Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
359/11.4TTBRG-B.G1
Relator: SÉRGIO ALMEIDA
Descritores: RECURSO
ADMISSIBILIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/21/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário: Um relatório clínico subscrito por médico especialista (técnico) e professor reveste a natureza de um parecer e não de mero documento.
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Guimarães

RELATÓRIO
Nos autos a A. requereu a junção de um parecer e de documentos que o acompanham.
A R. A. Companhia de Seguros, S.A.pôs-se, defendendo a sua extemporaneidade, e, subsidiariamente, solicitando a tradução dos documentos em inglês.
O Tribunal lavrou o seguinte despacho:

"Fls. 493 e ss.: Conforme determina o artigo 423º do CPC os documentos ou são juntos com o respectivo articulado, ou até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final. Após aquele prazo, e, portanto, durante a audiência, apenas poderão ser admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível juntar até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior (artigo 423º, nº 3).
Ora, no caso dos autos, é certo que a audiência de julgamento já há muito tempo que se iniciou, sendo também certo que a requerente não justifica minimamente a apresentação tão tardia do parecer clínico e dos restantes documentos (ainda por cima em língua inglesa), quando desde há muito tempo que tem conhecimento do relatório da junta médica de 03/06/2014 e da posição assumida pela seguradora quanto às sequelas resultantes do acidente para a sinistrada. Além do mais, do médico que subscreve aquele parecer, já antes foi junto outro parecer (cfr. fls. 368).
No que respeita às fotocópias de artigos científicos apenas teriam algum interesse para os médicos que intervieram na junta médica. Mas também esses já foram ouvidos em audiência.
Em face do exposto, não admitindo os documentos de fls. 494 e ss., ordeno o seu desentranhamento dos autos. (...)
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Inconformado, a A. interpôs apelação deste despacho, com subida imediata e em separado, em que conclui:
1- O despacho que indeferiu a junção do parecer requerida pela Recorrente determinando o seu desentranhamento dos autos viola o artigo 426.º do CPC aplicável ao processo especial para efetivação de danos resultantes de acidente de trabalho, por força do artigo 1.º, n.º, a) do CPT, razão pela qual deverá ser revogado, nos termos do qual os pareceres de advogados, professores ou técnicos podem ser juntos nos tribunais de primeira instância, em qualquer estado do processo.
2- O parecer cuja junção foi requerida não é um documento, mas sim um parecer técnico, na medida em que, é um escrito destinado, essencialmente a elucidar o tribunal sobre o significado e alcance de factos de natureza técnica, cuja interpretação demanda conhecimentos especiais, e que se revestem de uma certa complexidade.
3- Por outro lado não há dúvidas que o documento junto aos autos se trata de um parecer porque o mesmo foi subscrito por médico especialista (técnico) e professor, qualidades que não foram postas em crise.
4- O requerimento de junção encontra-se devidamente fundamentado pela Recorrente que expõe, embora a isso não fosse obrigada, os fundamentos de facto e de direito que impõe a junção do parecer aos autos.
5- Ao indeferir junção do requerido parecer e, bem assim, ao ordenar o seu desentranhamento nos autos com fundamento no artigo 423.º, n.º 3 do C.P.C, o Tribunal a quo fez uma errada aplicação do direito e violou o preceito do artigo 426.º do CPC; com efeito, documento e pareceres não têm a mesma natureza. Se a tivessem não se justificava a distinção feita pelo legislador – neste sentido cfr. Ac. do STJ de 26/09/1996, disponível em www.dgsi.pt.
6- Acresce que foi feita uma errada análise do documento junto aos autos a fls. 368 porquanto o referido documento é uma prescrição médica e não um parecer, por um lado e, por outro lado, não foi elaborado ou subscrito pelo médico que subscreve o parecer cuja junção foi indeferida, pelo que também aqui não assiste razão ao Tribunal a quo – que faz uma errada fundamentação do despacho.
7- Também não é acertada/correta a afirmação/fundamentação insíta no despacho a quo que refere: No que respeita às fotocópias de artigos científicos apenas teriam algum interesse para os médicos que intervieram em junta médica. Mas também esses já foram ouvidos em Audiência.
8- Não se tratam de fotocópias de artigos científicos mas, antes de documentos que acompanham, corroboram o parecer e que dele fazem parte integrante como resulta do teor do parecer em si mesmo que remete para os referidos artigos e documentos científicos anexos.
9- Por outro lado o despacho que ordena o desentranhamento do parecer viola o Princípio da Livre Apreciação da Prova insíto e os artigos 388.º, 389.º do CPT e 489.º do CPC, uma vez que, o Juiz não está adstrito ao resultado da perícia médica, podendo inclusive requerer a realização de pareceres complementares e requisitar pareceres técnicos – cfr. artigo 139.º, n.º 7 do CPT.
10- Finalmente o despacho a quo viola o Princípio da Descoberta da Verdade Material e ainda o Princípio do Inquisitório, princípios fundamentais em matéria atinente a acidentes de trabalho e que devem nortear todo o processo especial regulado nos artigos 99.º e ss do CPT.
Remata pedindo que seja revogado o despacho recorrido e substituído por outro que acolha as razões da apelante.
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Não houve contra-alegações.
O DM do MºPº emitiu parecer, defendendo a procedência do recurso.
Não houve resposta.
Os autos foram aos vistos.
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FUNDAMENTAÇÃO
Cumpre apreciar neste recurso – considerando que o seu objecto é definido pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, e exceptuando aquelas cuja decisão fique prejudicada pela decisão dada a outras, 635/4, 608/2 e 663, todos do Novo Código de Processo Civil, NCPC) – se deve ser ordenada ou não a junção do parecer e documentos, tendo em conta o motivo do indeferimento.
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Factos provados: os referidos supra no relatório.
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Importa distinguir entre documentos e pareceres.
Com efeito, se a A. requer a junção de um parecer e documentos anexos, o despacho não admite a junção de documentos com base no disposto no art.º 423 do Código de Processo Civil e por não ter interesse, seja porque o médico que subscreve o parecer já juntou outro, seja porque as fotocópias de artigos científicos apenas poderiam interessar aos peritos da Junta Médica, já ouvidos em audiência.
Ora, documentos e pareceres são meios de prova. Aqueles, são meios de prova escritos que consubstanciam declarações de verdade ou ciência ou declaração de vontade; os pareceres técnicos e jurídicos relevam em sede de dilucidação das questões apresentadas. Como referiu recentemente o Supremo Tribunal de Justiça, Acórdão de 4.2.15 (relat Consº Leonês Dantas), disponível em www.dgsi.pt,

