Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1413/09.BJAPRT.G1
Relator: AUSENDA GONÇALVES
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
REVOGAÇÃO
NÃO AUDIÇÃO DO ARGUIDO
NULIDADE INSANÁVEL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/10/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: É insanavelmente nulo, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 495º, nº2, 119º, al. c) e 122º, nº 1, do CPP, a decisão que decretou a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, sem que ao arguido fosse dada oportunidade de se defender, designadamente dos argumentos aduzidos no parecer do Mº Pº, e requerer a produção de meios de prova, por se traduzir numa quebra de reciprocidade dialéctica entre tal Órgão e o condenado e postergar as garantias de defesa deste, na dimensão dos princípios do contraditório e de audiência do mesmo, acolhidos no art. 32º da Constituição.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

No processo comum colectivo nº1413/09.8JAPRT da Instância Central, 2ª Secção Criminal de Guimarães, da Comarca de Braga, por decisão proferida em 15/12/2015, foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido José S..
Inconformado com a referida decisão, o arguido interpôs recurso, formulando na sua motivação as seguintes conclusões:
«1.ª O douto despacho de revogação da suspensão da execução de pena, apenas com base nos relatórios da DGRSP e nas declarações da técnica responsável.
2.ª Decisão justificada por o Arguido não comparecer nas datas agendadas para as entrevistas de acompanhamento.
3.ª Acontece que o Arguido, pese embora não tenha comparecido nas datas agendadas, compareceu sempre em datas posteriores.
3.ª Tendo sempre justificado, quer previamente, quer posteriormente, as suas faltas de comparência nos dias indicados.
4.ª Aliás, foi sempre possível à DGRSP e à técnica responsável, estabelecer contacto com o arguido, e reagendar novas datas, nas quais o Arguido esteve presente.
5.ª Arguido justificou que as últimas faltas de comparência se deveram à dificuldade de transporte entre a sua residência (em Vila Nova de Famalicão) e o local das entrevistas (Santo Tirso).
6.ª Mais, resultam dos próprios autos e constam dos relatórios elaborados pela técnica de reinserção social que, o Arguido depende financeiramente dos pais.
7.ª Pelo que é notória a sua falta de condições económicas para suportar as despesas de deslocação entre os dois concelhos.
8.ª Assim, o Tribunal a quo baseou a sua decisão apenas e só nos incumprimentos do Arguido em não comparecer às entrevistas de acompanhamento nos dias agendados.
9.ª Não tendo valorado a presença do Arguido nas demais entrevistas que compareceu, em datas posteriormente acordadas entre o Arguido e os Serviços de Reinserção Social.
10.ª Nem tão pouco teve em conta a preocupação do Arguido em justificar as suas faltas.
11.ª Aliás, apesar de ser de conhecimento dos autos, não foi relevada a insuficiente condição económica do Arguido, no que respeita à disponibilidade de este arcar com as despesas de deslocação entre a sua residência e os Serviços de Reinserção Social.
12.ª Pelo que, salvo melhor entendimento, o tribunal a quo não recolheu a prova necessária, nem valorou devidamente a prova apresentada pelo Arguido no que respeita à justificação das faltas às entrevistas de acompanhamento nos dias indicados.
13.ª O artigo 56º, nº1, al. a) do Código Penal enumera as circunstâncias que conduzem à revogação da suspensão da execução da pena aplicada.
14.ª Assim, a revogação da suspensão da execução da pena aplicada não acontece de forma automática ou tão só pela violação de regras impostas.
15.ª A lei exige uma infracção grosseira e repetida, ou seja, o Arguido tem que actuar de forma objectivamente relevante e com a consciência disso, isto é, uma violação culposa.
16.ª Ora face às justificações sempre apresentadas pelo Arguido e a comparência do mesmo em datas posteriormente agendadas, assim como o contacto permanente entre a técnica e o Arguido, não se poderá determinar o incumprimento reiterado e grosseiro.
17.ª Pelo que e neste sentido não se pode concluir, sem mais, que se encontra preenchido o requisito do art.º 56º nº 1 al. a) do CP, isto é, que o Arguido tenha "infringido grosseira e repetidamente" os deveres impostos.
18.ª Ademais, tendo a acórdão condenatório transitado em julgado em 31/03/2011, os cinco anos de pena de prisão suspensa, à qual o Arguido foi condenado, terminam no próximo dia 31/03/2016 – daqui a menos de dois meses!
19.ª Motivo pelo qual não deverá o Arguido ser agora sujeito ao cumprimento de cinco anos de pena efectiva quando, já decorreu quase por completo o período de suspensão a que foi condenado.».

