Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1312/13.9TTBRG.2.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: INCAPACIDADE
AGRAVAMENTO
REVISÃO
PENSÃO ANTERIOR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
Sumário da Relatora:

Em caso de agravamento da incapacidade para o trabalho, na situação em que a pensão inicialmente fixada tenha sido remida, o critério de cálculo deve ser efetuado tendo em conta a incapacidade fixada em revisão (toda a incapacidade), de acordo com os critérios legais, deduzindo-se seguidamente o valor da pensão remida.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

APELANTE: X – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.
APELADA: M. F.

I – RELATÓRIO

Nos presentes autos de incidente de revisão da incapacidade em que é sinistrada M. F. e responsável X – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., veio a sinistrada requerer a revisão da sua incapacidade para o trabalho ao abrigo do disposto no artigo 145.º n.º 1 do C.P.T, alegando em resumo que as sequelas resultantes do acidente de trabalho por si sofrido em 18/12/2012 e em consequência do qual ficou portadora da IPP de 23,4008%, desde a data da alta (10/12/2013), se agravaram.

Foi solicitado ao Gabinete Médico ao Legal do Cávado a realização de exame médico na pessoa da sinistrada e realizado tal exame médico, o Sr. Perito Médico concluiu que não haver agravamento das sequelas que a sinistrada apresenta.

Notificadas as partes do resultado do exame, a sinistrada requereu a realização do exame por Junta Médica previsto no n.º 4 do artigo 145.º do Código de Processo do Trabalho, tendo formulado os respectivos quesitos e requerido a realização de inquérito profissional e estudo do posto de trabalho e/ou pedido de parecer prévio a que se reporta o art.º 41, n.º 2 do DL n.º 143/99.

Teve lugar o exame por junta médica tendo os Srs. Peritos Médicos por unanimidade e após terem sido realizadas juntas de outras especialidades (neurocirurgia, ORL e psiquiatria), concluído que actualmente a sinistrada é portadora de uma IPP de 36,6%.

Por fim, foi pelo Tribunal recorrido proferida sentença no âmbito da qual se fixou à sinistrada a IPP de 36,6%, desde 16/02/2017 e da qual consta o seguinte quanto à ponderação da pensão a atribuir à sinistrada em consequência da revisão:

Em face do exposto, tendo em consideração a factualidade apurada e os citados normativos, julga-se procedente o presente incidente, pelo que, consequentemente:

a) declara-se que a sinistrada, M. F., em consequência do acidente de trabalho a que se referem os presentes autos, apresenta actualmente uma desvalorização permanente parcial para o trabalho (I.P.P.) de 36,6%;
b) aumenta-se a pensão a que tem direito, com efeitos a partir de 05/09/2017 – data da apresentação do requerimento para revisão –, para o montante anual de 2.410,39 €, a ser paga pela Ré seguradora à Autora nos termos do disposto no artigo 72º, nºs 1 e 2 da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro.
Custas do incidente de revisão pela seguradora.
Notifique.
Valor do incidente: 9.095,04 € (28.367,88 – 19.272,84).”
*
Inconformada com esta decisão veio a Seguradora responsável interpor recurso de apelação, no qual formulou as seguintes conclusões que passamos a transcrever:

1. A pensão anual calculada em função do agravamento da incapacidade em sede de incidente de revisão é a mesma pensão inicialmente fixada, a qual é aumentada em função da nova avaliação do estado do sinistrado.
2. Ao valor da pensão anual não remível calculada em resultado do agravamento da incapacidade, deve ser deduzido o valor da pensão anual obrigatoriamente remível que já tenha sido objecto de remição.
3. Com efeito, tratando-se, como se trata, da mesma pensão, o crédito à parte dela inicialmente fixada está extinto pela remição e pagamento do correspondente capital.
4. Nesta conformidade, a pensão anual não remível a fixar à sinistrada M. F. deverá corresponder à diferença entre o valor da pensão anual com o agravamento (2.410,39€) e o valor da pensão anual anteriormente fixada e já remida (1.541,12€), ou seja, deve ser fixada no montante de 869,27€ (2.410,39€ -1.541,12€).
5. A douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 47º, 48º, nº 3 alínea c) e 50º, nº 2 da Lei 98/2009 de 4 de Setembro.

