Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
184/19.4T8AMR.G1
Relator: EDUARDO AZEVEDO
Descritores: ARROLAMENTO DEPENDENTE DE INVENTÁRIO
INOFICIOSIDADE DE DOAÇÃO
DISPENSA DE COLAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/19/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1- No caso de colação está sempre ressalvado o direito à redução das doações por inoficiosidade.

2- Se houver dispensa de colação, relativamente aos donatários herdeiros a respetiva doação será imputada na quota disponível. Se exceder essa quota o excesso deverá ser imputado na sua legítima. E se exceder a quota disponível e a legitima, está sujeita a redução por inoficiosidade nos termos gerais.

3- Nos casos em que os donatários são pessoas estranhas à herança, o inventário é meio processual próprio para serem reduzidas doações por inoficiosidade.

4- Ao arrolamento dependente desse inventário não se aplica o disposto no artº 409º do CPC, assim não se podendo presumir que a eventual situação de inoficiosidade propicia atuações ilícitas sobre o património objeto das liberalidades.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães

M. S. em 05.08.2019 intentou o presente procedimento cautelar especificado contra A. C., M. E., P. F., casada com F. F., J. R. e S. N., pedindo:

“como preliminar do procedimento de partilha de bens do acervo hereditário do falecido A. L., … o imediato arrolamento:
de (…)
a) Prédio urbano – casa de habitação e eido junto - sito no Lugar ..., freguesia de ..., do concelho de ..., inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ... e atualmente descrito na Conservatória do Registo Predial sob n.º 254;
b) Prédio rústico denominado “Campos do Ribeiro ou do Nabal e Campo do Moinho” sito no Lugar ..., Minhotos, Pedreira ou Pedreiras, freguesia de ..., do concelho de ..., inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 391 e rustica sob o art. 381 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob n.º 220 – resulta de parte descrita no art. 5871 e de parte não descrita;
c) Prédio urbano sito no Lugar ..., freguesia de ..., do concelho de ..., inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ... descrito na Conservatória do Registo Predial sob n.º ... – ... – o qual, após constituição de propriedade horizontal, deu origem às frações autónomas “A” e “B” com o artigo matricial n.º … e descrição na CRP ... A e ... B;
d) Prédio rústico denominado “Campo da …” sito no Lugar ..., freguesia de ..., do concelho de ..., inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial sob n.º …”.

Alegou, em síntese: os prédios em causa, por conta da quota disponível, foram doados aos requeridos em vida pelo citado A. L., seu pai e dos três primeiros requeridos, bem como avô dos demais, filhos de M. N.; o falecido deixou a suceder a esposa e sete filhos, herdeiros legitimários; após o óbito do doador verifica-se que o valor da doação ultrapassa o valor da quota disponível, antevendo-se o exercício do direito de redução daquelas doações por inoficiosidade; o falecido era proprietário ainda de mais dois imóveis, sendo apenas estes os únicos incluídos na participação de óbito e liquidação de imposto de selo apresentada no Serviço de Finanças; receia que os donatários dissipem ou onerem tais bens, o que já começaram a fazer, pretendendo, por isso, face ao justo receio de extravio, lançar mão do arrolamento para salvaguardar os direitos a exercer no âmbito do processo de inventário que instaurará.
Citados, os dois últimos requeridos vieram deduzir oposição alegando, em síntese: a caducidade do direito de instaurar a ação para redução das doações por inoficiosidade; esta forma de procedimento cautelar apenas pode ser usada por herdeiro legitimário que ainda tenha possibilidade de proceder à redução; a improcedência do arrolamento por não se verificarem os respetivos pressupostos; o valor do bem doado é o da doação; relativamente ao imóvel que receberam e de modo a dividirem entre si o seu uso e fruição, em 02.06.2004 constituíram a propriedade horizontal através de duas frações, uma delas entretanto reconstruída e ampliada; a avaliação desse imóvel e dos demais está inflacionado; os bens não doados são mais que suficientes para garantir o pagamento do quinhão hereditário da requerente; a hipoteca entretanto constituída sobre uma das frações pode ser já cancelada; e a venda que pretendem fazer foi motivada única e exclusivamente pelas relações de má vizinhança provocadas pela requerente e marido.