O Ministério Público apresentou resposta, pugnando pelo indeferimento do recurso, dizendo, em síntese, que o arguido infringiu grosseira e repetidamente os deveres a que se encontrava sujeito.

O Exmº. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu alicerçado parecer, sustentando a nulidade do despacho recorrido por violação das exigências de audição do condenado e de garantia do exercício do contraditório ínsito nos arts. 40º e 50º a 57º do CP e 492º a 495º do CPP.
Foi cumprido o art. 417º, nº 2, do CPP, sem que houvesse resposta.

Pese embora das conclusões do recurso se suscitar apenas a questão de saber se o arguido infringiu grosseira e repetidamente os deveres que lhe foram impostos, o certo é que, previamente, cumpre apreciar e decidir a questão, aliás, de conhecimento oficioso, de saber se a decisão de revogação de suspensão da execução da pena se encontra ferida de nulidade resultante de falta de audição prévia do condenado e de garantia do exercício do contraditório.
«
Importa apreciar a enunciada questão prévia e decidir para o que são pertinentes: A) os factos considerados na decisão recorrida; B) o teor da decisão que incidiu sobre tais factos; C) as ocorrências que se extraem da tramitação dos autos.
A) Os factos considerados na decisão recorrida (transcrição):
«Por Acórdão transitado em julgado a 31.03.2011, José C. foi condenado nos presentes autos, na pena de 5 anos de prisão suspensa na sua execução com a condição de, no prazo de 1 ano, entregar ao ofendido Alberto C. a quantia de 2.000,00€ e com regime de prova, designadamente e além das que resultarem do plano de readaptação social o cumprimento dos deveres de responder a convocatórias do magistrado responsável pela execução e pelo técnico de reinserção social; receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência; informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de emprego bem como sobre qualquer deslocação superior a 8 dias e sobre a data do previsível regresso; obter autorização prévia do magistrado responsável pela execução para se deslocar ao estrangeiro.
Por decisão proferida a fls.886, notificada pessoalmente ao condenado a 04.09.2012- cfr. fls.892- transitada em julgado, na sequência do incumprimento dos deveres e do plano de reinserção social – regime de prova – elaborado pela DGRSP a fls.828 a 833, homologado a fls.836, foi determinado que o condenado comparecesse às entrevistas nos 6 meses seguintes pelo menos uma vez por mês e nesse período de 6 meses procedesse ao pagamento de 150,00€ por mês ao ofendido, com inicio em Setembro – 2012 e os restantes nos meses subsequentes para abatimento ao valor em divida e fixado como condição da suspensão da execução da pena de prisão.
Por decisão proferida a 24.08.2014 - fls.968 e seguintes – ao abrigo do disposto no artº55º, al.a) do Código Penal, foi determinada solene advertência ao condenado no sentido de o exortar a adotar um comportamento consentâneo com as obrigações decorrentes do determinado no plano de readaptação social e em consequência cumprir integral e responsavelmente todas as obrigações, nomeadamente comparecer nas datas agendadas às entrevistas na DGRSP e pagar o remanescente da indemnização ao ofendido sob pena de a manter o comportamento faltoso ter de cumprir efectivamente a pena de prisão.
Em 05.05.2015,- fls.997 e seguintes – transitada em julgado, foi renovada a advertência efetuada nos autos a 24.08.2014, no sentido de no futuro o condenado dever passar a adotar um comportamento consentâneo com as obrigações do plano de reabilitação social, designadamente no que respeita à comparência às entrevistas, facultando o condenado o numero de telemóvel para facilitar o seu contacto para que se proceda à sua notificação de forma mais expedita comprometendo-se o mesmo a estar disponível, remetendo-se cópia à DGRSP para estabelecerem contacto com o condenado de modo a normalizar a situação do cumprimento do plano homologado aguardando-se novo relatório, tendo o arguido fornecido o seu numero de telemóvel.
