Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
77/14.1TAAVV.G1
Relator: MANUELA PAUPÉRIO
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
ELEMENTOS ESSENCIAIS DO CRIME
AMEAÇA AGRAVADA
NÃO CUMPRIMENTO DO ARTº. 358 DO C.P.P.
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/02/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I) O tipo legal do artº 152º, do CP previne e pune condutas perpetradas por quem afirme e actue, dos mais diversos modos, um domínio, uma subjugação, sobre a pessoa da vítima, sobre a sua vida ou (e) sobre a sua honra ou (e) sobre a sua liberdade e que a reconduz a uma vivência de medo, de tensão, de subjugação.
II) Este é, o verdadeiro traço distintivo deste crime relativamente aos demais onde igualmente se protege a integridade física, a honra ou a liberdade sexual.
III) In casu, os factos assentes não são suficientes para integrarem o referido ilícito de violência doméstica, não se seguindo daí, sem mais, a absolvição do recorrente.
IV) É que, como o arguido já teve a possibilidade de se defender dos concretos factos que lhe eram imputados e que integram o crime de ameaça agravada, configurando tal facticidade em relação ao ilícito do artº 152º do CP um minima de malis, a condenação nesta instância de recurso, pelo crime dos artºs 153º e 155º, nº 1, a), do CP, não posterga as garantias de defesa do recorrente.
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I) Relatório

Nestes autos de processo comum com o número acima identificado que correram termos pela Secção Criminal da Instância Local de Ponte da Barca, Comarca de Viana do Castelo, foi o arguido Alberto R. condenado pela autoria de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º números 1 alínea b), 2, 4 e 5 na pena de 3 anos de prisão suspensa na sua execução por igual período sujeito a regime de prova e ainda ao pagamento da quantia de 1.200€ aos Bombeiros Voluntários de …. O arguido foi ainda condenado na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida com afastamento, pelo período de 3 anos, da residência desta e ainda na proibição de uso e porte de armas, pelo mesmo período.

Inconformado com a decisão proferida dela veio o arguido intentar o presente recurso, alegando o que consta de folhas 329 a 365 dos autos, que agora aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os legais efeitos e que sintetiza nas conclusões seguintes:
1.º O presente recurso reporta-se à sentença proferida nos presentes autos e que condenou o arguido recorrente o arguido Alberto R. pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, b), n.ºs 2, 4 e 5, do Código Penal (com a agravação do artigo 86.º, n.ºs 3 e 4 da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro na redacção introduzida pela Lei n.º 50/2013, de 24 de Julho), na pena de 3 (três) anos de prisão;

II - Suspensa, pelo período de 3 (três) anos, a execução da pena de prisão aplicada nos termos da alínea que antecede, ao abrigo do disposto nos artigos 50.º, n.ºs 1 e 5, 51.º, n.º 1, al. c), 53.º e 54.º, todos do Código Penal, e artigo 494.º do Código de Processo Penal, subordinada ao cumprimento pelo arguido ((cuja troca de nome se atribuí a mero lapso de escrita) José A.)) das seguintes condições cumulativas:

· - de um regime de prova assente num plano de reinserção social (que deve conter os objetivos de ressocialização a atingir pelo condenado, as atividades que este deve desenvolver, o respetivo faseamento e as medidas de apoio e vigilância a adotar pelos serviços de reinserção social) a elaborar pela DGRS e a ser homologado pelo Tribunal (com especial incidência para consciencialização dos deveres do arguido perante a lei e seja motivador do arguido a manter-se afastado da prática do mesmo tipo de crime ou de outros), executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, pelos serviços de reinserção social; e
· - proceder ao pagamento da quantia de € 1200 (mil e duzentos euros) aos Bombeiros Voluntários de …, comprovando nos autos esse pagamento.
· Condenar o arguido Alberto R. na pena acessória de proibição de contacto com a ofendida Pinto R.com afastamento da residência desta, sita no Lugar da …, pelo período de 3 (três) anos.
· Condenar o arguido Alberto R. na pena acessória de proibição de uso e porte de armas, pelo período de 3 (três) anos.
· Declarar perdidos a favor do Estado os objetos descritos no auto de apreensão de fls. 112 (i. e., uma arma de fogo, de tipo caçadeira, de marca “Browning”, de modelo “B-80”, com o n.º de série 421NY06612, calibre 12; cadeado de segurança e duas chaves; livrete n.º J79548 emitido em 19/10/93 – cfr. Cópia de Livrete Manifesto n.º 379548 de fls. 67; Livrete Manifesto n.º 379548 de fls. 110; Registo fotográfico de fls. 111; Auto de Apreensão de fls. 112; Termo de Entrega/Auto de Depósito de Arma de fogo de fls. 113; Exame directo de arma de fogo n.º 300/2014, de fls. 116 a 118), e determino que os mesmos devem ser entregues à Polícia de Segurança Pública (PSP), que promoverá pelo seu destino.
· Condenar o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (três unidades de conta), nos termos do artigo 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa ao mesmo.
· condenar o arguido/demandado no pagamento de € 1500 (mil e quinhentos euros) à ofendida, a título de indemnização por danos não patrimoniais;
· condenar o arguido/demandado no pagamento de juros de mora, à taxa legal (ou seja, à taxa anual de 4 %, vide artigo 559.º, n.º 1, do Código Civil, e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril), calculados a partir da data da sentença e até integral pagamento, cfr. acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2002, de 9 de Maio de 2002, do Supremo Tribunal de Justiça.
· Condenar o demandante António Maria Araújo Sousa(cuja troca de nome se atribuí a mero lapso de escrita) e o demandado Alberto R. no pagamento das custas do pedido de indemnização civil na proporção dos respetivos decaimentos – cfr. artigo 527.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 523.º do Código de Processo Penal e artigo 4.º, n.º 1, al. n), a contrário, do Regulamento das Custas Processuais.
· O arguido, ora recorrente não tem antecedentes criminais..
4.º Na sentença em análise, ora recorrida, o Tribunal a quo não apreciou nem valorou correctamente a matéria fáctica produzida, nem tão pouco fez uma adequada subsunção da mesma às normas jurídicas, bem como desconsiderou o princípio norteador do processo penal, “in dubio pro reo”.

2.º O Tribunal a quo na sentença ora recorrida incorreu em erro de julgamento, logo fez uma incorrecta aplicação do direito.

3.º A prova produzida em julgamento foi manifestamente insuficiente para dar como provados determinados factos. Houve por assim dizer insuficiência de provas produzidas para alicerçar a convicção do Tribunal acerca de determinados factos. O Tribunal a quo tirou uma conclusão ilógica, arbitrária, tendo realizado uma incorrecta apreciação da prova.

3.º O recurso versa sobre matéria de facto, cuja prova consta toda dos autos uma vez que tem por base os depoimentos testemunhais que foram gravados. Ora, de acordo com o artº 127º do C.P.P., salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é produzida segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.

8.º A propósito do princípio da livre apreciação da prova o Professor Figueiredo Dias ensinou na obra “Direito Processual Penal”, 1.º vol. pags 203/207, “o princípio não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imutável e incontornável – e portanto arbitrária – da prova produzida.” E acrescenta que tal discricionariedade tem limites inultrapassáveis: “a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada verdade material – de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, reconduzível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo”.

9.º Ainda segundo o Professor “a livre ou íntima convicção do juiz não poderá ser uma convicção puramente subjectiva, emocional e portanto imotivável. Embora não se busque o conhecimento ou apreensão absolutos de um acontecimento, nem por isso o caminho há-de ser o da pura convicção subjectiva. E se a verdade que se procura é uma verdade prático jurídica, e se, por um lado, uma das funções primaciais de toda a sentença (maxime da penal) é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão, a convicção do juiz há-de ser, é certo, uma convicção pessoal – até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v. g. a credibilidade que se concede a certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais – mas, em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de se impor aos outros. Uma tal convicção existirá quando e só quando o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável, isto é, quando o tribunal tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudesse haver razões, por pouco verosímil que ela se apresentasse.

4.º Na sentença ora posta em crise, a matéria dada como provada e relativamente ao crime de violência doméstica, salvo melhor opinião, encontra-se erradamente julgada.

5.º Com efeito em toda a audiência de julgamento as declarações da assistente bem como os depoimentos das testemunhas da acusação não lograram demonstrar que o arguido, ora recorrente, tenha praticado o supra referido tipo legal.

6.º E ainda que assim não entendesse, deveria o tribunal a quo, por referência ao principio basilar do processo penal “in dubio pro reo” ter absolvido o arguido da prática do mesmo, atenta a insuficiência da prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento quanto aos factos concretamente vertidos na acusação.

7.º Não resulta do texto da sentença recorrida prova suficiente e necessária para a condenação do arguido no tipo legal “violência doméstica”. Certo é que o Tribunal a quo se baseou unicamente nas declarações da assistente, nitidamente parcial por ter interesse na condenação do arguido, para prova dos factos alegadamente ocorridos em Julho e Agosto de 2013 em dia não concretamente apurado.

