Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
224/11.5JABRG.G1
Relator: ISABEL CERQUEIRA
Descritores: PRIMEIRO INTERROGATÓRIO JUDICIAL
NULIDADE INSANÁVEL
ACTO PROCESSUAL
INVALIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/23/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE
Sumário: I) A declaração de nulidade insanável do 1º interrogatório do arguido detido, nos termos da alínea c) do art.º 119º do CPP, não afecta de invalidade todos os actos processuais subsequentes.
II)É que nenhum destes actos, nem mesmo o relatório policial, ou a acusação deduzida, ou o julgamento efectuado dependem funcionalmente daquele 1º interrogatório, que poderia até não ter existido.
Decisão Texto Integral:

33

TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES


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Processo n.º 224/11.5JABRG.G1
Acordam, em conferência, na Secção Criminal deste Tribunal:
Relatório
No 2º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Verde, em processo comum com intervenção do tribunal colectivo, foi, em 12/06/2014, proferido o acórdão de fls. 849 a 872, que condenou o arguido José M., pela prática, em concurso real, de dois crimes de falsificação de documento, e dois crimes de burla qualificada, respectivamente, ps. e ps., os dois primeiros pelos art.ºs 255º alínea a) e 256º n.ºs 1 alíneas c) e e) e n.º 3, e os segundos pelos art.ºs 217º n.º 1 e 218º também n.º 1, todos do Código Penal (a partir de agora apenas designado por CP), nas penas respectivas 12 meses (duas penas) e 24 meses de prisão (igualmente duas penas), e em cúmulo juridico, na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão .
O arguido interpôs recurso daquela decisão (fls. 884 a 935), alegando, em síntese, verificar-se a nulidade do inquérito (por nulidade do 1º interrogatório, no qual não foi assistido por defensor) a afectar todos os actos subsequentes, e a implicar valoração de prova proibida, e ocorrerem na decisão recorrida, violação dos princípios da acusação e do in dubio pro reo e os vícios da insuficiência da matéria de facto para a decisão e do erro notório na apreciação da prova. Acrescenta terem sido incorrectamente dados como provados os factos 5, 7, 12 e 15, face às suas declarações e aos depoimentos das testemunhas José João P., Patrícia M., Manuel F. e António F.. Por fim, e subsidiariamente põe em causa a pena única aplicada, sustentando que a mesma deveria ter sido suspensa na sua execução, mesmo que acompanhada da imposição de cumprimento de deveres. O recorrente junta transcrição integral das declarações por si prestadas e dos depoimentos das testemunhas.
O Magistrado do M.P. junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso interposto, a fls. 1106 a 1125, pugnando pela sua total improcedência.
O Sr. Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal emitiu o douto parecer de fls. 1130 a 1136, no qual se pronuncia no mesmo sentido da total improcedência do recurso interposto.
Foi cumprido o disposto no n.º 2 do art.º 417º do CPP, foram colhidos os vistos legais, e procedeu-se à conferência, cumprindo decidir.
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Na sentença recorrida, foram considerados provados os seguintes factos, com a motivação que infra se transcreve integralmente:
II. Fundamentação:
1. Factos provados:
Resultaram provados os seguintes factos:
1. Em circunstâncias não apuradas, o arguido entrou na posse dos documentos de identificação, designadamente do Bilhete de Identidade e Cartão de Contribuinte, de Fernando J., bem como do Registo de Propriedade e Livrete do veículo automóvel de marca Seat e modelo Córdoba, com a matrícula (...).
2. Na posse de tais documentos e tendo em vista obter vantagem económica através dos mesmos, o arguido engendrou um plano consistente em obter um financiamento para aquisição do referido veículo junto de uma instituição de crédito, em nome de Fernando J..
