., residente na Rua …, concelho de Braga, o prédio urbano destinado a habitação, composto por quatro pisos, tipo T6, sito na Rua de …, n? ..., freguesia de ..., concelho de Braga, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n° ... e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o n° ....-------------------------------------------¬
2 - Tal prédio, foi adquirido pelo montante de € 175.000,00, e a procuradora do Réu autorizou que a Autora, por intermédio dos seus sócios (A. F. e J. P.) entregassem tal quantia ao Sr. P. G., com residência em França, o que, efetivamente, foi feito. ---------¬
3 - Tal pagamento foi efetuado por meio de dois cheques bancários nos montantes de, respetivamente, € 80.000,00 e € 45.000,00 e os restantes € 50.000,00 em numerário. ------------4 Na sequência da aludida compra e venda, o prédio foi transferido para a esfera jurídica da Autora, sem que para o efeito fosse entregue o respetivo certificado energético. -----
5 - Para além daquela quantia, a Autora ainda despendeu a quantia de € 5.000,00, em diversas despesas por conta daquele negócio.--
É ajustado e reciprocamente aceite a presente transação, que se rege pelas cláusulas seguintes:---------------------------------
Cláusula Primeira
Autora e Réu celebrarão no dia 28/01/2019 uma escritura pública de compra e venda, pelo valor de 175.000,00 €, com reserva de propriedade sobre o referido imóvel, a favor da Autora, até integral e efetivo pagamento do preço em falta de € 135.000,00, acrescido do valor da cláusula penal de 20.000, 00 €, nos termos da cláusula quinta, ao abrigo do disposto nos artigos 409° e 934°, ambos do Código Civil. -----------------------------------------
Cláusula Segunda
A quantia referida na cláusula antecedente será paga de acordo com o seguinte plano prestacional: -------------------------¬
a) € 40.000,00 (quarenta mil euros) no dia 28/01/2019, no ato da outorga da presente transação, em virtude da escritura pública de compra e venda com reserva de propriedade, da qual a autora dá respetiva quitação, pelo cheque com o nO 2460720901, emitido pelo Banco …,S.A .. ------------------------------------------------
b) No mesmo dia 28/01/2019 e no ato da outorga da presente transação a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros) em virtude das despesas que a Autora teve por conta do negócio plasmado nos considerandos, da qual a autora dá respetiva quitação, pelo cheque com o n° 1560720902, emitido pelo Banco …,S.A.---------------¬
c) A quantia de € 135.000,00 será paga até ao dia 15/05/2019, por meio de cheque bancário, depósito ou transferência para a conta com o IBAN ………, titulada em nome da Autora, em virtude da escritura pública de compra e venda com reserva de propriedade. ---------------------------------------------------
Cláusula Terceira
1 - Com o pagamento da quantia em falta, no valor de 135.000,00 € e eventualmente o valor da cláusula penal, em caso de se verificar a mora, a Autora obriga-se a emitir no prazo de cinco dias o documento necessário para que o Réu possa cancelar o registo da reserva de propriedade a constituir. -------------------------
2 - Todas as despesas ocasionados com a celebração da escritura de compra e venda, com a transferência da propriedade do imóvel para a esfera jurídica do Réu, a constituição da reserva de propriedade a favor da Autora, o seu cancelamento, as despesas de registo, impostos e quaisquer outras que se venham a revelar, são da exclusiva responsabilidade do Réu. --------------------------
Cláusula Quarta
1 - O Réu reconhece ainda que a atuação da Autora ou dos seus sócios na celebração dos contratos a que supra se alude ou qualquer outro com ele relacionado, não constitui ilícito criminal, pelo que, desde já, declara que não apresentará queixa-crime contra a Autora ou contra os seus sócios, nem os demandará civil ou criminalmente, e caso já o tenha feito, compromete-se a desistir, mais declarando que nada mais lhes tem a exigir seja a que título for. -----------------------------------------------------------
2 - A autora declara, desde já, que com o pagamento da quantia supra referida nada mais tem a exigir do réu seja a que título for.------------------------------------------------------------
3- Com a celebração do presente contrato fica sem efeito o contrato promessa de compra e venda constante dos autos. ----------------
Cláusula Quinta
Caso o Réu não proceda ao pagamento da quantia de € 135.000,00 até ao dia 15/05/2019 obriga-se a pagar à Autora a quantia de € 20.000,00, a título de cláusula penal. -------------------------
Cláusula Sexta
1 - As partes prescindem mutuamente de custas de parte. -------¬2 - O Réu obriga-se suportar as custas processuais que se encontrem em dívida, decorrentes do presente processo».
