Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
404/13.9TBBCL.G2
Relator: HELENA MELO
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PLANO DE RECUPERAÇÃO
IGUALDADE
CREDOR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/19/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: JULGADA IMPROCEDENTE
Sumário: I - A circunstância de um dos créditos garantidos ser de valor assaz superior aos demais créditos garantidos e privilegiados, detendo, consequentemente, um maior peso na percentagem necessária para a aprovação do plano, não pode justificar a diferença de tratamento entre credores, de modo a que a esse credor tudo seja concedido - capital integral, pagamento de juros vencidos e vincendos e das despesas efetuadas - e os trabalhadores, titulares dos créditos privilegiados, tenham que prescindir dos juros vencidos e o credor pignoratício do capital e juros.
II - O plano, onde as referidas medidas sejam aprovadas, viola o princípio de igualdade entre credores.
Decisão Texto Integral:
Tribunal da Relação de Guimarães
1ª Secção Cível
Largo João Franco - 4800-000 Guimarães
Telef: 253439900 Fax: 253439999 Mail: guimaraes.tr@tribunais.org.pt





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Acordam os juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:
I – Relatório
Nos presentes autos de processo especial de revitalização de empresa em que figura como devedora C…, Lda, foi aprovado o plano de recuperação com 81,23% dos votos, nos termos do art. 17º - F, n.º 3, e art. 212º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, tendo 18,77% dos credores votado contra a aprovação do plano.
Os credores da requerente P…, D…, D…, J…, J…, M…, R… e B…, ex-trabalhadores da requerente, vieram requerer ao Tribunal a não homologação do plano aprovado, invocando que o mesmo violava o princípio de igualdade entre credores, privilegiando injustificadamente a credora C… e colocando os trabalhadores, credores privilegiados numa posição manifestamente menos favorável do que a que teriam na sua ausência.
Foi proferido despacho em 10.03.2014 que não homologou o plano de revitalização, por não respeitar o princípio da igualdade entre os credores a que alude o art. 194º, do CIRE e violar o disposto no artº 195/1/2 do CIRE.
A requerente não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, no qual formulou as seguintes conclusões:
(…)
A parte contrária contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:
(…)
II - Objecto do recurso:
. o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso;
. nos recursos apreciam-se questões e não razões; e,
. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,
a questão a decidir é se o plano aprovado deve ser homologado.

III - Fundamentação
.A requerente veio dar início ao presente processo de revitalização em Fevereiro de 2013.
. No plano de recuperação aprovado pelos credores prevê-se o seguinte:
1- Perdão integral dos créditos comuns reconhecidos, quer quanto ao capital quer quanto aos juros, com excepção dos créditos comuns da “Autoridade Tributária e Aduaneira”, “Instituto da Segurança Social, I.P.” e “Caixa…, S.A.;
2- Perdão integral do crédito garantido do Credor “N…, S.A.”, quer quanto ao capital quer quanto aos juros;
3- Crédito garantido do credor “C…, S.A.”:
a. manutenção das garantias em vigor (hipoteca, fiança, livranças avalizadas e penhor de depósitos a prazo);
b. pagamento de juros vencidos, até à data de trânsito em julgado da sentença, através da capitalização dos mesmos, incluindo Imposto de Selo, juntamente com o capital na nova dívida reestruturada;
c. pagamento de juros vincendos, com periodicidade trimestral, à taxa de Euribor a 3 meses, acrescida de spread de 5%;
d. pagamento de 100% do capital em dívida mediante plano de expurgos (valores de cancelamento de hipoteca), a definir pela C…, que representem o valor da dívida, acrescida de encargos vincendos, distribuída proporcionalmente ao valor atual da cada fração/moradia;
e. prazo de amortização da dívida – 3 (três) anos, eventualmente extensível por mais 2 (dois);
f. pagamento de despesas, inerentes, vencidas à data de transito em julgado da sentença;
g. pagamento trimestral de despesas vincendas;
h. pagamento de capital e despesas inerentes, no prazo de 30 dias, em caso de acionamento por parte de algum beneficiário;
4. Créditos Privilegiados dos Trabalhadores:
- Pagamento de 100% do capital aos trabalhadores, com perdão de juros vencidos;
5- Execução dos pagamentos previstos nos pontos 3, 4 e 5:
- Os pagamentos destes credores será efectuado em 16 prestações, sendo que cada prestação será paga aquando da escritura de cada empreendimento de Lijó, podendo, assim, traduzir-se num encaixe célere por parte dos credores. Com a venda de cada imóvel serão pagas as hipotecas que sobre eles incidem, e com o remanescente pagar-se-á os créditos dos trabalhadores na respectiva proporção;
6- o crédito da C… é no montante de €1.512.527,24, sendo €1.383.138,16 garantido por hipoteca e €127.753,45 comum – cfr. lista provisória de credores que, por não ter sido impugnada, se converteu em definitiva;
7- o crédito da “Caixa…, S.A, no montante de €69.476,34 é comum - cfr. lista provisória de credores que, por não ter sido impugnada, se converteu em definitiva;
8 – Os ex trabalhadores da requerente (credores privilegiados) P…, D…, D…, J…, J…, M…, R… e B… votaram contra o plano.