Dando-se cumprimento ao disposto no artº 3º, nº 3 do CPC a requerente respondeu à matéria de exceção suscitada em sede de oposição, mantendo a sua posição inicial.
Proferiu-se despacho:

“(…)
Compulsados; os assentos de nascimento e óbito, as certidões matriciais e prediais e as escrituras públicas de doação; todos apresentados com o requerimento inicial, que são documentos com eficácia probatória plena quanto os factos por si atestados, podem dar-se como assentes os factos seguintes:

1. M. S. nasceu a - de Abril de 1958, em ..., concelho de ..., filha de A. L. e I. T..
2. A. L. faleceu a - de Março de 2016, em …, ..., no estado de casado com I. T..
3. Em 12 de Agosto de 1980, por escrito, perante notário, A. L. e I. T. declararam doar à filha M. E., por conta da quota disponível, o prédio urbano, sito no Lugar ..., da freguesia de ..., ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ....
4. Em 28 de Maio de 1998, por escrito, perante notário, A. L. e I. T. declararam doar à filha P. F., por conta da quota disponível, o prédio rústico, sito no lugar ..., freguesia de ..., ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ….
5. Em 15 de Fevereiro de 1999, por escrito, perante notário, A. L. e I. T. declararam doar aos netos, J. R. e S. N., por conta da quota disponível, o prédio urbano, sito no Lugar ..., da freguesia de ..., ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ....
6. Em 4 de Setembro de 2006, por escrito, perante notário, A. L. e I. T. declararam doar ao filho A. C., por conta da quota disponível, o prédio rústico, sito no Lugar ..., da freguesia de ..., ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ….

Com relevo interesse para a discussão da causa, inexistem factos não provados.
Não se respondeu à demais matéria por ser de natureza conclusiva, de facto e de direito, e/ou irrelevante para a decisão a proferir.

Enquadramento jurídico

Elencados os factos com relevo para a decisão a proferir, importa, então, apreciar a pretensão de arrolamento de bens apresentada pela requerente.

Dispõe, na matéria, o artigo 403.º do Código de Processo Civil (CPC), preceituando que:

“1. Havendo justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, móveis ou imóveis, ou de documentos, pode fazer-se o arrolamento destes.
2. O arrolamento é dependência da ação à qual interessa a especificação dos bens ou a prova da titularidade dos direitos relativos às coisas arroladas”.

Ainda com relevo para a decisão a proferir, dispõem os artigos 404.º e 405.º, ambos do CPC, respetivamente, que:

artigo 404.º
“1. O arrolamento pode ser requerido por qualquer pessoa que tenha interesse na conservação dos bens ou dos documentos”.

artigo 405.º
“1. O requerente faz prova sumária do direito relativo aos bens e dos factos em que fundamenta o receio do seu extravio ou dissipação…

3. Produzidas as provas que forem julgadas necessárias, o juiz ordena as providências se adquirir a convicção de que, sem o arrolamento, o interesse do requerente corre risco sério.” .

Conforme já se viu, pretende a requerente, como preliminar da ação de inventário a instaurar por óbito de seu pai, A. L., o arrolamento dos prédios doados em vida pelos pais, por conta da quota disponível, por entender que tal negócio será, eventualmente, reduzido por inoficiosidade, temendo que os donatários, face a tanto, dissipem/onerem aqueles bens lesando os interesses dos demais herdeiros.
O arrolamento consiste, - conforme das disposições conjugadas dos artigos artigo 403.º e 406.º do CPC resulta -, numa descrição, avaliação e depósito de bens, móveis e/ou imóveis, ou de documentos, sobre os quais recaia justo receio de extravio, ocultação ou dissipação, e que fica na dependência da ação principal onde se discutirá a especificação dos bens e a prova da sua titularidade.
Trata-se, por isso, de uma providência provisória, por vezes, antecipatória, justificada pelo periculum in mora; ou seja, pelo justo receio de lesão grave e dificilmente reparável de um direito (cfr. artigo 362.º do CPC).
O que vem de ser dito basta para, e sempre ressalvado o devido respeito por entendimento em contrário, concluir que os prédios em causa nos autos não estão sujeitos a arrolamento; ainda que tenham sido doados em vida do de cujus, por conta da quota disponível, conforme se demonstrou.
Efetivamente, nessas circunstâncias, o valor das doações é computado para cálculo da legítima (cfr. artigo 2162.º do Código Civil) e regressa à massa da herança apenas para efeitos de igualação da partilha; é o que se chama colação (cfr. art. 2104º, n.º 1 do Cód. Civil).

Ora, conforme já entendia o STJ (Ac. STJ de 3/10/95, in CJ, t. III, pág. 38), a cujos argumentos se adere por manterem toda a sua actualidade, a colação é um “ónus … não … mais que uma reunião fictícia dos bens doados com o fim de reconstituir o património do de cujus, de maneira a incluir nele todos aqueles bens que dele fariam parte se o autor da herança os não tivesse doado.
Para que se verifique a hipótese de colação torna-se cumulativamente necessário: que haja doação feita pelo autor da sucessão a favor de descendentes que na data da mesma sejam seus herdeiros legitimários; que não tenha havido dispensa de colação; que haja abertura da sucessão hereditária em que concorram diversos descendentes, alguns beneficiados com aquelas liberalidades”.
Por se tratar de uma reunião fictícia de bens, resulta do disposto no art. 2108º do C. Civil que o donatário não é obrigado a restituir em espécie os bens doados, mas tão só os respectivos valores.