1.1.11. A transação reproduzida em 1.1.10. foi homologada por sentença proferida a 29-01-2019, devidamente transitada em julgado, condenando as partes a observá-la nos seus precisos termos e da qual consta ainda o seguinte:
«Custas pela forma acordada (art. 537º nº 2 do C.P.C.)».
1.1.12. Os autos foram então remetidos à conta, em 18-03-2019, tendo sido elaboradas as contas de custas (n.º .........9 de 18-03-2019, da responsabilidade da autora e n.º .........9 de 18-03-2019 da responsabilidade do réu).
1.1.13. Notificadas as partes das contas aludidas em 1.1.13. veio a autora, a 25-03-2019, apresentar reclamação da conta n.º .........9, requerendo que a conta seja dada sem efeito e imputado o valor ora reclamado da autora ao réu alegando que na transação ficou acordado que “o Réu obriga-se a suportar as custas processuais que se encontrem em dívida, decorrentes do presente processo”.
1.1.14. Também o réu veio, por requerimento remetido eletronicamente a 3-04-2019, reclamar da conta n.º .........9, requerendo a remoção do valor de taxa de justiça remanescente pela apresentação de recurso e respetiva dispensa pelo reclamante.
1.1.15. Após pronúncia do Escrivão contador e vista ao Ministério Público, foi proferido despacho, a 2-05-2019, devidamente notificado às partes, no qual se decidiu declarar nulo o processado posterior à elaboração da conta, incluindo esta última, mais se tendo consignado, além do mais, que «[e]m face da decisão supra e dada a nulidade do processado que antecede, não se irá proferir decisão sobre a rectificação da conta requerida pela Autora, nem sobre o requerimento do Réu de 03-04-2019 (podendo, no entanto, este último reiterar o requerido, se assim o entender)».
1.1.16. Por requerimento apresentado eletronicamente em 10-05-2019, autora e réu vieram requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida quer quanto ao processo principal quer quanto aos recursos, nos seguintes termos:
«A) Dispensar-se os ora requerentes do pagamento da totalidade do remanescente de taxa de justiça, à luz do artigo 6º, nº7 do R.C.P.;
B) Sem prescindir, dispensar-se os ora requerentes do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso, à luz do artigo 6º, nº7 do R.C.P.».
1.1.17. Sobre o requerimento enunciado em 1.1.16. veio a recair despacho, datado de 17-05-2019, devidamente transitado em julgado, o qual se transcreve na parte dispositiva:
«Pelo exposto, decide-se deferir parcialmente o requerimento apresentado por ambas as partes e, em consequência, dispensar as mesmas do pagamento da totalidade do remanescente da taxa de justiça, embora apenas no tocante à fase de recurso, ou seja, na parte relativa à taxa de justiça devida pela interposição de ambos os recursos.
Notifique».
1.1.18. Os autos foram remetidos à conta em 3-06-2019.
1.1.19. Foi efetuada conta de custas (n.º .........19 de 3-06-2019, da responsabilidade do réu) sobre a qual veio o réu apresentar a reclamação que levou à prolação da decisão ora recorrida.

2. Apreciação sobre o objeto do recurso

O recorrente insurge-se contra a decisão que apreciando a reclamação deduzida contra a conta de custas n.º .........19 indeferiu a referida reclamação por entender que a conta se encontra elaborada de acordo com a sentença homologatória da transação, na parte respeitante à condenação em custas, e em conformidade com as normas legais aplicáveis, concretamente de acordo com o disposto no artigo 14.º, n.º 9, do RCP na redação atual, introduzida pela Lei n.º 27/2019, de 28-03, imputando ao réu, ora recorrente, enquanto parte vencida a final, o pagamento do remanescente da taxa de justiça atinente ao impulso processual da autora.
Nos termos do artigo 529.º, n.º1, do CPC, as custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte.
Por outro lado, conforme dispõe o artigo 6.º, n.º1, do RCP, a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o referido diploma legal, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela i-A, que faz parte integrante do referido Regulamento das Custas Processuais (cf. ainda o artigo 529.º, n.º 2, do CPC).
Sobre a «oportunidade do pagamento da taxa de justiça», rege o artigo 14.º do RCP, o qual, para além de dispor sobre o regime do pagamento das primeira e segunda ou única prestação da taxa de justiça (n.ºs 1 a 5) e relativamente a regras gerais aplicáveis ao pagamento da taxa de justiça e ao respetivo documento comprovativo (n.º 6 a 8), prevê o regime aplicável nas situações em que deva ser pago o remanescente da taxa de justiça nos termos do n.º 7 do artigo 6.º do RCP e o responsável pelo impulso processual não seja condenado a final.