.9. O credor N… não se manifestou relativamente ao plano apresentado.

O PER é um processo pré-insolvencial que tem como maior vantagem a possibilidade de o devedor obter um plano de recuperação sem ser declarado insolvente e através, no qual os credores detém um papel fundamental: o de consentirem (pelo menos momentaneamente) no sacrifício dos seus direitos para viabilizarem o PER ou, então, manterem-se irredutíveis[1].
Aprovado o plano, é o mesmo sujeito à apreciação do juiz com vista à sua homologação, aferindo-se nesta fase da conformidade legal das medidas aprovadas.
À homologação ou não homologação do plano aplicam-se, com as necessárias adaptações, as regras previstas no Titulo IX, em especial nos Artº 215º e 216º do CIRE, ex vi do artº 17ºF/5.
Nos termos do artº 215º do CIRE o juiz pode recusar, oficiosamente, a homologação do plano de revitalização aprovado na assembleia de credores, no caso em que ocorrer violação não negligenciável de regras procedimentais, ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza. Entende-se por regras procedimentais as que visam regular a forma como deverá desenrolar-se o processo, enquanto as segundas se reportarão ao dispositivo do plano de revitalização, bem como aos princípios que lhe devam estar subjacentes.
A lei não define o que são vícios não negligenciáveis, e tem-se entendido que revestem tal natureza todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza, diversamente se verificando quanto às infracções que afectem, tão só as regras de tutela particular, que podem ser afastadas com o consentimento do protegido, sem deixar de atender, por razoável, o critério geral utilizado pela própria lei processual no art.º 195, do CPC.[2]
Dispõe o nº 1 do artº 216º do CIRE que a homologação deve ser recusada também quando, a pedido de algum credor, se demonstre em ternos plausíveis, que a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência dele ou que o plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar.
Por sua vez o nº 2 do artº 192º do CIRE estabelece uma regra geral de tutela dos interesses dos credores e dos direitos de terceiros ao consagrar que “o plano só pode afectar por forma diversa a esfera jurídica dos interessados, ou interferir com direitos de terceiros, na medida em que tal seja expressamente autorizado neste título ou consentido pelos visados”.
E no que respeita ao conteúdo do plano de recuperação, o art. 195º do CIRE dispõe que “O plano (…) deve indicar claramente as alterações dele decorrentes para as posições jurídicas dos credores da insolvência” (nº 1), em comparação com os resultados projectados a partir da sujeição da liquidação do património ao regime geral da insolvência (nº 2, al. d).
Estabelece ainda o artº 194º que o plano obedece ao princípio da igualdade dos credores, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas (nº 1 do artº 194º) ou do consentimento do credor afectado, o qual se considera tacitamente prestado no caso de voto favorável (nº 2 do artº 194º).
Como tem sido entendido “ a igualdade dos credores não impede que seja dado tratamento diversificado a credores em função da sua categoria, nem afasta a possibilidade de, mesmo entre credores inseridos na mesma classe e dotados de semelhantes garantias creditórias, se estabelecerem diferenciações desde que a estas não presida a arbitrariedade, por serem justificadas as circunstâncias objectivas”[3].
E, conforme ensinam Carvalho Fernandes e João Labareda[4], entre as circunstâncias que, em concreto, podem ser atendidas para estabelecer justificadas diferenciações, contam-se, para além da distintiva classificação e das categorias hierárquicas dos créditos, a diversidade das suas fontes.
