Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6261/19.4T8GMR.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
JUNTA MÉDICA
IPATH
ANULAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/20/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – O exercício de uma profissão/trabalho habitual caracteriza-se pela execução de um conjunto de tarefas que constituem o núcleo essencial dessa atividade profissional, ficando o sinistrado afetado de IPATH se as sequelas do acidente apenas lhe permitem desempenhar função meramente residual ou acessória do trabalho habitual, de tal modo que não permita manter apenas com o desempenho de tais funções/tarefas o trabalho/profissão habitual.
II- As perícias médicas não constituem decisão sobre o grau de incapacidade a fixar, mas são somente um elemento de prova, com exigências especiais de conhecimentos na matéria, por isso o laudo pericial tem de conter os factos que serviram de base à atribuição de determinada incapacidade, de modo a que o tribunal possa interpretar e compreender o raciocínio lógico realizado pelos Srs. Peritos Médicos de forma a poder valorá-lo. Só o laudo devidamente fundamentado justifica a convicção do julgador quanto à fixação da natureza e grau de incapacidade do sinistrado
III - Para que os Peritos Médicos pudessem formular o juízo científico a respeito da IPATH seria necessário que possuíssem o Estudo do Posto de Trabalho, o qual não se verifica ter sido realizado. E só na posse daquele Estudo, bem como do Inquérito Profissional, seria possível concluírem, de forma fundamentada, pela existência, ou não, de IPATH.
IV - A falta destes elementos inquina a deliberação dos senhores peritos e a própria sentença, que naquela deliberação maioritária unicamente se apoiou, o que determina a sua anulação com a consequente ampliação da matéria de facto, com vista à realização daquelas diligências e outras que se tenham por necessárias, nomeadamente a repetição da Junta Médica, para se pronunciar se o sinistrado está ou não incapaz para o exercício da profissão habitual.

Vera Sottomayor
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

APELANTE: X SEGUROS , S.A.
APELADO: J. S.

Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo do Trabalho de Guimarães, Juiz 2

I – RELATÓRIO

Na fase conciliatória dos presentes autos com processo especial emergentes de acidente de trabalho, em que é sinistrado J. S. e responsável X SEGUROS , S.A., não obteve êxito a tentativa de conciliação que teve lugar no dia 01-02-2021.

Por esse facto veio a entidade responsável requerer a realização de junta médica, nos termos do artigo 138.º n.º 2 do C.P.T., tendo apresentado os respectivos quesitos.

Foi designada data para realização de tal diligência e foi solicitado ao empregador informação sobre as concretas tarefas exercidas pelo sinistrado com a categoria profissional de laminador na indústria têxtil e indicação das tarefas que pode executar e as que não pode executar, tendo em vista a concreta repercussão das sequelas resultantes do sinistro para o trabalho habitual.
O empregador prestou as solicitadas informações, dizendo o seguinte:


Teve lugar a realização de junta médica tendo os Srs. Peritos Médicos respondido aos quesitos da seguinte forma:

“Por unanimidade (à excepção do quesito 6 e 8) os Srs. Peritos médicos respondem aos quesitos formulados da seguinte forma:

1- Quais as lesões decorrentes do sinistro em apreço?
R: O sinistrado apresenta como sequelas a amputação completa de todo o indicador direito e perda completa da segunda falange do polegar direito.
2- Sendo a amputação do indicar direito ao nível do meta, existe coto doloroso com dificuldade na manipulação de objetos?
R: De acordo com o exame objectivo realizado não se objectivou a existência do coto doloroso.
3- Existe coto doloroso do polegar direito?
R: De acordo com o exame objectivo realizado não se objectivou a existência do coto doloroso.
4- Existe rigidez do 3º dedo da mão direita? Em caso afirmativo, de que forma esta se relaciona com o evento em apreço?
R: De acordo com o exame objectivo realizado não se objectivou a existência de rigidez do 3º dedo da mão direita.
5- Após o sinistro o examinando desempenhou atividade como operário têxtil?
R:De acordo com a informação da entidade empregadora actualmente apenas consegue executar a tarefa de limpar carretos que é uma das funções inerentes às funções do limpador de máquinas, não conseguindo executar nenhuma das tarefas de laminador
6- O quadro sequelar confere uma IPP ou uma IPATH?
R:O quadro sequelar confere uma IPP de 35,16% atendendo á idade do sinistrado e com IPATH.
Neste quesito, pelo Perito Médico da Seguradora foi dito que o Sinistrado se encontra com IPP. Embora possa existir especificidade das funções, com denominações próprias, a Entidade Patronal informa que embora tivesse a categoria oficial de laminador, exercia há cerca de dois anos a função de abridor. Informa mais que actualmente desempenha funções inerentes do limpador de máquinas. Todas estas categorias são abrangidas pela profissão de operário têxtil. Presumivelmente não terá necessitado de formação profissional para transitar entre estas, ou de um período de adaptação às novas funções, tendo competência para desempenhar todas por igual. Assim, no entender da Seguradora, os pressupostos de necessidade de adaptação a novo posto de trabalho e impossibilidade de reconversão inerentes à IPATH não se aplicam.
7. Há necessidade de X para impedir o agravamento clinico? Em caso afirmativo justifique, explicitando se há necessidade de estabelecer uma frequência mínima dos tratamentos.
R:Nesta data não se considera haver necessidade de haver tratamentos de X
8- Quais os períodos de ITA e IPT a fixar ao acidentado?
R: Considera-se ser de fixar uma ITA de 09-11-2018 até 25-06-2020, num total de 595 dias.
Neste quesito, pelo Perito Médico da Seguradora foi dito concordar com os períodos atribuídos pela Seguradora
Em suma, nos termos consignados no auto de exame por junta médica, atribuíram os Peritos Médicos por unanimidade ao sinistrado uma incapacidade permanente parcial, com 35,16%, tendo apenas os Peritos Médicos indicados pelo Tribunal e pelo sinistrado considerado que o sinistrado ficou com incapacidade absoluta para o trabalho habitual.
Por fim, foi pelo Tribunal recorrido proferida sentença no âmbito da qual se fixou ao sinistrado a IPP de 35,16%, com IPATH, desde a data da alta e da qual consta o seguinte dispositivo.
“Pelo exposto, julgo a acção procedente, por provada e, consequentemente, condeno a seguradora a pagar ao sinistrado a diferença de indemnização, a pensão anual e vitalícia, o subsídio de elevada incapacidade permanente, a despesa de transportes e os juros, tudo nos exactos termos sobreditos.
Fixo à acção o valor de € 70.476,15.
Dê pagamento das perícias e fixo em € 6 a quantia a ser paga ao sinistrado pelas deslocações necessárias à sua feitura – cfr. o art. 17º, nº 8, do R.C.P.
Custas pela seguradora.
Registe e notifique.
Também sendo a seguradora advertida para o dever de assegurar ao sinistrado todas as prestações em espécie que sejam e/ou que venham a ser necessárias e adequadas (nomeadamente a assistência médica, medicamentosa e/ou farmacêutica) para fazer face àquele quadro sequelar - cfr. os arts. 23º, al. a), e 25º da citada Lei.
Também sendo informado o sinistrado de que poderá requer a respectiva revisão, doravante e anualmente, caso sofra agravamento desse quadro sequelar – cfr. o art. 70º da citada Lei.
D.n.”
*
Inconformada veio o Seguradora interpor recurso de apelação, no qual formulou as seguintes conclusões que passamos a transcrever:

“1. O presente recurso é interposto pela X – Seguros Gerais, S.A., da douta sentença notificada em 16 de julho de 2021, constante de fls. ... e ss. dos autos, que decidiu fixar ao sinistrado uma incapacidade temporária absoluta para o trabalho desde 9/11/2018 a 25/06/2020; sendo a data da alta ou cura clínica em 25/06/2020; e a partir daquela data fixar ao sinistrado uma incapacidade permanente parcial de 35,16€ sendo absoluta para o trabalho habitual.
2. A decisão da Mma. Juíza a quo, aqui posta em crise, não foi, na perspetiva da ora Recorrente, e com o devido respeito, a mais correta, ao aderir, sem mais, às conclusões da Junta Médica realizada, devendo dizer-se, desde já, que a Recorrente sustenta, com o devido respeito, que, tendo em conta a prova produzida considerando o direito aplicável ao caso dos autos, que não existe razão para que seja fixada ao Sinistrado uma IPATH.
3. O Perito Médico da Seguradora discordou da posição dos demais peritos médicos quanto ao quesito 6 e 8.
4. Como foi esclarecido pela Entidade Empregadora do Sinistrado, todas as funções que o Sinistrado desempenhou ao longo dos últimos anos, laminador, abridor e limpador de máquinas, são abrangidas pela profissão de operário têxtil, ou seja, o Sinistrado tem competência e formação suficiente para desempenhar todas aquelas categorias profissionais (dentro do grupo profissional operário têxtil), pelo que o sinistrado pode continuar a exercer dentro do seu grupo profissional funções sem qualquer necessidade de adaptação e, muito menos estamos perante uma impossibilidade de reconversão.
5. Não estamos perante uma IPATH.
6. Estas são, pois, Excelentíssimos Senhores Desembargadores, as questões que aqui se submetem à douta e superior apreciação e decisão de Vossas Excelências, que melhor ajuizarão do acerto e do bem ou mal fundado da sentença recorrida, confiando a Recorrente, na ponderação, na experiência, no discernimento, e, sobretudo, no superior sentido de Justiça de Vossas Excelências.
Nestes termos e com o mui douto suprimento de Vossas excelências, deverá ser dado inteiro provimento ao presente recurso, revogando-se, em consequência, a douta sentença recorrida, sendo a mesma substituída por outra em que, acolhendo-se às razões invocadas pela Recorrente considere não ser possível fixar uma IPATH ao sinistrado.”
Não foi apresentada qualquer resposta ao recurso.
O recurso foi admitido como apelação a subir imediatamente nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação foi determinado que se desse cumprimento ao disposto no artigo 87.º n.º 3 do C.P.T., tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitido douto parecer, no sentido da anulação da decisão recorrida.
Não foi apresentada qualquer resposta ao parecer do Ministério Público.
Mostram-se colhidos os vistos dos senhores juízes adjuntos e cumpre decidir.

II OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões do Recorrente (artigos 635º, nº 4, 637º n.º 2 e 639º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil), a única questão que se coloca é a de apurar se ao sinistrado deve ser atribuída incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH).

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:

- No dia 8/11/2018, o sinistrado J. S., com a categoria profissional de laminador na indústria têxtil e a retribuição de € 643,31 por 14 meses, acrescida de € 51,70 por 11 meses a título de subsídio de alimentação, quando trabalhava sob a direcção e fiscalização de “Y - Fiação A. S., S.A.”, cuja responsabilidade infortunística se encontrava transferida para a seguradora “X – Seguros Gerais, S.A.” relativamente àquelas retribuições, sofreu um acidente de trabalho em resultado do qual ficou afectado de incapacidade temporária para o trabalho.
- O sinistrado ainda não se encontra pago da quantia de € 20 relativa à despesa com transportes nas deslocações ao tribunal e ao GML na fase conciliatória, mas que a seguradora aceitou pagar-lhe.
- Na tentativa de conciliação de fls. 36-38 houve discordância, da seguradora, quanto às incapacidades temporárias e permanente e subsídio de elevada incapacidade.
- A parte discordante requereu a realização de perícia médica colegial, a qual foi de parecer, por unanimidade dos Srs. Peritos, que o sinistrado apresenta como sequelas amputação completa de todo o indicador direito e perda completa da segunda falange do polegar direito, às quais corresponde uma incapacidade permanente parcial de 35,16%, sem necessitar de tratamentos de reabilitação actuais e, por maioria dos Srs. Peritos foi de parecer que o sinistrado esteve com incapacidade temporária absoluta para o trabalho desde 9/11/2018 até 25/6/2020 e que tal quadro sequelar impossibilita o exercício da sua profissão habitual.