3. Com o referido propósito, em data e hora concretamente não apuradas do mês de Setembro de 2004, o arguido dirigiu-se ao “Stand Ferreira Car”, sito em Pedome, Vila Verde, onde solicitou ao seu sócio-gerente Manuel C. que lhe tratasse da aquisição do veículo (...), alegando que tinha vendido o mesmo a um cliente que precisava de financiamento, não podendo tratar ele próprio daquele, porquanto não tinha uma empresa constituída.
4. Em face do alegado, Manuel C. acedeu em tratar do referido financiamento, tendo o arguido para o efeito entregue àquele os documentos do veículo, cópia do bilhete de identidade com a assinatura forjada e do cartão de contribuinte de Fernando M., bem como uma declaração de IRS e recibo de vencimento em nome do referido Fernando M., cujos dados constantes dos mesmos não correspondiam à realidade, uma vez que o referido Fernando M. jamais tinha apresentado tal declaração junto do Serviço de Finanças ou auferido os valores constantes do mencionado recibo de vencimento.
5. Na posse de tais documentos Manuel F. diligenciou junto da Interbanco, pela concessão de um financiamento no montante de €: 6000,00, que obteve aprovação, tendo-lhe sido entregue o respectivo contrato de financiamento para aquisição a crédito com o n.º 2004.031987.01, datado de 16 de Setembro de 2004, em que constava como vendedor do veículo em referência, bem como a livrança constante de fls. 91.
6. Tal contrato e livrança foram entregues ao arguido que apôs as assinaturas constantes dos mesmos relativas ao adquirente, Fernando M., quer no contrato, quer na livrança, os entregou novamente a Manuel F. que os fez chegar à Interbanco.
7. Por força do contrato celebrado a Interbanco, em 21 de Setembro de 2004, procedeu ao pagamento de €: 5544,52 (cinco mil quinhentos e quarenta e quatro euros e cinquenta e dois cêntimos) a Manuel C..
8. No mesmo dia, Manuel C. entregou o montante de €: 4588,00 ao arguido, tendo ficado com a quantia de €: 956,52, para pagamento das despesas relativas ao contrato e de umas jantes adquiridas pelo arguido ao mesmo.
9. O referido veículo encontra-se registado em nome de Cândido J. que o adquiriu em 2001 e de que é proprietário até à presente data, nunca tendo colocado o mesmo à venda.
10. No dia 06 de Outubro de 2004 o arguido adquiriu, no “Stand C.””, propriedade da sociedade “João ldª”, sito em Gondizalves, Braga, um veículo da marca (...), com a matrícula n.º (...), pelo valor de €: 6000,00.
11. Para aquisição do referido veículo o arguido celebrou, previamente, um contrato de mútuo com a instituição financeira Finicrédito, a que foi atribuído o n.º 144417, no montante de €: 9000,00, em nome de Fernando J., tendo para o efeito entregue os documentos de identificação forjados supra referidos e assinado o respectivo contrato, bem como a livrança relativa ao mesmo e os documentos constantes de fls. 73 e 75, em nome daquele.
12. Por força do referido contrato a Finicrédito pagou à sociedade “João ldª” a quantia de €: 8707,26 através do cheque n.º 5922595402, do Finibanco, datado de 01 de Outubro de 2004.
13. Em face do referido pagamento foi entregue pela João ldª, o referido veículo ao arguido, em 06 de Outubro de 2004, e em 18 de Outubro de 2004 a quantia de €: 2707,26 respeitante à diferença entre o preço do veículo adquirido e valor pago pelo crédito concedido.
14. A propriedade do veículo de matrícula (:::) encontra-se registada em nome de Fernando J., apesar de este nunca ter adquirido tal veículo.
15. As prestações relativas aos contratos supra referidos nunca foram pagas, tendo exigido, as respectivas entidades financeiras, o seu cumprimento a Fernando J..
16. O arguido apresentou os aludidos documentos perante as referidas instituições financeiras, bem sabendo que a assinatura contida no Bilhete de Identidade não correspondia à assinatura do respectivo titular e as declarações contidas no recibo de vencimento e na declaração de IRS, não traduziam factos verdadeiros.
