Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
310/13.7TABGC.G1
Relator: ANA TEIXEIRA
Descritores: ACUSAÇÃO
REJEIÇÃO
DIFAMAÇÃO
INJÚRIA
EXPRESSÕES PENALMENTE IRRELEVANTES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/23/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I) Para que um facto ou um juízo possa ser havido como ofensivo da honra e consideração devidas a qualquer pessoa, deve constituir comportamento objetiva e eticamente reprovável de forma que a sociedade não lhe fique indiferente, reclamando, assim, a tutela penal de dissuasão e repressão desse comportamento.
II) No caso em apreço estamos perante um indivíduo que enviou correio eletrónico à recorrente, manifestando o seu desagrado pelo facto de esta ter utilizado em trabalho de natureza cientifica dados obtidos por ele próprio e de acordo com o mesmo sem a sua autorização e ainda por a sua tese de mestrado ter sido publicada sem o seu conhecimento e com o seu nome colocado em segundo plano.

II) Ora, as expressões proferidas pelo arguido, com algum teor público, num contexto de discórdia, não podem ter outro sentido que não a de manifestação de desagrado, não assumindo carácter injurioso.

III) Daí que não se indiciando no caso vertente que o arguido com o seu comportamento quisesse ofender a honra e consideração da assistente ou que previsse sequer essa ofensa de modo a que a mesma lhe possa ser imputada dolosamente, é de manter a decisão de rejeição da acusação por manifestamente infundada que o tribunal a quo proferiu.

Decisão Texto Integral: O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES SECÇÃO CRIMINAL
Acórdão

