Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1152/04-2
Relator: VIEIRA E CUNHA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
CÁLCULO
DANOS PATRIMONIAIS
VALOR
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/23/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – O cálculo do montante relativo ao ressarcimento dos danos patrimoniais derivados da I.P.P. (incapacidade permanente e parcial para o trabalho) de que o Autor ficou a padecer por via do acidente não pode dispensar o recurso à equidade, conforme disposto no artº 566º nº3 CCiv.
II – A equidade opera, dentro da aplicação do Direito, como um mecanismo de adaptação da lei geral às circunstâncias do caso concreto; só o juiz, e não a lei em abstracto, poderá adaptar a própria lei ao caso concreto; a equidade opera não apenas a respeito de normas jurídicas, mas também no momento de apreciar a prova dos factos.
III - Na indemnização por dano patrimonial, optando indiciariamente o juiz pelo cálculo através de tabelas matemáticas, não deverá olvidar que a indemnização deve produzir um capital susceptível de ser pago até ao fim da vida do lesado (e não apenas até ao fim da sua vida activa).
IV – Se o Autor, apesar de afectado de uma Incapacidade Permanente de 50%, não pode aspirar agora à credenciação profissional que lhe adviria de completar um curso politécnico, justifica-se que se considere, para efeitos de ponderação pela equidade da capacidade de ganho, o valor que poderia auferir se lograsse acabar o curso que frequentava.
V – Podendo o Autor, com a habilitação técnica a que se propunha, vencer a quantia de Esc.150.000$00 mensais, e revelando os autos a incapacidade actual de completar qualquer formação e um fortíssimo dano existencial, que torna o Autor fortemente dependente de terceiros, designadamente de familiares próximos, justificam-se plenamente as quantias atribuídas a título indemnizatório de € 220 000 (perda de capacidade de ganho) e € 29 927,87 (dano não patrimonial).
Decisão Texto Integral: Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães

Os Factos
Recurso de apelação interposto na acção com processo ordinário nº493/2001, da Vara Mista da Comarca de Braga.
Autor – "A".
– "B"

Pedido
Que a Ré seja condenada a pagar ao Autor a quantia de Esc. 52.336.000$00, quantia acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação.
Tese do Autor
No dia 25/7/98, cerca das 3,10H., o A. seguia como passageiro transportado gratuitamente no veículo XP-..., ligeiro de passageiros, veículo tripulado por Daniel ..., na E.N. nº103, no sentido de marcha Barcelos-Braga; em sentido contrário, seguia o ligeiro de mercadorias de matrícula ...-FT, conduzido por Francisco ...; os dois veículos embateram por via do despiste daquele onde o Autor era transportado, tendo o FT sido colhido na hemifaixa de trânsito direita, atendendo ao sentido em que seguia (Braga-Barcelos).
Computa o montante dos extensos dano patrimonial e não patrimonial sofridos na quantia peticionada.
Tese da Ré
Invoca desconhecimento acerca do modo como o acidente ocorreu e impugna o montante dos danos invocados.

Foi admitida a intervenção principal provocada de Daniel ..., quem, no respectivo articulado, impugna a alegação da Ré de que, no momento do acidente, conduzisse sob o efeito do álcool.

Sentença
Na sentença proferida pelo Mmº Juiz “a quo”, foi decidido condenar a Ré a pagar ao Autor indemnização no montante de € 251 553,95, acrescido de juros calculados à taxa legal de 7% desde a citação e até 30/4/03 e à taxa de 4% desde 1/5/03, até integral pagamento.

Conclusões do Recurso da Apelante Ré
A – O Autor à data do acidente contava 19 anos de idade.
B – No ano de 1998, o Autor frequentara o 12º ano pela 2ª vez e, ambos os anos, reprovara.
C – Sem qualquer fundamento, mas apenas porque o Autor e seus pais almejavam que tirasse um Curso Superior, o Tribunal recorrido concluiu que o Autor tiraria um Curso Superior de Engenharia.
D – O “currículo” do Autor, até ao momento do acidente, evidenciava um aluno que não conseguia concluir o 12º ano, apesar de ter frequentado tal ano em dois anos lectivos, mais precisamente nos anos lectivos de 1996/97 e 1997/98. Ou seja,
E – O Autor não reunia condições para vir a frequentar um Curso Superior e, mesmo que o conseguisse, tal não significava vir a ser Engenheiro disto ou daquilo.
F – O Tribunal, para efeito de atribuição de indemnização por danos patrimoniais, assim como por danos não patrimoniais, partiu do pressuposto de que o Autor continuou a padecer dos danos constantes dos exames médicos juntos com a Petição Inicial, os quais foram elaborados entre finais de 1998 e meados de 2000.
G – Quando, na verdade, a maior parte deles se revelaram danos temporários,
H – Já que, no último exame médico efectuado pelo Autor – e que ocorreu no Instituto de Medicina Legal, em Dezembro de 2002, ou seja, mais de dois anos e meio depois do penúltimo exame médico – o Autor apenas apresenta como danos permanentes valorizáveis o seguinte:
a) diminuição da memória, diminuição das capacidades intelectuais, alterações da personalidade e sequelas motoras ao nível do membro inferior esquerdo.
b) Dano futuro correspondente ao agravamento das sequelas – não considerado.
c) Rebate profissional – compatível em comprometer seriamente a sua actividade académica.
d) Dano estético – grau 1, numa escala de 0 a 7.
e) Prejuízo de afirmação pessoal – grau 3, na escala de 0 a 5.
f) I.P.P. fixável em 50%.