8.º Nenhuma das testemunhas de acusação presenciou os factos alegadamente ocorridos nesses dias, nem tao pouco se aperceberam de algumelemeno estranho na assistente que apenas recorreu ao médico meses depois.

9.º Da transcrição dos depoimentos das testemunhas de acusação nenhuma delas foi capaz de testemunhar os factos imputados ao arguido no libelo acusatório, ou porque nunca tivessem assistido a qualquer desentendimento entre a assistente e o arguido ou porque naquelas circunstâncias de tempo nada presenciaram.

10.º À testemunha Catarina R., filha do casal, apesar de ter resido toda a vida com os pais, nunca presenciou nenhum acto de violencia.

17.º As testemunhas Maria Filha da assitente igualmente nunca presenciou nenhum acto de violência.

11.º à semelhança das restante testemunhas, com a ressalva da testemunha Fernanda D. que é perentória e referir que atribui este estado de nervosismo e tristeza da assistente, aos problemas de saúde e ao fim da relação marital.

12.º A própria assistente que nas suas declarações afirma que só espera do tribunal afaste o arguido de casa porque foi ela que ganhou o dinheiro, bem com afasta a possibilidade de medo e tristeza, afirmando que começou a frequentar borgas e o rancho folclórico, e o arguido so não acompanha porque não quer. Referindo ainda que sem qualquer receio toma banho de porta aberta, mais manifestando que tinha outras possibilidades para residir e assim afastar-se do arguido, mas não e ela que tem de sair de casa.

13.º As declarações da ofendida/assistente, apesar da natureza parcial das mesmas, atento o seu interesse na condenação do arguido, levam a crer que os alegados episódios foram fruto da sua imaginação ou da necessidade de “ a qualquer custo” afastar o arguido de casa por via do fim do relacionamento.

14.º À luz do princípio da investigação ou da verdade material, todos os factos relevantes para a decisão (quer respeitem ao facto criminoso, quer à pena) que, apesar de toda a prova recolhida, não possam ser subtraídos à “dúvida razoável” do tribunal, também não podem considerar-se como provados. Mas se o princípio da investigação obriga em último termo o tribunal a reunir as provas necessárias à decisão, logo se compreende que a falta delas não possa, de modo algum, desfavorecer a posição do arguido. Um non liquet, na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido.

15.º Ora, relativamente ao crime de violência doméstica alegadamente praticado pelo arguido atenta a insuficiência de prova testemunhal ou outra produzida em sede de audiência de julgamento, sobre os factos vertidos no libelo acusatório ocorridos em dia não concretamente apurado nos meses de Julho e Agosto, quando as testemunhas e a própria assistente que situa ambos os episódios em julho, dúvida que emergiu no decorrer da audiência de julgamento sobre se os factos terão acontecido nessas circunstâncias temporais, teria necessariamente que levar o tribunal a quo a decidir pela absolvição do arguido por referência ao princípio “in dubio pro reo”.

16.º Houve uma incorrecta aplicação do direito, aplicou-se o art.º 152º nº 1 al. a) do C. Penal, para condenar o arguido quando este deveria ter sido absolvido por não ter violado o referido preceito legal.

17.º Há insuficiência de matéria de facto provada para a condenação do arguido.

18.º Na motivação da sentença, não se vislumbra, nem se consegue descortinar qual foi o processo lógico e dedutivo que o Tribunal seguiu para chegar à conclusão que o arguido cometeu tal crime .

19.º Resulta que, quanto à matéria de facto dada como provada, foi apenas valorado o depoimento da assistente, foi contraditório, tendencial e altamente incriminatório, gravação de CD 20150421121423_13365 29:57/59:55.

20.º O que manifestamente indicia insuficiência de prova, pois foi neste único depoimento que o tribunal se baseou para provar os factos e condenar o arguido.

21.º Há erro notório na apreciação da prova porquanto do cotejo dos factos e dos documentos dados como provados a conclusão lógica é a absolvição do arguido recorrente.

22.º No caso é patente e gritante a falta de fundamentação da matéria de facto dada como provada constante da Sentença ora recorrida, não tendo sido descrito o exame crítico das provas produzidas.

23.º Neste caso há uma claríssima omissão e fundamentação e exame crítico de meios de prova, sendo a Sentença nula por violação do princípio in dúbio pró reo.

24.º Com base nos factos dados como provados entende o recorrente, com o devido respeito, que a prova produzida em audiência de discussão e julgamento não oi submetida a uma analise critica como impõe as regras de experiencia, tendo ocorrido erro notório na interpretação da prova/erro de julgamento e ocorreu omissão das menções referidas no artigo 374º nº 2 do C. processo Penal e violação do principio da investigação da verdade material – artigo 379º nº 1 alineas a) e C) do mesmo diploma.

25.º Pelo que se impõe tal alteração, por insuficiência de prova.

26.º A versão acolhida pelo Tribunal a quo e valorada, quanto ao sucedido, é a versão da assistente, contrariando todas a regras de experiencia comum.

27.º O tribunal não valorou a falta de produção de prova, para efeitos de condenação do arguido.

28º. Considera, o recorrente, que a pena é desmedida na medida concreta da pena a si aplicada, por entender que a absolvição seria correcta.

29.º O erro notório na apreciação da prova é um vício que se verifica “ quando da factualidade provada se extraiu conclusão ilógica, irracional arbitrária ou notoriamente violando as regras da experiência comum” BMJ nº 476, pág. 253, ou seja sempre que para a generalidade das pessoas seja evidente uma conclusão contrária à exposta pelo Tribunal, trata-se de um erro evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, é facilmente detectado pelo homem médio – Cfr. Acórdãos do S.T.J. de 22/11/89 – BMJJ nº 391, pág. 443 e de 26/09/90 – BMJ nº 399, pág. 432.

30.ºNestes termos, resulta que a Sentença ora recorrida violou, entre outros, o artigos 32º nº 2, 202 º nº 2, 205 nº 1, 215 nº 1 da Constituição da República Portuguesa, 410º nº 2, alínea a) e c), 127º do C. Processo Penal, e artigo 24º do C. Penal.

31.º A sentença é, outrossim, nula por violação do disposto nos artigos 374 nº 2 e 379 nº 1 alinea a) e c) do C. Processo Penal.

33.ºNestes termos, a absolvição do arguido fará a sã justiça!»

A este recurso respondeu a assistente nos termos que constam de folhas 370 a 375, que igualmente aqui se dão por reproduzidos para todos os legais efeitos, em súmula referindo a sua concordância com a decisão proferida que, portanto, entende dever manter-se.

Idêntico entendimento foi sufragado pelo Ministério Público junto do tribunal recorrido na resposta apresentada que se encontra a folhas 376 a 382 destes autos.

Neste tribunal também a Digna Procuradora Geral Adjunta, no parecer que emitiu, concluiu pela improcedência do recurso.

Cumprido o preceituado no artigo 417º do Código de Processo Penal o arguido apresentou resposta em síntese reiterando os argumentos esgrimidos no recurso.

Colhidos os Vistos legais foram os autos submetidos a conferência.

Nada obsta ao conhecimento do mérito.

II) Fundamentação:
Tem o seguinte teor a decisão de que se recorre: (transcrição)


«1.1. – O arguido Alberto R. e a demandante Pinto R.viveram maritalmente, em condições análogas às dos cônjuges, entre data não concretamente determinada do ano de 1980 e Setembro de 2013, altura em que puseram termo a tal relacionamento, pese embora tenham continuado a residir na mesma habitação.

1.2. – Tendo, de tal relacionamento, resultado uma filha em comum, C. Rodrigues, nascida a 20 de Maio de 1981.

1.3. – Na constância de tal relação marital e coabitação, em dia não concretamente determinado do mês de Julho de 2013, quando quer o arguido Alberto R. quer a ofendida Pinto R.se encontravam na sua aludida residência, sita no Lugar da …, no seu quarto, o arguido dirigiu-se à ofendida e, no decurso de uma discussão, apontou para a referida arma de tipo caçadeira, de marca “Browning”, de modelo “B-80”, com o n.º de série 421NY06612 – a qual se encontrava, por detrás da porta de acesso ao referido quarto, encostada à parede – e disse à ofendida, em tom sério e ameaçador “eu mato-te e depois digo que foste tu”.

1.4. – Em dia não concretamente determinado do mês de Agosto de 2013, durante o período da tarde, quando a ofendida se encontrava no piso superior da habitação, sita no Lugar da …, o arguido Alberto R. abordou-a e, sem que nada o fizesse antever ou justificasse, agarrou-a com violência e conduziu-a, contra a sua vontade, até ao quarto de ambos

1.5. – Tendo em acto contínuo, arremessado a ofendida Pinto R.para cima da cama ali existente e se colocado por cima da mesma, exercendo força na zona do peito da ofendida – provocando-lhe dores – e agarrando-a na zona dos seus ombros, assim a impedindo de se mexer e de se libertar

1.6. – Apenas tendo saído de cima da referida ofendida, e assim a libertando, ao fim de vários minutos, após vários pedidos nesse sentido por parte desta última.