Na esteira do entendimento de Pereira Coelho (Direito das Sucessões, 2ª 3 ed., pág. 252), “…a colação é uma simples operação de cálculo, salvo se todos os herdeiros acordarem em que haja uma restituição em espécie. Por conseguinte, a regra é a de que a colação se faz em valor, imputando-se o valor da doação na quota do donatário de forma a que esta venha a receber da herança apenas a diferença entre o valor dos bens doados e da sua quota hereditária. A reposição em substância só ocorre excecionalmente, quando todos os interessados assim acordarem. Então o donatário ficará privado da sua propriedade dos bens doados que reverterão para a massa da herança.”.

No caso dos autos, evidencia-se, da posição processual assumida pelas partes, que inexiste acordo entre os herdeiros para que se proceda à reposição em substância dos prédios doados.
E sendo as doações feitas por conta da quota disponível, tal em nada influi para que os prédios doados revertam para o acervo dos bens da herança a partilhar.
O que leva à conclusão que os bens doados não têm de ser relacionados no inventário, mas apenas o valor dos mesmos à data da abertura da herança. Ou seja, não resulta para os restantes interessados o direito ao bem, mas um direito ao respectivo valor.
E, não havendo direito aos bens, evidente é que falha um dos requisitos essenciais ao deferimento do arrolamento.
Assim sendo, mesmo que resultasse da instrução desta providência haver indícios que os requeridos pretendem alienar os prédios doados, daí não resultaria prejuízo para os restantes interessados, pois a estes só assiste o direito a relacionar o seu valor, e não a sua propriedade. Pois como se disse, irreleva para o cômputo da quota legitimária a manutenção dos prédios doados no acervo da herança; pois que se computa apenas o seu valor.
Donde, ressalvado o devido respeito por entendimento contrário, é manifestamente improcedente o pedido de arrolamento deduzido nos autos.
E, por vencida na sua pretensão, a requerente é responsável pelo pagamento das custas (cfr. artigo 527.º do CPC).

III. Dispositivo

Nestes termos, por não se verificarem os pressupostos do arrolamento pedido nos autos, julga-se improcedente a pretensão da requerente, M. S..”.

A requerente recorreu, concluindo:

“1- Em vida do falecido Pai da Requerente/Apelante e inventariado no processo de inventário que será instaurado e de que este é dependência, foram doados por conta da quota disponível a três dos seus filhos e a dois netos, filhos da filha M. N. os quatro prédios melhor identificados nos autos.
2- Em face dos documentos – escrituras de doação, cadernetas matriciais, descrições prediais, relação de bens apresentada aquando do manifesto do óbito para efeitos de liquidação de imposto selo – e, sobretudo, em face da avaliação realizada a todos e a cada um daqueles imoveis e reportada à data do óbito do falecido A. L., está já demonstrado e é evidente que o valor da herança na sucessão legitimária, para efeitos de determinação das quotas globais da legitima, impõe o exercício do direito de redução daquelas doações por inoficiosidade, mesmo que apenas e eventualmente, em parte.
3- Daqui decorre a legitimidade da Requerente/Apelante para a instauração do processo de inventário, para ali peticionar a redução, por inoficiosidade das doações supra descritas e do presente meio processual que se destina a acautelar e evitar que os Requeridos procedam à venda e dissipação daqueles bens imoveis que, nas descritas circunstancias e condições lhes foram doados pelo falecido.

Pois

4- Tem a Requerente/Apelante justo receio que os Requeridos vendam, dissipem ou onerem esses mesmos bens imóveis, como, aliás, alguns deles já começaram a fazer, para evitarem a redução, por inoficiosidade da liberalidade feita em vida do “de cujus”.

Aliás,

5- Para evitarem tal consequência e desse modo, evitarem as consequências jurídicas daquela violação do normativo de interesse e ordem pública, os requeridos e, muito particularmente, o primeiro (1.º) e os quarto (4º) e quinto (5º), encetaram já diligências para alienarem a terceiros os respetivos prédios, tal como para onerarem parte dos mesmos.
6- Visando, obviamente, dessa forma para alem de contornarem as consequências fácticas e jurídicas do ilegítimo benefício da violação daquele normativo de interesse e ordem pública: a redução por inoficiosidade das ditas e identificadas doações.
7- Prejudicarem os demais herdeiros legitimários, atingindo de forma muito intensa e em elevado grau a legítima dos mesmos, locupletando-se dessa forma à custa do património, acervo hereditário e legítimos direitos económicos dos mesmos.
8- Tornando-se, por isso, urgente e imprescindível proceder ao imediato arrolamento de todos e cada um daqueles 4 bens imóveis, objeto das identificadas quatro doações – art. 403º e segs. do CPC.
9- A presente providência cautelar, porque é preliminar do Procedimento de Inventário que será instaurada para partilha dos bens do acervo hereditário do, infelizmente falecido Pai da Requerente/Apelante, circunstância que só por si justifica o receio de extravio e dissipação de bens,
10- Beneficia também, salvo melhor e mais douta opinião, da natureza especial estipulada no artigo 409º n.º 3 do CPC. Ou seja, parece não estar dependente da prova do invocado justo receio de extravio ou dissipação de bens, conforme é estipulado no n.º 3 do art. 409º do CPC.
11- Seja como for, também aqui deve ser atendido: “quer no âmbito do arrolamento, quer em qualquer providência cautelar não especificada o que determina e justifica o processo cautelar é o perigo da insatisfação do direito e consequente de mora na decisão definitiva. No particular do arrolamento, ele funciona como meio de obter a conservação dos bens” – in Alberto dos Reis, Código do Processo Civil Anotado, Vol.II, pág.116.