I - RELATÓRIO

1. 1. No processo Comum (tribunal Singular n.º310/13.7 TABGC, do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, por decisão judicial foi rejeitada a acusação particular, por manifestamente infundada e, por via dela, não foi também admitido o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante, por impossibilidade legal.
2. Inconformada, a assistente recorre, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [fls. ]:
«(…)
CONCLUSÕES
1.O Tribunal a quo rejeitou a acusação particular proferida pela Recorrente, na qual esta imputava ao Arguido a prática de um crime de difamação e um crime de injúria, p. e p. pelos arts. 180° e 181° do CP, respetivamente;
2.Tal rejeição deveu-se a uma alegada falta de fundamentação da referida acusação, pelos factos imputados ao Arguido não constituírem crime - conforme art. 311°, n.º2, al, a) e n° 3, al. d) do CPP;
3.Argumentos que a Recorrente não aceita porquanto, dos factos imputados ao Arguido, resulta o preenchimento dos elementos objetivo e subjetivos dos referidos crimes. Senão vejamos:
4.O Arguido enviou dois emails, sendo um dirigido à Recorrente e outro ao presidente do …, o Professor João S.;
5.Sendo que o email dirigido à Recorrente foi também com conhecimento do citado Professor João S. e do Presidente da …, o Professor Albino A.;
6.Em tais emails o Arguido acusava a Recorrente de plágio de uma tese de mestrado e de roubo de dados e investigações elaboradas pelo mesmo;
7.Factos estes que o Arguido sabia serem falsos e manifesta e objetivamente ofensivos da honra e consideração da Recorrente;
8. Pelo que consubstanciavam a prática dos crimes acima referidos;
9.Não obstante, assim não entendeu o Tribunal a quo, considerando estar excluída a prática de um crime, na medida em que tal email não constitui uma ofensa à honra e consideração da Recorrente;
10.Argumentando para o efeito que o mesmo foi escrito com um tom cordial e cordato e que apenas tivera o intuito de manifestar o desagrado do Arguido em face de uma alegada conduta da Recorrente excluindo assim qualquer intencionalidade injuriosa ou difamatória;
11.Entendimento esse que não se aceita, porquanto, do tipo objetivo dos referidos crimes não se exige que as acusações ou difamações sejam feitas em certo e determinado tom, pelo que é perfeitamente possível que uma acusação proferida num tom cordial e mesmo aparentemente respeitoso seja suscetível de ofender a honra e a consideração do visado, como foi o caso;
12.Atente-se ainda no facto de o próprio Arguido, no email enviado à Recorrente, qualificar o seu (da Recorrente) alegado comportamento como não sendo "muito profissional e ético";
13.O que constitui, objetivamente, uma ofensa clara e direta à honra e à consideração da Recorrente enquanto pessoa e enquanto profissional;
14.A estes argumentos acresce que, estando os sujeitos inseridos no meio académico e da investigação científica, o Arguido não podia desconhecer as consequências que o mero levantar de uma suspeita de plágio poderia causar, quando tal prática é, provavelmente, aquela que maior repúdio merece por parte da comunidade científica;
15.Veja-se ainda que não faz qualquer sentido considerar que estes emails tinham o mero intuito de manifestar o desagrado, por parte do Arguido, face a uma alegada conduta da Recorrente;
16.Isto porque, como era do conhecimento do Arguido, tal conduta nunca existiu, sendo falsas todas as acusações proferidas pelo mesmo nos citados emails;
17.Pelo que não havia qualquer irregularidade na conduta da Recorrente que motivasse qualquer tipo de manifestação de desagrado por parte do Arguido;
18.Muito menos que tal desagrado, apoiado em factos que sabia serem falsos, fosse manifestado a terceiros, nomeadamente a duas figuras influentes na comunidade científica e cuja opinião que tinham da Recorrente, antes manifestamente positiva, ficou seriamente abalada;
19.Atento o exposto, não se poderia considerar nunca que o Arguido não tivera qualquer intenção difamatória ou injuriosa, na medida em que este proferiu as ditas acusações sabendo que não eram verdade e consciente da implicância das mesmas no seio do meio social e profissional em que a Recorrente se insere;
20. Nem tão pouco considerar tais acusações como não injuriosas e difamatórias;
21.Por tudo isto, não se aceita que os factos imputados ao Arguido na acusação rejeitada não constituam a prática de um ilícito;
22.De facto, nos termos expostos supra, ficou manifestamente demonstrado que, pelos factos descritos na acusação particular, o Arguido cometeu um crime de difamação e um crime de injúria, p. e p. pelos arts. 180º e 181º do CP, respetivamente;
23.Entendimento este perfilhado, de resto, pelo Ministério Público, que acompanhou, integralmente, a acusação particular;
24.Assim sendo, deveria ter sido aceite a referida acusação, não se verificando os argumentos invocados pelo Tribunal a quo para a rejeição da mesma, ao considerar a mesma manifestamente infundada nos termos do art. 311º, n.º 2, aI. a) e n.º3, aI. d) do CPP;
25.Consequentemente, deveria ter aceite a acusação bem como o pedido de indemnização cível deduzido pela Demandante, ora Recorrente;
26.Ao ter decidido desta forma o Tribunal a quo violou o disposto no art. 311º, na 2, aI. a) e n.º3, aI. d) do CPP e os arts. 180º e 181º do CP.
Nestes termos,
Deve o presente recurso ser julgado procedente e consequentemente, anulando-se a sentença proferida nos autos e substituindo- se a mesma por despacho que admita a referida acusação particular bem como o pedido de indemnização cível deduzido e ordene o prosseguimento dos autos.