1.7. – Ao actuar do modo acima descrito, o arguido quis maltratar física e psiquicamente a ofendida – sua companheira à data dos factos –, provocando-lhe lesões físicas e dores e ofendendo-a na sua dignidade pessoal, humilhando-a, amedrontando-a e perturbando-a, o que efectivamente conseguiu e bem sabendo que tais comportamentos eram idóneos a provocar na mesma, como provocaram, marcas psicológicas que afectaram o seu equilíbrio emocional e o seu são desenvolvimento.

1.8. – Agiu sempre o arguido de forma livre, voluntária e consciente e bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

1.9. – A demandante sofreu dores físicas fortes e mal-estar durante e nos dias após as agressões.

1.10. – Toda esta situação causado um forte desgosto na ofendida.

1.11. – A ofendida sentiu-se humilhada por tais atos, traumatizada, chocada e com medo.

1.12. – O arguido bem sabia, na qualidade de marido, que sobre si impendia um dever acrescido de respeito e lealdade para com a assistente, bem como um dever acrescido de cuidar do seu bem-estar físico e psíquico.

1.13. – Por força destas agressões a demandante desenvolveu nela um temor de voltar a sofrê-las.

1.14. – Várias pessoas presenciaram a ofendida naquele estado.

Mais se provou que:

1.15. – O arguido consta na base de dados de bens móveis, na Repartição de Finanças e na Conservatória do Registo Predial como titular inscrito dos bens descritos a fls. 186-190, 192, 205-207 cujo teor que considera aqui integralmente reproduzido.

1.16. – O arguido está divorciado; aufere cerca de 1300 euros mensais de reforma; vive em casa própria.

1.17. – O arguido tem 59 anos de idade e o 4.º ano de escolaridade.

1.18. – Em regra, o arguido é trabalhador, pacato, respeitador e respeitado.

1.19. – O arguido não tem averbados antecedentes criminais no seu registo criminal.

2. Factos não provados

Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão (note-se que o Tribunal não se pronuncia quanto a juízos conclusivos e/ou de direito e/ou repetidos), designadamente:

2.1. − Desde o início de tal relação marital e coabitação que o arguido Alberto R. vem agredindo, no interior da residência do casal, sita no Lugar da, quer física, quer psicologicamente, a ofendida Pinto R., designadamente, apelidando esta ultima de “esganada, ladra, tola da cabeça” e ameaçando a mesma de morte.

2.2. − Na constância de tal relação marital e coabitação, em dia e ano não concretamente determinados, quando quer o arguido Alberto R., quer a ofendida Pinto R., se encontravam na sua aludida residência, sita no Lugar, o arguido Alberto R., empunhou uma arma de fogo, de tipo caçadeira, de marca “Browning”, de modelo “B-80”, com o n.º de série 421NY06612 que lhe pertencia, em direcção à ofendida Pinto R.e começou a correr atrás desta última.

2.3. − Apenas não logrando alcança-la devido, por um lado, à circunstância de a ofendida Pinto R., amedrontada, se ter distanciado de si e, por outro, devido à pronta intervenção de António N., filho do arguido, que nessa sequência conseguiu desapossar o arguido Alberto R. da aludida arma de fogo.

2.4. − Sempre que assistente saísse de casa para ir às compras, ao chegar a casa o arguido chamava-lhe nome, dizendo-lhe que tinha vários homens.

2.5. − O arguido constantemente ameaçava e ofendia a assistente, fazendo-a viver diariamente num clima de terror psicológico ao mesmo tempo que a tratava com a maior indiferença.

2.6. − As referidas dores físicas e lesões foram, ainda, causa direta e necessária de 8 dias de doença sem afetação da capacidade de trabalho geral e de trabalho profissional.

2.7. − Com os comportamentos do arguido supra descritos a demandante caiu num quadro depressivo, o que a levou a tentar terminar com a sua vida pelo menos por duas vezes.

2.8. − Acresce que a assistente é pessoa considerada no meio onde vive, humilde, séria, educada, com comportamento irrepreensível.

2.9. – Que o desgosto se manterá para o resto da vida.

3. Motivação da convicção do Tribunal

Nos termos do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador.

A convicção do Tribunal fundou-se em todos os meios de prova produzidos e examinados em audiência de julgamento, nomeadamente, nas declarações da assistente Pinto R.e nos depoimentos das testemunhas Rodrigues M., Maria R., Eva M., José P., Maria L., Maria F., António P., Dantas C., Jorge M. e Manuel C..

Não foi feita prova bastante que afaste a genuinidade dos documentos juntos aos autos, pelo que relativamente aos documentos não autênticos (cfr. artigo 169.º do Código de Processo Penal, o qual refere que “consideram-se provados os factos materiais constantes de documento autêntico ou autenticado enquanto a autenticidade do documento ou a veracidade do seu conteúdo não forem fundadamente postas em causa”), o seu teor pode ser valorado livremente pelo Tribunal, conjugando os mesmos com a demais prova produzida e as regras de experiência. Assim sendo, o Tribunal teve em consideração os documentos juntos aos autos (designadamente, Manuscritos de fls. 40 a 46; Informação do Núcleo de Armas e Explosivos da P.S.P. de fls. 56 e 95; Cópia de Livrete Manifesto n.º 379548 de fls. 67; Elementos clínicos de fls. 82 a 86; Livrete Manifesto n.º 379548 de fls. 110; Registo fotográfico de fls. 111; Auto de Apreensão de fls. 112; Termo de Entrega/Auto de Depósito de Arma de fogo de fls. 113; Exame directo de arma de fogo n.º 300/2014, de fls. 116 a 118; Certidão de Assento de Nascimento de Alberto R., de fls. 126 a 128; Certidões de Assento de Nascimento de Pinto R.e de Rodrigues M., de fls. 129 a 134; Relatório do IML de Psiquiatria de fls. 240-242; relatório do Órgão de Polícia Criminal quanto à situação económico-financeira do arguido e dos seus encargos pessoais; e o certificado do registo criminal junto aos autos a fls. 254).

Note-se que a prova produzida deve ser analisada atenta a segurança oferecida por cada elemento probatório (considerado individualmente, nomeadamente, quanto à sua credibilidade, isenção e fundamentação da razão de ciência), e bem assim ponderada de acordo com o seu confronto com os demais elementos de prova constantes nos autos (v.g., prova documental, pericial e testemunhal), por forma a que o resultado final não produza uma decisão injusta, insuficientemente segura em termos de corroboração factual, ou incoerente com a realidade e o normal acontecer dos factos.

Assim sendo, compreende-se que uma testemunha contribua ativamente para alicerçar o Tribunal na formação da convicção da realidade de um facto pela mesma relatado, atenta a sua isenção e fundamentação da razão de ciência quanto a esse mesmo facto, mas também pode acontecer que essa mesma testemunha transmita ao Tribunal outros factos que, quando confrontados com os demais elementos de prova produzida (e legalmente admissíveis), não sejam bastantes para fundamentar a resposta em determinado sentido dada pelo Tribunal à matéria factual em análise nos autos.

Cumpre salientar que tendo a prova testemunhal sido gravada, de modo algum se deve aqui reproduzir o teor da mesma, por tal não corresponder à letra e ao espírito da lei e ser inexequível na prática, mas sim frisar os pontos essenciais (nomeadamente no que respeita à fundamentação da razão de ciência, isenção, coerência, segurança e emotividade que pautaram em concreto cada depoimento) que determinaram que a convicção do julgador (relativamente ao qual a prova se produziu presencialmente) se formasse no sentido em que consta do elenco dos factos provados.

Concretizando, quanto ao arguido Alberto R., o mesmo não quis prestar declarações quanto aos factos que lhe foram imputados pelo Ministério Público e constantes da acusação, direito que lhe assiste, nos termos dos artigos 61.º, n.º 1, al. d) e 343.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal. O arguido apenas prestou declarações quanto às suas condições socioeconómicas e profissionais.

Quanto a Pinto R.(viúva, comerciante, residente em…), a mesma referiu, no essencial, ter sido companheira do arguido durante cerca de 32 anos até ao Verão de 2013 e que tem uma filha em comum com o arguido (que nasceu em Maio de ….); ainda reside na mesma casa com arguido mas fazem vidas separadas. Disse que não pretende fazer partilhas mas quer que o Tribunal tire o arguido de casa. Tem um prédio com 4 apartamentos arrendados.

Resultou seguro do depoimento da demandante que esta sofreu dores físicas fortes e mal-estar durante e nos dias após as agressões. Toda a situação relatada nos factos provados tem causado um forte desgosto na ofendida. A ofendida sentiu-se humilhada por tais atos, traumatizada, chocada e com medo. Por força das agressões provadas a demandante desenvolveu um temor de voltar a sofrê-las, sentindo-se intimidada com a presença da arma do arguido.