Por outro lado,

12- Na linha do ensinamento do Profº Pereira Coelho o Profº Jorge Leite distinguia assim:

“A colação é um instituto do fenómeno sucessório que a nossa lei regula no capítulo «Partilha da herança», nos arts. 2104º a 2118º. Como institutos seus vizinhos, e dos quais se torna necessário entremear, é necessário apontar o da «imputação» (muitas vezes com ele confundido), o da «inoficiosidade» e a «reunião fictícia dos bens doados».”
in Notas sobre a Colação, Jorge Leite, Coimbra 1977 – pág.7 - Publicação para os estudantes de Direito das Sucessões, dactilografo e impresso em offset, João Abrantes.

13- Mais adiante, este mesmo Professor e nesta mesma obra, explica:

(…)
“II – A Colação e a inoficiosidade
a) O instituto da inoficiosidade é de interesse e ordem pública: visa proteger com, sem ou mesmo contra a vontade do doador a legítima dos herdeiros forçados.
A colação não é de interesse e ordem pública: pode ser afastada por vontade do doador, como será o caso de este dispensar o donatário a obrigação de conferir;
b) A finalidade de um e outro instituto são bem diversas, como já resulta do que se disse. Enquanto a colação visa a igualação de todos os herdeiros, a inoficiosidade visa a preservação do princípio da intangibilidade da legítima;
c) A colação é de aplicação à sucessão dos descendentes, enquanto a inoficiosidade rege para a destes e para o dos ascendentes;
d) A «restituição» na colação faz-se, por regra, em valor e a redução por inoficiosidade, faz-se, normalmente, em espécie” (sublinhas nossos), in páginas 8, 9 10 e 11 da obra supra citada.
14- No mesmo sentido, e operando os mesmos ensinamentos, encontramos a obra do Juiz Manuel Baptista Lopes “Das Doações”, o qual a dado passo explica:

“Dizem-se inoficiosas quaisquer liberalidades, entre vivos (doações) ou por morte (instituições de herdeiro ou legados contidos em testamentos ou doações mortis causa), que ofendam a legítima dos herdeiros legitimários, por ultrapassarem os limites da quota disponível (art.2168º).
Tais liberalidades, quer feitas a herdeiros, que a parentes, quer a estranhos, são redutíveis em tanto quanto for necessário para que a legítima seja preenchida, a requerimento dos herdeiros legitimários ou, na falta destes, dos seus sucessores, cessando a liberalidade na medida da respetiva redução, com a consequente transmissão dos bens para os herdeiros.
Trata-se de um princípio de interesse de ordem pública, a que a vontade do autor da liberalidade não pode sobrepor-se, porque visa garantir a legítima dos herdeiros legitimário, que o de cujos não pode prejudicar a não ser em caso de deserdação (art.2156º e 2166º), como sobre ela não pode impor encargos nem designar, contra a vontade do herdeiro, os bens que a devem preencher (art.2163º), embora possa deixar um legado em substituição da legítima, cuja aceitação envolve a perda desta (art.2164º).
(…)
Não é permitida em vida do autor da sucessão a renúncia ao direito de reduzir as doações inoficiosas (art. 2170º), porque não e permitida a renúncia à sucessão de pessoa viva (art. 2028º).
A redução pode ser feita judicialmente ou por acordo. «Mesmo quando feita por acordo, não é uma nova transmissão; é apenas a restituição do indevido. A doação considera-se como nunca feita quanto ao excesso reduzido, o qual faz parte da herança do doador; e, por isso, os herdeiros legitimários recebem o que é seu.» (…)”, - sublinhados nossos - in Das Doações, Manuel Baptista Lopes, Juiz de Direito, páginas 235, 236 e 238, Almedina, Coimbra, 1970.