I – Tendo em conta todas estas realidades, e atendendo aos padrões jurisprudenciais relativos aos montantes indemnizatórios atinentes aos danos patrimoniais e aos não patrimoniais, os valores arbitrados pela decisão recorrida são manifestamente exagerados. Assim,
J – A uma taxa de juro de 4%, os € 220 000 arbitrados ao Autor, só por si, renderiam pouco menos do que os 150.000$00 mensais a que chegou a decisão recorrida.
L – Os € 29 927,87, equivalente a 5.000 contos em moeda antiga, arbitrados a título de danos não patrimoniais, representam pouco menos daquilo que é uma indemnização para compensar a privação do direito à vida, por conseguinte, manifestamente exagerada.
M – Temos para nós como justa uma indemnização que não ultrapasse os € 100 000, para ressarcir o Autor dos danos patrimoniais sofridos, valor que, ainda assim, ultrapassa o que resulta da aplicação das tabelas financeiras que os nossos tribunais usam como referência; e uma indemnização a título de danos patrimoniais que não ultrapasse os € 15 000.
N – A decisão recorrida violou o disposto nos artºs 659º C.P.Civ. e 494º, 496º, 562º, 564º e 566º C.Civ.

Factos Apurados em 1ª Instância
1º- O autor nasceu no dia 7/02/1979 – A;
2º- No dia 25/07/98, pelas 3,10 horas ocorreu em Cabreiros, Braga, um embate em que foram intervenientes o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, com a matrícula ...FT, conduzido por Francisco ... e o veículo automóvel ligeiro de passageiros, matrícula XP-..., conduzido por Daniel ... – A;
3º- O Daniel ... conduzia o veículo XP-... pela EN nº 103 no sentido Barcelos/Braga – 1º;
4º- O Francisco ... conduzia o veículo ...-FT pela mesma estrada, em sentido contrário – 2º;
5º- Pela metade direita da faixa de rodagem – 3º;
6º- Ao descrever uma curva existente para a direita, atento o seu sentido de marcha, o veículo XP entrou em despiste – 4º e 8º;
7º- Foi embater com a parte lateral direita (XP-...) na frente do veículo ...-FT – 5º;
8º- O embate ocorreu na metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha do veículo FT – 6º;
9º- O condutor do veículo XP imprimia ao veículo velocidade não concretamente apurada mas superior a 60/70 Km/h – 7º;
10º- Saiu da metade direita da faixa de rodagem – 9º;
11º- Foi embater no veículo FT depois de deixar rastos de travagem numa distância de 20 metros – 10º;
12º- Obliquados da direita para a metade esquerda da faixa de rodagem – 11º;
13º- Após o embate, o veículo FT ficou atravessado sobre a berma e parte da faixa de rodagem do lado direito, atento o sentido Braga/Barcelos – 12º;
14º- O veículo XP ficou voltado no sentido de Braga/Barcelos – 13º;
15º- A ocupar a metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido Braga/Barcelos – 14º;
16º- A faixa de rodagem da estrada tem no local 7,30m de largura – 15º;
17º- Atento o sentido de marcha Braga/Barcelos existiam, a anteceder o local do embate, sinais verticais de transito a proibir exceder o limite de velocidade de 50 Km/h – 16º;
18º- Na altura do embate, o autor seguia como passageiro no veículo XP – 17º;
19º- Devido ao embate o autor foi projectado do veículo – 18º;
20º- Foi embater na porta de casa de habitação existente junto à berma do lado direito da estrada, atento o sentido Barcelos/Braga – 19º;
21º- Partiu, com esse embate, os vidros e amolgou a porta da casa – 20º;
22º- Como consequência do embate, o autor sofreu traumatismo craneo-encefálico – 21;
23º- Sofreu traumatismo torácico – 22º;
24º- Sofreu escoriações e hematomas espalhadas pelo corpo – 23º;
25º- Foi transportado ao Hospital de S. Marcos, de Braga – 24º;
26º- À entrada do hospital, não abria os olhos nem emitia sons – 25º;
27º- Fazia extensão bilateral, totalizando um score de 4/15 na escala de coma de Glasgow – 26º;
28º- Midríase fixa bilateral com anisocoria direita maior que a esquerda – 27º;
29º- Foi-lhe realizada TAC cerebral, revelando hematoma sub-dural agudo hemisférico direito associado a edema cerebral difuso – 28º;
30º- A radiografia do tórax revelava contusão pulmonar bilateral – 29º;
31º- No mesmo dia foi submetido a intervenção cirúrgica (cranioromia de sensor de pressão intra-craniana) – 30º;
32º- Esteve internado na Unidade de Cuidados Intensivos até 10/08/98 – 31º;
33º- Esteve ventilado até 7/08/98 – 32º;
34º- Durante esse período surgiram complicações infecciosas que foram tratadas – 33º;
35º- Em 18/08/98 foi transferido para o Serviço de Medicina Física e de Reabilitação, vigil e colaborante com o exame – 34º;