Parte das declarações da assistente (assim como parte do teor da acusação pública) são imputações vagas, sem concretização temporal, que não permitem defesa alguma. Com efeito, como o arguido se irá defender se o Ministério Público refere que “viveram maritalmente, em condições análogas às dos cônjuges, entre data não concretamente determinada do ano de 1980 e Setembro de 2013 (…) desde o início de tal relação marital e coabitação que o arguido Alberto R. vem agredindo, no interior da residência do casal, sita no Lugar da ., quer física, quer psicologicamente, a ofendida Pinto R., designadamente, apelidando esta ultima de “esganada, ladra, tola da cabeça” e ameaçando a mesma de morte” e “Na constância de tal relação marital e coabitação, em dia e ano não concretamente determinados”, ou seja, o arguido é acusado de ter agredido, insultado e ameaçado, mas que não se sabe quando aconteceu (nem o dia, nem o mês, nem o ano, nem a década), nem se refere as circunstâncias em que tal alegadamente ocorreu, só se refere que foi num período de mais de 30 anos.

Para além da óbvia falta de concretização temporal que o rigor do processo criminal demanda (refere o artigo 283.º, n.º 3, al. b), do Código de Processo Penal, que a “A acusação contém, sob pena de nulidade: (…) b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática…”, ora, sendo factos alegadamente praticados na pessoa da assistente, a concretização temporal deve ser possível, sob pena de se levar à acusação matéria relativamente à qual não indícios e é mais que provável a absolvição, logo impunha-se o arquivamento desses factos nos termos do artigo 277.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Penal), acresce que pelo Ministério Público são imputados factos (em bom rigor o que se transcreveu são quase na totalidade meros juízos jurídico-conclusivos: “vem agredindo… quer física, quer psicologicamente”, “ameaçando a mesma de morte”), em altura e de que forma que não se sabe num período de mais de 30 anos, que a terem existido se mostram prescritos (cfr. artigo 118.º, do Código Penal), logo não podem ser imputados numa peça jurídica acusatória por não terem relevância criminal.

Apesar da ofendida/assistente ter feito um sério esforço no sentido de concretizar os factos e de proceder temporalmente ao seu enquadramento, a verdade é que divagou constantemente, proferiu desabafos vários, falou de factos que nada têm a ver com o âmbito deste processo. Mostrou mágoa e tristeza pelo passado recente, enquanto eram um casal.

Apenas conseguiu auxiliar o tribunal a captar a realidade sobre dois eventos que constam na acusação pública suficientemente concretizados quanto ao modo, tempo e local. Com efeito, referiu que num dia que em concreto não se lembra do mês de Julho de 2013, quando os dois se encontravam na residência de ambos, sita no Lugar da…, no seu quarto, o arguido dirigiu-se à ofendida e, no decurso de uma discussão, apontou para a referida arma de tipo caçadeira (que apurou-se ser de marca “Browning”, de modelo “B-80”, com o n.º de série 421NY06612), que se encontrava atrás da porta de acesso a esse quarto e disse-lhe em tom sério “eu mato-te e depois digo que foste tu”.

Com o pormenor possível, a ofendida também conseguiu relatar com segurança e de forma credível, uma outra situação ocorrida num dia que em concreto não se lembra do mês de Agosto de 2013, durante o período da tarde, quando estava na residência de morada do casal, o ora arguido, sem justificação para tal, agarrou-a com violência e conduziu-a, contra a sua vontade, até ao quarto de ambos e atirou-a para cima da cama e colocou-se por cima dela, mais precisamente colocando o joelho por cima do peito da ofendida, o que lhe provocou dores imediatas e aflição, tendo pedido várias vezes ao arguido para ele sair. Essa situação ainda se prolongou por vários minutos até que finalmente o arguido resolveu soltar a ofendida. A ofendida continuou com dores na zona no peito nas semanas seguintes, tendo depois acabado por procurar auxílio médico (cfr. elementos clínicos de fls. 82 a 86).

Rodrigues M. (solteira, comerciante, residente em …; disse ser filha do arguido) referiu, no essencial, que nunca assistiu a nenhum insulto e/ou agressões; não se recorda do pai chamar nomes à mãe, tendo apenas conhecimento das situações que a mãe lhe contava. Presenciou a mãe a queixar-se de dores no peito. Sabe que o pai tem uma caçadeira guardada no quarto. Confirmou que mãe andava muito nervosa, com medo. Presenciou várias discussões entre ambos relativamente a dinheiro, a compras, etc. (“assisti a discussões toda a minha vida”, “moramos todos na mesma casa, eu giro o espaço, eles dormem em quartos separados, cozinho em separado para cada um… eles comem em separado”, “ela continua perturbada, com medo, o episódio da dor no peito foi um marco”, “as casas dela estão alugadas… a minha irmã tem uma casa”, “ela dorme com a porta do quarto fechada”).

Maria R. (casada, cabeleireira, residente em …; disse ser filha da ofendida e enteada do arguido) referiu, no essencial, que “havia sempre discussões, a maior parte das vezes era ele que começava”; nunca presenciou agressões mas ouviu ele a chamar-lhe nomes “puta e ladra” (mas não sabe em que situação nem quando); “ela é nervosa, ela grita mais alto, com os nervos ela descontrola-se muito”, “ela tinha vergonha da situação” e “ela ainda se fecha no quarto”.

Marília C. (casada, militar da GNR a prestar serviço no posto da GNR de …; disse conhecer o arguido, apenas do exercício das suas funções) referiu, no essencial, que não tem conhecimento direto dos factos, sabe que arma foi entregue voluntariamente; nunca foi à residência da ofendida e do arguido; nunca viu marcas de agressões.

José P. (casado, carpinteiro, residente no lugar da …,; disse conhecer o arguido) referiu, no essencial, que nunca presenciou qualquer agressão ou insulto; “a F… é minha madrinha”; ela anda nervosa, fragilizada. Quanto ao mais o que sabe foi a ofendida que lhe contou.

Maria L. (casada, doméstica, residente no lugar de …; disse conhecer o arguido e ser irmã da assistente), Maria F. (casada, administrativa, residente no lugar de …; disse conhecer o arguido) e António P. (casado, pedreiro, residente no lugar de C…) referiram, no essencial, que nunca presenciaram qualquer agressão ou insulto; “ela queixou-se de dores no peito”, “ela tem vergonha da situação”, “ela está muito nervosa por causa do medo”, “ela está receosa de estar com ele”, “encontrava-a com os olhos de ter estado a chorar”, “no início davam-se bem, depois comecei a notar que eles zangavam-se”, “ela queixava-se que o A… a tratava mal”, “ela tem receio que volte a acontecer”, “eu notei que ela estava bloqueada de uns 2 anos para cá” e “que eu saiba, ela tem medo da arma”.

As testemunhas Dantas C. (casado, serralheiro, residente no lugar de …, Jorge M. (solteiro, pintor da construção, residente no lugar de …,) e Manuel C. (casado, trolha, residente no lugar de …), depuseram essencialmente sobre a personalidade, o carácter e as condições pessoais do arguido (asseverando que em regra, o arguido é trabalhador, pacato, respeitador e respeitado), nisso sendo credíveis, tanto mais que não se apuraram factos em sentido contrário. Uma vez que as referidas testemunhas não tinham conhecimento direto dos factos imputados pelo Ministério Público ao arguido (nomeadamente quanto às circunstâncias de tempo, lugar e modo como os factos ocorreram), as mesmas não lograram auxiliar o Tribunal nessa matéria (cfr. artigo 128.º e 129.º do Código de Processo Penal).

No que concerne ao elemento subjetivo, a comprovação do mesmo em qualquer ilícito faz-se, ou pela confissão do agente, ou pela existência de elementos fácticos objetivos dos quais aquele elemento se extrai por aplicação das regras da experiência e do normal acontecer dos factos.

No caso concreto em análise a comprovação do elemento subjetivo resultou, sobretudo, da conjugação das declarações dos depoimentos das testemunhas (as quais foram credíveis, porquanto isentas, pormenorizadas e fundamentadas quanto à matéria que consta do elenco dos factos provados), dos demais elementos documentais constantes nos autos, e das regras de experiência e do normal acontecer dos factos, uma vez que se afigura sobejamente conhecido que o arguido ao proceder do modo com está exarado nos factos provados implica o preenchimento do crime em questão.

A comprovação da situação pessoal, familiar e profissional do arguido decorreu das declarações do mesmo, que se consideraram genuínas e sérias, sendo certo que inexistem nos autos elementos que as contrariem (excepto quanto ao valor da reforma que o mesmo aufere, porquanto nesse ponto valorou-se o relatório do Órgão de Polícia Criminal quanto à situação económico-financeira do arguido e dos seus encargos pessoais); e teve-se ainda em conta o teor dos documentos relativos à base de dados de bens móveis, da Repartição de Finanças e da Conservatória do Registo Predial.

A respeito da inexistência de antecedentes criminais averbados, foi determinante o teor dos certificados do registo criminal juntos aos autos.