ISTO POSTO,

15- A lei regula o instituto da Colação e as suas consequências nos arts. 2104º a 2118º do CC;
16- E a mesma lei regula o instituto da Redução por inoficiosidade nos arts. 2168º a 2178º do CC .
17- Resultando da lei que havendo herdeiros legitimários os bens doados são relacionados, sucedendo que, nos termos da lei, os donatários serão citados para o inventário.
18- Estipula o já citado art. 2169º do CC:
“As liberalidades inoficiosas são redutíveis, a requerimento dos herdeiros legitimários ou dos seus sucessores, em tanto quanto for necessário para que a legitima seja preenchida.”
19- E no que ao caso mais interessa, regula o nº 1 do art. 2173º do CC:
“1- Se for necessário recorrer às liberalidades feitas em vida, começar-se-á pela última, no todo ou em parte: se isso não bastar, passar-se-á à imediata; e assim sucessivamente.”
20 - Estipulando os subsequentes arts. 2174º e segs. os termos em que se efectua essa mesma redução.
21- No cálculo da legítima deve atender-se ao valor dos bens existentes no património do autor da sucessão à data da sua morte, ao valor dos bens doados, às despesas sujeitas a colação e às dívidas da herança.
Dizem-se inoficiosas as liberalidades que ofendam a legítima dos herdeiros legitimários.
22- As liberalidades inoficiosas são redutíveis, a requerimento dos herdeiros legitimários, em tanto quanto for necessário para que a legitima seja preenchida.
23- Se recair sobre prédio divisível abre-se licitação sobre a parte a repor, não sendo admitido o donatário.
24- Se recair sobre coisa indivisível abre-se licitação sobre ela entre os herdeiros legitimários, no caso de a redução exceder metade do seu valor.
25- “(…) o direito à legitima não é um puro direito de crédito sobre a herança, como sucede na legislação germânica, nem sequer se traduz numa simples «pars bonorum». O direito à legitima é, em larga medida, no direito sucessório português:
d) Um direito sobre os bens – e não um puro direito de crédito;
e) Um direito sobre bens da herança e não um puro direito, de expressão «quantitativa» relativamente ao ativo líquido do património hereditário;
f) Um verdadeiro direito real em espécie, de comparticipação «qualitativa» no património que integra a herança.”.

Por outro lado,

26- Estipula o art. 2156º do CC: “entende-se por legítima a porção de bens de que o testador não pode dispor, por ser legalmente destinado aos herdeiros legitimários”.
27- Normativo este que é de Interesse e Ordem Pública e não pode ser afastado nem pelo doador, nem pelo donatário.
28- O art. 2157º do C.C. determina que:
“São herdeiros legitimários o cônjuge, os descentes e os ascendentes, pela ordem e segunda as regras estabelecidas para a sucessão legitima.”
29- E diz o art. 2162º do CC que: “para o cálculo da legítima deve atender-se ao valor dos bens existentes no património do autor da sucessão à data da sua morte, ao valor dos bens doados, às despesas sujeitas a colação e às dívidas da herança”.

Por outro lado, ainda e por mera cautela,

30- Não ocorre a caducidade do exercício do direito de invocar a caducidade e de pedir a redução das doações feitas em violação da legítima dos herdeiros legitimários.
31- Ao contrário do que, enganosamente, alegaram os Requeridos, a Requerente/Apelante da providencia cautelar, apenas no seu requerimento inicial desta providencia cautelar, e nunca antes, expressou a sua vontade de aceitação da herança, a beneficio de inventário – art. 2056º nº 2 do CC.
32- Daqui desde logo decorre de forma claríssima que não só não decorreu o prazo de 2 anos previsto no art. 2178º do CC., como tal prazo, no que diretamente concerne a estes dois Requeridos, apenas teve o seu início na data da apresentação em tribunal da Providência Cautelar – 5/08/2019-.
33- Pelo que, salvo o devido respeito, a Sentença recorrida violou e, ou, interpretou erradamente, entre outros, o conjugadamente disposto nos arts. 2156º, 2157º, 2162º, 2168º, 2169º, 2173º, 2174º do CC. e os arts. 20º, nº 1 e 5 da Constituição e arts. 403º e 409º do CPC.

Nestes termos e nos melhores de direito …, deve ser dado integral provimento ao presente recurso de apelação, revogando-se a sentença proferida no tribunal “a quo” e determinando-se a total procedência da providência cautelar deduzida pela requerente/apelante, com as devidas e legais consequências,…”.
Os requeridos que se opuseram contra-alegaram pugnando pela improcedência do recurso.
***
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

Indagar-se-á se a recorrente, como herdeira legitimária, poderá ter eventual direito à redução por inoficiosidade das doações efetuadas aos recorridos, do justo receio de dissipação ou oneração dos imóveis objeto desses negócios lesando esse direito e do arrolamento requerido na dependência de inventário.
A matéria assente é a que resulta objetivamente do teor do anterior relatório, sem prejuízo da que mencionaremos ainda como adquirida.
****
A decisão sob censura carateriza devidamente a causa de pedir do arrolamento: o eventual direito à redução por inoficiosidade das doações e o justo receio que os donatários dissipem ou onerem os imóveis doados lesando o interesse que lhe corresponde.
Contudo, não distingue a posição de cada um dos donatários relativamente à herança. Reduz a realização do direito da recorrente ou de qualquer outro interessado na herança, máxime herdeiros legitimários (artº 2157º do CC) à colação e à respetiva conferência (artº 2104º a 2118º do CC), ignorando a possibilidade de qualquer redução das doações por inoficiosidade e a consequente restituição dos bens, através do inventário (artºs 2168º a 2178º do CC).