(…)»

3. Na resposta, o Ministério Público acompanha os argumentos do recurso, pugnando pela revogação do decidido [fls.128 ].
4. Nesta instância, a Exma. procuradora-geral-adjunta emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso [fls.150 ].
5. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência.
6. A decisão recorrida versa o seguinte:
«(…) FUNDAMENTAÇÃO:
O Tribunal é o competente.
*
Da rejeição da acusação:
Nos termos do disposto no artigo 311º, nº 1 do Código de Processo Penal, “recebidos os autos no tribunal, o presidente pronuncia-se sobre as nulidades e outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa, de que possa desde logo conhecer”.
Dispõe ainda o nº 2 do mesmo preceito que, se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o juiz pode rejeitar a acusação se a considerar manifestamente infundada – conceito explicitado no nº 3 do mesmo normativo, considerando-se como tal a acusação que não contenha a identificação do arguido, a narração dos factos, as disposições legais aplicáveis ou as provas que as fundamentam ou cujos factos não constituírem crime – ou pode não aceitar a acusação na parte em que ela representa uma alteração substancial dos factos.
A assistente Maria L. deduziu acusação particular contra Leandro M., devidamente identificado nos autos, imputando-lhe a prática dos factos descritos na acusação particular de fls. 69 seguintes, e a autoria de um crime de injúria e outro de difamação, p. e p. pelos artigos 180º e 181º do Código Penal.
O arguido está acusado, no essencial, de ter enviado um e-mail à assistente, no qual manifesta o seu desagrado perante a utilização, pela assistente em trabalho científico, de dados obtidos pelo próprio e sem a sua autorização e ainda de que a sua tese de mestrado teria saído para publicação sem o seu conhecimento e com o seu nome em segundo plano.
Além disso, terá enviado um e-mail a terceiro manifestando o seu desagrado pelos mesmos factos.
Dispõe o 180º do Código Penal: “Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão ate 6 meses ou com pena de multa a é 240 dias.” O bem jurídico protegido com a incriminação é a honra e consideração, o reconhecimento pessoal e social que todas as pessoas têm que ter.
Mais dispõe o artigo 181º, nº 1 do mesmo diploma: “Quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias.”
Para estabelecer a diferenciação essencial entre os crimes de difamação e injúria, o legislador utilizou o critério da imputação direta ou indireta do facto ou juízos desonrosos.
No caso do crime de injúria a imputação de factos ou juízos desonrosos é feita diretamente ao visado, no caso do crime de difamação a imputação a outrem de factos ou juízos desonrosos é efetuada, não perante o próprio, mas dirigida, veiculada através de terceiros.
Quanto aos elementos subjetivos, trata-se de crimes exclusivamente dolosos, sendo que para o preenchimento do tipo subjetivo basta o dolo genérico, traduzido na consciência de que a atribuição do facto ou juízo ou a sua reprodução são de molde a produzir ofensa da honra e consideração da vítima.
Por outro lado, não é necessária a efetiva lesão da honra e consideração da vítima, bastando a suscetibilidade das expressões utilizadas para ofender.
Trata-se, por isso, de crimes de perigo, ou seja, o tipo incriminador preenche-se com a idoneidade das expressões usadas para ofender a honra e consideração do visado, sem ser necessário a produção de um dano.
Mas o que deve entender-se por honra e consideração?
Como honra pode considerar-se “aquele mínimo de condições, especialmente de natureza moral, que são razoavelmente consideradas essenciais para que um indivíduo possa com legitimidade ter estima por si, pelo que é e vale; refere-se ao apreço de cada um por si, à autoavaliação no sentido de não ser um valor negativo, particularmente do ponto de vista moral”, e por consideração “aquele conjunto de requisitos que razoavelmente se deve julgar necessário a qualquer pessoa, de tal modo que a falta de algum desses requisitos possa expor essa pessoa à falta de consideração ou ao desprezo público; refere-se ao juízo que forma ou pode formar o público no sentido de considerar alguém um bom elemento social, ou ao menos de não o julgar um valor negativo” (Beleza dos Santos, Algumas considerações jurídicas sobre crimes de difamação e injúria, RLJ Ano 92.º, n.º 3152, p. 167/168, citado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/01/2009, processo nº 08P3056, disponível em www.dgsi.pt).