17. Da mesma forma o arguido quis apor nos documentos referidos, designadamente nos contratos de mutuo e financiamento e nas livranças a assinatura de Fernando J., bem como utilizá-los para os efeitos descritos, sabendo que aquele não emitiu as declarações neles consubstanciadas.
18. Relativamente às livranças, o arguido sabia também que estava com a sua conduta a pôr em causa a confiança e a credibilidade deste título de crédito.
19. Com estes documentos, o arguido fez os representantes das referidas instituições financeiras acreditar na veracidade, nas condições económicas declaradas nos escritos apresentados e na autoria do pedido de financiamento, circunstâncias que foram decisivas para a aprovação do crédito.
20. O arguido actuou sempre com o propósito concretizado de, simultaneamente, causar um prejuízo à Interbanco e à Finicrédito, bem como a Fernando J. a quem aquelas iriam exigir o cumprimento dos contratos celebrados, e de obter um benefício próprio correspondente ao valor global dos créditos concedidos e à possibilidade de dispor do veículo de matrícula (:::), a que sabia não ter direito.
21. Agiu o arguido, sempre, de forma livre, voluntária e consciente, sabendo as suas condutas proibidas e punidas por lei.
Mais se provou que:
22. Do certificado de registo criminal do arguido resulta que o mesmo já foi condenado:
a) Em 16.03.2001, no processo nº 34/01, do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Braga, pela prática, em 15.03.2001, de um crime de condução ilegal, na pena de 45 dias de multa, julgada extinta pelo pagamento;
b) Em 12.10.2001, no processo nº 541/01, do 4º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Braga, pela prática, em 13.09.2001, de um crime de condução ilegal, na pena de 60 dias de multa, julgada extinta pelo pagamento;
c) Em 4.11.2002, no processo nº 33/02.2PTBRG, do 4º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Braga, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 200 dias de multa, julgada extinta pelo pagamento;
d) Em 5.06.2003, no processo nº 11765/02.5TABRG, do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Braga, pela prática, em 21.10.2002, de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 225 dias de multa, julgada extinta pelo pagamento;
e) Em 27.11.2003, no processo nº 824/02.4PCBRG, do 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Braga, pela prática, em 24.07.2002, de um crime de falsificação de documento, na pena de 250 dias de multa, julgada extinta pelo pagamento;
f) Em 15.12.2003, no processo nº 254/03.0GTVCT, do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Viana do Castelo, pela prática, em 5.05.2003, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 240 dias de multa, julgada extinta pelo pagamento;
g) Em 26.03.2004, no processo nº 480/03.2TDPRT, do 3º Juízo Criminal do Porto, pela prática, em 31.10.2002, de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 220 dias de multa;
h) Em 12.05.2004, no processo nº 169/03.2TDLSB, do 6º Juízo Criminal de Lisboa, pela prática, em 15.10.2002, de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 600 dias de multa, julgada extinta pelo pagamento;
i) Em 15.06.2004, no processo nº 1543/03.0TDLSB, do 3º Juízo Criminal de Lisboa, pela prática, em 23.09.2002 e 25.09.2003, respectivamente, de quatro crimes de emissão de cheque sem provisão e de um crime de falsificação de documento, na pena única de 500 dias de multa, julgada extinta pelo pagamento;
j) Em 25.02.2005, no processo nº 398/03.9TABRG, do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Braga, pela prática, em 7.02.2003, de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 420 dias de multa, julgada extinta pelo pagamento;
l) Em 21.06.2006, no processo nº 33/02.2 GBVRM, o Tribunal Judicial de Vieira do Minho, pela prática, em 22.07.2002, de um crime de furto qualificado, na pena de 18 meses de prisão, suspensa por quatro anos;