36º- Apresentava hemiparesia esquerda – 35º;
37º- Teve alta daquele serviço em 27/08/98 – 36º;
38º- Foi orientado para as consultas externas de Neurologia e Medicina Física de Reabilitação – 37º;
39º- Como consequência das lesões sofridas com o embate, o autor ficou com sequelas neurológicas físicas e das funções nervosas superiores – 38º;
40º- Passou a sofrer de frequentes cefaleias, insónias e alterações da memória e da concentração – 39º;
41º- Tornou-se irritável, com alterações de comportamento – 40º;
42º- Passou a carecer de apoio pedagógico especializado – 43º;
43º- Apesar de estudar e reter informação num nível imediato, sentia-se em branco no dia seguinte ou no momento da prestação de provas académicas – 45º;
44º- Não era capaz de ter acesso a informação ou conhecimento que tivesse estudado – 46º;
45º- Antes do embate o autor sempre transitou de ano até ao 11º ano de escolaridade, inclusive, sendo que nos anos lectivos de 96/97 e 97/98 frequentou o 12º ano, não tendo obtido aproveitamento, o mesmo acontecendo no ano lectivo de 98/99, sendo que no ano lectivo de 99/2000 frequentou e concluiu o 12º ano de escolaridade – 47º e 49º;
46º- No presente ano lectivo (por referência a Julho de 2001) não vai ter aproveitamento escolar – 48º;
47º- O autor sofreu de insónia inicial (dificuldade em adormecer) 5 a 6 noites por semana – 50º;
48º- Só conseguia conciliar o sono ou adormecer às 4 e 5 horas da manhã – 51º;
49º- Às 8.30 horas tinha de ir para a escola – 52º;
50º- Devido ao referido nos anteriores números, o autor ficou com astenia psíquica e física acentuada – 53º;
51º- Ficou com dificuldade de concentração – 54º;
52º- Tem episódios de agressividade, sem justificação – 55º;
53º- Antes do embate, era controlado, carinhoso e cheio de alegria de viver – 56º;
54º- Apresenta olheiras e sonolência diurna – 57º;
55º- Tornou-se abúlico e pouco interessado na vida – 58º;
56º- Tornou-se dependente da mãe – 59º;
57º- Mostra-se emocionalmente instável – 60º;
58º- Não assume qualquer comportamento mais responsável sem previamente consultar a mãe – 61º;
59º- Sofre de claustrofobia, ameaçando partir tudo quando se sente fechado – 62º;
60º- Não tem controlo sobre os gastos que faz – 63º;
61º- Não tem controlo sobre a sua alimentação – 64º;
62º- O que levou ao aumento do seu peso - pesa mais cerca de 20 a 30 Kg do que antes do embate – 65º;
63º- Em consequência do embate e lesões causadas, o autor sofreu dores (sendo o quantum doloris fixável no grau 4 - escala de sete graus de gravidade crescente) – 66º;
64º- Sofreu choque e abalo físico e psíquico – 67º;
65º- À data do embate era saudável e sem qualquer defeito físico ou incapacidade – 68º;
66º- Frequentava o 12º ano do ensino secundário – 69º;
67º- Era sua intenção e desejo, tal como dos seus pais, tirar um curso superior – 70º;
68º- Após o referido no anterior número 45º, o autor foi admitido no Instituto Politécnico do Porto, no ano lectivo de 2000/2001 – 71º;
69º- Não obteve classificação que lhe permitisse o acesso ao ensino superior – 72º;
70º- Frequenta (por referência à data referida nos anteriores factos 46º e 68º) o 1º ano do curso de engenharia de produção – 73º;
71º- Devido às sequelas de que ficou a padecer, o autor não conseguirá concluir o curso – 74º;
72º- Se concluísse o curso, o autor teria acesso a trabalho remunerado com vencimento não apurado, correspondente ao salário de um engenheiro de produção – 75º;
73º- Em consequência do embate e das lesões sofridas o autor ficou afectado de uma incapacidade parcial permanente para o trabalho de 50% –76º;
74º- O autor sente desgosto, sente-se triste e diminuído em virtude do referido no número anterior – 77º;
75º- Sente-se triste e diminuído por não ter acompanhado os seus colegas na progressão no estudo – 78º;
76º- Em exames e consultas médicas, o autor despendeu 200.000$0 – 79º;
77º- Em deslocações para consultas e tratamentos despendeu mais de 20.000$00 – 80º;
78º- Com o acidente ficou inutilizada a roupa que o autor vestia, a saber: uma camisa, umas calças e uns sapatos, nos valores respectivos de 15.000$00, 14.000$00 e 15.000$00 – 81º;
79º- Ficaram destruídos o telemóvel, no valor de 47.000$00, e o relógio, no valor de 25.000$00 – 82º;
80º- O veículo XP era conduzido pelo Daniel... com conhecimento do seu proprietário – 83º;
81º- Por contrato de seguro titulado pela apólice nº AU06600066 o proprietário do veículo XP-... a ré assumiu a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros com o referido veículo – C.