Evidencia-se, neste contexto, que os conceitos de honra e consideração não devem aferir-se da perspetiva que cada um tem dos seus valores “morais” ou “ético-sociais”, mas antes devam ser insuflados pelos valores que emergem do quadro constitucional e legislativo, que aludem ao “bom nome e reputação, à imagem” e à tutela geral da personalidade (vd. artigos 26º, nº 1 da Constituição e 70º do Código Civil).
Como se sabe, o direito penal tem carácter subsidiário ou fragmentário (vd. 18º, nº 2 da Constituição). Este carácter de subsidiariedade impõe certos limites à aplicação do direito penal e, consequentemente, às condutas que se podem considerar “típicas” para efeito de perseguição criminal.
“Assim e muito embora, tanto a descrição típica do crime legal de injúria, como de difamação, não exijam que a correspondente ofensa da honra ou consideração tenham, pela sua natureza, efeitos ou circunstâncias, que ser consideradas como graves (…) somos de crer que a vinculação constitucional ao citado art. 18.º, n.º 2, estabelece um efetivo critério limitador”.
De facto, “É próprio da vida em sociedade haver alguma conflitualidade entre as pessoas (…).”
Porém, “o direito não pode intervir sempre que a linguagem utilizada incomoda ou fere suscetibilidades do visado. Só o pode fazer quando é atingido o núcleo essencial de qualidades morais que devem existir para que a pessoa tenha apreço por si própria e não se sinta desprezada pelos outros. Se assim não fosse, a vida em sociedade seria impossível. E o direito seria fonte de conflitos, em vez de garantir a paz social, que é a sua função” (acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09/03/2011, processo nº 45/08.2TACDR.P1, disponível em www.dgsi.pt).
Na verdade, “O conceito de ofensa não pode ser um conceito puramente subjetivo, isto é, não basta que alguém se considere difamado ou injuriado para que a ofensa exista. Determinar se uma expressão é ou não injuriosa é uma questão que tem que ser aferida em função do contexto em que foi proferida bem como do meio social a que pertencem ofendido e arguido, a relação existente entre estes, os valores do meio social em que ambos se inserem” (acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 16/01/2012, processo nº 1341/09.7TABCL.G1, disponível em www.dgsi.pt).
Com efeito, “A ofensa à honra ou consideração não é suscetível de confusão com a ofensa às normas de convivência social, ou com atitudes desrespeitosas ou mesmo grosseiras, ainda que direcionadas a pessoa identificada, distinção que importa ter bem presente porque estas últimas, ainda que possam gerar repulsa social, não são objeto de sanção penal.
Para que se verifique um crime de injúria é necessário que as expressões consistam numa imputação de factos, mesmo sob a forma de suspeita, com um conteúdo ofensivo da honra ou consideração do visado, ou que as palavras dirigidas ao visado tivessem esse mesmo cariz ofensivo da honra ou da consideração” (acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 06/01/2010, processo nº 862/08.3TAPBL.C1, disponível em www.dgsi.pt).
Assume, pois, especial relevância, o contexto em que o agente atuou e a maior ou menor adequação social do seu comportamento.
A par disso, também importa ter presente o direito fundamental à liberdade de expressão e de opinião.
Descendo ao caso concreto, logo verificamos da leitura do correio eletrónico que nenhuma expressão ofensiva da honra ou consideração ali consta.
Na verdade, a mensagem de correio eletrónico encontra-se redigida em tom cordial e cordato, mostrando o desagrado do arguido perante uma alegada conduta da assistente.
Por esta via, está excluída a prática de qualquer ilícito.
Mas poderá ainda argumentar-se que ao imputar as descritas condutas à assistente, tais factos são ofensivos da sua honra e consideração.