No art. 47, distinguem-se três classes de créditos: créditos “garantidos e privilegiados”, os créditos “subordinados” e os créditos “comuns”. Os créditos “garantidos e privilegiados são aqueles que beneficiam, respectivamente, de garantias reais, incluindo os privilégios creditórios especiais, e de privilégios creditórios gerais sobre bens integrantes da massa insolvente, até ao montante correspondente ao valor dos bens objecto das garantias ou dos privilégios gerais, tendo em conta as eventuais onerações prevalecentes (alínea a) do nº 4 do artº 47º do CIRE. Créditos subordinados são os que se encontram descritos nas diversas alíneas do artº 48º, para o qual a alínea b) do nº 4 do artº 47º remete e créditos comuns, os demais créditos (alínea c) do nº 4 do artº 47º do CIRE.
Referem, ainda, aqueles autores que, dentro da mesma categoria há motivos para destrinçar, conforme o grau hierárquico que couber aos vários créditos e que a ponderação das circunstâncias de cada situação pode justificar outros alinhamentos, nomeadamente tendo em conta as fontes do crédito. O plano deve, pois, tratar de forma igual o que é igual e desigualmente o que é desigual. O princípio da igualdade dos credores supõe, assim, uma comparação de situações, a realizar a partir de determinado ponto de vista. O Tribunal deve limitar-se a analisar se a regulação desigual da situação dos credores é manifestamente desadequada, por inexistência de fundamento razoável e relevante.
No plano aprovado submetido a homologação constatam-se as seguintes diferenças entre os credores:
.Entre credores com créditos garantidos/privilegiados:
. perdão integral do crédito reconhecido da N… quer quanto ao capital quer quanto aos juros (ponto 2).
. credor C…
pagamento dos juros vencidos até à data de trânsito em julgado da sentença, através da capitalização dos mesmos, incluindo Imposto de Selo, juntamente com o capital da nova dívida reestruturada;
. pagamento de juros vincendos com periodicidade trimestral, à taxa de Euribor a três meses, acrescida de spread de 5%.
. pagamento de 100% do capital em dívida mediante plano de expurgos (valores de cancelamento de hipoteca), a definir pela C… que representem o valor da dívida, acrescida de encargos vincendos, distribuída proporcionalmente ao valor actual de cada fracção/moradia.
. créditos dos trabalhadores
. pagamento de 100% do capital aos trabalhadores com perdão de juros vencidos.
Também quanto ao modo de pagamento existem diferenças entre créditos da mesma classe. Assim foi acordado que os pagamentos aos credores será feito em 16 prestações, sendo que cada prestação será paga aquando da escritura de cada empreendimento do Lijó. Mas primeiramente será paga a hipoteca que sobre cada empreendimento e só do remanescente será dado pagamento aos credores trabalhadores, na respectiva proporção.

Entre credores comuns:
. perdão integral do crédito reconhecido quer quanto ao capital quer quanto aos juros de todos os créditos, com excepção dos créditos comuns da Autoridade Tributária e Aduaneira, Instituto da Segurança Social e da Caixa…, SA créditos estes no montante de €197.229,79.
Referem ainda os apelantes que está previsto o perdão do crédito comum da C… . Todavia, sob a epígrafe créditos comuns do plano (ponto 1) não é feita referência ao pagamento do crédito comum da C…, no montante de 127. 753,45, emergente de garantias bancárias, mas apenas da credora Caixa…, S.A.
É certo que o valor que consta como sendo o valor dos crédito garantidos constante do quadro que antecede o ponto 1. (1.512.527,43) é superior à soma do credito garantido da C… (1.383.126,16) com o crédito da N… (19.799,58), mas daí não se pode concluir que a C… incluiu créditos comuns nos créditos garantidos.
E uma vez que no ponto 1 não está salvaguardado o crédito comum da C… a análise do plano será feita, considerando que o crédito comum da C… não está abrangido nas excepções ao perdão integral de créditos e juros.

Entre credores comuns e credores garantidos e privilegiados– prevê-se o pagamento do crédito comun (capital e juros) da “Caixa…, S.A.”( que pertence ao Grupo C…) e o perdão total, capital e juros, do crédito garantido da “N…”; e, prevê-se o pagamento do capital, incluindo juros de mora vencidos e vincendos, do crédito comun da “Caixa…, S.A.” e o perdão dos juros de mora vencidos dos créditos privilegiados dos trabalhadores
Entende a apelante que o plano aprovado não viola o princípio da igualdade porque :
. a diferença entre o crédito da C… e o da N…, o outro credor que tem também um crédito garantido é enorme, pois que o crédito da C… é no montante de 1.383.138,16 e o da N… é de apenas 19.799,58;
. o crédito da C… está garantido por hipotecas e o crédito da N… está garantido pelo penhor de 750 acções representativo do capital social da requerente;
. o crédito da C… provém de financiamentos essenciais à prossecução da actividade da recorrente e o crédito da N… decorre de uma garantia autónoma prestada a favor da Caixa… .