Termos em que deve ser revogada a douta decisão recorrida e substituída por outra que fixe à sinistrada a pensão anual de 869,27€ com o que se fará a mais perfeita JUSTIÇA.”

Não foi apresentada resposta ao recurso.

O recurso foi admitido como apelação a subir imediatamente nos próprios autos e com efeito devolutivo.

Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da procedência da apelação.

Tal parecer não mereceu qualquer resposta.

Corridos os vistos cumpre decidir.

II OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões da Recorrente (artigos 635º, nº 4, 637º n.º 2 e 639º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil), a única questão que se coloca à apreciação deste Tribunal é a de apurar se a pensão resultante do agravamento deve ou não corresponder à diferença entre o valor da pensão anual com o agravamento e o valor da pensão anual anteriormente fixada e já remida.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com interesse para apreciação da questão suscitada pela recorrente, para além dos factos que constam do relatório que antecede importa considerar os seguintes factos:

a) No dia 18/12/2012, a sinistrado sofreu um acidente de trabalho quando trabalhava sob a autoridade, direcção e fiscalização do CENTRO DE SOLIDARIEDADE DE ..., mediante a retribuição anual de 9.408,24€.
b) A responsabilidade pela ocorrência de acidentes de trabalho encontrava-se totalmente transferida para a Recorrente.
c) Por sentença proferida nos autos foi fixada à sinistrada a IPP de 23,4008%, tendo a Recorrente sido condenada a pagar à sinistrada o capital de remição correspondente à pensão anual de €1.541,12.
d) Em 10/03/2015 foi feita a entrega à sinistrada, entre outras prestações, o capital de remição no montante de 19.257,84€;
e) No mesmo processo, depois de liquidado o capital de remição, teve lugar o incidente de revisão de pesão e no seu termo foi fixado que a autora é portadora da IPP de 36,6% desde 05/09/2017.

IV - DA APRECIAÇÃO DO RECURSO

Insurge-se a Recorrente contra o facto da decisão recorrida não ter tido em atenção, ao fixar o valor da pensão agravada, que a pensão inicial fixada era obrigatoriamente remível e que consequentemente foi pago à sinistrada o capital de remição, tendo por isso de ser abatido ao valor agora apurado, o valor da pensão remida.

Afigura-se-nos desde já dizer que à Recorrente assiste razão.

Vejamos:

Prescreve o artigo 70.º, nº 1, da Lei 98/2009, de 4 de Setembro (doravante NLAT) que “[q]uando se verifique modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente de agravamento … a prestação pode ser alterada ou extinta de harmonia com a modificação verificada”.

Daqui nada resulta quanto à forma de cálculo da pensão, apenas se refere que a prestação pode ser alterada. É alterado o que já existe, daí que não se calcule uma prestação decorrente da revisão, antes se altere a prestação anterior, ainda que esta possa ser de zero.

Inicialmente foi atribuído à sinistrada a IPP de 24,4008% tendo a sentença proferida nos autos declarado que a pensão atribuída era obrigatoriamente remível, porque tal resulta do art.º 75.º n.º 1 da NLAT e assim se impunha, por se estar perante um IPP inferior a 30%, sendo certo que o valor anual da pensão não era superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta.

Sucede que em sede de incidente de revisão da pensão, veio a ser reconhecido o agravamento da incapacidade com o apuramento de um novo valor da pensão antes fixada, agora no valor de €2.410,39.

Este novo valor agora encontrado em face do aumento do grau de IPP, agora de 36,6% já não é obrigatoriamente e remível, porque superior a 30%.