m) Em 15.10.2008, no processo nº 20162/02.7PBBRG da Vara de Competência Mista de Braga, pela prática, em 2002 e 2003, de um crime de falsificação de documento na forma consumada e tentada, de crimes de burla simples e de crime de emissão de cheque sem provisão a que respeitam os processos 1047/02.8PVBRG, 1035/03.7TABRG e 1038/02.0TABRG, da Vara de Competência Mista de Braga, 975/04.0TABRG, do 3º Juízo Criminal de Braga e 471/03.3TDPRT do 1º Juízo Criminal do Porto, na pena única de 5 anos de prisão, suspensa por igual período;
n) Em 16.10.2006, no processo nº 1078/04.3PCBRG, do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Braga, pela prática, em 17.10.2004, de um crime de falsificação de documento, na pena de 20 meses de prisão, suspensa por igual período;
o) Em 29.06.2007, no processo nº 717/04.0TABRG, da Vara de Competência Mista de Braga, pela prática, em Maio e Junho de 2004, de um crime de falsificação de documento e um crime de burla qualificada, na pena única de três anos e seis meses de prisão, suspensa por igual período;
p) Em 06.01.2010, no processo nº 569/04.0JABRG, da Vara de Competência Mista de Braga, pela prática, em 19.07.2004, de três crimes de burla tentada, cinco crimes de falsificação de documento e um crime de burla, na pena única de quatro anos de prisão, suspensa por igual período;
q) Em 08.07.2011, no processo nº 1216/05.9GCBRG, da Vara de Competência Mista de Braga, pela prática, em 19.09.2003, de um crime de falsificação de documento, um crime de burla qualificada e um crime de falsificação de documento, na pena única de dezoito meses de prisão;
r) Em 28.07.2010, no processo nº 79/06.1TABRG, do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Braga, pela prática, em Maio de 2005, de um crime de falsificação de documento, na pena de 300 dias de multa, julgada extinta pelo pagamento.
23. O arguido tem ainda outros processos pendentes.
24. Dados relevantes do processo de socialização:
Durante a primeira infância e pré-adolescência, José C. esteve exposto a uma dinâmica familiar relacional disfuncional, de pais muito jovens, que casaram durante a adolescência, tendo decorrido a separação dos progenitores e posterior divórcio quando o arguido tinha 6 anos de idade, ficando nessa sequência, aos cuidados da mãe e dos avós maternos até aos 12 anos de idade.
O comportamento aditivo do pai e as penas de prisão que cumpriu estiveram na origem de uma relação de pouca proximidade com o arguido, sendo a participação do pai no seu processo educativo inexpressiva. Os avós paternos também vivenciavam na época um relacionamento conjugal conturbado.
Após concluir o 6º ano, José C. foi internado no Colégio de (…), em Braga, até concluir o 9º ano de escolaridade. Esta opção foi tomada na altura pela avó materna, entretanto viúva, profissionalmente ativa, para poder apoiar a mãe do arguido, que tinha iniciado o consumo de produtos estupefacientes e efetuava um programa de desabituação e tratamento.
Quando saiu da instituição, o arguido integrou o agregado familiar da avó materna, constituído por esta e por um tio, dado que a mãe, após tratamento de recuperação da toxicodependência, encetou uma nova relação afetiva constituindo um novo agregado familiar.
De regresso ao ensino regular em escolas públicas, José C. registou dificuldades de adaptação ao ritmo dos trabalhos escolares, reprovando no 10º ano. Após concluir o 11º ano de escolaridade decidiu abandonar os estudos para se iniciar profissionalmente.
Com o objetivo de conseguir ter um estilo de vida mais independente, autonomizou-se da família e passou a residir sozinho, tendo registado frequentes alterações de morada até arrendar um apartamento, através do programa da arrendamento jovem, empregar-se numa pastelaria/queijaria e posteriormente numa loja de telemóveis/computadores, desenvolvendo atividade laboral regular.
Decorridos quatro anos, passou à atividade de vendedor de automóveis.