Refere:

“O que vem de ser dito basta para … concluir que os prédios em causa nos autos não estão sujeitos a arrolamento; ainda que tenham sido doados em vida do de cujus, por conta da quota disponível, conforme se demonstrou.
(…)
Por se tratar de uma reunião fictícia de bens, resulta do disposto no art. 2108º do C. Civil que o donatário não é obrigado a restituir em espécie os bens doados, mas tão só os respetivos valores.
(…)

No caso dos autos, evidencia-se, da posição processual assumida pelas partes, que inexiste acordo entre os herdeiros para que se proceda à reposição em substância dos prédios doados.
E sendo as doações feitas por conta da quota disponível, tal em nada influi para que os prédios doados revertam para o acervo dos bens da herança a partilhar.
O que leva à conclusão que os bens doados não têm de ser relacionados no inventário, mas apenas o valor dos mesmos à data da abertura da herança. Ou seja, não resulta para os restantes interessados o direito ao bem, mas um direito ao respetivo valor.
E, não havendo direito aos bens, evidente é que falha um dos requisitos essenciais ao deferimento do arrolamento.
Assim sendo, mesmo que resultasse da instrução desta providência haver indícios que os requeridos pretendem alienar os prédios doados, daí não resultaria prejuízo para os restantes interessados, pois a estes só assiste o direito a relacionar o seu valor, e não a sua propriedade. Pois como se disse, irreleva para o cômputo da quota legitimária a manutenção dos prédios doados no acervo da herança; pois que se computa apenas o seu valor.”.
Não concordamos com estas asserções.

Mas, previamente, anotamos que a decisão deixou incólume a questão da caducidade do exercício do direito para a obtenção da redução da inoficiosidade, nomeadamente através da ação de inventário, forma processual de que poderá depender o procedimento.
É questão direta ou indiretamente levantada pelos recorridos na oposição que deduziram e nas suas contra-alegações.
Encontrava-se prejudicada perante a economia da decisão. A conclusão da inexistência do direito tornava desnecessária a discussão a esse título.
Os recorridos não ampliaram o âmbito do recurso ou arguiram a nulidade da decisão (artº 636º, nº s 1 e 2 do CPC).
O conhecimento da caducidade não é de conhecimento oficioso, atento ao disposto nos artºs 303º e 333º do CC e na medida em que a redução das liberalidades inoficiosas deve ser requerida segundo o artº 2169º do mesmo diploma, contabilizável com a circunstância de existir um ónus jurídico de aceitar ou repudiar a herança, sob pena de caducidade do direito de suceder (artº 2059º do CC).
Nesta sede, portanto, o conhecimento desta questão apenas se imporá caso venha a ser de decretar o arrolamento de imediato.

Vejamos o mais.

É incontroverso para as partes que por óbito do autor da herança existem sete herdeiros legitimários (artºs 2131º a 2137º, 2156º e 2157º do CC): a esposa do falecido, a requerente, sua filha, e mais cinco filhos do casal, entre eles os três primeiros requeridos.
Os quarto e quinto requeridos são netos, filhos da 2ª requerida, pelo que terceiros relativamente à sucessão
As doações foram feitas por conta da quota disponível.
Inexistirá acordo entre os herdeiros para que se proceda à reposição em substância dos prédios doados, uma das formas de se efetuar a conferência baseada na colação, como se prevê no artº 2108º do CC.
No entanto, haveria que ser ponderado que só estão sujeitos à colação os herdeiros legitimários (artº 2105º do CC).
Também que a mesma não é imperativa já que pode ser dispensada pelo de cujus (artºs 2113º e 2114º do CC).
Ainda que tanto vale o doador ter dito que fez a doação dispensando o donatário de conferência ou ter dito que fez a doação aos herdeiros legitimários por conta da quota disponível para se entender que os bens doados estão dispensados de colação (artº 2113º do CC). Por conseguinte, em princípio, sem tocar na quota hereditária através da legítima (artº 2156º do CC) que caberá ao donatário como herdeiro.
Ademais, pode também ser evitada pelo descendente não entrando na sucessão (Oliveira Ascensão in Direito Civil Sucessões, 1987, 493).
De qualquer modo, obviamente, ficava sempre ressalvado o direito à redução, no caso de inoficiosidade, conforme prescreve o artº 2168º do CC (dizem-se inoficiosas as liberalidades, entre vivos ou por morte, que ofendam a legítima dos herdeiros legitimários).
Assim, em dadas situações, seria irrelevante que o donatário estivesse ou não obrigado a conferir a doação, isto é, que estivesse ou não sujeito a colação.
Tanto no caso de ser sido dispensada a colação como havendo, visando-se, deste modo a igualação da partilha (artº 2104º do CC), nem por isso se deixaria de restituir à massa da herança os bens ou valores que foram doados se as circunstâncias o exigirem.
Se não houver na herança bens suficientes para igualar todos os herdeiros determina o artº 2108º, nº 2 do CC que a doação deve ser reduzida “se houver inoficiosidade”.