No entanto, importa não esquecer que parte do valor da pensão agora fixado e resultante da alteração da IPP foi remido, o que significa que parte do crédito está extinto pelo pagamento do correspondente capital.

Assim a pensão revista tem de ser concretizada de maneira diversa, designadamente tendo presente o pagamento correspondente ao capital resultante da remição obrigatória.

Tudo isto para concluirmos que o critério de cálculo deve ser efetuado tendo em conta a incapacidade fixada em revisão (toda a incapacidade), de acordo com os critérios legais, deduzindo-se seguidamente o valor da prestação que o autor já recebeu “integralmente” pelo mecanismo da remição.

Em concordância e seguindo de perto o que a este propósito se fez consignar no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17/01/2013, proferido no proc. n.º 67/09.6TTOAZ.1.C1 (relator Azevedo Mendes) consultável in www.dgsi.pt ainda que referente à Lei n.º 100/97, mas com plena aplicabilidade ao caso dos autos, salientamos o seguinte:

Pode considerar-se que se trata da mesma pensão reparatória do acidente de trabalho e não de uma nova pensão – tal como refere o artigo 145º nº 5, o juiz, revista a incapacidade, mantém, aumenta ou reduz a pensão antes fixada; neste sentido escreveu Leite Ferreira (Código de Processo do Trabalho Anotado, pág. 641 da 4.ª edição):A modificação da capacidade de ganho da vítima proveniente de agravamento, recaída ou melhoria da lesão ou doença não dá origem a uma incapacidade nova: opera, apenas, uma alteração da incapacidade preexistente pelo reconhecimento dum novo grau de incapacidade na incapacidade existente. Quer dizer: a incapacidade mantém-se a mesma embora diferente na sua intensidade ou dimensão pela atribuição ou fixação de um novo grau ou índice de desvalorização. Ora se a incapacidade se mantém, a pensão a estabelecer após a revisão não é também uma pensão nova”.

Na verdade, não obstante o art. 17.º n.º 1, al. d) da LAT estabelecer que em caso de IPP inferior a 30% o sinistrado tem direito ao capital da remição de uma pensão anual e vitalícia correspondente a 70% da redução sofrida na capacidade geral de ganho, deve entender-se, conforme Ac. desta Relação de 06-06-2003 (in CJ, t. III, p. 60), que «a “indemnização em capital” mais não é, segundo os termos da lei, do que o valor de uma pensão remida», devendo sempre nesse caso definir-se a pensão e o seu valor antes de determinar a sua remição e a condenação no pagamento do capital dela decorrente.

Ora, no caso dos autos, tratando-se da mesma pensão, importará todavia constatar, após o novo apuramento do valor da pensão, para maior valor em resultado do agravamento da incapacidade definido no incidente de revisão, que a mesma está em parte remida. Essa remição parcial ocorreu, obrigatoriamente, no “berço”, isto é na sua fixação inicial, porque a remição era obrigatória em face dos pressupostos de facto de então (IPP inferior a 30%).

Sendo a mesma, a pensão passa a concretizar-se de maneira diversa, cresce e transmuta-se, mas isso não pode levar a desconsiderar que o crédito a parte dela está extinto pela remição e pagamento do correspondente capital.

Tudo isto para dizer que a interpretação adequada aplicável ao caso é a que não permita que os aumentos da pensão determinados por revisões de incapacidade venham a ressuscitar uma parte da mesma pensão já antes remida.”

Na verdade, a entrega do capital de remição corresponde a uma forma de cumprimento da obrigação do pagamento de uma pensão anual e vitalícia ao sinistrado, que tem lugar obrigatoriamente em determinadas circunstâncias (art.º 75.º n.º 1 da Lei n.º 98/2009), sendo ainda certo que existem situações em que não pode haver lugar a remição, sendo por isso o pagamento da pensão em prestações anuais garantindo assim ao sinistrado que receberá um capital ao longo da sua vida.