Sucede porém que, conforme se alcança do relatório elaborado pela DGRSP e junto aos autos a fls.1007 e 1008, o condenado mantém a mesma atitude relativamente à supervisão daqueles serviços de reinserção social uma vez que após a audição de 05.05.2015, o condenado deveria ter comparecido no dia 29.05.2015 para entrevista de acompanhamento e apenas compareceu no dia 12.06.2015, depois de ter sido convocado telefonicamente para o dia 09.06.2015; no dia 12.06.2015 foi agendada nova entrevista para acompanhamento para o dia 12.08.2015 à qual o condenado faltou e não apresentou qualquer justificação; após contacto telefónico o condenado compareceu no dia 28.08.2015 e nessa data foram agendadas com o condenado as entrevistas para acompanhamento até ao final da suspensão da execução da pena, 28.10.2015, 05.01.2015 e 15.03.2016.
A 17.11.2015, ouvido o condenado na presença da Técnica da DGRSP que o acompanha, o mesmo referiu que não comparece às entrevistas agendadas por ter a carta de condução apreendida e não ter como se deslocar a Santo Tirso, desconhecendo se existem autocarros da sua residência, Delães, para Santo Tirso. A técnica da DGRSP relatou que as entrevistas agendadas com o condenado nunca se realizaram nas datas agendadas, mas sim após insistência junto do condenado; que existem transportes públicos de Delães para Santo Tirso e que a distância é muito próxima; que no ano de 2015, foram efetuadas quatro entrevistas – 08.01.2015, 30.03.2015, 12.06.2015 e 28.08.2015- sempre em datas não previamente agendadas às quais o condenado faltou sem apresentar qualquer justificação e sem contactar aqueles serviços; concluindo em suma que o condenado revelou sempre atitude de desresponsabilização e desinteresse perante a intervenção da DGRSP inviabilizando o cumprimento do plano elaborado.
Dos vários relatórios da DGRSP juntos aos autos, bem como das decisões entretanto proferidas e das audições do condenado e bem assim da ultima audição realizada a 17.11.2015, resulta que desde o inicio da suspensão da execução da pena de prisão – 2011 - o condenado nunca cumpriu o plano de reinserção social- regime de prova- homologado nos autos, faltando sempre às entrevistas de acompanhamento previamente agendadas sem apresentar qualquer justificação e só comparecendo em datas posteriores depois de insistência e contacto estabelecido pela Técnica da DGRSP, concluindo esta em todos os relatórios que “ a atitude do arguido face à medida aplicada continua a ser reveladora de displicência, reduzida consciência crítica face ao crime cometido e desresponsabilização no que respeita às injunções aplicadas.”.
Com efeito, como supra referido, desde a penúltima audição realizada a 05.05.2015, na qual foi dada ultima e derradeira oportunidade ao condenado para cumprir o plano e comparecer às entrevistas, o condenado faltou logo à entrevista agendada para o dia 29 daquele mês de Maio, sem apresentar qualquer justificação nem contacto com aqueles serviços de reinserção social e depois de ter sido convocado telefonicamente para o dia 09.06.2015, só compareceu no dia 12.06.2015, data em que foi agendada nova entrevista para acompanhamento para o dia 12.08.2015, à qual o condenado faltou e não apresentou qualquer justificação e só após contacto telefónico o condenado compareceu no dia 28.08.2015 e nessa data foram agendadas com o condenado as entrevistas para acompanhamento até ao final da suspensão da execução da pena, 28.10.2015, 05.01.2015 e 15.03.2016, não tendo comparecido no dia 28.10.2015.».
B) O teor da decisão recorrida:
«(…) Ora, dispõe o artº 56º do Código Penal que:
“1. A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que no seu decurso o condenado:
a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social, ou
b) cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas...”
A pena de prisão de 5 anos de prisão foi suspensa na sua execução por igual período por ser possível formular um juízo de prognose favorável no sentido de que a ameaça da pena bastaria para a prevenção de futuras condutas.
Sucede porém que, conforme supra referido, constata-se o manifesto e completo desinteresse do condenado em cumprir o plano de reinserção social homologado, inviabilizando o mesmo, atento o seu comportamento ao longo do período de suspensão da execução da pena de prisão no sentido de não comparecer às entrevistas agendadas, não apresentar qualquer justificação ou contacto com a técnica que o acompanha, apesar das várias advertências e oportunidades que lhe foram dadas para normalizar tal situação, sendo certo que o facto de o condenado residir em Delães e ter de se deslocar a Santo Tirso atenta a existência de transportes públicos e a curta distância entre essas localidades, como referido pela Técnica da DGRSP, não poderá justificar, como agora pretende o condenado, a sua não comparência às entrevistas.