Tal como não se poderia olvidar o disposto no artº 2118º do CC segundo o qual, sob a epigrafe ónus real dispõe:

“1. A eventual redução das doações sujeitas a colação constitui um ónus real.
2. Não pode fazer-se o registo de doação de bens imóveis sujeita a colação sem se efetuar, simultaneamente, o registo do ónus.”.

Referem Pires de Lima e Antunes Varela (CC anotado, VI, Coimbra Editora 1998, 193, 194): “É que, como judiciosamente observou Cunha Gonçalves (ob. Cit., v, n.º 739, pág. 572), a colação não é um encargo certo, predeterminado, mas apenas possível.

Assim se explica que em vez da fórmula rígida, certa, categórica, usada no Anteprojeto de Galvão Teles – a colação constitui um ónus real –, o artº 2117.º tenha dito, mais cautelosa e mais certeiramente, que a eventual redução das doações sujeitas a colação constitui um ónus real. Não é, efetivamente, a colação, traduzida numa simples imputação de valores, a que podem ser estranhos os bens, que constitui um ónus sobre os bens, capaz de interessar a terceiro.
O que pode constituir verdadeiro ónus é a obrigação de reduzir a doação que a colação traga consigo.
Esta obrigação eventual de redução ou restituição da doação é que já tem um interesse idêntico ao da obrigação da redução ou de restituição, imposta por outras circunstâncias, como a inoficiosidade, a ingratidão do donatário ou a falta de cumprimento de certos encargos.”.

No caso concreto, não há lugar à colação e pode, pois, haver eventual redução das doações motivada pela sua inoficiosidade.
Relativamente aos donatários herdeiros a respetiva doação será imputada na quota disponível (artº 2114º). Se exceder essa quota, porém, o excesso deverá ser imputado na legítima do donatário. E se exceder a quota disponível e a legítima, está sujeita a redução por inoficiosidade nos termos gerais.

Deve também concluir-se pela hipótese dos imóveis das doações aos donatários que são terceiros poderem ser restituídos à massa da herança, por força da redução das respetivas liberalidades, nos termos do artº 2169º, 2171º a 2174º do CC:

“Artigo 2171.º
(Ordem da redução)
A redução abrange em primeiro lugar as disposições testamentárias a título de herança, em segundo lugar os legados, e por último as liberalidades que hajam sido feitas em vida do autor da sucessão.

Artigo 2172.º
(Redução das disposições testamentárias)
1. Se bastar a redução das disposições testamentárias, será feita proporcionalmente, tanto no caso de deixas a título de herança como a título de legado.
2. No caso, porém, de o testador ter declarado que determinadas disposições devem produzir efeito de preferência a outras, as primeiras só serão reduzidas se o valor integral das restantes não for suficiente para o preenchimento da legítima.
3. Gozam de igual preferência as deixas remuneratórias.

Artigo 2173.º
(Redução de liberalidades feitas em vida)
1. Se for necessário recorrer às liberalidades feitas em vida, começar-se-á pela última, no todo ou em parte; se isso não bastar, passar-se-á à imediata; e assim sucessivamente.
2. Havendo diversas liberalidades feitas no mesmo acto ou na mesma data, a redução será feita entre elas rateadamente, salvo se alguma delas for remuneratória, porque a essa é aplicável o disposto no n.º 3 do artigo anterior.

Artigo 2174.º
(Termos em que se efetua a redução)
1. Quando os bens legados ou doados são divisíveis, a redução faz-se separando deles a parte necessária para preencher a legítima.
2. Sendo os bens indivisíveis, se a importância da redução exceder metade do valor dos bens, estes pertencem integralmente ao herdeiro legitimário, e o legatário ou donatário haverá o resto em dinheiro; no caso contrário, os bens pertencem integralmente ao legatário ou donatário, tendo este de pagar em dinheiro ao herdeiro legitimário a importância da redução.
3. A reposição de aquilo que se despendeu gratuitamente a favor dos herdeiros legitimários, em consequência da redução, é feita igualmente em dinheiro.

Artigo 2175.º
(Perecimento ou alienação dos bens doados)
Se os bens doados tiverem perecido por qualquer causa ou tiverem sido alienados ou onerados, o donatário ou os seus sucessores são responsáveis pelo preenchimento da legítima em dinheiro, até ao valor desses bens.”.