Assim a resposta à questão de como compatibilizar as formas diferentes de pagamento da pensão quando ocorreu uma remição e posteriormente em resultado de uma revisão da incapacidade há lugar ao pagamento de uma pensão anual não remível tem necessariamente de ser a seguinte: o valor anual da pensão decorrente do agravamento deverá ser abatido do valor anual da pensão remida.

Este tem sido o entendimento seguido pela jurisprudência designadamente no Ac. da Relação de Évora de 28/11/2000, in CJ, t-º V, pág. 295; Ac. da Relação de Évora de 5/07/2012; Ac. da Relação d Lisboa de 9-05-2007, proc. n.º 2229/2007-4; Ac. da Relação de Lisboa de 27-06-2012, proc. n.º 436/03.5TTFUN.L1-4; Ac. Relação de Lisboa de 24-10-2018, proc. n.º 549/12.2TTFUN.1.L1-4; Ac da Relação de Lisboa 24/01/2018, proc. n.º 26101/09. 4T2SNT.1.L1-4 em cujo sumário se consignou o seguinte: “2.- Tendo sido atribuída ao sinistrado uma pensão obrigatoriamente remível, e fixando-se posteriormente, no âmbito de um incidente de revisão, uma incapacidade a que corresponde pensão não remível, deverá fixar-se uma nova pensão a cujo valor anual se deduzirá o valor anual da pensão anteriormente remida. “; Ac. da Relação do Porto de 11/10/2018, proc.º n.º 596/14.0T8VFR.10.P1 cujo sumário se transcreve no que aqui nos interessa “V - Tendo sido atribuída ao sinistrado uma pensão obrigatoriamente remível que venha, no âmbito de incidente de revisão, a ser aumentada, a pensão devida ao sinistrado deve corresponder à diferença entre o valor da pensão correspondente à incapacidade que resulta da revisão e o valor da pensão inicial remível.” E Ac. desta Relação de 15/12/2016, proc. n.º 565/12.4TUBRG.G1 cujo sumário se transcreve atenta a sua pertinência “No caso de revisão da incapacidade, o cálculo da pensão ou indemnização devida deve fazer-se tendo em conta a totalidade da incapacidade fixada na revisão, abatendo-se ao resultado a parte da pensão já remida.” (todos estes acórdãos são consultáveis in www. dgsi,pt.).

Por tudo isto, concluímos que o sinistrado apenas tem direito ao pagamento da pensão vitalícia correspondente à diferença entre o montante da pensão que serviu de base de cálculo do capital de remição que já lhe foi entregue e o montante da pensão calculada em função do agravamento verificado no incidente de revisão da pensão.

Acrescentamos ainda que este entendimento em nada prejudica o sinistrado, pois por um lado pode dispor da quantia já remida e por outro mantêm o direito ao recebimento das pensões anuais referentes ao remanescente não remido, ficando assim assegurado o funcionamento adequado e equitativo dos mecanismos de reparação dos acidentes de trabalho.

Considerando que a pensão anual e vitalícia foi agora fixada em €2.410,39 e que a pensão de €1.541,12. já foi remida, a pensão anual e vitalícia devida ao sinistrado a partir de 05.09.2017 é de €869,27.

Pelo que apelação procede, em conformidade.

V – DECISÃO

Pelo exposto e ao abrigo do disposto nos artigos 87.º do C.P.T. e 663.º do C.P.C., acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação e, em consequência alterar a decisão recorrida no segmento em que condenou a Ré Seguradora a pagar à Autora a partir de 05/09/2017, o montante anual de €2.410,39 substituindo-se pela condenação da Ré Seguradora a pagar à Autora uma pensão anual e vitalícia correspondente ao diferencial entre o valor da pensão revista e a parcela já remida, no montante de €869,27, devida desde 5/09/2017, sem prejuízo das legais actualizações.
Custas a cargo da sinistrada, sem prejuízo do apoio judiciário.
Notifique.
Guimarães, 10 de Julho de 2019

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Alda Martins