Finalmente, na parte em que os factos não resultaram provados, tal circunstância deve-se quer à inexistência ou insuficiência de prova produzida, quer à circunstância de se terem provado factos contrários, quer ainda por aplicação do princípio in dubio pro reo (segundo o qual quando persista a dúvida se o arguido praticou ou não os factos imputados na acusação, sempre tem que ser resolvida a favor do arguido; é certo que a dúvida sobre a responsabilidade é a razão de ser do processo, e efectivamente o processo nasce porque uma dúvida está na sua base e uma certeza deveria ser o seu fim, mas sucede frequentemente que a dúvida inicial permanece a dúvida final, malgrado todo o esforço para a superar, pelo que em tal situação, o princípio político-jurídico da presunção de inocência imporá sempre a absolvição do arguido quanto à matéria sobre que incide a dúvida). »

Cumpre apreciar:

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no artigo 410º número 2 do Código de Processo Penal.
Esta afirmação da qual, por regra, sempre nos socorremos quando nos abalançamos no conhecimento de um recurso, não é uma mera formula tabelar; é antes a transposição do que consta do artigo 412º do Código de Processo Penal que estabelece que:
« 1 — A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
2 — Versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada; e
c) Em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, deve ser aplicada.
3 — Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
4 — Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
5 — Havendo recursos retidos, o recorrente especifica obrigatoriamente, nas conclusões, quais os que mantêm interesse.
6 — No caso previsto no n.º 4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.
(…) »
Este é um dos casos em que sequer se pode dizer que a norma legal é de difícil interpretação, contudo revela-se de muito difícil concretização. Com efeito no caso vertente nas trinta e três “conclusões” apresentadas pelo recorrente muitas não o são de facto, nada, em algumas delas, convoca o nosso conhecimento, sendo que se apresentam num emaranhado, até desordenado em termos numéricos, de argumentos que parecem querer abarcar todos os modos de impugnação de decisões permitidos por lei; o recorrente aponta à decisão recorrida erro de julgamento, incorreta aplicação do direito (conclusão 2º), insuficiência de prova (conclusão 4ª), coloca em causa o modo como a prova foi apreciada (conclusão 8ª) , volta a invocar erro de julgamento ( conclusão 4ª), violação do princípio in dubio pro reo (conclusão 6ª), retoma a falta de prova (conclusões 7ª 8ª repetida a 13), repisa a postergação do princípio in dubio pro reo ( na conclusão 14ª) retomando as alegações anteriores nas demais “conclusões” que apresenta até à conclusão 28º, na qual verbera a sua discordância com a pena aplicada por a entender excessiva, terminando (conclusões 30ª e 31ª) dizendo que a decisão recorrida violou, “entre outros, o artigos , 32º nº 2, 202º nº 2, 205 nº 1, 215 nº 1 da Constituição da República Portuguesa, 410º nº 2, alínea a) e c), 127º do C. Processo Penal, e artigo 24º do C. Penal e que é, nula por violação do disposto nos artigos 374 nº 2 e 379 nº 1 alíneas a) e c) do C. Processo Penal.
Ora perante este arrazoado conclusivo a primeira tarefa que nos cabe, para não demorar mais um processo que é urgente, é de sintetizar as conclusões apresentadas, tentando compreender o sentido da impugnação apresentada pelo recorrente.
Vejamos então a primeira questão suscitada pelo recorrente, quando fala em erro de julgamento e de falta de prova, parece evidente que a razão da sua inconformidade com a decisão proferida, prende-se com o facto de, em sua opinião, o tribunal a quo ter apenas valorado o depoimento da assistente para dar como provada a matéria de facto assente. Como efeito quanto aos factos que resultaram provados apenas a assistente os relatou; o arguido remeteu-se ao silêncio e as testemunhas inquiridas não os presenciaram. Concluiu assim inexistência de prova e pela sua absolvição ou, pelo menos, deveria o tribunal recorrido ter feito funcionar o princípio in dubio pro reo, desembocando, igualmente, ispo facto, na absolvição.
Sem razão porém, dizemo-lo já, passando a explicitar:
O legislador preceitua no seu artigo 127º do Código de Processo Penal que: “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciado segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
A livre apreciação da prova: “ não se confunde, de modo algum com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios de experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Dentro destes pressupostos se deve portanto colocar o julgador ao apreciar livremente a prova” Ver anotação a este artigo 127º no Código do Processo Penal anotado de Maia Gonçalves.
Graduando os diversos níveis deste mecanismo temos, numa primeira abordagem, a credibilidade que mereceram ao tribunal as provas produzidas e examinadas em audiência, relativamente ao que assume particular relevo os princípios da imediação e a oralidade, concatenados com a credibilidade que o julgador, na íntima e cuidada ponderação das provas que lhe são apresentadas, decide atribuir a cada uma delas. Ademais ainda as ilações e as conclusões que o julgador retira a partir dos meios probatórios com base nas regras da lógica, na experiência e nas razões de ciência.
Num outro nível, já referente à própria valoração da prova, intervêm as ilações e conclusões que o juiz opera a partir dos diversos meios probatórios: aqui, já estas induções não dependem apenas da supracitada imediação, mas serão baseadas nas regras da lógica, nos princípios da experiência e nas razões de ciência.
Nesta consideração não pode ser a circunstância de apenas a assistente relatar determinados factos que advém a impossibilidade da sua prova. No que aqui nos importa, concretamente no crime de violência doméstica, o agressor (ou agressora), ligado sempre à ofendida (ou ofendido) por uma especial relação de proximidade, escolheria assim sempre, momentos em que estivessem a sós para a agredir (física ou psicologicamente), certo de que, porque as coisas se passavam apenas entre os dois, não haveria a possibilidade de o relato de um abalar a negação do outro. É da natureza deste, mas também de outro tipo de crimes, o confrontar-se o tribunal, por regra apenas com o depoimento da(o) ofendida (o) e com uma versão diversa dado pelo(a) arguido(a) ou com o seu silêncio. Mas isso não redunda, como é bom de ver, inelutavelmente, na impossibilidade de se provarem os factos.
O tribunal a quo teve perante si o arguido e a assistente, viu-os, ouviu-os, olhou-os, apercebeu-se, portanto, de muitos pormenores (atitude, postura) que só a imediação permite, e concluiu, em seu soberano critério, que o relato de determinados factos merece credibilidade, daí terem resultado provados.
A apreciação da prova é a pedra de toque que revela a qualidade de quem julga; fazer ressaltar a verdade material é tarefa árdua, complexa e exigente, que alia a experiência de vida, ao bom senso e às regras da lógica e experiência comum. No caso, no segmento atinente à motivação da decisão, o senhor juiz demonstrou enorme labor e ponderação, expurgando da matéria assente tudo o que era imputação vaga, genérica, da qual o arguido (este ou qualquer outro) não se conseguiria defender. Concretamente: « (…) Parte das declarações da assistente (assim como parte do teor da acusação pública) são imputações vagas, sem concretização temporal, que não permitem defesa alguma. Com efeito, como o arguido se irá defender se o Ministério Público refere que “viveram maritalmente, em condições análogas às dos cônjuges, entre data não concretamente determinada do ano de 1980 e Setembro de 2013 (…) desde o início de tal relação marital e coabitação que o arguido Alberto R. vem agredindo, no interior da residência do casal, sita no Lugar da …, quer física, quer psicologicamente, a ofendida Pinto R.., designadamente, apelidando esta ultima de “esganada, ladra, tola da cabeça” e ameaçando a mesma de morte” e “Na constância de tal relação marital e coabitação, em dia e ano não concretamente determinados”, ou seja, o arguido é acusado de ter agredido, insultado e ameaçado, mas que não se sabe quando aconteceu (nem o dia, nem o mês, nem o ano, nem a década), nem se refere as circunstâncias em que tal alegadamente ocorreu, só se refere que foi num período de mais de 30 anos.
Para além da óbvia falta de concretização temporal que o rigor do processo criminal demanda (refere o artigo 283.º, n.º 3, al. b), do Código de Processo Penal, que a “A acusação contém, sob pena de nulidade: (…) b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática…”, ora, sendo factos alegadamente praticados na pessoa da assistente, a concretização temporal deve ser possível, sob pena de se levar à acusação matéria relativamente à qual não indícios e é mais que provável a absolvição, logo impunha-se o arquivamento desses factos nos termos do artigo 277.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Penal), acresce que pelo Ministério Público são imputados factos (em bom rigor o que se transcreveu são quase na totalidade meros juízos jurídico-conclusivos: “vem agredindo… quer física, quer psicologicamente”, “ameaçando a mesma de morte”), em altura e de que forma que não se sabe num período de mais de 30 anos, que a terem existido se mostram prescritos (cfr. artigo 118.º, do Código Penal), logo não podem ser imputados numa peça jurídica acusatória por não terem relevância criminal. (…) »