Fundamentos
As questões levantadas pelo recurso podem resumidamente ser elencadas pela seguinte forma:
I – Poderia o Tribunal ter assumido a probabilidade de que o Autor se licenciaria como Engenheiro e que beneficiaria de um estatuto remuneratório de 150.000$00/mês, atendendo para além do mais ao facto de o Autor ter reprovado por duas vezes no 12º ano?
II – Poderia o Tribunal assumir a probabilidade de o Autor ter uma vida activa por cerca de 45 anos?
III – A indemnização de € 220 000 encontra-se fixada em excesso (o juro de € 220 000, à taxa de 4%, atinge € 733,33, ou seja, Esc. 146.666$77, ou seja, com tal indemnização o Autor venceria só a título de juros uma quantia muito aproximada da quantia correspondente à perda de ganho assumida no tribunal “a quo” – Esc.150.000$00)?
IV – A decisão recorrida calculou a indemnização pelos danos morais como se os danos constantes dos relatórios juntos pelo Autor, com a Petição Inicial, fossem permanentes, quando a maior parte deles assume natureza temporária?
V – A indemnização correspondente ao dano não patrimonial (Esc. 6.000.000$00) é exagerada, por próxima da privação do direito à vida?
Passaremos assim à apreciação de tais questões.
I
Saber, em primeiro lugar, se a quantia de € 220 000, fixada a título de indemnização pelos danos decorrentes da Incapacidade Parcial Permanente para o trabalho, ao Recorrente Autor, se revela insuficiente.
Segundo a lei portuguesa, o dano patrimonial é representado pela diferença entre a situação real actual da vítima e a situação hipotética em que se encontraria, caso não houvesse sofrido o dano – artº 566º nº2 CCiv.
O dano patrimonial pode ser valorado em dinheiro, incluindo não apenas o dano emergente (o que compreende o dano provocado nos bens ou nos direitos da vítima já existentes previamente ao acidente), mas também o lucro cessante (o qual compreende as benefícios a que a vítima não pôde aceder, por causa do facto ilícito) – artº 564º nº1 C.Civ.
Também na fixação da indemnização pode o Tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior (liquidação em execução de sentença).
Entre os danos futuros figuram os danos patrimoniais derivados da I.P.P. (incapacidade permanente e parcial para o trabalho) de que o Autor ficou a padecer por via do acidente (cujo ressarcimento em capital ou renda, mesmo na eventualidade de o lesado não ver diminuídos os seus rendimentos, já tinha sido objecto da Resolução do Comité de Ministros do Conselho da Europa nº75-7).
O cálculo respectivo não pode dispensar o recurso à equidade, conforme disposto no artº 566º nº3 CCiv.
Na ausência de uma definição legal, v.g. no ordenamento civilístico português, a ideia de equidade pode retirar-se da fórmula canonizada por Engisch, cit. in Alejandro Nieto, El Arbitrio Judicial, Barcelona, 2000, pg.233: “O método da equidade consiste em que, seja nas hipóteses normativas, seja nas suas consequências jurídicas, se insiram conceitos e formulações gerais e indeterminadas que ofereçam a quem aplica o direito uma orientação vinculativa para a decisão no caso concreto, a qual, por sua vez, deixe um campo de acção suficientemente amplo para levar em conta as peculiaridades do caso”.
Também na doutrina portuguesa se acentua que o julgamento pela equidade “é sempre o produto de uma decisão humana que visará ordenar determinado problema perante um conjunto articulado de proposições objectivas; distingue-se do puro julgamento jurídico por apresentar menos preocupações sistemáticas e maiores empirismo e intuição” (Meneses Cordeiro, O Direito, 122º/272).
Sublinha-se, a propósito da equidade, que:
a) opera, dentro da aplicação do Direito, como um mecanismo de adaptação da lei geral às circunstâncias do caso concreto;
b) só o juiz, e não a lei em abstracto, poderá adaptar a própria lei ao caso concreto;
c) a equidade opera não apenas a respeito de normas jurídicas, mas também no momento de apreciar a prova dos factos (Al. Nieto, op. cit., pgs. 234 e 235).
Dentro do quadro doutrinário supra, a matéria de facto provada que contende com as alegações do Recorrente foi a seguinte (que aqui se repete meramente na tentativa de clarificação de raciocínio): 66º- O A. frequentava o 12º ano do ensino secundário – 69º; 67º - Era sua intenção e desejo, tal como dos seus pais, tirar um curso superior – 70º; 68º - Após o referido no anterior número 45º, o autor foi admitido no Instituto Politécnico do Porto, no ano lectivo de 2000/2001 – 71º; 69º - Não obteve classificação que lhe permitisse o acesso ao ensino superior – 72º; 70º - Frequenta (por referência à data referida nos anteriores factos 46º e 68º) o 1º ano do curso de engenharia de produção – 73º; 71º- Devido às sequelas de que ficou a padecer, o autor não conseguirá concluir o curso – 74º; 72º - Se concluísse o curso, o autor teria acesso a trabalho remunerado com vencimento não apurado, correspondente ao salário de um engenheiro de produção – 75º; 73º - Em consequência do embate e das lesões sofridas o autor ficou afectado de uma incapacidade parcial permanente para o trabalho de 50% – 76º.
