Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4049/15.0T8GMR.G1
Relator: MARIA DOS ANJOS MELO NOGUEIRA
Descritores: PEDIDO GENÉRICO
INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Os danos, devem ser atendidos ao fixar-se a indemnização, desde que sejam previsíveis.

II - É, contudo, essencial, na acção declarativa precedente, que seja provada a sua existência, ainda que dispensada aí a prova do respectivo valor, justificada por não existirem, no momento, os elementos indispensáveis para fixar o seu quantitativo.

III – Assim, no caso de não se terem provado danos na acção declarativa, ocorre caso julgado material, o que impede a reabertura de nova fase probatória, ou de qualquer outro tipo de quantificação.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I- Relatório

JOSÉ, casado, residente no Lugar de ..., Cabeceiras de Basto, intentou contra COMPANHIA DE SEGUROS DIRECTO X SA, com sede na Praça …, em Lisboa, acção declarativa de condenação sob a forma comum de processo peticionando, pela sua procedência, a condenação da R. no pagamento, a seu favor, da quantia de €45.565,10, acrescida de juros moratórios contados à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento, bem como no pagamento das despesas que no futuro venha a liquidar em sede de incidente de liquidação com tratamentos médicos e deslocações que se veja forçado a efectuar como consequência do acidente de que foi vítima.

Alegou, para o efeito e em síntese, que em determinadas circunstâncias de tempo, modo e lugar, que descreve, o veículo celular de matrícula GA, conduzido pelo guarda prisional António, foi embatido pelo veículo de matrícula RF, segurado na R., provocando o seu despiste e capotamento.

Mais alegou que ele, A., ocupava o lugar da frente da viatura celular, ao lado do condutor, sendo que como consequência do sinistro foi conduzido ao CHAA, onde lhe foi diagnosticada uma cervicalgia localizada na região muscular.

Aduziu que ante as lesões e sequelas de que padeceu se submeteu a consultas e tratamentos médicos em diferentes especialidades, que enumera, nos quais despendeu €2.291,79 (dos quais €414,09 reembolsados pela R.). Tendo-se deslocado em veículo próprio para tais consultas e tratamentos, contabiliza em 8.058 os quilómetros percorridos e reclama, a título de compensação por despesas de deslocação, €1.611,60 (€0,20/km).

Invocando a existência de períodos de ITA e IPP como consequência das lesões, períodos esses que localiza temporalmente, afirma ter deixado de prestar serviço extraordinário durante os períodos de ITA, numa média mensal de €350,14 e num total de €1.750,70 e quanto aos períodos de IPP afirma ter recebido menos €325,70 do que seria devido, reclamando da R. o pagamento dessas quantias.

Afirmou ainda que os tratamentos a que se submeteu foram longos e dolorosos, tendo vivenciado períodos de grande ansiedade e expectativa no que tange à gravidade do seu estado clínico e recuperação; argui que antes do acidente era pessoa muito alegre, divertida, dinâmica, de fácil trato com colegas de trabalho e com aqueles com quem privava, óptimo profissional e amante da prática desportiva, praticando exercício físico diariamente, nomeadamente em técnicas de defesa pessoal e ataque, Krav Maga, Modern Farang Mu Sul, técnicas de algemagem e imobilização, técnicas em bastão extensível (no qual é instrutor internacional), técnicas de buscas e revistas e técnicas de condução defensiva e meios coercivos, sendo instrutor de DPS e MOP, sendo que após o sinistro, e a conselho médico, deixou de praticar qualquer actividade desportiva, o que lhe acarretou angústia, tristeza, depressão, irritabilidade e intolerância, com forte impacto na sua vida pessoal e familiar. Reclama, por isso, a título de danos não patrimoniais o pagamento de uma quantia de €40.000.
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Regularmente citada, contestou a R., reconhecendo a celebração do contrato de seguro invocado na p.i. bem como a responsabilidade da condutora do RF na eclosão do acidente mas impugnando por desconhecimento a demais factualidade alegada.
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Na sequência a um convite ao aperfeiçoamento que lhe foi dirigido veio o A. a ampliar o pedido e a causa de pedir, pretensão objecto de indeferimento.
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Foi realizada audiência prévia e proferido despacho saneador, com identificação do objecto do litígio e enumeração dos temas da prova, que não foi objecto de reclamação.
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Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, tendo, após, sido proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, condenando a R. a pagar ao A. a quantia de €27.063,89 (vinte e sete mil e sessenta e três euros e oitenta e nove cêntimos), acrescida de juros moratórios calculados à taxa legal desde a citação até integral pagamento, bem como as despesas com tratamentos médicos e respectivas deslocações que o A. venha a necessitar como consequência directa e imediata do acidente de viação sofrido em 29.01.2013, absolvendo-a do mais peticionado.
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II- Objecto do recurso