O artigo 6.º, n.º 7, do RCP, estabelece que nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
Resulta deste último preceito legal que nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o legislador prevê um diferimento do pagamento da diferença do valor da taxa de justiça correspondente ao valor de €275.000,00 e o valor do processo, a considerar a final.
Prevê o artigo 14.º, n.º 9, do RCP na redação dada pela Lei n.º 7/2012, de 13-02, em vigor à data da propositura da presente ação (em 15-02-2016) e da sentença homologatória da transação, devidamente transitada em julgado (proferida a 29-01-2019), que «[n]as situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º e o responsável pelo impulso processual não seja condenado a final, o mesmo deve ser notificado para efectuar o referido pagamento, no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que ponha termo ao processo».
Entretanto, através da Lei n.º 27/2019, de 28-03, veio o legislador dar nova redação ao citado artigo 14.º, n.º 9, do RCP, o qual passou a prever o seguinte: «[n]as situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º, o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final fica dispensado do referido pagamento, o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta a final».
A referida Lei n.º 27/2019, de 28-03, prevê no seu artigo 11.º, com a epígrafe «entrada em vigor», que «a presente lei entra em vigor no prazo de 30 dias após a sua publicação, aplicando-se apenas às execuções que se iniciem a partir dessa data», do que decorre que o referido o diploma entrou em vigor em 27-04-2019 ou seja, em data anterior à da conta de custas reclamada (n.º .........19), sobre a qual veio o réu apresentar a reclamação que levou à prolação da decisão ora recorrida (elaborada a 3-06-2019).
Ainda assim, o recorrente discorda da aplicação da redação atual do referido preceito à elaboração da conta reclamada, sustentando, em síntese, que o entendimento adotado na decisão recorrida (e que esteve na base da conta reclamada) não respeita as normas da aplicação da lei do tempo relativamente aos processos judiciais já em curso, e fere a confiança e legítimas expectativas do réu, bem como a segurança jurídica que resultam do Estado de Direito Democrático previsto no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, porquanto era o regime emergente do anterior n.º 9 do artigo 14.º do RCP (na redação dada pela Lei n.º 7/2012, de 13-02) - o que estava em vigor à data da propositura da ação e vigorava quando foi proferida a sentença de homologação do acordo celebrado entre as partes - sendo esta a lei que as partes tiveram em conta quando transigiram, sendo que meses antes da nova lei ter entrado em vigor já o processo estava materialmente findo, faltando apenas a parte final atinente à elaboração da conta e respetivas reclamações, sendo certo que o processo foi remetido à conta pela primeira vez também ainda antes da entrada em vigor do diploma ora em causa.

A questão da aplicabilidade à conta reclamada do regime legal emergente do artigo 14.º, n.º 9, do RCP, na redação da Lei n.º 27/2019, de 28-03, foi expressamente apreciada na decisão recorrida onde se consignou, além do mais, o seguinte:
«Na elaboração da conta foi observado o disposto no art. 14º nº 9 do R.C.P., na redacção introduzida pela Lei n.º 27/2019, de 28-03, que prevê agora que “Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º, o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final fica dispensado do referido pagamento, o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta a final.”.
Entende o Réu que esta redacção não é aplicável ao caso concreto, por ter entrado em vigor já no decurso do processo e após a celebração da referida transacção.
No entanto, não tem razão.
Com efeito, tratando-se de uma norma de natureza processual, a mesma “…deve aplicar-se imediatamente não apenas às acções que venham a instaurar-se após a sua entrada em vigor, mas a todos os actos a realizar futuramente, mesmo que tais actos se integrem em acções pendentes, ou seja, em causas anteriormente postas em juízo.” (cfr. Antunes Varela, “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, 2ª. Edição, 1985, pág. 47).
Daí que a conta tenha tido em consideração, como devia, aquela norma já vigente à data da sua elaboração».
E parece-nos ser esta a solução mais adequada à luz das incidências fáctico-processuais que se consideram assentes e dos critérios legais aplicáveis.