Desde logo, a constatação de que o Mmº Juiz “a quo” é fiel à matéria de facto provada quando, no raciocínio que utiliza na sentença em crise, entende (fls 191v. dos autos) que “certamente pode considerar-se que o salário de um engenheiro de produção não seria inferior a Esc.150.000$00”, especificando: “cerca do dobro do salário mínimo nacional”.
Em primeiro lugar, porque o Autor logrou efectivamente concluir o 12º ano, em momento posterior ao acidente dos autos, e, após, obter frequência num curso tecnológico de engenharia (a entrada em engenharia não mostra, assim, uma qualquer premissa não verificada na prática).
Depois porque o Mmº Juiz “a quo” considerou que, pela normalidade da vida, e no quadro equitativo da avaliação que lhe era exigida, um engenheiro de produção, habilitado com um curso tecnológico, podendo aspirar a tornar-se um quadro intermédio de uma empresa, lograria vencer cerca do dobro do salário mínimo.
Nada mais razoável, dentro de uma perspectiva dos escalões salariais praticados pelas empresas (e que, se pecasse, seria por alguma modéstia, isto do ponto de vista do Autor/Recorrido).
Finalmente porque, apesar de afectado de uma Incapacidade Permanente de 50%, o Autor não poderá aspirar agora à credenciação profissional que lhe adviria de completar um curso politécnico. Assim, tal referida incapacidade reflectir-se-à, quando e se o Autor lograr aceder ao mercado de trabalho, em vencimento obviamente inferior.
Incidindo este dano sobre a capacidade de produção de rendimentos por parte do lesado, poderia ele ser ressarcido por duas formas equivalentes: atribuindo ao lesado uma indemnização em renda, que substituísse periodicamente os rendimentos perdidos (é a solução do artº 567º CCiv., prevista legalmente, mas a funcionar apenas a pedido do lesado); ou atribuindo ao lesado um capital a pagar de imediato e antecipadamente, mas que, por um lado, produza rendimentos, por outro se venha igualmente a esgotar no final da vida do lesado.
Mencionou-se a vida do lesado e não apenas a respectiva “vida activa” pois que se entende que há que prover ao sustento do lesado, mesmo após o termo da sua vida activa, desta forma substituindo os sistemas de segurança social, os quais não poderão naturalmente actuar após o termo da vida activa do lesado já que não tendo obtido uma prévia contrapartida a partir de rendimentos do trabalho – é o sentido actual da doutrina e da jurisprudência, designadamente desta Relação (entre outros, Ac.R.G. 1/10/03, rec. nº640/2003, 2ª Secção, relator: Arnaldo Silva), cf., no mesmo sentido, S.T.J. 16/3/99 Col.I-167 e Sousa Dinis Col.S.T.J.97-II-15.
Desta forma, também porque a esperança média de vida para as pessoas do sexo masculino se situa já hoje nos 73 anos de idade (por via dos dados dos mais recentes censos do Instituto Nacional de Estatística), e porque o Autor (que tinha 19 anos de idade, à data do acidente) poderia aspirar a entrar na vida activa dentro de mais seis anos (com 25 anos de idade), entende-se como mais adequado fixar-se em 48 o número de anos em que deverá repetir-se a prestação pela capacidade laboral perdida pelo Autor.
II
Como vimos, na fixação da quantia devida a título da citada perda de capacidade laboral do Autor, o recurso à equidade constitui o único critério estabelecido pela lei civil. A ser de outro modo, tratar-se-ia no caso de um puro problema técnico-contabilístico que os tribunais não concorreriam para resolver.
Todavia, justifica-se que se parta de uma base técnico-contabilística, para após corrigir o capital obtido, fazendo apelo à fundamental equidade.
Com efeito, ao figurar-se a carreira profissional futura do Autor, não pode prescindir-se do id quod plerumque accidit – a duração normal previsível de vida, a progressão profissional de um trabalhador, a idade do Autor à data do acidente e a flutuação do valor do dinheiro, tendo em conta o tempo durante o qual o capital entregue deve ser despendido pelo Autor (até ao final da vida deste Autor) – ut S.T.J. 25/6/02 Col.II/128 e S.T.J. 23/10/03 Col.III/111; desta forma, as meras tabelas financeiras só por si não logram aproximar-se da realidade indemnizatória e necessitam de ser corrigidas, para mais ou para menos, em função de eventos que, sendo previsíveis, encontram nas fórmulas matemáticas uma tradução redutora (note-se que, sendo a equidade o critério legal, o Tribunal não está de todo reduzido à expressão indemnizatória das fórmulas matemáticas – S.T.J. 11/3/97 Bol.465-537 – mas pode recorrer a elas como fórmula de valor meramente auxiliar – S.T.J. 25/6/02 cit.; S.T.J. 8/5/03 Col.II/42).
