Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | RICARDO SILVA | ||
Descritores: | PRISÃO PREVENTIVA ALTERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 11/24/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Sumário: | I – Sendo, em acto seguido ao primeiro interrogatório judicial, aplicada ao arguido a medida de coacção de prisão preventiva, sem que dessa decisão seja interposto recurso, não pode merecer deferimento um requerimento apresentado alguns dias depois, a pedir a substituição daquela medida, fundando-se a pretensão apenas na discordância com a medida de coacção de prisão preventiva, ou seja, sem que seja invocado qualquer facto novo. II – E, em recurso do despacho de indeferimento de tal requerimento, também não pode o arguido vir invocar que não se verificam os pressupostos para aplicação da prisão preventiva, nem discutir a autoria do crime que determinou tal medida, pois a decisão que tanto apreciou já está transitada em julgado. III – Estando as medidas de coacção sujeitas à condição rebus sic stantibus, a substituição de uma medida de coacção por outra menos grave apenas se justifica quando se verifique uma atenuação das exigências cautelares que tenham determinado a sua aplicação. IV – Assim, o presente recurso funda-se num subterfúgio que infringe as normas de direito processual penal aplicáveis, pois se serve de um requerimento intercalar para, em recurso do despacho que recai sobre tal requerimento, atacar não a decisão de que se recorre, mas outra, anterior ao requerimento que determinou a prolação da decisão formalmente recorrida. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães, I. 1. Por despacho judicial, proferido, em 2008/09/05, no processo de inquérito n.º 683/08.3GAFLG-G, do Ministério Público de Felgueiras, foi, em acto seguido ao primeiro interrogatório judicial de arguido detido, realizado no 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Felgueiras, aplicada ao arguido F, com os demais sinais dos autos, ora recorrente, além do mais, a medida de coacção de prisão preventiva.2. Em data que os autos não nos habilitam a determinar, o arguido interpôs, «ao abrigo do disposto no art.º 212.º, n.º 4, do Código de Processo Penal (CPP)» um requerimento, que foi registado com o n.º 505462 (cfr. fls. 256) e que terminou pelo pedido de revogação da medida de prisão preventiva e de substituição desta pela medida de coacção de permanência na habitação. 3. Sobre este requerimento recaiu o, na parte que interessa, seguinte despacho, proferido em 2008/09/18: « Os arguidos R e F, por requerimentos apresentados em 15 de Setembro de 2008, vieram requerer a substituição da medida de coacção de prisão preventiva que lhes foi aplicada em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido realizado em 05 de Setembro de 2008. 2. Inconformado com esta decisão, dela recorreu o arguido F. « • Por douto despacho proferido em sede de Primeiro Interrogatório de Arguido detido, foi aplicada ao arguido/recorrente a medida de coacção de prisão preventiva. Terminou com o pedido de provimento do recurso. II. 1. Atentas as conclusões da motivação do recurso, que, considerando o disposto no art.º 412.º, n.º 1, do CPP, definem o seu objecto, a questão posta no recurso é a seguinte:– Da ilegalidade do despacho recorrido por não verificação dos pressupostos de aplicação de prisão preventiva: a) por inexistência de indícios da prática do crime; b) por violação dos princípios da adequação, proporcionalidade e subsidiariedade. 2. Decidindo, temos que: 2.1. Logo no seu requerimento de interposição do recurso o recorrente usou uma fórmula que expõe a contradição processual de que aquele enferma. Assim disse ele que «não se conformando com o douto despacho que ordenou e manteve a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva ao arguido de dele vem interpor recurso (…)» Ora, na realidade o que existe são dois despachos: o que ordenou a aplicação de medida, supra identificado em “I.1.”, e o que manteve a prisão preventiva indeferindo o requerimento para a alteração da mesma, o supra referido em “I.3.”