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

Da atribuição de IPATH ao sinistrado

Insurge-se a Recorrente quanto ao facto do Tribunal a quo ter atribuído ao sinistrado incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, defendendo que todas as funções que o Sinistrado desempenhou ao longo dos últimos anos, laminador, abridor e limpador de máquinas, são abrangidas pela profissão de operário têxtil, ou seja o Sinistrado tem competência e formação suficiente para desempenhar todas aquelas categorias profissionais (dentro do grupo profissional operário têxtil), pelo que o sinistrado pode continuar a exercer dentro do seu grupo profissional funções sem qualquer necessidade de adaptação.
A resposta à questão de saber se a decisão recorrida deve ou não ser alterada, relativamente à situação de IPATH atribuída ao sinistrado, passa desde logo por analisar, o tipo de prova em causa, laudo pericial – junta médica – uma vez que a Mmª Juiz a quo considerou, inexistir fundamento para discordar da opinião maioritária que consta do mesmo, concluindo que o sinistrado se encontra numa situação de IPATH, estando assim suficientemente fundamentado tal laudo de modo a permitir esta conclusão ou tal não sucede, como defende a recorrente, por os demais elementos que constam nos autos permitirem concluir que ao sinistrado não é de atribuir IPATH.
Importa ainda referir, que a recorrente ao pretender que não seja reconhecida ao sinistrado a IPATH, embora não o diga, está a impugnar a matéria de facto apurada pelo tribunal a quo, na parte em que refere que tal quadro sequelar impossibilita o exercício da sua profissão habitual.

Vejamos!