. não pode ser e efectuada comparação entre o crédito da C… e os créditos dos trabalhadores por possuírem um peso muito diferente na aprovação do plano;
. quanto aos créditos comuns o perdão integral é justificado pela sua própria natureza, pelo seu valor diminuto, pelo facto do activo da requerente ser suficiente para o pagamento dos créditos cujo perdão não se encontra previsto e ainda pelo facto de que na hipótese de liquidação do activo da recorrente em sede de insolvência, tais créditos não seriam pagos, como adiante melhor se explanará.
Ora, iniciando a análise pelos créditos comuns, também neste caso o crédito da Caixa… (69.476,34) é superior aos dos demais credores, individualmente considerados, com excepção do Instituto de Segurança Social (111.770,43), mas o crédito deste, assim como da Autoridade Tributária e Aduaneira (15.577,14), têm um tratamento diferente[5], por força do seu regime legal específico, pelo que não serão considerados.
É manifesta a diferença de valores entre o crédito da C… e os demais créditos, como refere a apelante. O crédito da C… garantido por hipoteca (1.383.138,16) é assaz superior à totalidade dos créditos dos trabalhadores (158.719,43)e ao crédito da N… (19.799,58). Também nos créditos comuns, o crédito da Caixa… (69.476,34) é superior ao dos demais credores, individualmente considerados, com excepção do crédito da Segurança Social (111.770,43). No entanto, este crédito assim como o da Autoridade Tributária Aduaneira (15.577,14) têm um regime próprio, por força do artº 30º da LGT na redacção conferida pela lei 55-A/2010, de 31/12, conjugado com o artº 125º da Lei 55-A/2010.
A questão que se coloca é se a diferença de valores poderá justificar a diferença de tratamento, constituindo uma diferenciação justificada por razão objectiva?
A diferença de valores e consequentemente o maior peso da C… na percentagem necessária para a aprovação do plano, não pode justificar a diferença de tratamento entre credores. Como se entendeu no Ac. do TRP de 14.05.2013[6] “as diferenciações não podem ser fundamentadas na própria necessidade de aprovação do plano, um requisito meramente formal ou procedimental; é o próprio plano que, na sua substância, tanto quanto possível, se tem que adaptar à igualdade entre credores.”.
O valor do crédito não pode justificar a diferença para que ao credor garantido C… tudo seja concedido, pagamento de juros vencidos e vincendos, despesas efectuadas e o e os trabalhadores, titulares de créditos privilegiado, tenham que prescindir dos juros vencidos e o credor pignoratício do capital e juros.
No caso os credores que viram os seus créditos prejudicados não aprovaram o plano, tendo os credores trabalhadores expressamente manifestado que não davam o seu acordo ao tratamento mais favorável da C… (nº 2 do artº 194º do CIRE). O legislador consagrou o princípio de igualdade dos credores tendo por fim evitar o “atropelamento dos credores com créditos mais baixos” pelos maiores credores. E foi norteado por este princípio de igualdade, que também não conferiu direito de voto ao credor que não vê o seu crédito modificado com a aprovação do plano de insolvência, pois atribuir-lhe esse direito seria colocar numa especial posição aqueles que menos tutela justificavam.
Os fins subjacentes ao processo de revitalização de manutenção de empresas e postos de trabalho (no caso a apelante só tem trabalhador) não se pode sobrepor ao princípio da igualdade dos credores, entendido nos termos já supra expostos.
Invocam ainda os apelados que o plano também não poderia ser aprovado face ao que dispõe a alínea a) do nº 1 do artº 216º do CIRE. Nos termos deste preceito legal, o juiz recusa a homologação, se algum credor tiver manifestado a sua oposição ao acordo, desde que o requerente demonstre em termos plausíveis que a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano.
O julgador tem que formular um juízo de prognose futura.
Se o plano não for aprovado, embora não se siga de imediato a declaração de insolvência, carecendo de parecer do administrador provisório, o mais provável, atento o elevado passivo da Construtora é que a insolvência seja decretada com a apreensão para a massa de todos os bens – note-se que este caso até há um processo de insolvência pendente que foi instaurado pelo credor J… que se encontra suspenso por força da instauração do processo de revitalização.
Os créditos dos trabalhadores por serem emergentes do contrato de trabalho, da sua cessação e violação, gozam de privilégio mobiliário geral e de privilégio imobiliário especial – artºs 333º nº 1, alíneas a) e b) do CT. O privilégio imobiliário incide sobre o prédio em que os requerentes prestaram a sua actividade que os apelados identificam como sendo o sito em Lijó, Barcelos (prédio descrito sob o nº 116).