Assim, nesta ordem de ideias, diversas decisões jurisprudenciais recorreram a fórmulas matemáticas que explicitaram no respectivo texto (ut S.T.J. 4/2/93 Col.I-128, S.T.J. 5/5/94 Col.II-86 ou Ac.R.C. 4/4/95 Col.II-23).
Olhemos à fórmula matemática sugerida pelo Ac.S.T.J. 5/5/94 Col. II-86.
A fórmula a utilizar como elemento de trabalho será:
N -N
C = P x ((1/i-(1 + i)/((1 + i) x i)) + P x (1 + i)
onde C será o capital a depositar, P a prestação a pagar anualmente (considerando um vencimento de 150.000$00 mensais durante catorze meses), i a taxa de juro e N o número de anos em que a prestação se manterá.
Considerar-se-à a taxa de juro de 4%, que adequadamente foi utilizada na sentença recorrida, e que corresponde a um montante equilibrado, num panorama de estabilidade da moeda (inseridos como nos encontramos no espaço “euro”).
O número de anos em que a prestação se deverá manter será de 48 anos, como visto supra.
Pela aplicação da dita fórmula do S.T.J., chegaremos ao resultado global de Esc. 44.509.774$00 (€ 222 013,82), quantia essa que se acha perto do montante fixado pelo Mmº Juiz “a quo”, apenas ligeiramente o superando.
Não deverá olvidar o Recorrente dois factores que tornam menos relevante, a final, o capital obtido: o de que se consideram 14 meses (e não apenas 12 meses) para a fixação do montante relativo ao vencimento anual perdido; e ainda o de que os 48 anos considerados para a necessária duração da prestação contribuem também para a erosão progressiva do capital, que não se mantém constante ao longo dos anos, contribuindo assim para que se não possa considerar uma quantia fixa de rendimento dos juros ao longo do período de tempo em que a prestação se deverá manter.
Tal valor, todavia, sempre deveria ser corrigido para mais, por força da fórmula matemática sugerida pelo Ac.R.C. 4/4/95 Col.II/23, que, partindo da fórmula anteriormente citada, do Supremo Tribunal de Justiça, a complementa com estoutra:
i (taxa de juro a considerar) = ( 1 + r / 1 + k ) - 1
em que r representa a taxa de juro nominal líquida das aplicações financeiras (como visto, 4% máximos) e k a taxa anual de crescimento da prestação a pagar no primeiro ano (englobando inflação – 2% ao ano; ganhos de produtividade e subidas de escalão – cerca de 1% ao ano), a assumirmos ainda a previsibilidade financeira de que Portugal goza na actualidade. Mesmo assim, a inflação e os naturais aumentos de produtividade e aumentos de vencimento são capazes de anular quase por completo a capitalização da quantia atribuída de uma só vez, uma vez que, partindo dos valores avaliados, somam quase tanto como o juro produzido.
Pela dita fórmula complementar a taxa a considerar seria tão só a de 0,97%.
Naturalmente que a indemnização a arbitrar ainda se cifraria em valor superior à que já resultava da aplicação da primeira fórmula, sem a correcção referida.
Igualmente se poderá repristinar o critério achado nos Ac.R.P. 20/5/82 Col.III-209 e Ac.R.C. 13/7/82 Col.IV-48, mais tarde recuperado por Sousa Dinis Col.S.T.J. cit.: multiplicando a quantia anual de Esc.2.100.000$00 (vencimento anual estimado do Autor), multiplicaremos depois este montante pelo número de anos (48) que faltariam ao lesada para atingir a esperança média de vida das pessoas do sexo masculino em Portugal. Atingiríamos Esc.100.800.000$00.
Diminuindo essa quantia de 1/3 do produto da mesma, atingiríamos o total de cerca de Esc. 67.200.000$00.
Finalmente, recorra-se também aos coeficientes de capitalização que o Conselho Superior da Magistratura em Itália publicou em 1990, baseados sobre as tabelas de mortalidade da população em 1981 (como simples instrumento de trabalho – Lodovico Molinari, Manuale per il Rissarcimento del Dano, 2003, pg. 327ss.).
Tais tabelas consideram já uma taxa técnica de actualização de 2%, apta a cobrir, no mínimo, a inflação, para o período em referência.
Consideraremos a idade de 25 anos em que o Autor acederia ao mercado de trabalho e a quantia equivalente a Esc.2.100.000$00, valor anual do vencimento perdido, considerando o dito vencimento por catorze meses.
Este valor multiplicado por 30,6399, que, nos aludidos coeficientes se reporta á idade de 25 anos, perfaz o total de Esc. 64.343.790$00 (€ 320.945,47).
Note-se, todavia, que o autor citado considera que estas tabelas são muito favoráveis às companhias de seguros, já que tais tabelas foram calculadas para uma taxa de juro de 5%, demasiado elevada, já que a taxa de juro remuneratória de qualquer aplicação bancária, a longo prazo, hoje por hoje, não ultrapassa o valor de 4%.
Em suma, sem que nos adentremos mais no conhecimento destas matérias, já suficientemente escalpelizadas, improcede o recurso neste ponto, pois que é de manter a quantia arbitrada pelo Mmº Juiz “a quo” (€ 220 000), porque adequada pela equidade á situação em referência.