Dispõe o artigo art.º 662.º do Código de Processo Civil e aqui aplicável por força do n.º 1 do art.º 87º do Código de Processo do Trabalho, o seguinte:
“1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
(…)”
Como é sabido, o exame por junta médica constitui uma modalidade de prova pericial, estando sujeita à regra da livre apreciação pelo juiz (cfr. art.º 389º do Código Civil e arts. 489º e 607º, nº 5 do CPC).
No que respeita à aplicação do princípio da livre apreciação da prova pericial, refere Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil anotado”, Vol. IV, 1962, pág. 186) que: “É dever do juiz tomar em consideração o laudo dos peritos; mas é poder do juiz apreciar livremente esse laudo e portanto atribuir-lhe o valor que entenda dever dar-lhe em atenção à análise critica dele e à coordenação com as restantes provas produzidas.
Pode realmente, num ou noutro caso concreto, o laudo dos peritos ser absorvente e decisivo, como adverte Mortara; mas isso significa normalmente que as conclusões dos peritos se apresentam bem fundamentadas e não podem invocar-se contra elas quaisquer outras provas; pode significar, também que a questão de facto reveste feição essencialmente técnica, pelo que é perfeitamente compreensível que a prova pericial exerça influência dominante.”
Por outro lado, importa salientar que um dos elementos constitutivos do “conceito” de acidente de trabalho - cfr. art.º 8 n.º 1 da Lei n.º 98/2009, de 4/09, doravante NLAT- é que dele resulte a redução da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado, redução essa, que é expressa na atribuição de coeficientes de incapacidade fixados tendo em atenção as regras definidas na Tabela Nacional de Incapacidades, aprovada pelo DL n.º 352/2007, de 23 de Outubro, e conforme resulta do disposto no art.º 21º da NLAT, “…em função da natureza e da gravidade da lesão, do estado geral do sinistrado, da sua idade e profissão, bem como da maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível e das demais circunstâncias que possam influir na sua capacidade de trabalho ou de ganho”.
Como referem, a propósito do dano Teresa Magalhães, Isabel Antunes e Duarte Nunes Vieira, “A Avaliação do Dano na Pessoa no Âmbito dos Acidentes de Trabalho e a Nova Tabela Nacional de Incapacidades”, Prontuário do Direito do Trabalho, nº 83, Coimbra Editora, pág. 148 e ss.) “Na elaboração de um relatório pericial em caso de dano pós-traumático deve atender-se ao seguinte: a) A descrição dos danos deve ser rigorosa, clara, objectiva, pormenorizada, sistematizada e compreensível, nomeadamente para não médicos.”. E pode ainda ler-se no mesmo artigo a propósito da incapacidade permanente que é “determinada tendo em conta a globalidade das sequelas do caso concreto (corpo, funções e situações da vida, com particular valorização da actividade profissional), sendo a quantificação dessas sequelas concretizada através da Tabela Nacional de Incapacidades (…). Na utilização da TNI deve atender-se às indicações seguintes: a) deve valorizar-se não só o dano no corpo como a sua repercussão funcional e situacional, com preponderância na vida profissional.”.
Resulta ainda o n.º 3 do art.º 19.º da NLAT que a incapacidade permanente poderá ser: a) parcial (IPP); b) absoluta para o trabalho habitual (IPATH); c) e absoluta para todo e qualquer trabalho (IPA).
No que respeita à IPATH como refere José Augusto Cruz de Carvalho, “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais”, 2ª Ed., 1983, pág. 97, ainda que a propósito da Lei 2127, de 03.08.65, mas totalmente aplicável no âmbito da NLAT “…esta é sempre mais grave do que uma diminuição parcial da mesma amplitude fisiológica, não só pela necessidade de mudança de profissão, como pela dificuldade de reeducação profissional, exigindo por isso uma compensação maior”.
Como refere também Carlos Alegre in “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais”, Almedina, 2ª ed., pág. 96, a “incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPA-th) – trata-se de uma incapacidade de 100% para a execução do trabalho habitual do sinistrado, no desempenho da sua específica função, actividade ou profissão, mas que deixa uma capacidade residual para o exercício de outra actividade laboral compatível, permitindo-lhe alguma capacidade de ganho, todavia uma capacidade de ganho, em princípio diminuta”. Tal não significa que se tenha de demonstrar que o sinistrado não se encontra apto para executar qualquer uma das tarefas que anteriormente desempenhava no seu posto de trabalho.