Esta parte da decisão proferida demonstra o cuidado colocado pelo Meritíssimo Juiz a quo, que, no fim de contas, releva do mais elementar bom senso mas que infelizmente, parece estar a formar escola junto do Ministério Público (e dizemo-lo com todo o respeito e com o devido apreço pelo trabalho que tem vindo a ser desenvolvido pelo Ministério Público e pelas entidades policiais, no sentido de estarem mais atentas e prestarem melhor apoio às vítimas de violência doméstica) de, quando deduzem acusação pelo crime de violência doméstica, narrarem não factos concretos perpetrados pelo(a) arguido(a) que integrem o cometimento de um crime, mas histórias de vida infelizes, relações familiares disfuncionais que se arrastam no tempo, como no caso em apreço por mais de 30 anos, mas às quais não se colocou fim.
Isto dito importa concluir este ponto dizendo que a matéria dada como provada constante da decisão em apreço foi-o sem que tal facto mereça qualquer censura.
O Meritíssimo Juiz a quo credibilizou o relato que lhe foi feito pela assistente, decisão que unicamente a ele cabe. Por isso não faz qualquer sentido chamar à colação a aplicação do princípio in dubio pro reo. Com efeito este princípio basilar do nosso sistema processual penal, emanação direta do princípio constitucional da presunção da inocência (cfr. nº 2 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa), só tem aplicação quando, após a produção de prova o tribunal tenha ficado com dúvidas sobre os factos – se eles ocorreram ou se ocorreram pela forma como vêm descritos na acusação – e/ou sobre quem os praticou. Só aí, estando o julgador, por lei, impedido de não decidir Cfr. artigo 8º do Código Civil: « 1. O tribunal não pode abster-se de julgar, invocando a falta ou obscuridade da lei ou alegando dúvida insanável acerca dos factos em litígio. , vendo-se perante essa dúvida, deve então resolvê-la pela forma que seja mais favorável ao arguido. Mas não foi o caso dos autos. Não decorre em momento nenhuma da decisão que o juiz a quo se tenha debatido com qualquer duvida ou tão pouco que essa dúvida devesse ter resultado no seu espírito.
Isto dito passemos agora ao que lobrigamos ser outra razão de discordância do recorrente com a decisão proferida e que ele sintetiza dizendo que há erro de julgamento, que não resulta do texto prova do cometimento do crime de violência doméstica.
Este é um crime grave, sem dúvida. Numa breve pesquisa na internet http://www.cmjornal.xl.pt/domingo/detalhe/violencia_domestica_os_numeros_da_vergonha_nacional.html : «(…) O ano de 2014 fica marcado pela morte de 42 mulheres em ambiente doméstico. Destas, 35 morreram às mãos dos atuais ou ex-maridos, companheiros ou namorados. As outras sete mulheres foram também assassinadas em ambiente doméstico, mas pelo pai, tio ou sogro, enfim, por outras pessoas que não o antigo companheiro. Em média, morreram quatro mulheres por mês no ano. Uma por semana. Em cerca de 30% das situações, a mulher foi morta já depois de estar separada do agressor, sendo que, em muitos casos, estava já mesmo divorciada, tendo o crime ocorrido quando a vítima iniciou uma nova relação. A maioria dos crimes foi cometida com recurso a uma arma branca, mais concretamente uma faca (37%). (…) Este facto tem duas explicações: a primeira prende-se com o facto de a faca, o cutelo, o machado ou qualquer outro tipo arma branca ser de fácil acesso. Qualquer indivíduo tem um destes objetos em casa, pelo que a sua utilização num caso de conflito é simples. Está à mão. Mas pode significar uma outra coisa. A morte originada por arma branca é por norma mais demorada do que a produzida por uma arma de fogo, e por isso causa mais sofrimento à vítima. Nestes casos, o agressor demonstra, de forma mais nítida, a raiva que sente em relação à sua vítima, bem como a intenção de a fazer sofrer. E essa raiva, essa fúria, esse descontrolo, da parte do agressor, é visível em muitas destas mortes, dado ao elevado número de golpes desferidos. São numerosos os casos em que as mulheres são atingidas por sete, oito, nove ou mais facadas, existindo um caso em que a vítima sofreu 17 facadas. A arma de fogo foi o segundo meio mais usado (32%) em quadros conjugais fatais, no último ano. Nos casos restantes, os homicidas escolheram o afogamento, a asfixia, o estrangulamento, o espancamento e o fogo. Todos estes dados fazem parte de um estudo da UMAR. Em termos puramente estatísticos, o ano de 2014 foi pior do que 2013, ano em que 37 mulheres perderam a vida por crimes em ambiente doméstico. Na última década, morreram 398 mulheres em Portugal, vítimas em contexto de violência doméstica. Este número terrível dá-nos uma média de quase 40 mulheres assassinadas por ano (39,8).» excerto do artigo pesquisado da autoria de Carlos Anjos
Artigo cujo teor se confirma em informação institucional no sítio:
http://www.apav.pt/apav_v2/images/pdf/Estatisticas_APAV_Relatorio_Anual_2014.pdf
e em outros órgão noticiosos: http://www.publico.pt/violencia-domestica
facilmente acedemos a números que a todos nos devem preocupar e envergonhar (como refere a notícia consultada) E será eventualmente o empenho no combate a este tipo de crime que leva a que, muitas vezes, queixas de cometimentos de factos ilícitos em contexto relacional sejam imediatamente tratados como casos de violência doméstica.
Mas atentemos no que se encontra consagrado no artigo 152º do Código Pena que sob a epígrafe de violência doméstica estatui:
1 — Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais:
a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge;
b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;
c) O progenitor de descendente comum em 1.º grau; ou
d) A pessoa particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite;
é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
2 — No caso previsto no número anterior, se o agente praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.
3 — Se dos factos previstos no n.º 1 resultar:
a) Ofensa à integridade física grave, o agente é punido com pena de prisão de dois a oito anos;
b) A morte, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos.
4 — Nos casos previstos nos números anteriores, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica.
5 — A pena acessória de proibição de contacto com a vítima pode incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento pode ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
6 — Quem for condenado por crime previsto neste artigo pode, atenta a concreta gravidade do facto e a sua conexão com a função exercida pelo agente, ser inibido do exercício do poder paternal, da tutela ou da curatela por um período de um a dez anos.”
Na formulação deste tipo legal criminalizam-se comportamentos que configurem maus tratos, conceito lato e abrangente, que pode ser integrado quer por agressões físicas ou psíquicas, incluindo-se neles os castigos corporais, privações de liberdade e ofensas sexuais.
Como se deve entender este conceito de “maus tratos” e qual o bem jurídico protegido pela incriminação deste tipo legal socorrer-nos-emos do que, a propósito, escrevemos num outro acórdão por nós relatado Acórdão da RP de 09/01/2013 relatado pela aqui relatora e pesquisado em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/:
« (…) Inserido este preceito legal no capítulo III “ Dos crimes contra a integridade física”, no âmbito dos crimes contra as pessoas, sabemos bem que o bem jurídico que com ele se visa proteger não é apenas a integridade física, pois o próprio artigo alude a que é punido quem «infligir maus tratos» físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais. Pode configurar-se como maus tratos psicológicos, as ofensas verbais ou os insultos, mas também a indiferença constante, a desconsideração pessoal, o vexame, sendo que, todas estas ações ou omissões, têm de ser particularmente graves, quer porque constantes ou reiteradas, traduzindo um padrão comportamental, quer porque particularmente intensas ou desvaliosas, prescindindo-se então dessa reiteração.
O tipo legal constante do artigo 152º do Código Penal, que cobre ações típicas semelhantes àquelas que se acham já prevenidas noutros tipos legais (artigos 143º - ofensas à integridade física, 183º injúrias, 163º coação sexual), não pode ser visto como reconduzindo-se à punição de um qualquer somatório de comportamentos deste tipo ocorridos entre pessoas que, a ligá-las, tenham, ou tenham tido, uma qualquer relação de proximidade familiar ou afetiva; o seu fundamento deve ser encontrado na proteção de quem, no âmbito de uma concreta relação interpessoal - conjugal ou não – vê a sua integridade pessoal, liberdade e segurança ameaçadas com tais condutas.
Pese embora a maior parte dos casos de crimes de violência doméstica, ocorram no âmbito da vivência conjugal – formal ou de facto – a atual redação do preceito, ao alargar o âmbito da incriminação ao ex-cônjuge e ao prescindir mesmo da coabitação, coloca agora mais o enfoque na situação relacional existente entre agressor e vítima.
Assim este tipo legal previne e pune condutas perpetradas por quem afirme e atue, dos mais diversos modos, um domínio, uma subjugação, sobre a pessoa da vítima, sobre a sua vida ou (e) sobre a sua honra ou (e) sobre a sua liberdade e que a reconduz a uma vivência de medo, de tensão, de subjugação.
Este é, segundo cremos, o verdadeiro traço distintivo deste crime relativamente aos demais onde igualmente se protege a integridade física, a honra ou a liberdade sexual.
O bem jurídico tutelado pela incriminação, assim caraterizado, é plural e complexo, visando essencialmente a defesa da integridade pessoal (física e psicológica) e a proteção da dignidade humana no âmbito de uma particular relação interpessoal.