Não se conformando com a decisão proferida, veio a Ré/Recorrente interpor recurso, juntando, para o efeito, as suas alegações, e apresentando, a final, as seguintes conclusões:

1.A douta sentença condenou a recorrente a pagar ao autor, além da quantia de 27.063,89€, acrescida de juros moratórios calculados à taxa legal desde a citação até integral pagamento, "as despesas com tratamentos médicos e respectivas deslocações que o autor venha a necessitar como consequência directa e imediata do acidente de viação sofrido em 29.1.2013".
2.No modesto entendimento da recorrente, não se verificam os pressupostos necessários e suficientes a esta última parte da decisão.
3.Nenhum facto se provou - ou sequer foi alegado - que pudesse conduzir àquela condenação.
4.Não obstante ter peticionado "a quantia indemnizatória por dano futuro a fixar em liquidação de sentença por tratamentos médicos e respectivas deslocações de que venha a necessitar, em consequência directa e imediata do articulado acidente de viação que o vitimou", o autor não alegou - e por consequência, não provou - quaisquer factos dos quais se retire a necessidade daqueles tratamentos.
5.Da instrução da causa não resultaram, igualmente, provados quaisquer factos relacionados com a necessidade de tratamentos futuros, nem das correspondentes deslocações.
6.Do próprio relatório pericial de fls. 424 e seguintes nada consta em relação à necessidade de tratamentos futuros de que o autor pudesse necessitar.
7. Deste modo, entende a ré que a parte da condenação agora em apreço não tem qualquer fundamento, nem na matéria alegada, nem na matéria provada, motivo pelo qual deve a douta decisão recorrida ser modificada, revogando-se tal condenação.
8.Foram violados os artigos 562 do Código Civil e os artigos 609 e 611.º do Código de Processo Civil.

Termos em que deve ser modificada a douta decisão recorrida, com o que se fará a melhor JUSTIÇA.
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O A. apresentou as suas contra-alegações, nelas formulando as seguintes conclusões:

1 - Percorrendo o aresto do Tribunal "a quo" extrai-se da matéria de facto provada (cfr. item j), "Em consequência da cervicobraquialgia referida em d) e pós os tratamentos referidos em e) o Autor ficou com um défice funcional permanente da Integridade Físico-psíquica de 5 pontos, que, ainda que compatível com o exercício da actividade habitual, importa esforços suplementares".
2 - No seguimento do princípio da prevalência da verdade material, provado a ocorrência do dano não foi possível determinar em definitivo as consequências do facto ilícito. Ou seja, "in casu" estamos perante uma impossibilidade da imediata liquidação da obrigação, apenas só praticável em momento ulterior.
3 - Não foi possível aferir à data da articulação da pi as quantias que o recorrido vier a despender em tratamentos, operações, estadias hospitalares, medicamentos, deslocações, tempo perdido e as demais relacionadas com as sequelas que futuramente aquele possa padecer.
4 - A p.i. explicitamente, ou pelo menos implicitamente, abarca na causa de pedir os danos futuros sentenciados. Esclarece o Ac. de 03-02-1981, CoI. Jur. 1.°, pág. 32 "É permitido proferir condenação com base em causas de pedir não expressamente invocada desde que o autor implicitamente a admita".
5 - Preceitua o n° 2 do art. 358.° do CPC que o incidente de liquidação pode ser deduzido depois de proferida sentença de condenação genérica nos termos do n.° 2 do art. 609.°, malograda a liquidação por impossibilidade de conhecimentos da amplitude futura das sequelas resultantes do facto ilícito praticado.
6 - Afigura-se que no caso subjudice assaz significativo o tempo que medeia o acidente e as sequelas que, "conditio sine que non" com o sinistro o recorrido venha a padecer no futuro.
7 - O recorrido à data da propositura da acção e até ao início da discussão da causa não teve, nem obteve elementos que sustentassem com rigor o acervo fáctico da causa de pedir, circunscrita aos arrolados danos futuros (cfr. art. 358.°, n.° 1 CPC).
8 - O n.° 2 do art. 609.° do CPC permite endossar para execução de sentença quando não for possível, por ausência de elementos fixar o objecto ou a quantidade; entendida esta falta de elementos não como fracasso da prova, na acção declarativa, sobre o objecto ou a quantidade mas sim como ilação de ainda não se conhecerem, algumas ou todas as consequências do facto ilícito.
9 - A sentença em crise não violou os artigos 562.º do CC e 609.º e 611.º do CPC.