A este propósito refere o Acórdão deste Tribunal de 24/10/2019, proferido no Proc. n.º 1730/15.8T8VRL.G1 (relator Antero Veiga) do qual fui 2ª Adjunta, o seguinte: “A incapacidade absoluta para o trabalho habitual não implica uma impossibilidade de execução da totalidade das tarefas incluídas na categoria. O que releva no caso é o núcleo essencial dessas funções, as tarefas que dão corpo à categoria, o núcleo das tarefas que eram executadas.
A determinação da existência, ou não, de IPATH nem sempre é fácil, impondo-se a avaliação da repercussão desta na (in)capacidade para o sinistrado continuar a desempenhar o seu trabalho habitual, sendo certo que o trabalho habitual, a considerar, é aquele que o sinistrado desempenhava à data do acidente.
Acresce ainda dizer que o exercício de uma profissão/trabalho habitual se caracteriza pela execução de um conjunto de tarefas que constituem o núcleo essencial dessa atividade profissional, ficando o sinistrado afetado de IPATH se as sequelas do acidente apenas lhe permitem desempenhar função meramente residual ou acessória do trabalho habitual de tal modo que não permita manter apenas com o desempenho de tais funções/tarefas o trabalho/profissão habitual. Ou seja, se o sinistrado deixa de poder executar todas as anteriores tarefas ou, pelo menos o seu conjunto essencial a incapacidade para o trabalho habitual é de considerar como sendo total.
Esta questão prende-se com a determinação da incapacidade pelo que deve ser tida em atenção e apreciada em sede de perícia médica.
A este propósito estabelece o n.º 8 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades supra referida, que “o resultado dos exames é expresso em ficha apropriada, devendo os peritos fundamentar todas as suas conclusões. “
Daqui resultando inequívoco que as respostas aos quesitos e/ou a fundamentação do laudo pericial deverão permitir com segurança e habilitar o julgador a analisar e ponderar o grau de incapacidade a atribuir, já que este não tem conhecimentos em medicina.
Assim, embora o tribunal aprecie livremente os elementos médicos constantes do processo, designadamente perícia singular, relatórios clínicos e exames complementares de diagnóstico, a par da própria observação do sinistrado, essa livre apreciação não é, todavia, sinónimo de arbitrariedade, razão pela qual aos peritos médicos que intervêm na junta médica impõem-se que indiquem os elementos em que basearam o seu juízo e que o fundamentem, para que o Tribunal, o sinistrado e a entidade responsável pela reparação do acidente o possam sindicar.
Resumindo, as perícias médicas não constituem decisão sob o grau de incapacidade a fixar, mas são somente um elemento de prova, com exigências especiais de conhecimentos na matéria, por isso o laudo pericial tem de conter os factos que serviram de base à atribuição de determinada incapacidade de modo a que o tribunal possa interpretar e compreender o raciocínio lógico realizado pelos Srs. Peritos Médicos de forma a poder valorá-lo.
Tal não sucedendo, ou seja, se as respostas aos quesitos ou o relatório pericial se revele deficiente, obscuro ou contraditório ou se as conclusões ou respostas aos quesitos não se mostrarem fundamentadas, tais exames não devem de ser considerados pelo tribunal. Só o laudo devidamente fundamentado justifica a convicção do julgador quanto à fixação da natureza e grau de incapacidade do sinistrado.
Retornando ao caso dos autos desde já diremos que em sede de junta médica as respostas unânimes dos Srs. Peritos Médicos são claras quanto às lesões e sequelas resultantes do acidente bem como quanto à sua correspondência à TNI.
Contudo não podemos ter a mesma opinião no que respeita à conclusão maioritária de haver lugar à atribuição de IPATH.
Com efeito, os Srs. Peritos Médicos que integraram a Junta Médica depois de terem respondido ao quesito 5.º formulado pelo sinistrado que “De acordo com a informação da entidade empregadora actualmente apenas consegue executar a tarefa de limpar carretos que é uma das funções inerentes às funções do limpador de máquinas, não conseguindo executar nenhuma das tarefas de laminador”, concluíram, por maioria (Perito do Tribunal e do sinistrado) de modo lacónico, que o quadro sequelar confere ao sinistrado IPATH.
Sucede como bem acentua o Procurador Geral Adjunto no seu parecer, no caso em apreço “Afigura-se-nos que o laudo de junta médica se mostra deficientemente fundamentado no que respeita à resposta dada ao quesito 6. formulado pela seguradora acerca da IPATH, não obedecendo ao estipulado no ponto 8 das Instruções Gerais da TNI, aprovada pelo DL 352/2007, de 23 de Outubro.
De facto, os peritos do Tribunal e do sinistrado não concretizam as razões por que atribuíram IPATH ao sinistrado, sendo que na resposta ao quesito 5. apenas se afirma o que foi transmitido pela entidade empregadora.