Com efeito, resultando da referenciada disposição legal que a mesma regula o modo e a oportunidade do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que acresce a circunstância de a alteração legal ocorrida vir eliminar a obrigação antes prevista de a secção notificar o vencedor da causa, a fim de, em 10 dias, proceder ao pagamento do remanescente da taxa de justiça, estabelecendo uma nova configuração do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos casos em que a parte responsável pelo impulso processual não seja condenada a final (o qual passa automaticamente a ser imputado à parte vencida e considerado na respetiva conta) julgamos que a nova lei tem aplicação imediata aos atos processuais regulados pela mesma, desde que praticados após a sua entrada em vigor em ações ainda pendentes, como sucede no caso em apreciação - com exceção, contudo, das ações executivas expressamente ressalvadas na parte final do citado artigo 11.º da Lei n.º 27/2019, de 28-03, relativamente às quais só se aplica às execuções que se iniciem depois de 27-04-2019.
Neste contexto, e conforme vem sendo amplamente sustentado na doutrina e jurisprudência, a «lei de processo é, por princípio, de aplicação imediata; ou seja, aplica-se às acções pendentes. Com mais rigor se dirá que se aplica aos actos futuros, ainda que praticados em acções pendentes, uma vez que aplicação imediata não é consabidamente sinónimo de aplicação retroactiva. Sabe-se que este princípio corresponde à orientação definida, em geral, pelo artigo 12º do Código Civil, devidamente aplicado às normas de Processo Civil, e que o princípio cede, naturalmente, perante normas de direito transitório, especiais ou sectoriais» (1).
Nas palavras do Prof. Anselmo de Castro (2), “[n]o campo do direito privado, tem geral aceitação a teoria do facto passado. «A ideia central desta doutrina consiste em que as leis regem somente para o futuro e devem, portanto, respeitar os factos verificados antes da sua entrada em vigor. Cada facto deve, assim, ter como lei reguladora a lei vigente ao tempo da sua verificação» - Cod. Civ. Art. 12.º.
Da teoria do factum praeteritum só se exceptuariam as situações legais, reguladas pela lei já sem ter em atenção o facto originário (v.g.., as relações pessoais e patrimoniais dos cônjuges).
Não assim já no direito processual, onde se impõe como princípio, a aplicação imediata da lei nova. De acordo com tal princípio, uma nova lei de processo será de aplicar, desde logo, nas próprias causas já instauradas, a todos os termos processuais subsequentes, como adiante se examinará”, concluindo depois (3):
“Não pode esquecer-se que o processo é um encadeamento de actos, ligados por relações de interdependência temporal e lógica. Ora, se o legislador entende necessário, do singular ponto de vista dos interesses que representa, alterar as condições de validade ou de eficácia de certo acto, ou mesmo o perfil do rito processual, os meios de tutela, ou os pressupostos processuais, passa a haver urgência na aplicação do novo regime, abarcando inclusivamente os processos pendentes. Para abranger estes últimos, a lei necessita apenas dum elemento de conexão através do qual se ponha em «contacto» com o processo in itinere – elemento esse que será, por hipótese, um acto processual por ela directamente disciplinado”.
Como se viu, as alterações introduzidas pela Lei n.º 27/2019, de 28-03, ao n.º 9 do artigo 14.º do RCP entraram em vigor em 27-04-2019 como tal em data anterior à do ato processual diretamente disciplinado pela nova lei, no caso, a conta de custas reclamada, n.º .........19 de 3-06-2019, sendo assim esse novo regime diretamente aplicável à respetiva elaboração.
Note-se que, conforme refere o apelante, os autos foram efetivamente remetidos à conta em data anterior, concretamente em 18-03-2013, tendo sido elaboradas as contas de custas (n.º .........9 de 18-03-2019, da responsabilidade da autora e n.º .........9 de 18-03-2019 da responsabilidade do réu). Contudo, o que se verifica é que após pronúncia do Escrivão contador e vista ao Ministério Público, foi proferido despacho, a 2-05-2019, devidamente notificado às partes, no qual se decidiu declarar nulo o processado posterior à elaboração da conta, incluindo esta última, mais se tendo consignado, além do mais, que «[e]m face da decisão supra e dada a nulidade do processado que antecede, não se irá proferir decisão sobre a rectificação da conta requerida pela Autora, nem sobre o requerimento do Réu de 03-04-2019 (podendo, no entanto, este último reiterar o requerido, se assim o entender)» (ponto 1.1.5.).
Atenta a anulação do processado posterior à elaboração da primeira conta, incluindo esta última, e não tendo as partes recorrido do despacho de 2-05-2019 que assim decidiu, ficou tal questão definitivamente decidida com força obrigatória dentro do processo, nos termos do disposto no artigo 620.º, n.º 1 do CPC, impedindo o tribunal de apreciar novamente a mesma.