De acordo com o estabelecido no artº 686/1 do CC o credor que goze de privilégio imobiliário especial é pago antes do credor hipotecário. No plano prevê-se contrariamente que se dê primeiramente pagamento ao crédito hipotecário e só depois, proporcionalmente, ao crédito dos trabalhadores, o que é menos vantajoso para os trabalhadores.
Não se olvida que a venda de um bem no âmbito de um processo de insolvência se processa em regra por um valor abaixo do seu valor comercial e que na insolvência se vá obter um valor pela venda inferior ao que resultaria da sua venda no âmbito do processo de revitalização. Mas tal a ocorrer não penaliza os trabalhadores pois que são os primeiros a ser pagos pela venda do bem onde exerciam a sua actividade e considerando ainda o valor desse bem e o montante dos créditos reclamados pelos trabalhadores.
O que deve ser considerado como bem imóvel do empregador onde o trabalhador exerceu a sua actividade não é líquido. No entanto, a apelante no seu recurso não põe em causa que os trabalhadores gozem de crédito privilegiado sobre bens imóveis da sociedade.
Pelo que, o plano aprovado confere aos trabalhadores uma situação previsivelmente menos favorável de que a que interviria na ausência de qualquer plano, pois que os trabalhadores seriam pagos antes da credora C… e não depois, como resulta do ponto V do plano.
Já não consideramos que o plano proposto viole o disposto no artº 195/1 do CIR, pois que do disposto no ponto V do plano se consegue entender como é que os credores trabalhadores vão ser pagos.
Invocam ainda os apelados que a C… não tinha direito de voto porque o seu crédito ficou inalterado. Trata-se de questão que apenas foi suscitada em sede de recurso. No entanto, o artº 215º do CIRE impõe o conhecimento oficioso de todas as questões desde que configurem violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo.
Afigura-se-nos que a questão suscitada diz respeito a uma regra procedimental.
Há que considerar como afectados os créditos que venham a ser considerados em termos distintos daqueles que revestiam à data da aprovação do plano, seja pelo montante, condições de pagamento, garantias ou outros aspectos[7]. Desde logo o Tribunal não tem elementos para considerar que o crédito da C… não foi modificado pela parte subjectiva do plano. O montante e as garantias permanecem inalteradas, mas já não o podemos afirmar quanto às condições de pagamento, pois desconhecem-se as condições de pagamento que tinham sido acordadas antes do plano.
Não há assim que discutir se as regras do nº 2 do artº 212º se aplicam ou não ao processo de revitalização, questão que se coloca porque o nº 3 do artº 17-F do CIRE remete para o nº1 do artº 212º e não se refere ao nº 2 do mesmo preceito[8].

Sumário:
A circunstância de um dos créditos garantidos ser de valor assaz superior aos demais créditos garantidos e privilegiados, detendo, consequentemente, um maior peso na percentagem necessária para a aprovação do plano, não pode justificar a diferença de tratamento entre credores, de modo a que a esse credor tudo seja concedido - capital integral, pagamento de juros vencidos e vincendos e das despesas efectuadas - e os trabalhadores, titulares dos créditos privilegiados, tenham que prescindir dos juros vencidos e o credor pignoratício do capital e juros.
. O plano, onde as referidas medidas sejam aprovadas, viola o princípio de igualdade entre credores.

IV – Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar improcedente a apelação e em confirmar a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Guimarães, 19 de Junho de 2014
Helena Melo
Heitor Gonçalves
Amílcar Andrade
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[1] Catarina Serra, Processo Especial de Revitalização, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 72, II/III, 716.
[2] Cfr. se defende no Ac TRL de 12.12.2013, proferido no proc. 1908/12 e Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, reimpressão, Quid Juris, 2009, p.713.
[3] Cfr. Ac do TRG de 18.06.2013, proferido no proc. 743/12.
[4] Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, reimpressão, Quid Juris, 2009, pp. 641.
[5] Artº 30 da LGT na redacção conferida pela Lei 55-A/2010 de 31/12, conjugado com o artº 125º da L 55-A/2010.
[6] Proferido no proc.1172/12.
[7] Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, obra citada, p.706.
[8] No sentido de que o nº 2 do artº 212º do CIRE se aplica ao processo de insolvência, Ac. do TRC de 1.04.2014, proferido no proc. 3330/13.