"Conforme resulta do artigo 362.º do Código Civil, «diz-se documento qualquer objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa coisa ou facto», dispositivo que consagra uma noção ampla de documento, sendo essencial a esta noção «a função representativa ou reconstitutiva do objecto». Existe, contudo, uma noção restrita de documento que o define como «o escrito que corporiza uma declaração de verdade ou ciência (declaração testemunhal: destinada a representar um estado de coisas) ou uma declaração de vontade (declaração constitutiva, dispositiva ou negocial: destinada a modificar uma situação jurídica pré-existente)». Nesta acepção, o documento surge como um suporte material que integra uma declaração de natureza meramente descritiva de uma realidade ou destinada a produzir efeitos de natureza jurídica sobre uma situação pré-existente".
Já os pareceres relevam "no contexto da prova ao nível da interpretação e da fixação dos factos, não se confundem com os documentos nem estão sujeitos ao regime de aquisição processual específico deste meio de prova. Os pareceres de natureza jurídica relevam ao nível do estudo e do enquadramento das questões de natureza jurídica suscitadas pelas partes mas nada têm a ver com a fixação da matéria de facto e com a prova. (...) Os pareceres de natureza jurídica ou técnica, (têm) interesse relativamente à dilucidação das questões de natureza jurídica suscitadas pelo processo, (e os) de natureza técnica (são) essenciais à fixação da matéria de facto, sendo certo que neste caso «a utilidade do parecer cessa com a decisão sobre a matéria de facto (...).
Assim sendo, é certo que o dito "relatório clínico", subscrito por um neurocirurgião, é um parecer técnico, como pretende a sinistrada, e não um documento (não valendo os artigos que pretende anexar senão enquanto suporte cientifico complementar, i. é, para além da autoridade técnica do subscritor, do aludido parecer).
Ora, se é certo que nos termos do n.º 1 do artigo 423.º que «os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser juntos com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes», não o é menos que o artigo 426.º dispõe que «os pareceres de advogados, professores ou técnicos podem ser juntos, nos tribunais de 1.ª instância, em qualquer estado do processo».
Como diz o Supremo Tribunal de Justiça no mesmo aresto, "A separação entre documentos e pareceres permite afirmar que para o Código de Processo Civil, os pareceres (...) têm um regime de aquisição processual e são realidade diversa dos documentos que integram a prova documental e que se destinam à prova dos factos que servem de fundamento à acção ou à defesa. Embora os pareceres de natureza técnica relevem no contexto da prova ao nível da interpretação e da fixação dos factos, eles não se confundem com os documentos nem estão sujeitos ao regime de aquisição processual específico deste meio de prova".
Desta sorte, não podia ter sido invocado o regime da junção de documentos nem qualificada de extemporânea ou inútil a apresentação do parecer (a este propósito dizia Alberto dos Reis - apud. cit. acórdão - que o legislador "decerto viu neles alguma vantagem; (…) lhes atribuiu algum valor, alguma função útil. E a função útil só pode ser esta: contribuírem para esclarecer o espírito do julgador.»).
O que acarreta a procedência do recurso.
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DECISÃO
Pelo exposto julga-se procedente o recurso, revoga-se o despacho recorrido e admite-se a junção do parecer e documentos anexos aos autos.
Custas do recurso pela R. seguradora.
Guimarães, 21.01.16


Sérgio Almeida
Antero Veiga
Manuela Fialho