. O primeiro apreciou a existência de indícios de actuação penalmente censurável do arguido recorrente, enquadrou juridicamente a conduta, qualificando o crime, verificou da existência dos requisitos formais de aplicação da medida de coacção de prisão preventiva ao arguido, bem como da de requisitos materiais dessa mesma aplicação e aplicou a medida. O segundo apreciou, tão-só, os motivos juridicamente relevantes eventualmente constantes do requerimento do arguido para revogação e alteração da medida de coacção aplicada, com o fim de decidir esse requerimento, nesse estrito âmbito. E apenas o segundo do dois despachos referidos é objecto de recurso, tendo o primeiro transitado em julgado. Quer isto dizer que as questões relacionadas com a legalidade, lato sensu, da medida aplicada, nestas compreendidas as da adequação e da proporcionalidade da mesma, foram objecto de apreciação no primeiro despacho. E que se o arguido queria discuti-las teria de ter interposto recurso desse despacho, o que não fez. Como é sabido a ilegalidade de uma situação de prisão preventiva ataca-se mediante recurso da decisão que a aplicou ou, fora deste quadro, através de requerimento de habeas corpus. Isto dito, O recurso aos meios de coacção em processo penal respeita os princípios da legalidade (art.os 29.º, n.º 1, da CRP e 191.º do CPP), excepcionalidade e necessidade (art.os 27.º, n.º 3 e 28.º, n.º 2, da CRP e 193.º, do CPP), adequação e proporcionalidade (art.º 193.º do CPP), como emanação do princípio constitucional da presunção da inocência do arguido, contido no artigo 32.°, n.° 2, da Constituição. Esta natureza significa que a aplicabilidade da prisão preventiva se restringe aos casos em que, verificados qualquer dos requisitos gerais do artigo 204.° e o requisito especial do artigo 202.°, ambos do CPP, as restantes medidas de coacção se mostram inadequadas ou insuficientes. As medidas de coacção só devem manter-se enquanto necessárias para a realização dos fins processuais que, observados os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, legitimam a sua aplicação ao arguido e, por isso, devem ser revogadas ou substituídas por outras menos graves sempre que se verifique a insubsistência das circunstâncias que justificaram a sua aplicação ou uma atenuação das exigências cautelares que determinaram a sua aplicação (artigo 212.° do CPP). A revogação ou substituição pode ter lugar a requerimento do arguido, do Ministério Público ou oficiosamente (artigo 212.°, n.° 4), impondo a lei o reexame oficioso do seus pressupostos, de três em três meses (artigo 213.° do CPP). O artigo 213.°, impondo um controlo jurisdicional, especialmente apertado das exigências dessa medida em cada momento, assume, claramente, uma finalidade de reforço das garantias de defesa do arguido, visando evitar a manutenção da privação da liberdade do arguido por inércia, nomeadamente do próprio arguido, não obstante o mecanismo de controlo constituído e garantido pelo artigo 212.°. Contudo, estando as medidas de coacção sujeitas à condição rebus sic stantibus, a substituição de uma medida de coacção por outra menos grave apenas se justifica quando se verifique uma atenuação das exigências cautelares que tenham determinado a sua aplicação. A decisão que impõe a prisão preventiva, apesar de não ser definitiva, é intocável e imodificável enquanto não se verificar uma alteração, em termos atenuativos, das circunstâncias que a fundamentaram, ou seja, enquanto subsistirem inalterados os pressupostos da sua aplicação. Ora, como bem se refere no despacho recorrido, referindo-se ao requerimento então sob decisão: « (…) nenhum facto novo avança[ra]m [os ora recorrentes], que não tenha sido considerado no despacho que lhes aplicou a medida de coacção, nem aponta[ra]m terem deixado de existir as circunstâncias que justificaram a prisão preventiva ou que se verificou uma atenuação das exigências cautelares que determinaram a sua aplicação e que foi considerado. Aliás, nem se vê que o pudessem fazer, com sucesso fazer, porquanto no despacho que lhes aplicou a medida de coacção de prisão preventiva foi considerado que a medida de obrigação de permanência na habitação não se mostra adequada a acautelar os perigos que se pretendem acautelar e que foram nele considerados (…)». Em resumo, o presente recurso funda-se num subterfúgio que infringe as normas de direito processual penal aplicáveis. Serve-se de um requerimento intercalar para, em recurso do despacho que recai sobre tal requerimento, atacar não a decisão de que se recorre, mas outra, anterior ao requerimento que determinou a prolação da decisão formalmente recorrida. « (…) a medida coactiva de prisão preventiva. Tanto basta para se concluir que o recurso tem de improceder. III: Atento todo o exposto, Acordamos em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida. Condena-se o recorrente no pagamento de 5 UC de taxa de justiça. Guimarães, 2008/11/24 |