José C. registou vários contactos com o sistema de administração de justiça, o primeiro em 2001 por condução sem habilitação legal, e posteriormente vários contactos com o sistema judicial penal se seguiram, com especial incidência no período de 2003/04. O arguido sofreu condenações e foi acompanhado pelos Serviços de Reinserção Social, no âmbito de duas condenações em pena de prisão, pelos crimes de furto qualificado e falsificação de documento, penas suspensas na sua execução com regime de prova entre Setembro de 2007 a Outubro de 2009, tendo cumprido as obrigações a que estava sujeito.
25. Condições sociais e pessoais:
No período antecedente à sua prisão, residia independente da família, por vontade própria e necessidade de afirmação da sua autonomia habitacional e económica, e desenvolvia a atividade de vendedor de automóveis, já habilitado com o título de condução de veículos automóveis. Desde meados de 2008, que vivenciava uma relação afetiva com uma jovem licenciada, com quem chegou a residir.
Mantinha contactos com a mãe com quem convivia frequentemente, assim como com o irmão, menor, e com a avó materna, que lhe demonstravam afectividade.
Ingressou no Curso de Direito na Universidade Lusófona, em Lisboa, no ano letivo de (…), pelo que passou a residir na zona do Lumiar, regressando quinzenalmente aos fins-de-semana a casa da família materna.
26. Impacto da situação jurídico-penal:
O arguido apresentou-se no Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira a 30 de Novembro de 2011 para cumprimento de uma pena de 3 anos e 6 meses, âmbito do processo 717/04.0TABRG da Vara Mista de Braga.
Durante o período de permanência em estabelecimento prisional tem adotado um comportamento adequado e investido em termos de manutenção de uma ocupação, tendo frequentado o pós-secundário e um Curso de formação Modelar em (…).
Em entrevista adotou uma postura de cooperação não se coibindo de contextualizar todo o seu percurso criminal. Adotou uma comunicação verbal fluente e fluida, revelando aparentes recursos psíquicos para perceber e adotar atitudes de relacionamento interpessoal mais convenientes ao que considera serem os seus próprios interesses.
Quando se focalizaram questões relacionadas com o seu quotidiano e com os motivos que o levaram aos diversos envolvimentos com o sistema judicial, o arguido assume um discurso assente na sua juventude, imaturidade, num alegado sentimento de revolta pelos anos de institucionalização em colégio e desejo de afirmação de um estilo de vida autónomo e confortável.
Fala de si com segurança, revelando capacidade introspetiva, competências e alegada determinação para efetivar uma mudança ao seu estilo de vida passado.
Em abstrato, face à problemática criminal subjacente ao presente processo, o arguido revela consciência crítica sobre a sua ilicitude, sendo capaz de percecionar danos e as eventuais consequência nas vítimas/ofendidos.
Na sequência do cumprimento de pena, sinaliza o arguido impactos no quotidiano socioprofissional, designadamente a interrupção da sua frequência universitária, ainda que no 1º ano.
Em meio prisional beneficia de apoio da família natural, apresentando como referencias afetivas atualmente a mãe, o irmão, o pai, a avó materna e os avós paternos, assim como seus tios, que igualmente o visitam.
2. Factos não provados:
Não resultou provado qualquer outro facto com relevo para a decisão do caso em apreço nos autos.
3. Motivação:
A convicção do tribunal alicerçou-se na análise critica e conjugada da prova produzida, tendo assumido especial relevo o teor dos documentos juntos os quais corroboram e sustentam os depoimentos prestados pelas testemunhas em audiência.
Todos estes meios de prova foram apreciados e articulados com referência às regras de normalidade e experiência comum.
Em causa estão duas situações relacionadas com dois veículos automóveis, a saber: o veículo Seat Córdoba com a matrícula (...) e o veículo Volkswagen Pólo de matrícula (:::).
Assim, relativamente ao veículo Seat Córdoba com a matrícula (...), afirma o arguido que se limitou a acompanhar um amigo seu de nome Francisco D. ao Stand Ferreira Car, em Vila Verde, onde já anteriormente havia adquirido um veículo, para aí tratar de um crédito para um veículo que um outro conhecido seu pretendia vender a um terceiro. O tal Francisco D. tinha na sua posse os documentos referentes ao veículo e ao comprador, sendo toda a documentação relativa ao contrato de financiamento tratado entre o Stand e o banco, limitando-se o arguido a receber a sua comissão no negócio e nada mais.