Desta mesma forma ele se encontra caraterizado por André Lamas Leite, Estudo publicado na Revista Julgar, nº 12, página 25 e ss, quando refere que o mesmo tem como fim o “ (…) asseguramento das condições de livre desenvolvimento da personalidade de um indivíduo no âmbito de uma relação interpessoal próxima de tipo familiar ou análogo (…)” sendo este bem jurídico multímodo “(…) uma concretização do direito fundamental (artigo 25º da C.R.P.) mas também do direito ao livre desenvolvimento da personalidade (artigo 26º da C.R.P.), nas dimensões não recobertas pelo artigo 25º da Lei Fundamental, ambos emanações diretas do princípio da dignidade da pessoa humana.
(…) A degradação, centrada na pessoa do ofendido, desses valores jurídico constitucionais deve ser a pergunta operatória no distinguo entre o crime de violência doméstica e todos os outros que, por via do designado concurso legal, com ele se relacionam
Entre muitos outros, cremos particularmente feliz a síntese contida no sumário do Acórdão desta Relação do seguinte teor: No ilícito de violência doméstica é objetivo da lei assegurar uma ‘tutela especial e reforçada’ da vítima perante situações de violência desenvolvida no seio da vida familiar ou doméstica que, pelo seu caráter violento ou pela sua configuração global de desrespeito pela pessoa da vítima ou de desejo de prevalência de dominação sobre a mesma, evidenciem um estado de degradação, enfraquecimento ou aviltamento da dignidade pessoal quanto de perigo ou de ameaça de prejuízo sério para a saúde e para o bem-estar físico e psíquico da vítima. Acórdão de Relação do Porto de 28/09/2011 relatado por Artur Oliveira e pesquisado em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/(sublinhado nosso)
Daqui sobressai o que cremos essencial para a caraterização do crime de violência doméstica, que se evidencia da sua génese e evolução; a existência de uma vítima e de um vitimador, este numa posição de evidente dominação e prevalência sobre a pessoa daquela.»
Assim perfetibilizado o nosso entendimento relativamente às situações que se podem integrar no aludido preceito legal retornemos aos factos que resultaram provados:
1.3.- Na constância de tal relação marital e coabitação, em dia não concretamente determinado do mês de Julho de 2013, quando quer o arguido Alberto R. quer a ofendida Pinto R.se encontravam na sua aludida residência, sita no Lugar da …, no seu quarto, o arguido dirigiu-se à ofendida e, no decurso de uma discussão, apontou para a referida arma de tipo caçadeira, de marca “Browning”, de modelo “B-80”, com o n.º de série 421NY06612 – a qual se encontrava, por detrás da porta de acesso ao referido quarto, encostada à parede – e disse à ofendida, em tom sério e ameaçador “eu mato-te e depois digo que foste tu”.
1.4. – Em dia não concretamente determinado do mês de Agosto de 2013, durante o período da tarde, quando a ofendida se encontrava no piso superior da habitação, sita no Lugar da …, o arguido Alberto R. abordou-a e, sem que nada o fizesse antever ou justificasse, agarrou-a com violência e conduziu-a, contra a sua vontade, até ao quarto de ambos
1.5. – Tendo em acto contínuo, arremessado a ofendida Pinto R.para cima da cama ali existente e se colocado por cima da mesma, exercendo força na zona do peito da ofendida – provocando-lhe dores – e agarrando-a na zona dos seus ombros, assim a impedindo de se mexer e de se libertar
1.6. – Apenas tendo saído de cima da referida ofendida, e assim a libertando, ao fim de vários minutos, após vários pedidos nesse sentido por parte desta última.
1.7. – Ao actuar do modo acima descrito, o arguido quis maltratar física e psiquicamente a ofendida – sua companheira à data dos factos –, provocando-lhe lesões físicas e dores e ofendendo-a na sua dignidade pessoal, humilhando-a, amedrontando-a e perturbando-a, o que efectivamente conseguiu e bem sabendo que tais comportamentos eram idóneos a provocar na mesma, como provocaram, marcas psicológicas que afectaram o seu equilíbrio emocional e o seu são desenvolvimento.
1.8. – Agiu sempre o arguido de forma livre, voluntária e consciente e bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. »
Estes dois episódios ocorridos, um no mês de Julho, outro em Agosto de 2013 (sem se lograr saber ao certo se entre os dois mediaram muitos dias, alguns dias ou se até se ocorreram em dias seguidos) não têm, a nosso ver, a virtualidade de se poderem enquadrar na previsão desta norma. Desde logo porque não se trata de um comportamento repetido, reiterado, humilhante ou vexatório, depois não são factos de gravidade tal que prescindam dessa reiteração para serem qualificados como de maus tratos.
O que se evidencia à saciedade é que na primeira situação o arguido comete um crime de ameaças, tal como se encontra prevenido pelas disposições conjugadas dos artigos 153º e 155ºnº 1 alínea a) ambos do Código Penal Cfr. Acórdão de fixação de jurisprudência de 2/02/2013 e pesquisado em http://www.dgsi.pt/jstj.ns: « A ameaça de prática de qualquer um dos crimes previstos no n.º 1 do artigo 153º do Código Penal, quando punível com pena de prisão superior a três anos, integra o crime de ameaça agravado da alínea a) do n.º 1 do artigo 155º do mesmo diploma legal». e, na segunda situação provadamente ocorrida em agosto de 2013, os factos provados integram-se na previsão do artigo 143º do Código Penal, pois configuram, sem qualquer sombra de dúvida, uma ofensa a integridade física.
Os factos vertidos no ponto 17 da matéria assente que se reportam ao dolo, sendo, como são, atinentes à intenção do agente aquando da sua prática, resultam ou de confissão ou se extraem dos factos segundo critérios de normalidade e da experiência comum.
Decorre das normalidade das coisas e da lógica da vida que quem se dirige a alguém dizendo que a mata quer provocar-lhe medo e inquietação, assim também que quem atira outra pessoa contra a sua vontade para cima de uma cama e lhe coloca uma perna sobre o peito, fazendo pressão e só a retira depois de insistentemente lhe ter sido pedido, sabe que atenta contra a sua integridade física. Assim desta forma deve passar a matéria atinente à imputação subjetiva dos factos ao arguido.
No caso, porém, temos de atentar no seguinte: a arguida deslocou-se ao posto policial da área da sua residência no dia 30 de março de 2014; nessa altura apenas para dar queixa de que o seu companheiro – o aqui recorrente – tinha arrombado uma porta da casa e o que motivou que a ofendida tivesse saído da sua residência. Nessa altura interpelada pelos agentes policiais sobre se o companheiro a tinha ameaçado ou agredido disse que naquela altura não mas que em agosto do ano anterior tinha sido ameaçada e agredida no peito e que na altura não tinha feito queixa e quando a faz tinha decorrido já o prazo legal de seis meses- cfr. artigo 113 número 5 do Código Penal. Ou seja relativamente ao crime de ofensas à integridade física inexiste um pressuposto ou condição de procedibilidade. Diversamente do que se passa com o crime de ameaça dado tratar-se de uma ameaça agravada tem natureza de crime público, prescindindo assim da apresentação de queixa. O que pretendia essencialmente a ofendida quando se dirigiu ao posto da GNR, apresentava era que o arguido saísse da casa.
Ora cremos que era isto que verberava reiteradamente o recorrente; os factos assentes não são suficientes para integrarem o crime de violência doméstica. E, na realidade, como acabamos de explicitar, não são. No entanto, diversamente do que pretende o recorrente o desfecho deste processo não redunda na sua absolvição, já que terá de ser condenado pelo crime de ameaça agravada a que acima se aludiu já.
Aqui chegados a questão a dirimir é saber se poderemos aqui e agora condenar o arguido por este crime ou se teremos de dar cumprimento ao preceituado no ar 424º número 3 do Código de Processo Penal. Também, a este propósito, tomamos já posição que se encontra expressa no acórdão por nós relatado e que acima aludimos. Portanto, seja-nos de novo permitido transcrever o que ali se deixou expresso:
«Sendo diverso o tipo legal no qual se enquadra a conduta da arguida, será que deve o processo baixar à primeira instância para aí ser dado cumprimento ao preceituado no artigo 358º do Código de Processo Penal?
Cremos que não. Com efeito a arguida defendeu-se já de todos os factos que agora aqui se conhecem.
Neste sentido a douta decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça em Acórdão publicado no DR, 1.ª série – número 146 de 30 de Julho de 2008 Pesquisado em http://dre.pt/pdf1s : “ (…) E com a publicação da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, através de aditamento de um número ao artigo 424.º (n.º 3), alargou a possibilidade de a alteração da qualificação jurídica poder ser feita no tribunal de recurso (bem como de a alteração poder incidir sobre os factos descritos na decisão em recurso, desde que não substancial), alteração que, obviamente, no caso de ser desconhecida do arguido, terá de lhe ser comunicada para o mesmo, querendo, sobre ela se pronunciar. Certo é que este alargamento já era jurisprudencialmente admitido, consabido que este Supremo Tribunal através do Acórdão n.º 4/95 fixou jurisprudência obrigatória no sentido de que o tribunal superior pode em recurso alterar oficiosamente a qualificação jurídico -penal efectuada pelo tribunal recorrido, mesmo que para crime mais grave, sem prejuízo, porém, da proibição da reformatio in pejus. Com tudo isto, porém, não resulta pacífico o entendimento sobre a obrigatoriedade de comunicação ao arguido da alteração da qualificação jurídica e concessão ao mesmo de prazo para a defesa. Com efeito, para além da ressalva contida no n.º 2 do artigo 358.