Deste modo, revela-se manifestamente irrelevante a questão suscitada pelo recorrente a propósito da data da primeira remessa dos autos à conta.
Note-se, aliás, que por requerimento apresentado eletronicamente em 10-05-2019 (como tal, em data posterior à da entrada em vigor da referida Lei n.º 27/2019, de 28-03, e com ela, das alterações introduzidas ao aludido artigo 14.º, n.º8, do RCP) vieram autora e réu requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida quer quanto ao processo principal quer quanto aos recursos, sendo que sobre tais requerimento veio a recair o despacho de 17-05-2019, devidamente transitado em julgado, que decidiu deferir parcialmente o requerido, dispensando apenas as partes do pagamento da totalidade do remanescente da taxa de justiça, embora apenas no tocante à fase de recurso, ou seja, na parte relativa à taxa de justiça devida pela interposição de ambos os recursos.
Tais incidências fáctico-processuais demonstram claramente que na data da entada em vigor das alterações introduzidas pela Lei n.º 27/2019, de 28-03, ao n.º 9 do artigo 14.º do RCP (27-04-2019) ainda a situação atinente ao modo e à oportunidade do pagamento do remanescente da taxa de justiça em dívida não estava definitivamente consolidada ou decidida no processo, não havendo fundamento para afastar o regime processual diretamente disciplinado pela nova lei.
De forma idêntica decidiu o Ac. TRL de 29-10-2019 (4), entendendo que tal regime, decorrente das alterações introduzidas pela Lei 27/2019 de 28-03, é aplicável mesmo às ações declarativas em que, pese embora o ato processual de elaboração da conta tenha sido praticado ao abrigo da lei antiga, foi deduzido incidente de reclamação, que o tribunal de primeira indeferiu, por despacho que não transitou em julgado, de sorte que a apreciação do recurso por parte da Relação já é feita em plena vigência da lei nova (5).
Como tal, mostra-se inócua a alusão do apelante à sentença de homologação do acordo celebrado entre as partes como tendo sido proferida meses antes da nova lei ter entrado em vigor, alegando que foi a lei que vigorava quando foi proferida sentença de homologação do acordo celebrado que as partes tiveram em conta quando transigiram. Efetivamente, o que está em causa é a aplicação do novo regime legal atinente ao modo e à oportunidade do pagamento do remanescente da taxa de justiça em dívida (questão que não estava definitivamente consolidada ou decidida no processo) e não a imputação das custas de acordo com o que resulta da decisão final da ação.
No caso em apreciação, e tal como consignou a decisão recorrida, «não se vê que a sua aplicação possa ferir a confiança e as legítimas expectativas do Réu, quando celebrou a transacção. É que, como já se referiu, o mesmo assumiu a responsabilidade pelo pagamento da totalidade das custas processuais que se encontrassem em dívida, independentemente de estarmos perante custas finais ou respeitantes ao remanescente da taxa de justiça.
Tal significa que, mesmo que fosse aplicável a redacção anterior do nº 9 do art. 14º do R.C.P., nem por isso a responsabilidade pelo seu pagamento ficaria a cargo da Autora, face ao teor do acordo quanto a custas, que é inequívoco».
No caso vertente, a responsabilidade pelo pagamento das custas processuais que se encontrassem em dívida recai indiscutivelmente sobre o réu por força da repartição das custas acordada no âmbito da transação judicialmente homologada, independentemente de estarmos perante custas finais ou respeitantes ao remanescente da taxa de justiça e da versão do artigo 14.º, n.º 9, do RCP a considerar uma vez que, como se viu, as custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte.
O que sucede com a alteração legislativa antes evidenciada é que a autora, na qualidade de parte vencedora, deixou de ter de adiantar ou avançar o valor correspondente à taxa de justiça remanescente ainda não paga, decorrente do seu impulso processual, que é imputado à parte vencida e considerado, como tal, na conta final, solução que se conforma com o princípio tendencial da justiça gratuita para o vencedor (6).
Trata-se, aliás, de solução legal cuja necessidade já anteriormente surgia evidenciada nos fundamentos enunciados no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 615/2018 (7), de 21-11-2018, segundo o qual: «[a] exigência do pagamento do remanescente da taxa de justiça ao réu que, por ser absolvido do pedido, venceu totalmente a ação civil e, por conseguinte, não é condenado em custas, obrigando-o a obter o montante que pagou em sede de custas de parte, revela-se, pois, uma solução inconstitucional porque comprime excessivamente o direito fundamental de acesso à justiça, previsto no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, impondo um ónus injustificado face ao interesse público em presença em violação do princípio da proporcionalidade decorrente do artigo 18.º, n.º 2º, da Constituição».