Acresce, que a própria categoria profissional do sinistrado não se mostra devidamente identificada nos autos.
De facto, na participação do sinistro apresentada pela seguradora refere-se que o sinistrado era operador de máquinas para preparar, fiar e bobinar fibras têxteis; no relatório da perícia médica singular realizada no GML consta que o sinistrado afirmou que desempenhava as funções de operário da área têxtil com a categoria profissional de operário da área têxtil; na informação do empregador sobre as funções do sinistrado diz-se que o mesmo apesar de ter a categoria de oficial de laminador exercia há cerca de 2 anos funções de abridor.
Por outro lado, não se mostra do processo que os senhores peritos médicos tenham tido a possibilidade de se socorrer do inquérito profissional e análise do posto de trabalho do sinistrado, elementos necessários e obrigatórios (cfr. nº13 das referidas Instruções Gerais da TNI e artigo 21º, nº4 da Lei 98/2009, de 4 de Setembro) para que se pudessem pronunciar com rigor quanto à avaliação da incapacidade.”
Na verdade, os Senhores Peritos que constituíram a junta médica não revelaram ter conhecimento das funções executadas pelo sinistrado antes do acidente, nem poderiam ter, já que dos autos não resulta suficientemente identificada a categoria profissional do sinistrado, e por isso não poderiam formular, com segurança um juízo quanto ao facto de o mesmo estar ou não afectado de IPATH.
Para que pudessem formular o juízo científico a tal respeito seria necessário que possuíssem o Estudo do Posto de Trabalho, o qual não se verifica ter sido realizado. E só na posse daquele Estudo, bem como do Inquérito Profissional, seria possível aos peritos concluírem, de forma fundamentada, pela existência, ou não, de IPATH.
Em suma, para além de não se encontrar nos autos nem o inquérito profissional, nem o estudo do posto de trabalho, elementos estes obrigatórios e essenciais para que os Srs. Peritos Médicos se pudessem proceder a uma avaliação rigorosa da incapacidade resultante do acidente de trabalho, nem parecer prévio de peritos especializados (cfr. n.º 13.º alíneas a) e b) das instruções gerais da TNI e artigo 21.º n.º 4 da NLAT). Por outro lado, atenta a panóplia de funções que o sinistrado foi desempenhando por conta do empregador ficamos sem certezas quanto à concreta categoria profissional que desempenhava à data do acidente, bem como quanto às concretas funções que efetivamente desempenhava – operário da área têxtil; laminador; abridor.
De tudo isto resulta que a decisão foi proferida sem que dela constassem todos os elementos que permitissem determinar quais as concretas exigências das tarefas inerentes ao trabalho habitual que o sinistrado deixou de desempenhar, por força das sequelas de que ficou portador em consequência do acidente, sendo certo que as informações prestadas pelo empregador são meramente conclusivas.
A falta destes elementos inquina a deliberação dos senhores peritos e a própria sentença, que naquela deliberação maioritária unicamente se apoiou, o que determina a sua anulação com a consequente ampliação da matéria de facto, com vista à realização daquelas diligências e outras que se tenham por necessárias, nomeadamente a repetição da Junta Médica, para se pronunciar se o sinistrado está ou não incapaz para o exercício da profissão habitual.
Urge assim colmatar a falta do inquérito profissional e da análise do posto de trabalho, e caso assim se entenda, solicitar parecer prévio de peritos especializados, designadamente dos serviços competentes do ministério responsável pela área laboral, para se pronunciarem sobre a IPATH. Por fim, deverá proceder-se à realização de junta médica para apuramento de matéria de facto que permita fundamentar a repercussão que as sequelas resultantes do acidente tiveram no exercício do trabalho habitual do sinistrado, devendo os senhores peritos fundamentar devidamente a sua resposta ao quesito 6 no que refere à IPATH.
Procede parcialmente o recurso.

V – DECISÃO

Em face ao exposto, acordam os Juízos da Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar o recurso, parcialmente, procedente e, em consequência, anula-se a decisão recorrida, devendo o Tribunal “a quo” diligenciar, quer pela realização do inquérito profissional, quer pelo estudo do posto de trabalho e demais pareceres que tenha por necessários e juntos, deve diligenciar-se pela realização de junta médica para que os Srs. Peritos Médicos respondam de forma fundamentada ao quesito 6.º quanto à IPATH, tendo em conta os referidos elementos, só depois deve então ser proferida decisão.
Custas pela parte vencida a final.
Notifique
20 de Janeiro de 2022

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Maria Leonor Barroso
Antero Dinis Ramos Veiga