Nestes termos, mantida a decisão recorrida será feita a acostumada Justiça.
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O recurso foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
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III- O Direito

Como resulta do disposto nos artos. 608º., nº. 2, ex vi do artº. 663º., nº. 2, 635º., nº. 4, 639º., n.os 1 a 3, 641º., nº. 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem das conclusões que definem, assim, o âmbito e objecto do recurso.

Deste modo, e tendo em consideração as conclusões acima transcritas cumpre apreciar e decidir se não se verificam os pressupostos necessários e suficientes para a decisão que condenou a Ré a pagar "as despesas com tratamentos médicos e respectivas deslocações que o autor venha a necessitar como consequência directa e imediata do acidente de viação sofrido em 29.1.2013".
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- Fundamentação de facto

Factos Provados

a) No dia 29.01.2013, pelas 09H30, ocorreu um acidente de viação ao Km 40 da A11 no sentido Braga – Guimarães, freguesia de Brito, concelho de Guimarães em que foram intervenientes a viatura da marca Fiat com a matrícula RF, conduzida na oportunidade por F. S., que o fazia por conta, ordem, interesse e sob a direcção do seu proprietário, G. B., e a viatura celular da marca Ford Transit, com a matrícula GA, conduzida pelo guarda prisional, António, ocupando o A. o lugar da frente ao lado do condutor;
b) O condutor do GA tripulava-o atento ao tráfego, condições da via, sinalização vertical e horizontal;
c) Ao realizar uma manobra de ultrapassagem ao GA a condutora do RF perdeu o controlo da viatura que tripulava, tendo colidido nas guardas metálicas do separador central da A11 e sido de seguida projectada para a via mais à direita, por onde circulava o GA, onde embateu na parte lateral esquerda deste e desta forma provocando o respectivo despiste e colisão nas guardas metálicas do lado direito da via e posterior capotamento, até que acabou por ficar imobilizado na hemi-faixa de rodagem da esquerda, no sentido inverso ao que transitava;
d) Em consequência do descrito em c) o A. foi transportado de ambulância ao serviço de urgência do Centro Hospitalar do Alto Ave em Guimarães, a fim de ser submetido aos cuidados médicos que o seu estado clínico reclamava, tendo-lhe sido diagnosticada uma cervicalgia localizada na região muscular para-vertebral esquerda e sido dada alta hospitalar no mesmo dia;
e) Para tratamento da cervicalgia referida em d) o A. submeteu-se a uma série de dolorosos e prolongados cuidados médicos ambulatórios e consultas nas especialidades de fisiatria, ortopedia e neurocirurgia:
i. Deslocou-se por 55 vezes a Guimarães para receber tratamentos de fisiatria e ortopedia e realização de exames médicos na Casa de Saúde de Guimarães e no Hospital Privado de Guimarães, tendo despendido nesses tratamentos de consultas um total de €233,02;
ii. Deslocou-se uma vez ao Hospital Privado de Braga, S.A. para uma consulta de neurofisiologia, na qual despendeu €7,79;
iii. Deslocou-se por 17 vezes a Felgueiras para consultas de neurocirurgia, medicina física e reabilitação, medicina geral e fisiatria no Hospital Agostinho Ribeiro, nas quais despendeu €160,68;
iv. Deslocou-se por 4 vezes à Trofa para consultas de ortopedia e neurocirurgia no Hospital Privado da Trofa, nas quais despendeu €15,96;
v. Deslocou-se por 1 vez ao Porto, para realização de uma uma diucectomia C5-C6 e C6-67 com foraminectomias alargadas à esquerda e artrose intersomática com cargas fixadas com parafusos no Hospital da Ordem da Lapa, na qual despendeu €526,05, tendo estado internado de 12.03.2014 a 14.03.2014;
vi. Foi ainda sujeito a 60 sessões de fisioterapia Clínica de Fisioterapia de Celorico de Basto, nas quais despendeu €1.200;
f) O A. despendeu ainda €17,33 em fármacos e €3,90 em ecografias no Centro de Tomografia de Braga Lda.;
g) O A. deslocou-se por 4 vezes à cidade do Porto para ser sujeito a Juntas Médicas da ADSE para efeitos de aferição da sua capacidade para o trabalho em virtude dos danos físicos referidos em d) e e) e respectivas sequelas;
h) O A. esteve totalmente incapacitado para o trabalho entre 29.01.2013 e 27.08.2013, entre 12.03.2014 e 14.03.2014 e entre 16.09.2014 e 04.11.2014;
i) O A. esteve com uma incapacidade temporária parcial para o trabalho entre 05.11.2014 e 16.12.2014;
j) Em consequência da cervicobraquialgia referida em d) e após os tratamentos referidos em e) o A. ficou com um défice funcional permanente da Integridade Físico-psíquica de 5 pontos, que, ainda que compatível com o exercício da actividade habitual, importa esforços suplementares;
k) O A. auferia em média por mês €350,14 em horas extraordinárias;
l) O A. não auferiu qualquer quantia a título de horas extraordinárias nos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio e Junho de 2013;
m) Nos meses de Novembro de 2013 e de Janeiro de 2014 o Autor auferiu em trabalho extraordinário, respectivamente, €211,47 e €211,86;
n) O A. utilizou automóvel próprio nas deslocações referidas em e) e g), tendo ainda suportado €9,75 em portagens nas deslocações referidas em e)iv;
o) O A. receou pela sua vida quando o RF colidiu no GA, provocando o seu despiste e capotamento;
p) No período que intermediou o acidente e a alta hospitalar, o A. viveu também um período de grande ansiedade e expectativa no que tange à gravidade do seu estado clínico e sua recuperação;
q) O A. antes de 2012 era uma pessoa muito alegre, divertida, dinâmica, de fácil trato com colegas de trabalho e todos aqueles que com ele se relacionavam e privavam e amante da prática desportiva, praticando exercício físico diário, mormente BTT (bicicleta todo o terreno) e futsal nos serviços prisionais;
r) Desde o acidente, o A., a conselho médico viu vedada a prática desportiva;
s) O referido em e), n), o) e q) causou e causa no A. desesperança, angústia, tristeza;
t) O A. nasceu em 07.07.1969;
u) Por contrato de seguro titulado pela apólice n.º … foi transferida para a R. a responsabilidade civil decorrente da circulação do RF.
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Factos Não Provados