Ora, é aqui que se deve ter em especial atenção o contexto da atuação e a sua maior ou menor adequação.
Efetivamente, se alguma intencionalidade injuriosa ou difamatória houvesse, certamente não estaríamos perante uma mensagem cordata e fundamentada (na perspetiva do arguido).
Ou seja, o litígio instalado nada tem que ver com o âmbito penal, mas sim o direito da propriedade intelectual, a ser dirimido obviamente em sede própria que não o processo criminal.
Em suma, os factos constantes da acusação particular não são suscetíveis de integrar a prática de qualquer crime por parte do arguido.
Inserem-se, claramente, no direito da propriedade intelectual, diferendo a ser resolvido em sede própria.
Efetivamente, estamos num Estado de Direito Democrático, o que implica que os cidadãos têm o direito de manifestar as suas opiniões, diferendos e litígios, conquanto o exercício desse direito não ofenda bens jurídico-penalmente relevantes.
Concluímos deste modo que os factos imputados ao arguido não integram a prática de qualquer crime.
Nestes termos, ao abrigo do disposto no artigo 311º, nº 2 al. a) e nº 3 al. d) do Código de Processo Penal, decide-se rejeitar a acusação particular, por manifestamente infundada, porquanto os factos imputados não constituem crime.
*
A fls. 73 e seguintes veio a assistente deduzir pedido de indemnização civil contra as arguidas.
Porém, atento o princípio da adesão consagrado no artigo 71º do Código de Processo Penal, o pedido de indemnização civil, a deduzir no processo penal, há-de ter por causa de pedir os mesmos factos que são também pressuposto da responsabilidade criminal e que constem da acusação deduzida e recebida para julgamento.
Caso contrário, o pedido formulado carece de qualquer referência, porquanto é sempre a acusação ou a pronúncia que fornecem o referencial do ilícito causador dos danos indemnizáveis. Assim, porque a acusação deduzida nos presentes autos foi rejeitada, inexiste objeto do processo que constitua causa de pedir para a formulação de pedido cível.
Assim, face à rejeição da acusação, decide-se não admitir o pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante por impossibilidade legal.
*
Custas criminais pela assistente com taxa de justiça de 2 UC.
Sem custas da instância civil (artigo 4º, nº 1 al. n) do Regulamento das Custas Processuais).
Notifique, proceda a depósito e, oportunamente, arquive.
O texto objeto de controvérsia versa o seguinte:
"Cara … Letícia E..
Sou Leandro M., ex colaborador seu, que trabalhou no … consigo.
Como deve estar lembrada, durante o meu Mestrado desenvolvi investigação em produtos da colmeia, em especial no própolis. E com a ajuda do meu coorientador de Mestrado, Professor Luís D., desenvolvi a minha pesquisa no âmbito da aplicação do … na saúde humana, nomeadamente, ao nível de doenças hematológicas, doenças derivadas do stresse oxidativo, caracterização físico-química, atividade antimicrobiana e atividade na enzima hialuronidase.
No passado dia 22 de Maio, fui contactado por um dos seus colaboradores, que me informou que a revisão, de que fui autor e faz parte da minha tese de mestrado, teria sido enviada para publicação sem o meu conhecimento. O meu espanto foi ainda maior, quando pude constatar que o nome do meu coorientador não constava e o meu nome passa a segundo plano. Outra das coisas que me chamou a atenção foi ver o nome de duas outras pessoas estranhas ao trabalho como autores.
Este facto provocou em mim um sentimento de desagrado tal, que decidi verificar os artigos que a Professora tem publicado.
Fiquei surpreendido, ao ver dados fruto do meu trabalho utilizados em artigos de que não consta o meu nome Nomeadamente "…", em que tenho provas de como fui autor dos dados utilizados. Alem disso, as origens dos … no artigo não são verídicas. Pelo que sei, este artigo fez parte de uma tese de mestrado e não acho isso muito profissional e ético.
Tudo o que aqui afirmo possuo provas irrefutáveis, por isso estou muito seguro das afirmações que estou a fazer.
Deste modo, e perante todos estes factos, exijo uma explicação plausível e que seja tomada uma decisão que leve a reposição da verdade.
Cordialmente,
Leandro M. "
(…)»