Acresce e realça-se o facto de o condenado persistir em tal incumprimento apesar de ter sido devidamente advertido das consequências legais por várias vezes a última das quais aquando da sua audição a 05.05.2105.
Afigura-se assim que o arguido infringiu grosseiramente e repetidamente os deveres impostos para a suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado nos presentes autos e inviabilizou o cumprimento do plano de reinserção social elaborado e homologado nos autos.
Em face do exposto e perante os elementos recolhidos, revogo a suspensão da execução da pena de prisão aplicada a José S. e ordeno o cumprimento da pena de 5 anos de prisão em conformidade com o disposto no artº56º, nº1 al.a) do Código Penal.
Notifique.».
C) As ocorrências processuais que se extraem da tramitação dos autos:
1) O arguido foi ouvido em declarações, a 17/11/2015 (fls. 1042 e ss dos autos), tendo no final da dita diligência sido requerido pelo Ministério Público que lhe fosse aberta vista, o que foi deferido pela senhora Juiz que presidiu à audição;
2) Nessa sequência, em 11/12/2015, foi emitido parecer pelo Ministério Público, pugnando pela revogação da suspensão da execução da pena que havia sido aplicada ao arguido (fls. 1139 a 1140);
3) De seguida, em 15/12/2015, foi proferida a decisão posta em crise, sem que o arguido tivesse sido notificado para se pronunciar sobre a possibilidade de revogação dessa suspensão e, designadamente, do teor de tal parecer.
«
A norma citada na decisão recorrida (art. 56º C. Penal) explicita os fundamentos cujo preenchimento é exigido para a revogação da suspensão da execução da pena ( «A violação grosseira dos deveres ou regras de conduta impostos, de que se fala na alínea a), do n.º 1, do artigo 56º, do Código Penal, há-de constituir uma indesculpável actuação, em que o comum dos cidadãos não incorra e que não mereça ser tolerada nem desculpada; só a inconciliabilidade do incumprimento com a teleologia da suspensão da pena é que deve conduzir à respectiva revogação. Importa no entanto salientar que a infracção grosseira dos deveres que são impostos ao arguido não exige nem pressupõe necessariamente um comportamento doloso, bastando a infracção que seja o resultado de um comportamento censurável de descuido ou leviandade.» (Ac. da RC de 17/10/2012 (91/07.3IDCBR.C1 - Correia Pinto). ).
Por seu turno, o art. 495º, nº 2, do CPPenal, prescreve que «O tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova, obtido parecer do Ministério Público e ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão, bem como, sempre que necessário, ouvida a vítima, mesmo que não se tenha constituído assistente».
Trata-se de assegurar o princípio do contraditório e da audição prévia, segundo o qual assiste ao arguido o direito de contestar e impugnar não só os factos iniciais já conhecidos mas quaisquer outros que surjam e que o tribunal pretenda levar em consideração, de modo a que não seja proferida qualquer decisão surpresa contra o arguido, por factos dos quais não teve oportunidade de se defender.
Tais princípios têm acolhimento constitucional como decorre da segunda parte do nº 5 do art. 32º da Constituição da República, que assegura, o direito de audiência de todos os sujeitos processuais que possam vir a ser afectados pela decisão, de forma a garantir-lhes uma influência efectiva no desenvolvimento do processo.
E, particularmente no que respeita ao arguido, estão em causa as «garantias de defesa» a que alude o nº 1 do mesmo art. 32º. Perante os direitos fundamentais, o processo penal mostra-se orientado, neste domínio, para a defesa, não indiferente ou neutral. O contraditório funciona, assim, como instrumento de garantia desses direitos e corrige assimetrias processuais susceptíveis de pôr em causa o estatuto jurídico do arguido moldado pelo sistema garantístico constitucionalmente exigido, como sistematicamente vem afirmando o Tribunal Constitucional.