Nesta conformidade, cumpre concluir que o regime emergente do artigo 14.º, n.º 9, do RCP, na redação da Lei n.º 27/2019, de 28-03, configura uma solução legal destinada precisamente a garantir e regular adequadamente o acesso à Justiça e a conciliar os demais princípios relevantes em presença, tal como enunciados no citado aresto do Tribunal Constitucional.
Por todo o exposto, é por demais evidente que o entendimento sufragado na decisão recorrida, ao atender na elaboração da conta reclamada à solução normativa emergente do artigo 14.º, n.º 9, do RCP, na redação da Lei n.º 27/2019, de 28-03, não representa qualquer restrição inadmissível da confiança e legítimas expectativas do réu, bem como a segurança jurídica que resultam do Estado de Direito Democrático, designadamente em função do regime que estava em vigor à data da propositura da ação e vigorava quando foi proferida a sentença de homologação do acordo celebrado entre as partes, não se constatando que a interpretação antes sustentada seja atentatória das disposições legais e constitucionais invocadas pelo recorrente, designadamente do disposto nos artigos 12.º, n.º1, do Código Civil, 14.º, n.º 9, do RCP na redação anterior à da Lei n.º 27/2019, de 28-03, e artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa.
Improcedem, assim, as conclusões formuladas no recurso a propósito das questões enunciadas em i) supra.
Resta apreciar da adequação das operações vertidas na conta reclamada ao imputar todo o valor atinente aos remanescentes de taxa de justiça ao réu, ou se era necessário apurar em que medida é que o réu e a autora ficaram vencidos e, a partir daí, imputar o pagamento dos remanescentes devidos pelos impulsos processuais em proporção desse vencimento, tal como agora sustenta o apelante, ainda que a título subsidiário.
Em primeiro lugar, revelam-se manifestamente surpreendentes as questões suscitadas pelo apelante a propósito da necessidade de apurar previamente a percentagem do decaimento de cada uma das partes, substituindo a conta reclamada por outra que impute o pagamento do remanescente da taxa de justiça de forma proporcional com esse decaimento e não de forma global a uma das partes como se tratando de uma parte 100% vencida visto que à luz da transação celebrada não se pode dizer que o réu foi a única parte vencida.
Com efeito, não vemos como pode o recorrente na abordagem à questão enunciada em i) supra invocar diversos argumentos que parecem pressupor a constatação de que a responsabilidade pelo pagamento das custas processuais que se encontrassem em dívida no processo recai sobre o réu, por força da repartição das custas acordada no âmbito da transação judicialmente homologada, para depois vir sustentar a necessidade de apurar a percentagem do decaimento de cada uma das partes, no caso de se considerar aplicável ao caso o artigo 14.º, n.º 9, do RCP, na redação atual.
Liminarmente se dirá que, relativamente à questão agora enunciada, também não assiste razão ao apelante.
Tal como resulta da regra enunciada no artigo 527.º, n.º 1, do CPC, a responsabilidade por custas assenta num critério de causalidade, segundo o qual, as custas devem ser suportadas, em regra, pela parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito do processo. Neste domínio, esclarece o n.º 2 do citado preceito, entende-se que dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for.
Porém, em caso de transação, rege o artigo 537.º, n.º 2, do CPC em matéria de imputação da responsabilidade a título de custas, do qual resulta que «[n]o caso de transação, as custas são pagas a meio, salvo acordo em contrário, mas quando a transação se faça entre uma parte isenta ou dispensada do pagamento de custas e outra não isenta nem dispensada, o juiz, ouvido o Ministério Público, determinará a proporção em que as custas devem ser pagas».
Ora, sendo as custas em caso de transação suportadas, em regra, por ambas as partes, a lei admite que estas regulem sobre esta matéria.
Deste modo, «por motivos que têm a ver com a possibilidade de a transação envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos dos controvertidos (art. 1248-2 CC), a regra é a repartição das custas igualitariamente entre autor e réu, sem prejuízo de outra disposição ser acordada entre as partes no negócio de transação» (8). Tal como refere Salvador da Costa, «[r]esulta deste normativo, inspirado pelo princípio da igualdade, que as partes do lado ativo e do lado passivo podem, em regra, acordar, no caso de transação, no “quantum” de responsabilidade pelo pagamento das custas de cada uma» (9).