II – FUNDAMENTAÇÃO

Como sabemos, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente (art. 412º, nº 1, in fine, do C.P.P., Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2ª Ed., III, 335 e jurisprudência uniforme do S.T.J. - cfr. acórdão do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, pág. 196 e jurisprudência ali citada e Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª Ed., pág. 74 e decisões ali referenciadas), sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios enumerados no art. 410º, nº 2, do mesmo Código.

7. Face às conclusões apresentadas, que delimitam o objecto do recurso, importa decidir as seguinte questão:
· Se a conduta do arguido é integradora da prática de crime
Analisemos a questão.

Dispõe o nº 1 do art. 180 (difamação) do CP:

Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.

A conduta não é punível – nos termos do nº 2 do mesmo artigo – quando:

a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e

b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa-fé, a reputar verdadeira.

Quanto ao elemento objetivo do tipo legal previsto no art. 180.º do CP, dir-se-á que o bem jurídico protegido com a incriminação é a honra e a consideração de outra pessoa. Se a honra respeita mais a um juízo de si sobre si, a consideração reporta-se prevalentemente ao juízo dos outros sobre alguém.

Por seu turno, o elemento subjetivo vem a traduzir-se na vontade livre de praticar o acto com a consciência de que as expressões utilizadas ofendem a honra e consideração alheias, ou pelo menos são aptas a causar a

quela ofensa, e que tal ato é proibido por lei.

Não é necessário que tais expressões atinjam efetivamente a honra e consideração da pessoa visada, produzindo um dano de resultado, bastando a suscetibilidade dessas expressões para ofender. É que o crime em causa é um crime de perigo, bastando a idoneidade da ofensa para produzir o dano.

Como se escreve no acórdão desta Relação, proferido no processo nº 2281/06-1 http://www.dgsi.pt/jtrg., (…) o direito penal não se destina a tutelar o eventual excesso de sensibilidade de determinadas pessoas perante afirmações que lhes sejam dirigidas. Antes pretende punir factos que sejam objetivamente graves e geradores de ofensas a bens juridicamente protegidos. A vivência em sociedade traz contrariedades, normais, por todos sentidas, sem que isso seja, todavia, bastante para fundamentar a prática de ilícitos criminais.

O mesmo raciocínio colhe em relação ao crime de injúria. O bem jurídico que o art. ° 181° visa tutelar é a honra ou a consideração.

Na definição dada pelo Prof. Beleza dos Santos (in R.L.J., Ano 92°, pág. 167- ­Algumas considerações jurídicas sobre crimes de difamação e injúria) honra é aquele mínimo de condições, especialmente de natureza moral, que são razoavelmente consideradas essenciais para que um indivíduo possa, com legitimidade, ter estima por si e pelo que vale, sendo a consideração aquele conjunto de requisitos que razoavelmente se deve julgar necessário a qualquer pessoa, de tal modo que a falta de algum desses requisitos possa expor essa pessoa à falta de consideração ou desprezo públicos.

Ora, da matéria de facto descrita na acusação particular, não cremos que resulte ofendido qualquer destes bens jurídicos, desde logo porque as expressões proferidas não assumem, a nosso ver, gravidade suficiente, suscetível de criar uma ofensa.

Com efeito, as afirmações produzidas devem ser entendidas, não como uma injúria, mas antes como expressões incluídas num contexto de desentendimento, que representam algum desagrado por uma determinada situação.

As expressões proferidas, com algum teor público, num contexto de discórdia, não podem ter outro sentido que não a de manifestação de desagrado, não assumindo carácter injurioso.

No caso em apreço estamos perante um indivíduo que enviou correio eletrónico à ora recorrente, manifestando o seu desagrado pelo facto de esta ter utilizado em trabalho de natureza cientifica dados obtidos por ele próprio e de acordo com o mesmo sem a sua autorização e ainda por a sua (dele) tese de mestrado ter sido publicada sem o seu conhecimento e com o seu nome colocado em segundo plano.

