Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
7/14.0TMBRG-A.G1
Relator: ANTÓNIO BEÇA PEREIRA
Descritores: RECLAMAÇÃO
ADMISSÃO DO RECURSO
MEDIDA DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO DO MENOR
PRORROGAÇÃO DO PRAZO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/13/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: DEFERIDA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: A decisão de prorrogar "por mais 3 meses a medida de apoio junto dos pais aplicada ao menor" é recorrível.
Decisão Texto Integral: ***
Nos presentes autos de promoção e protecção, que correm termos na Secção de Família e Menores da Instância Central da Comarca de Braga, relativos ao menor C…, foi pelo pai deste, C…, apresentada reclamação, nos termos do disposto no artigo 643.º do Código de Processo Civil [1], contra o despacho de 14-8-2014 que não admitiu o recurso de apelação por ele interposto da decisão de 24-7-2014, em que se decidiu:
"(…) prorrogar-se por mais 3 meses a medida de apoio junto dos pais aplicada ao menor C…."
Na presente reclamação o pai do menor sustenta, em síntese, que:
"(…) A aplicação da medida de apoio junto dos pais (…) foi inicialmente decidida com o acordo dos pais. Acordo que não houve agora na prorrogação da mesma. (…) Sendo determinada contra a vontade dos pais, que anteriormente haviam dado o seu acordo, a presente decisão admite recurso."
O Ministério Público respondeu sustentando que o despacho de 24-7-2014, tal como decidiu a Meritíssima Juiz a quo, é irrecorrível.
II
A questão a resolver consiste em saber se a decisão de 24-7-2014, onde se determinou a prorrogação "por mais 3 meses a medida de apoio junto dos pais aplicada ao menor C…", é recorrível.
Recorda-se que na decisão reclamada a Meritíssima Juiz considerou que:
"(…) em causa está, portanto, uma decisão que não se pronunciou, definitiva ou provisoriamente, sobre a aplicação, alteração ou cessação da medida de promoção ou protecção. Antes limitou-se a prorrogar o prazo da sua vigência.
Ora, no artigo 123.º da LPCJP o legislador expressamente deixou tipificadas as decisões que admitem recurso, recorde-se, aplicação, alteração ou cessação da medida, assim inequivocamente deixando de fora deste leque as decisões, como a ora em crise, de prorrogação, expressamente contempladas no elenco do artigo 62.º do mesmo diploma.
Trata-se portanto, não de um lapso ou omissão mas de uma clara opção: as decisões de continuação ou prorrogação da medida já aplicada (ainda para mais por acordo) não são passíveis de recurso.
Nestes termos, concordando com o parecer do Ministério Público, por legalmente inadmissível, nos termos dos artigos 124.º da LPCJP e 641.º, n.º 2, a), do CPC, não admito o recurso apresentado."
O n.º 1 do artigo 123.º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP)[2] estabelece que "cabe recurso das decisões que, definitiva ou provisoriamente, se pronunciem sobre a aplicação, alteração ou cessação de medidas de promoção e protecção."
Na perspectiva da Meritíssima Juiz, ao "prorrogar-se por mais 3 meses a medida de apoio junto dos pais aplicada ao menor C…" o tribunal "não se pronunciou (…) sobre a aplicação, alteração ou cessação da medida de promoção ou protecção." Sendo assim, tal medida não se encontra (propositadamente) abrangida pelo disposto no citado artigo 123.º n.º 1, leia-se é irrecorrível.
Se bem se interpreta o pensamento da Ilustre Magistrada, a prorrogação de uma medida anteriormente fixada [3] não cabe na previsão do n.º 1 do artigo 123.º da LPCJP, uma vez que aqui só se faz alusão às decisões que "se pronunciem sobre a aplicação, alteração ou cessação de medidas de promoção e protecção"; o elemento literal deste preceito não abarca os casos de prorrogação.
Vejamos.
É pacífico que ao prorrogar-se "por mais 3 meses a medida de apoio junto dos pais aplicada ao menor C…" não se adopta uma medida, materialmente, diferente da que inicialmente fora estabelecida. Porém, é claro que neste caso se está a estender no tempo essa primeira medida; ela agora irá vigorar com um outro horizonte temporal. Este novo limite temporal é, só por si, uma modificação ao que se decidiu ab initio; ele constitui em si mesmo uma alteração ao quadro pré-existente. Há, portanto, na prorrogação uma alteração da medida que vinha de trás, sem prejuízo de o núcleo desta se manter.
Não se pode, assim, acompanhar a Meritíssima Juiz quando considera que ao prorrogar "a medida de apoio junto dos pais aplicada ao menor C…" não há qualquer alteração na medida a que o menor fica sujeito.
Por outro lado, pode ainda argumentar-se que a prorrogação da medida é, ela própria, uma medida, pois ao decidir-se por optar por essa solução está-se, materialmente, a aplicar uma medida, independentemente da proximidade que ela tem com a anterior.
Finalmente convém lembrar que o n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil diz-nos que "a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada", e que o seu n.º 3 impõe que na interpretação dos textos legais "o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas". E, "não se sabendo ao certo qual tenha sido a vontade do legislador efectivo, é natural imaginar-se que ele entendeu a lei tal como a teria entendido um bom legislador" [4], tendo-se presente que as palavras em que o legislador se expressa "têm por trás de si um espírito, uma alma, e só quando a lei é vista no conjunto dos dois aspectos é que pode ser perfeitamente conhecida." [5]
Ora, neste contexto, mesmo que se entenda, como entendeu o Tribunal a quo, que a letra do n.º 1 do artigo 123.º da LPCJP não inclui a decisão de prorrogação de uma medida já aplicada [6], nesse cenário, ao interpretar-se esta norma sempre se terá que se reconhecer que com tal prorrogação se decide, de alguma maneira, o futuro do menor e, dessa forma, está-se a tomar uma decisão de relevância igual àquelas em que há uma pronúncia "sobre a aplicação, alteração ou cessação de medidas de promoção e protecção", o que é suficiente para, se se tomar como bom aquele pressuposto, se ter que concluir que no citado n.º 1 não há silêncio algum quanto à recorribilidade da decisão de prorrogação, pois era assim que "teria entendido um bom legislador".
Aqui chegados, verifica-se que a decisão de 24-7-2014, que prorrogou "por mais 3 meses a medida de apoio junto dos pais aplicada ao menor C…", é recorrível.[7]
III
Nestes termos, defiro a presente reclamação, pelo que:
- revogo o despacho reclamado;
- recebo, por agora, o recurso interposto, que é de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Notifique.
Requisite o processo nos termos do artigo 643.º n.º 6 do Código de Processo Civil, remetendo cópia da presente decisão.
13 de Outubro de 2014
(António Beça Pereira)
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------
[1] São do Código de Processo Civil todos os artigos adiante citados sem qualquer outra menção.
[2] Lei 147/99 de 1 de Setembro.
[3] Cfr. artigo 62.º n.º 3 c) da LPCJP.
[4] Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 29 e 30.
[5] Inocêncio Galvão Telles, Introdução ao Estudo do Direito, Vol. I, 11.ª Edição, pág. 235. Lex non est textus sed contextus.
[6] Visão que não se subscreve.
[7] Neste sentido veja-se Paulo Guerra e Helena Bolieiro, A Criança e a Família - Uma Questão de Direito(s), 2009, pág. 83 e 84, nota 86. Em sentido contrário veja-se Almeida Ramião, Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo Anotada e Comentada, 5.ª Edição pág. 62.