a) Que o A. tenha efectuado 2 deslocações ao Hospital Privado de Braga;
b) Que o A. tenha efectuado 19 deslocações ao Hospital Agostinho Ribeiro, em Felgueiras;
c) Que em medicamentos, consultas, exames médicos, tratamentos e cirurgia o A. tenha despendido a quantia total de €2.291,79;
d) Que o A. devesse ter auferido em Novembro de 2013 e em Janeiro de 2014, a título de horas extraordinárias, €384,54 em cada um desses meses;
e) Que o A. tenha sido praticante de futebol federado entre os 12 e os 25 anos de idade, tendo sido campeão de juniores pela Associação Federativa de Braga;
f) Que no cumprimento do serviço militar (Escola Prática de Serviço Militar em Lisboa) o A. tenha sido o recruta mais rápido na pista de obstáculos, ficando tal feito registado na unidade;
g) Que o A. praticasse corta-mato antes de 29.01.2013;
h) Que o A. em 29.01.2013 fosse instrutor internacional de bastão extensível e ainda instrutor de DPS (dispositivos de protecção e segurança) e de MOP (manutenção de ordem prisional);
i) Que o A. tivesse obtido formação em Competências Pessoais e Sociais e Postura Profissional e Controlo Emocional;
j) Que o referido em 1.1.o), p) e r) tenham provocado no A. depressão, irritabilidade e intolerância e ideação suicidária.
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- Fundamentação de direito

Como decorre do disposto no artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil:

“Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo da condenação imediata na parte que já seja liquida.”

Este preceito, que se reporta aos limites da condenação na sentença deve ser, ainda, conexionado com admissibilidade de pedidos genéricos na acção declarativa.

A regra é a de que o Autor deve, na acção que propõe, fazer concretizar a prestação debitória que pretende obter do Réu.

Contudo, pode, excepcionalmente, formular pedido genérico designadamente quando não seja ainda possível determinar de modo definitivo as consequências do facto ilícito, ou o lesado pretenda usar da faculdade que lhe confere o artigo 569.º , do Código Civil (artigo 556 .º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil).

Por outro lado, constata-se que a sentença de condenação genérica deixou de condenar “no que se liquidar em execução de sentença” (artigo 661.º, nº 2, pré-vigente ao Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março), para agora condenar “no que vier a ser liquidado” (artigo 661.º, n.º 2, actual).

Assim, no regime actual o legislador fez deslocar a liquidação obrigatoriamente para o âmbito do processo declaratório que a originou, em incidente posterior à condenação.

Desta feita, com o novo regime — que é o da reformada acção executiva — passou o incidente de liquidação, com o âmbito definido no artigo 358.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, a ser o meio para liquidar, exceptuado o mero cálculo aritmético, a obrigação em cujo cumprimento o devedor tenha sido condenado.