III
O artº 496º nº3 C.Civ. manda fixar o montante da indemnização pelo dano não patrimonial por forma equitativa, tendo em conta as circunstâncias referidas no artº 494º CCiv., ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, entre as quais se contam as lesões sofridas e os correspondentes sofrimentos, mais levando em conta, em todo o caso, quer os padrões geralmente adoptados na jurisprudência, quer as flutuações do valor da moeda (por todos, S.T.J. 25/6/02 Col.II/128).
Poderemos dizer de outro modo que, ao liquidar o dano não patrimonial, o juiz deve levar em conta os sofrimentos efectivamente padecidos pelo lesado, a gravidade do ilícito e os demais elementos do “fattispecie”, de modo a achar uma soma adequada ao caso concreto, a qual, em qualquer caso, deve evitar parecer mero simulacro de ressarcimento.
Os critérios jurisprudenciais constituem importante baliza para o raciocínio, posto que aplicáveis, ainda que por semelhança, ao caso concreto.
A Recorrente chama a atenção para o facto de o Instituto de Medicina Legal, em Dezembro de 2002, sustentar que o Autor apenas apresentava, como danos permanentes valorizáveis: diminuição da memória, diminuição das capacidades intelectuais, alterações da personalidade e sequelas motoras ao nível do membro inferior esquerdo; rebate profissional – compatível em comprometer seriamente a sua actividade académica; dano estético – grau 1, numa escala de 0 a 7; prejuízo de afirmação pessoal – grau 3, na escala de 0 a 5; I.P.P. fixável em 50%.
Não poderá todavia esquecer os demais factos apurados nos autos e que não foram necessariamente objecto de pronúncia, por banda daquele Instituto. De maneira nenhuma se pode afirmar que todos os demais factos apurados assumiram natureza temporária, pese embora a natureza temporária de alguns ser de tal modo grave que determinou a fortíssima incapacidade de que o Réu é portador; pese embora temporários, assumiram os danos apurados manifesta gravidade.
Mais uma vez, afigura-se útil passar em revista os factos provados, por forma a uma melhor capacitação prévia daquilo que se encontra em causa: 40º- o Autor passou a sofrer de frequentes cefaleias, insónias e alterações da memória e da concentração; 41º- Tornou-se irritável, com alterações de comportamento; 42º- Passou a carecer de apoio pedagógico especializado; 43º- Apesar de estudar e reter informação num nível imediato, sentia-se em branco no dia seguinte ou no momento da prestação de provas académicas; 44º- Não era capaz de ter acesso a informação ou conhecimento que tivesse estudado; 47º- Sofreu de insónia inicial (dificuldade em adormecer) 5 a 6 noites por semana; 48º- Só conseguia conciliar o sono ou adormecer às 4 e 5 horas da manhã; 49º- Às 8.30 horas tinha de ir para a escola; 50º- Devido ao referido nos anteriores números, o autor ficou com astenia psíquica e física acentuada; 51º- Ficou com dificuldade de concentração; 52º- Tem episódios de agressividade, sem justificação; 53º- Antes do embate, era controlado, carinhoso e cheio de alegria de viver; 54º- Apresenta olheiras e sonolência diurna; 55º- Tornou-se abúlico e pouco interessado na vida; 56º- Tornou-se dependente da mãe; 57º- Mostra-se emocionalmente instável; 58º- Não assume qualquer comportamento mais responsável sem previamente consultar a mãe; 59º- Sofre de claustrofobia, ameaçando partir tudo quando se sente fechado; 60º- Não tem controlo sobre os gastos que faz; 61º- Não tem controlo sobre a sua alimentação; 62º- O que levou ao aumento do seu peso - pesa mais cerca de 20 a 30 Kg do que antes do embate; 63º- Em consequência do embate e lesões causadas, o autor sofreu dores (sendo o quantum doloris fixável no grau 4 - escala de sete graus de gravidade crescente); 64º- Sofreu choque e abalo físico e psíquico; 65º- À data do embate era saudável e sem qualquer defeito físico ou incapacidade. O Autor ficou, após alta clínica, com 50% de incapacidade geral para o trabalho. Sofreu traumatismo craneo-encefálico e torácico – 22º e 23º; escoriações e hematomas espalhadas pelo corpo – 24º; o coma respectivo foi provocado por hematoma sub-dural agudo hemisférico direito associado a edema cerebral difuso – 29º; foi submetido a intervenção cirúrgica (cranioromia de sensor de pressão intra-craniana) – 31º; esteve internado na Unidade de Cuidados Intensivos até 10/08/98 – 32º; ventilado até 7/08/98 – 33º; durante esse período surgiram complicações infecciosas que foram tratadas – 34º; em 18/08/98 apresentava hemiparesia esquerda – 36º; ficou com sequelas neurológicas físicas e das funções nervosas superiores – 39º.