Com efeito, a amplitude de exigência do exercício do direito de contraditório e a conformação concreta da garantia das possibilidades efectivas para a defesa e pronúncia do arguido, não poderão deixar de corresponder proporcionalmente ao particular relevo e à importância do objecto de uma decisão que constitui autentico «desenvolvimento» ou «prolongamento» da sentença e de onde pode resultar o cumprimento de uma pena de prisão.
Por isso, uma interpretação da norma constante do artigo 495.º n.º 2 do Código do Processo Penal, à luz dos princípios constitucionais do contraditório e do processo leal e equitativo, pressupõe necessariamente a exigência de uma participação presencial e eficaz do arguido. Ao mesmo tempo, a eficácia dessa participação tem como condição indispensável que seja dado prévio conhecimento ao arguido dos argumentos invocados e dos meios de prova apresentados pelo Ministério Público.
Consequentemente, a jurisprudência dos tribunais superiores tem entendido que qualquer decisão que diga respeito ao arguido – o que inclui, naturalmente, a da revogação da suspensão da execução da pena – deve ser precedida da sua audição prévia e tem enquadrado a preterição dessa formalidade (art. 495º, nº2, do CPP) como nulidade insanável, prevista no art. 119º, al. c) do CPP, e, por conseguinte, de conhecimento oficioso pelo tribunal enquanto a decisão que lhe sucedeu não transitar em julgado ( V. Acs. da RL de 9/7/2014, de 1/3/2005 (CJ, 2º/123) e de 10/2/2004, da RE de 30/9/2014 e de 18/1/2005 e da RP de 4/3/2009. O citado Ac. da RE de 30/9/2014 acrescentou: «Tanto do ponto de vista gramatical, como sistemático e teleológico, não há nenhuma razão para que a referência do art. 119.º do CPP a qualquer fase do procedimento deva ser entendida como reportando-se unicamente às fases preliminares (inquérito e instrução) e à fase de julgamento do processo penal. Antes, abrange igualmente as nulidades insanáveis verificadas na fase de execução do processo penal, nomeadamente as respeitantes às normas do CPP que disciplinam a execução das penas não privativas da liberdade.».
Realmente, não seria compaginável com os invocados princípios constitucionais o entendimento segundo a qual a falta de garantia do contraditório constitui uma mera irregularidade processual, sanável se não tiver sido suscitada pelo arguido no prazo de três dias após a notificação do despacho.).
Ora, resulta à saciedade que não foi proporcionada ocasião ao recorrente, como condenado, para se pronunciar sobre a possibilidade de revogação da suspensão da pena de cinco anos de prisão, que lhe havia sido imposta por decisão transitada em julgado em 31/03/2011, e, designadamente, do teor do parecer do Ministério Público nesse sentido, o que se traduz numa omissão grave, por acarretar, sem sombra de dúvidas, uma quebra de reciprocidade dialéctica entre o Ministério Público e o condenado, contrariamente ao que impunha o citado art. 495º, nº 2.
A circunstância de a decisão final no incidente ter sido proferida sem a prometida notificação e sem que tivesse sido concedido prazo ao arguido para se pronunciar, em último lugar, sobre o parecer do Ministério Público significa a ausência processual do arguido, abrangida na alínea c) do artigo 119º CPPenal.
Verificando-se, assim, que foi decretada a revogação dessa suspensão sem o arguido ter tido a oportunidade de apresentar os seus argumentos e requerer a produção de meios de prova, foram postergados os direitos de defesa do arguido, na dimensão dos princípios do contraditório e da audição do mesmo, a que se vem aludindo.
Essa omissão constitui uma nulidade insanável que torna também insanavelmente nulo o despacho recorrido que revogou a suspensão da execução da pena de prisão (artigo 122.º, n.º 1 do Código de Processo Penal).

Termos em que, embora com diferente fundamentação, se conclui pela procedência do recurso do arguido.

Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em conceder provimento ao recurso, anulando-se o despacho recorrido que deve ser substituído por outro no qual se determine a omitida notificação do recorrente para se pronunciar sobre o parecer do Ministério Público.

Guimarães, 10/10/2016

Ausenda Gonçalves

Fátima Furtado