Daqui se vê essencialmente que está em causa a proteção legal da quota legítima dos herdeiros legitimários como a recorrente, qualificando-se de inoficiosas as liberalidades entre vivos ou por morte que ofendam a sua legítima.
É em concretização desta proteção que a lei prescreve que as liberalidades inoficiosas são redutíveis, a requerimento dos herdeiros legitimários ou dos seus sucessores, em tanto quanto for necessário para que a legítima seja preenchida (artº 2169º do CC).
E certo é que a recorrente baseando-se neste princípio é que deduz a pretensão ao arrolamento.
Tudo ainda segundo este quadro normativo: essa reserva hereditária, fora do poder de disposição do autor da herança (artº 2027º do CC), varia em função do vínculo dos herdeiros em relação a ele, do seu número e da respetiva posição jurídica; e, no que ora interessa, a legítima do cônjuge e dos filhos (chamados em primeiro lugar, artºs 2132º e 2133º do CC, sendo que estes preferem às classes imediatas e, dentro de cada uma, os parentes de grau mais próximo preferem aos de grau mais afastado e os de cada classe, em regra, sucedem por cabeça, em partes iguais, artºs 2134º, 2135º e 2136º do CC), em caso de concurso, é de dois terços da herança; não havendo cônjuge sobrevivo, a legítima dos filhos é de metade ou dois terços da herança, conforme exista um só filho ou existam dois ou mais (artº 2159º do CC).
Acresce, para o cálculo da legítima, versus da quota disponível, englobam-se o valor dos bens existentes no património antes do decesso, dos bens doados, das despesas sujeitas a colação (artº 2110º do CC) e das dívidas da herança (artº 2162º do CC); a partilha entre o cônjuge e os filhos faz-se por cabeça, dividindo-se a herança em tantas partes quantos forem os herdeiros, sendo que a quota do cônjuge não pode ser inferior a uma quarta parte da herança (artº 2139º do CC); e se o autor da sucessão não deixar cônjuge sobrevivo, a herança divide-se pelos filhos em partes iguais (artº 2139º do CC).
Havendo inventário, e, de acordo com o citado princípio da intangibilidade da legítima, a existirem reduções por inoficiosidade não se vislumbra agora outro meio processual para o efeito, mesmo nos casos em que os donatários são pessoas estranhas à herança, sem dúvida que tanto os herdeiros legitimários como os oponentes necessariamente devem ser chamados como interessados.
É importante a sua intervenção nas mais variadas diligências para fazer cessar a comunhão hereditária e proceder à partilha de bens, designadamente através do incidente da inoficiosidade (cfr, entre outros: artºs 1082º, alª c), 1085º, nº 2, alª a), 1089, nº 2, alª b), 1097º, nº 2, alª c), 1098º, nºs 1, alª a), 2 e 3, 1104º, nº 3, 1107º, 1110º, 1118º e 1119 do CPC; ou artºs 2º, 4º, 10º, 24º, 25, 28º, 30º, 47º a 49º, 52º, 54º. 58º e 60º da Lei 41/2013 de 05.03).
Tendo natureza preventiva e conservatória, nos termos do artº 406º, nº 5 do CPC, à providência requerida são aplicáveis as disposições relativas à penhora, em tudo quanto não contrarie o regime do arrolamento ou a diversa natureza dessa providência.
Um dos principais efeitos da penhora é, precisamente, a ineficácia, em relação à execução, dos atos de disposição ou oneração dos bens penhorados (artº 819º do CC).

Este efeito não contraria a natureza do arrolamento.

No caso o arrolamento tem como objetivo acautelar a justa partilha dos bens após o processo de inventário a instaurar (artº 408º, nº 2 do CPC, “o auto de arrolamento serve de descrição no inventário a que haja de proceder-se”).
Através do processo de inventário devendo-se pôr em equação os bens doados a par dos restantes bens da herança do doador e os mesmos serem sujeitos à relacionação, estimação e possível desapossamento dos beneficiados, cumpre agora referir que a recorrente invocou essa eventualidade assim como matéria pela qual é igualmente suscetível de se lhe poder reconhecer o justo receio a que alude o artº 403º, nº 1 do CPC.
Recorrente e recorridos que se opuseram ofereceram prova de diversa índole para a demonstração sumária da factualidade que invocaram ou, consoante o caso, para os tornar duvidosos assim, no caso da recorrente, tendentes ao eventual direito relativo aos bens e aqueles em que baseia o seu receio de extravio ou dissipação, a fim de convencer o tribunal da provável procedência do pedido consequente em processo de inventário (artº 405º, nºs 1 e 2 do CPC).
Essa demonstração está inteiramente dependente de instrução processual, para além do que se prevê no artº 405º, nº 3 do CPC.
De forma alguma aplica-se ao caso o disposto no artº 409º do CPC, deste modo não se presumindo iuris et de iure que a eventual situação de inoficiosidade propicia atuações ilícitas sobre o património objeto das liberalidades.

Nestes termos deve proceder parcialmente o recurso revogando-se a decisão recorrida, devendo os autos prosseguir os seus normais termos.
*****
******
Decisão

Por todo o exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar o recurso parcialmente procedente, revogando-se a decisão recorrida, e, em consequência, ordenam que os autos prossigam os seus normais termos.
Custas por recorrente e oponentes, na proporção de 1/5 e 4/5 respetivamente.
****
19-03-2020