No caso vertente, importa ter presente que a decisão recorrida considerou, a propósito, que «[p]ara efeitos de responsabilidade pelo pagamento das custas (que é o que aqui nos importa), a única parte vencida foi o Réu (aqui reclamante), ao clausular na transacção que todas as custas em dívida seriam por si assumidas e pagas».
Efetivamente, tal como resulta dos autos e se revela pela análise do vertido em 1.1.10. e 1.1.11. supra, por requerimento conjunto enviado eletronicamente ao processo em 28-01-2019, autora e réu vieram apresentar transação, a qual foi homologada por sentença proferida a 29-01-2019, devidamente transitada em julgado, condenando as partes a observá-la nos seus precisos termos e da qual consta ainda o seguinte:
«Custas pela forma acordada (art. 537º nº 2 do C.P.C.)».
Neste domínio, afigura-se-nos existir consenso na jurisprudência quanto à aplicabilidade das normas que disciplinam a interpretação da declaração negocial no âmbito da interpretação de uma sentença ou de um despacho judicial, considerando que constituem verdadeiros atos jurídicos (artigo 295.º do CC), implicando que os mesmos devam ser interpretados com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do seu contexto (artigo 236.º do CC), sem esquecer a especificidade dos atos jurisdicionais relativamente aos negócios jurídicos e que a interpretação da sentença não pode assentar exclusivamente na análise do sentido da parte decisória, devendo considerar os seus antecedentes lógicos, toda a fundamentação que a suporta, sem deixar de ter em conta outras circunstâncias relevantes, mesmo posteriores à respetiva elaboração (10).

Porém, no contexto dos autos verifica-se que o segmento decisório atinente às custas processuais remete integralmente, e de forma clara, para o acordado pelas partes nesse domínio, o que nos remete exclusivamente para o teor da «Cláusula Sexta» da referida transação, com o seguinte teor:
«1 - As partes prescindem mutuamente de custas de parte. -------¬2 - O Réu obriga-se suportar as custas processuais que se encontrem em dívida, decorrentes do presente processo».
Assim, quanto à questão da repartição ou imputação da responsabilidade pelas custas respeitantes à presente ação, que foram objeto da «Cláusula Sexta» da referida transação, as partes deixaram claramente enunciado o seu acordo quanto à imputação da totalidade da responsabilidade pelas custas ao réu, tal como concluiu e bem o tribunal a quo na decisão recorrida, ainda que prescindindo mutuamente de custas de parte.
Tal como resulta do disposto no artigo 30.º, n.º1, do RCP, a conta é elaborada de harmonia com o julgado em última instância, abrangendo as custas da ação, dos incidentes, dos procedimentos e dos recursos, devendo ser elaborada uma só conta por cada sujeito processual responsável pelas custas, multas e outras penalidade, que abranja o processo principal e os apensos (artigo 30.º, n.º2, do RCP).
Deste modo, devendo constar da sentença final a condenação dos responsáveis pelas custas processuais, tal como prevê o artigo 607.º, n.º 6, do CPC, e não tendo sido oportunamente interposto recurso da sentença homologatória da transação, ou a sua reforma quanto a custas, nos termos previstos no artigo 616.º do CPC, é manifesto que a condenação em custas que consta da sentença homologatória da transação atingiu a necessária estabilidade, não cabendo em sede de reclamação do ato da conta a impugnação da referida decisão quanto a custas ou a reapreciação da mesma quanto à respetiva imputação da responsabilidade de cada uma das partes de acordo com o vencimento.
Por último, defende o recorrente que quando celebrou a transação nos termos enunciados apenas se referia às custas processuais que, eventualmente, se verificassem - perícias, diligências processuais, etc. -, e o que está aqui em causa na conta é o remanescente da taxa de justiça devida pelo impulso processual da autora, o que configura custas da parte da autora, não devendo ser imputada ao réu.
Porém, como se viu, as custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (artigo 3.º, n.º1, do RCP). Por isso, o réu ao assumir a obrigação de suportar as custas processuais que se encontrem em dívida, decorrentes do presente processo, não assumiu apenas os encargos ou despesas que devam ser imputados na conta de custas, tal como prevê o artigo 24.º, n.º 2, do RCP. E ainda que as partes tenham acordado, na transação homologada, em prescindir mutuamente de custas de parte, importa sublinhar que as taxas de justiça que integram a vertente das custas de parte, a que se reportam os artigos 533.º, n.º 2, al. a), do CPC e 26.º, n.º 3, al. a), do RCP apenas englobam as taxas de justiça efetivamente pagas pela parte vencedora durante o processo e não o montante que foi apurado na conta reclamada a título de remanescente de taxa de justiça devida pelo impulso processual da autora, já que o mesmo não se mostrava ainda pago à data da remessa dos autos à conta nem era já nesse momento exigível à autora, atento o regime emergente do artigo 14.º, n.º 9, do RCP com as alterações introduzidas pela Lei n.º 27/2019, de 28-03, concretamente aplicável à conta reclamada.