Ou seja, seguindo uma classificação doutrinal, meramente auxiliar de um raciocínio sobre os padecimentos morais, os autos patenteiam à evidência um dano elevado na vertente do “dano moral”, propriamente dito (com base na incapacidade permanente), na vertente do “pretium doloris” (ressarcimento da dor física sofrida – grau 4, em 7) e na vertente do dano existencial e psíquico (o dano da vida de relação, com base na dificuldade de “coping” do Autor, na dificuldade em lidar com a sua actual incapacidade, bem como o id quod plerumque aciddit: a dificuldade de realização do Autor, portador de grande incapacidade, em todas as vertentes das respectivas relações sociais, para futuro).
Tal dano consubstancia-se numa considerável lesão sofrida pelo Autor na sua integridade física (as dores físicas e as lesões determinantes da referida incapacidade laboral) e psíquica (os sofrimentos e abalos psicológicos).
Para referirmos apenas alguns exemplos jurisprudenciais recentes, o Ac.S.T.J. 25/6/02 cit., considerou-se que, para um indivíduo de 32 anos, portador que ficou de I.P.P. de 40%, era adequada indemnização de Esc.5.500.000$00.
O Ac.S.T.J. 12/7/01 Col.III/27 considerou que “sofrendo o autor lesões por agressão réus a soco, pontapé, navalha e disparo com arma de fogo, que lhe determinaram 175 dias de doença com incapacidade para o trabalho (...), incapacidade total para a vida militar (era 1º cabo pára-quedista), incapacidade para a actividade escolar e prática de exercícios violentos, quando era atleta federado e com títulos nacionais e ibéricos, com 22 anos de idade, deve a indemnização por danos não patrimoniais ser fixada em 8.000.000$00”.
Os exemplos doutrinários e jurisprudenciais supra, acrescendo as circunstâncias do caso concreto, mostram que a indemnização pelo dano não patrimonial do Autor, que foi fixado, na sentença recorrida, em € 29.927,87 (Esc. 6.000.000$00), não assume qualquer exagero, designadamente por se situar próximo do dano resultante da privação do direito à vida.
Em primeiro lugar porque o dano da privação de uma vida jovem se vem situando, por critérios jurisprudenciais recentes, em € 50 000 – cf. Ac.S.T.J. 25/1/02 Col.I/62 e Ac.R.P. 15/5/01 Col.III/187.
Finalmente porque os autos patenteiam um sofrimento notório do Autor, acompanhado de um dano existencial e de relação (a incapacidade de exprimir a força vital orientada para a realização do eu e a incapacidade que para o Autor resultou de se tornar protagonista da sua própria existência – cf. Mª Gloria Campi, in Molinari, op. cit., pg.390) de que apenas tenuamente poderemos acompanhar as consequências futuras.
A Organização Mundial de Saúde exprime adequadamente o conceito de saúde, quando o definiu como “um estado de completo bem estar físico, mental e social, que não consiste apenas na ausência de doença ou enfermidade”.
Considerando o “homem” na sua totalidade, aquela Organização das Nações Unidas aponta para uma visão integral de corpo e mente em continuum de energia, permitindo ao mesmo tempo divisar a relevância do mecanismo repetitivo do evento traumático no obstaculizar da realização da pessoa em concreto e conferir a verdadeira dimensão do dano psíquico e neurológico, de que os autos constituem um exemplo flagrante.

A fundamentação poderá resumir-se por esta forma:
I – O cálculo do montante relativo ao ressarcimento dos danos patrimoniais derivados da I.P.P. (incapacidade permanente e parcial para o trabalho) de que o Autor ficou a padecer por via do acidente não pode dispensar o recurso à equidade, conforme disposto no artº 566º nº3 CCiv.
II – A equidade opera, dentro da aplicação do Direito, como um mecanismo de adaptação da lei geral às circunstâncias do caso concreto; só o juiz, e não a lei em abstracto, poderá adaptar a própria lei ao caso concreto; a equidade opera não apenas a respeito de normas jurídicas, mas também no momento de apreciar a prova dos factos.
III - Na indemnização por dano patrimonial, optando indiciariamente o juiz pelo cálculo através de tabelas matemáticas, não deverá olvidar que a indemnização deve produzir um capital susceptível de ser pago até ao fim da vida do lesado (e não apenas até ao fim da sua vida activa).
IV – Se o Autor, apesar de afectado de uma Incapacidade Permanente de 50%, não pode aspirar agora à credenciação profissional que lhe adviria de completar um curso politécnico, justifica-se que se considere, para efeitos de ponderação pela equidade da capacidade de ganho, o valor que poderia auferir se lograsse acabar o curso que frequentava.
V – Podendo o Autor, com a habilitação técnica a que se propunha, vencer a quantia de Esc.150.000$00 mensais, e revelando os autos a incapacidade actual de completar qualquer formação e um fortíssimo dano existencial, que torna o Autor fortemente dependente de terceiros, designadamente de familiares próximos, justificam-se plenamente as quantias atribuídas a título indemnizatório de € 220 000 (perda de capacidade de ganho) e € 29 927,87 (dano não patrimonial).

Com os poderes que lhe são conferidos pelo disposto no artº 202º nº1 da Constituição da República, decide-se neste Tribunal da Relação:
Julgar improcedente, por não provado, o recurso interposto pela Ré, confirmando-se integralmente a sentença recorrida.
Custas pela Apelante.

Guimarães, 23/5/04