Criou-se, então, uma espécie de incidente da instância posterior ou subsequente à decisão judicial de condenação, enxertado no processo declaratório que nela culminou, e que tem até a virtualidade de determinar a renovação da respectiva instância, já extinta – cfr. neste sentido – cfr. Carlos Lopes do Rego, Requisitos da obrigação exequenda, Themis, ano IV, nº 7, 2003 (A reforma da acção executiva), pags. 71 e 72.

Em bom rigor, do ponto de vista substancial, o problema enquadra-se precisamente na temática dos danos futuros.

Como prescreve o artigo 564º, nº 2, do Código Civil, estes, que tanto podem representar danos emergentes como lucros cessantes, devem ser atendidos ao fixar-se a indemnização, desde que sejam previsíveis.

É, contudo, essencial, na acção declarativa precedente, que seja provada a existência dos danos que poderão, até, ser futuros, dispensada aí a prova do respectivo valor, justificada por não existirem, no momento, os elementos indispensáveis para fixar o seu quantitativo.

Tem de estar, assim, provado o prejuízo, apenas não se tendo determinado o “quantum debeatur”, sem que, por via do disposto no art. 609.º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil, se esteja a facultar ao Autor uma nova oportunidade para provar os danos ou perdas que não logrou demonstrar na acção declarativa.

A liquidação destina-se, por isso, a uma mera quantificação.

No caso de não se terem provado danos na acção declarativa, ocorre caso julgado material, o que impede a reabertura de nova fase probatória, ou de qualquer outro tipo de quantificação.

Neste sentido, como se refere na Revista n.º 452/99 - 1.ª Secção/ACSTJ de 01-06-1999, do cotejo dos art.ºs 661, n.º 2 (actual art. 609.º, n.º 2), 565 e 566, do CPC, resulta que só é possível deixar para liquidação em execução de sentença a indemnização respeitante a danos relativamente aos quais, embora se prove a sua existência, não existam os elementos indispensáveis para fixar o seu quantitativo, nem sequer recorrendo à equidade. A existência do dano, como pressuposto da obrigação de indemnizar, tem de ser provada em acção declarativa, só se podendo deixar para a execução de sentença a determinação meramente quantitativa do seu valor. Por conseguinte, se o tribunal verificar a existência de um dano, mas não dispuser de dados que possibilitem a sua quantificação, mesmo quando esta tenha sido objecto de prova na acção declarativa, pode e deve relegar a fixação do respectivo montante para execução de sentença.

Dito isto vemos que, na acção declarativa que propôs, o A./Recorrido, pese embora tenha formulado pedido a requerer a condenação da Ré no pagamento das despesas que no futuro venha a liquidar em sede de incidente de liquidação com tratamentos médicos e deslocações que se veja forçado a efectuar como consequência do acidente de que foi vítima, nenhum facto alegou como fundamento desse pedido, ou seja, não invocou, sequer e minimamente, que, em consequência do acidente e das sequelas que ficou a padecer, necessitará de realizar outros, e mais, tratamentos médicos e proceder, nessa sequência a deslocações.

Não tendo alegado qualquer factualidade que fundamentasse esse seu pedido (susceptível, como tal, de tornar, nessa parte, inepta a petição inicial, nos termos do art. 186.º, n.º 2, al. a), do Cód. Proc. Civil), tem o recurso de proceder, por falta desse requisito essencial – a existência desses danos futuros – capaz de fundamentar a condenação no que vier a ser liquidado,.

Pois, a questão não se prende com a falta de elementos para fixar o objecto ou a quantidade, mas com a falta de alegação e prova de danos, o que importa a absolvição da Ré nessa parte do pedido.

Nestes termos, decide-se, pois, revogar (parcialmente) a decisão proferida, na sequência da procedência do recurso interposto.
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IV - DISPOSITIVO

Pelo exposto, acorda-se nesta 2.ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente o recurso, revogando, assim, consequentemente, a decisão proferida na parte que condenou a Ré a pagar ao A. as despesas com tratamentos médicos e respectivas deslocações que o A. venha a necessitar como consequência directa e imediata do acidente de viação sofrido em 29.01.2013, que deve ser substituída por outra que absolva, nessa parte, a Ré desse pedido.
Custas do recurso pelo recorrido.
Registe e notifique.
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TRG, 8.11.2018
(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária)

Maria dos Anjos S. Melo Nogueira
Desembargador José Carlos Dias Cravo
Desembargador António M. A. Figueiredo de Almeida