Nestes termos, o montante apurado na conta reclamada a título de remanescente de taxa de justiça devida pelo impulso processual da autora permanece ainda em dívida nos autos, devendo assim ser imputado à parte vencida e considerado na conta final, nos termos previstos no artigo 14.º, n.º 9, do RCP, na redação da Lei n.º 27/2019, de 28-03, como se verifica ter sucedido.
Por conseguinte, a conta sob reclamação foi elaborada de acordo com os normativos aplicáveis, não se verificando qualquer violação da sentença homologatória na parte em que homologou o acordo das partes quanto à imputação da responsabilidade pelas custas do processo.
Nestes termos, improcedem integralmente as conclusões do apelante, o que importa a confirmação do despacho que indeferiu na íntegra a reclamação apresentada pelo réu contra a conta elaborada no processo.
Pelo exposto, cumpre julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Tal como resulta da regra enunciada no artigo 527.º, n.º 1, do CPC, a responsabilidade por custas assenta num critério de causalidade, segundo o qual, as custas devem ser suportadas, em regra, pela parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito do processo. Neste domínio, esclarece o n.º 2 do citado preceito, entende-se que dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for.
No caso em apreciação, como a apelação foi julgada improcedente, as custas da apelação são integralmente da responsabilidade do recorrente, atento o seu decaimento.

Síntese conclusiva:

O regime emergente do disposto no artigo 14.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 27/2019, de 28-03, é imediatamente aplicável à tramitação de ação declarativa pendente em que a decisão que pôs termo ao processo foi proferida ainda no domínio da lei antiga mas o processo apenas foi remetido à conta após a entrada em vigor da lei nova, o mesmo sucedendo com o requerimento apresentado pelas partes para dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida quer quanto ao processo principal quer quanto aos recursos, o qual veio a ser ulteriormente decidido por despacho que indeferiu tal dispensa quanto ao remanescente da taxa de justiça referente ao processo.

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, assim confirmando integralmente a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Guimarães, 1 de outubro de 2020
(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis (relator)
Espinheira Baltar (1.º adjunto)
Luísa Duarte Ramos (2.º adjunto)



1. Neste sentido, cf., por todos, o Ac. do STJ de 3-07-2014 (relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), revista n.º 11119/02.3TVPRT.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
2. Cf. Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. I, Coimbra, 1981 – Livraria Almedina, pg. 47 e 59-60.
3. Cf. Artur Anselmo de Castro, Ob. cit., pgs. 59-60.
4. Relatora: Isabel Fonseca, p. 994/12.3TBCSR.L2-1, disponível em www.dgsi.pt.
5. No sentido da aplicação do regime processual diretamente disciplinado pela nova redação do artigo 14.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, a todos os atos a realizar futuramente, mesmo que tais atos se integrem em ações pendentes, cf. ainda o Ac. TRE de 12-09-2019 (Relator: Sílvio Sousa), p. 575/12.1 TBLGS-U.E1 disponível em www.dgsi.pt.
6. Cf. Salvador da Costa, Alteração do Regime das Custas pela Lei n.º 27/2019, de 28 de março, publicado no Blog do IPPC, em blogippc.blogspot.com.
7. Relatora: Maria de Fátima Mata-Mouros, processo n.º 1200/17, 1.ª Secção, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt, acórdão que na vigência da anterior redação do preceito agora em apreciação decidiu julgar inconstitucional, a norma que impõe a obrigatoriedade de pagamento do remanescente da taxa de justiça ao réu que venceu totalmente o processo, obrigando-a a pedir o montante que pagou em sede de custas de parte, resultante do artigo 14.º, n.º 9, do RCP.
8. Cfr. José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º - 3.ª edição - Coimbra, Almedina, 2017, p. 449.
9. Cfr. Salvador da Costa, As Custas Processuais, análise e comentário, 6.ª edição – 2017 - Coimbra, Almedina, 2017, p. 44.
10. Cf. por todos, o acórdão do STJ de 12-03-2014 (relator: António Leones Dantas) – Revista n.º 177/03.3TTFAR.E1.S1 disponível em www.dgsi.pt citando, a propósito, diversa doutrina e jurisprudência