º, segundo a qual a alteração não carece de ser comunicada ao arguido, o que bem se percebe, visto que a mesma é resultado de alegação por si produzida, vem-se entendendo que outros casos ocorrem em que é inútil prevenir o arguido da alteração da qualificação jurídica, razão pela qual se considera não dever ter lugar a comunicação. Vejamos. O instituto da alteração dos factos descritos na acusação ou na pronúncia visa assegurar as garantias de defesa ao arguido. O que a lei pretende é que aquele não venha a ser julgado e condenado por factos diferentes daqueles por que foi acusado ou pronunciado, por factos que lhe não foram dados a conhecer oportunamente, ou seja, venha a ser censurado jurídico -criminalmente com violação do princípio do acusatório, sem que haja tido a possibilidade de adequadamente se defender. Ao alargar o âmbito de aplicação do instituto à alteração da qualificação jurídica dos factos o legislador visou, também, assegurar as garantias de defesa do arguido, de acordo, aliás, com a Constituição da República, que impõe sejam asseguradas todas as garantias de defesa ao arguido — n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa - consabido que a defesa do arguido não se basta com o conhecimento dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, sendo necessário àquela o conhecimento das disposições legais com base nas quais o arguido irá ser julgado. Assim e atenta a ratio do instituto, vem -se entendendo que só nos casos e situações em que as garantias de defesa do arguido — artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República — o exijam (possam estar em causa), está o tribunal obrigado a comunicar ao arguido a alteração da qualificação jurídica e a conceder -lhe prazo para preparação da defesa. Por isso, se considera que a alteração resultante da imputação de um crime simples ou «menos agravado», quando da acusação ou da pronúncia resultava a atribuição do mesmo crime, mas em forma qualificada ou mais grave, por afastamento do elemento qualificador ou agravador inicialmente imputado, não deve ser comunicada, visto que o arguido ao defender -se do crime qualificado ou mais grave se defendeu, necessariamente, do crime simples ou «menos agravado», ou seja, defendeu-se em relação a todos os elementos de facto e normativos pelos quais vai ser julgado. O mesmo sucede quando a alteração resulta na imputação de um crime menos grave que o da acusação ou da pronúncia em consequência de redução da matéria facto na sentença, quando esta redução não constituir, obviamente, uma alteração essencial do sentido da ilicitude típica do comportamento do arguido, ou seja, quando não consubstanciar uma alteração substancial dos factos da acusação.”.»
Ora, sendo como acima já deixamos dito, o crime de violência doméstica um tipo legal que recobre situações diversas que isoladamente consideradas poderiam configurar diferentes situações típicas, p. ex. de ofensas à integridade física, de injúrias, de ameaças, quando não se prove o cometimento do crime de violência doméstica, pode sobejar, como no caso, apenas a prova de alguns dos factos que se inserem numa das ações típica. O arguido/recorrente teve já a possibilidade de se defender desses concretos factos que agora aqui se consideram para efeito da sua condenação, ademais eles configuram, relativamente ao crime pelo qual vinha condenada um minima de malis, a condenação, nesta instância de recurso, pelo crime de ameaça agravada, previsto e punido, pelas já referidas disposições legais constantes do artigo 153º e 155º número 1 alínea a) ambos do Código Penal, não posterga as garantias de defesa do arguido/recorrente.
Importa então determinar a pena concreta a aplicar a este arguido, dentro da moldura penal de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.
Tendo em vista os desideratos constantes do artigo 40º do Código Penal, atendendo a que o crime é punível, em alternativa, com pena de prisão ou multa, atento o estatuído no artigo 70º do Código Penal, decide-se optar pela pena de multa, por se entender que ela realizará de modo adequado e suficiente as finalidades da punição.
A pena de multa será seguramente sentida como advertência bastante para não voltar a delinquir.
Passando à concretização do quantum da pena de multa, começando pela determinação do grau de culpa do arguido, concluiu-se que esta atuou com uma culpa grave porque com dolo direto.
A ilicitude dos factos igualmente não muito intensa.
As exigências de prevenção especial não muito acentuadas. Com efeito, o arguido é primário o que, tendo em conta a sua idade, assume já um significativo relevo. Por certo não voltará a delinquir.
Maiores as exigências de prevenção geral, atendendo a que, com muita frequência, se cometem crimes deste tipo sobretudo em idênticos contextos relacionais.
Assim na consideração conjunta de todas estas vertentes e no mais que consta do artigo 71º do Código Penal, para se concluir, como adequadas e justas fixar em 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de 6,00€ (seis euros), ou seja a multa de 480,00€ (quatrocentos e oitenta euros) a pena a aplicar-lhe
A decisão agora proferida importa necessariamente a absolvição do arguido nas penas acessórias que decorriam da sua condenação pelo crime de violência doméstica.
Esta decisão repercute-se ainda no pedido de indemnização civil formulado pela demandante Pinto R.. Na verdade ele foi arbitrado em função da condenação pelo crime de violência doméstica que, como se acabou de decidir, o recorrente não cometeu. Não se podem igualmente e para este efeito considerar os factos provados advenientes do cometimento do crime de ofensas à integridade física que não pode ser considerado pela inexistência de queixa, restando assim da factualidade assente os seguintes que constam dos pontos 1-10 e 1-11:
“ Esta situação casou forte desgosto na ofendida”
“Esta sentiu-se humilhada, traumatizada, chocada e com medo”
A obrigação de reparar os danos – patrimoniais e não patrimoniais (ou morais) que tenham sido causados pela prática de um crime tem a sua consagração legal no artigo 483º do C.C. aplicável por força do estatuído no artigo 129º do Código Penal. Esse preceito legal estatui que: Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinado a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. A responsabilidade pressupõe assim: o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e um nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Todos estes elementos devem resultar claramente evidenciados dos factos provados. Os factos assentes, que são causa direta e necessária da conduta levada a cabo pelo arguido constituem um dano não patrimonial. Será então o dano moral, perfetibilizado na humilhação, desgosto e medo sentidos que o arguido cabe ressarcir, nos termos que se acham consagrados no artigo 496º do C.C. sendo que a fixação do montante a arbitrar a este título, deve ser fixado pelo tribunal segundo critérios de equidade, considerando não só a gravidade e extensão dos danos causados, mas igualmente as circunstâncias em que os mesmos foram produzidos.
Assim considerando o concreto circunstancialismo em que os factos ocorreram, que se trata de uma situação isolada, temos por adequado fixar o montante devido a título de indemnização por danos não patrimoniais em 250,00€ (duzentos e cinquenta euros).
Por último dizer-se o seguinte: O crime pelo qual o arguido foi agora condenado, de ameaça agravada, não foi cometido com arma.
Vejamos o que resultou da matéria assente atinente à prática deste crime:
«1.3. – Na constância de tal relação marital e coabitação, em dia não concretamente determinado do mês de Julho de 2013, quando quer o arguido Alberto R. quer a ofendida Pinto R.se encontravam na sua aludida residência, sita no Lugar da …, no seu quarto, o arguido dirigiu-se à ofendida e, no decurso de uma discussão, apontou para a referida arma de tipo caçadeira, de marca “Browning”, de modelo “B-80”, com o n.º de série 421NY06612 – a qual se encontrava, por detrás da porta de acesso ao referido quarto, encostada à parede – e disse à ofendida, em tom sério e ameaçador “eu mato-te e depois digo que foste tu”. »
Daqui emerge claramente que o arguido se “limitou” a apontar para a arma que se encontrava encostada à parede por detrás da porta de acesso ao quarto, para desse modo conferir maior verosimilhança à ameaça de morte que proferiu. Inexiste fundamento para determinar o perdimento da arma que o arguido, porque era caçador, como igualmente dos autos se retira, tinha na sua posse, devidamente legalizada e manifestada como resulta de folhas 95.
Assim sendo também nesta parte importa alterar a decisão proferida determinando a restituição ao arguido da arma.

Improcede no mais as alegações do recorrente, não se mostrando violadas nenhuma outra disposição legal ou constitucional.


III) Decisão

Pelos fundamentos acima expressos:
Acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o recurso interposto e, em consequência:

-Absolver o arguido Alberto R. da autoria de um crime de violência doméstica pelo qual vinha condenado;

- Condenar este arguido pela autoria de um crime de ameaça agravada previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 153º e 155º nº 1 alínea a) ambos do Código Penal na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de 6,00 € (seis euros), ou seja a multa de 480,00 (quatrocentos e oitenta euros)

Sem tributação – cfr. artigo 513º número 1 do Código de Processo Penal, a contrario sensu.

- Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado e, em consequência, condenar o arguido a pagar à demandante Pinto R., a título de danos não patrimoniais que aquele causou o montante de 250,00€ (duzentos e cinquenta euros).


Determina-se a entrega ao arguido da arma de caça que se encontra apreendida nestes autos.

Custas na proporção dos respetivos decaimentos.
(elaborado pela relatora e revisto por ambas as subscritoras cfr. artigo 94º nº 2 do Código de Processo Penal)

2 de novembro de 2015
Maria Manuela Paupério
Maria Isabel Cerqueira