A este respeito importa aferir o contexto em que o mesmo atuou e o grau de adequação social do seu comportamento sem descurar o direito à liberdade de expressão e de opinião.

No presente caso o desagrado é manifestado efetivamente em tom cordato e cordial, não contém expressão ofensiva da honra e consideração e deve ser entendido como desabafo manifestando o seu desagrado relativamente á conduta levada a cabo pela assistente. De acordo com o que exterioriza a assistente teria usado indevidamente o seu trabalho (dele) e por isso por via de email dá-lhe conta do seu desagrado e pede que lhe seja dada explicação para o facto, dando conhecimento do mesmo aos académicos que identifica.

No contexto descrito nos autos não entendemos como prática pelo arguido de crime por que foi acusado e como tal concordamos com a posição assumida pelo tribunal que dentro do contexto onde ocorreram na comunidade académica passa a ser do âmbito do direito de propriedade intelectual e já não do direito penal.

Com os factos que foram apresentados pela acusação, em sede própria como seja a do âmbito do artigo 311º do CPP, o tribunal rejeitou-a com o fundamento de que as expressões utilizadas pelo arguido podem ser tidas como um direito a crítica, legítima pelo exercício da sua liberdade de opinião e expressão- artigo 31º,n.º2 alínea b) do Código Penal e rejeitou a acusação por a considerar manifestamente infundada por virtude de os factos nela descritos não constituírem crime.

No fundo o que temos é um indivíduo a pedir explicações pelo uso de trabalho seu sem que para o efeito lhe tivessem dado conhecimento e com o seu nome colocado em segundo plano, revelando uma certa indignação, porque não desagrado por semelhante comportamento.

Não está em causa aferir se é verdadeira ou não a atribuição que faz á assistente de plágio do seu trabalho, mas apenas se no contexto em que proferiu as suas expressões, praticou os crimes por que vem acusado. Do exposto resulta em nosso entender que certamente que não praticou os crimes por que vem acusado.

Corroborando esta posição temos de 07-11-2012 da Relação do Porto onde se refere *I-Face à existência de uma margem de conflitualidade social tolerável, o direito penal só pode intervir quando a linguagem utilizada, para além de incomodar ou ferir a suscetibilidade do visado, atinge o núcleo essencial das qualidades morais dessa pessoa. II - Para que um facto ou um juízo possa ser havido como ofensivo da honra e consideração devidas a qualquer pessoa, deve constituir comportamento objetiva e eticamente reprovável de forma que a sociedade não lhe fique indiferente, reclamando, assim, a tutela penal de dissuasão e repressão desse comportamento. III - Para avaliar, em concreto, da específica danosidade social da expressão proferida, tem de atender-se ao sentido comum das palavras usadas, mas também ao contexto geral em que foram proferidas para se aquilatar da sua gravidade e, consequentemente, da necessidade de intervenção do direito penal.*

No dizer do MP junto desta Relação “Existem margens de tolerância conferidas pela liberdade de expressão que compreende não só a liberdade de pensamento, como a liberdade de exteriorização de opiniões e juízos - art. 37.2, n.2 1, da CRP.”

Em conformidade com o exposto não se indicia no caso vertente que o arguido com o seu comportamento quisesse ofender a honra e consideração da assistente ou que previsse sequer essa ofensa de modo a que a mesma lhe possa ser imputada dolosamente, pelo que improcede a pretensão da recorrente, mantendo-se a decisão de rejeição da acusação por manifestamente infundada que o tribunal proferiu.

III – DISPOSITIVO

Pelo exposto, os juízes acordam em:

· Negar provimento ao recurso interposto pela assistente recorrente MARIA L..
· Condená-la em 4 Ucs de taxa de justiça

[Elaborado e revisto pela relatora]


Guimarães, 23 de Março de 2015


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[Ana Maria Martins Teixeira]


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[Ana Teixeira e Silva]