Quanto ao veículo Volkswagen Pólo de matrícula (:::), referiu não se lembrar dos seus contornos concretos, sendo que, nos moldes do anterior negócio, figurou apenas como intermediário, sendo-lhe os documentos do comprador entregues por outros indivíduos com quem à data se relacionava e que de igual forma se dedicavam ao negócio de venda de veículos, retirando apenas destes negócios uma comissão.
Esta versão do arguido, de mero intermediário nos negócios e alheio à obtenção da documentação, viria a revelar-se inconsistente em face dos demais elementos probatórios, sendo mesmo por estes contrariada.
Desde logo o depoimento do inspector da Policia Judiciária, João M.., que relatou as diligências levadas a cabo - quer nas deslocações à Rua Artur Garibaldi 17 1 Dt Nogueira Braga, que confirmou ter sido a residência do arguido até pelo menos à Primavera de 2004, sendo que os inquilinos seguintes só ocuparam a casa a partir de Outubro de 2004, quer junto dos responsáveis dos stands de automóveis em causa e das instituições financeiras onde foram celebrados os contratos de financiamento, entre outras - e que culminaram na elaboração do relatório final junto aos autos.
Apresenta-se incontroverso que ao ofendido Fernando J. foram subtraídos os documentos pessoais e da viatura, tendo este no seu depoimento sincero e impressivo relatado as circunstâncias em que tal ocorreu e o «calvário» que desde então tem sofrido com acções judiciais contra si interpostas. Os documentos (participações) de fls 40 e 79 a 82 e ainda fls 9 a 39 atestam este depoimento.
Exibidas as assinaturas constantes dos documentos usados para a celebração do contrato de financiamento, bilhete de identidade, declaração de IRS, recibo de vencimento, livrança, na qual figura o seu nome, o ofendido negou pertencerem-lhe (basta, aliás, a comparação simples das várias assinaturas insertas nos documentos para se constatar que apresentam dissemelhanças flagrantes).
Do mesmo modo, se apresenta incontroverso que Cândido J. nunca vendeu o veículo Seat Córdoba com a matrícula (...), tendo este em depoimento referido que a viatura nunca deixou de estar na sua posse, mas que os documentos da mesma e os seus documentos pessoais lhe foram subtraídos, tendo participado o furto às autoridades policiais. Adiantou ainda que com o uso abusivo dos documentos que lhe foram furtados foram celebrados contratos de crédito em seu nome.
A testemunha Manuel C., sócio gerente do stand F.,em (…) afirmou que o arguido se deslocou ao seu estabelecimento pedindo-lhe, como favor, a celebração de um contrato de crédito referente a um veículo que este pretendia vender a um terceiro, sendo que esse veículo nunca esteve no seu stand, nem nunca o viu, assim como ao suposto comprador.
Todos os documentos relativos ao veículo, ao comprador e à celebração do crédito foram-lhe entregues pelo arguido tendo-os depois entregue à colaboradora da financeira a “Interbanco”, acrescentando que os contratos de crédito eram tratados com ligeireza, não sendo exigível nada mais para além dos documentos do comprador e do veículo, prescindindo-se da presença de comprador e confirmação da existência do veículo em stand. Este procedimento veio no essencial a ser confirmado por Patrícia C., à data gestora comercial do Interbanco.
Deixou bem claro a testemunha Manuel C. que quem se apresentou no seu stand foi o arguido, que quem entregou os documentos relativos ao veículo Seat e ao comprador foi o arguido, a pessoa a quem entregou o dinheiro do financiamento foi ao arguido (retida a sua comissão e outras despesas), enfim, que todo o negócio foi tratado com o arguido.
Alcança-se da conjugação deste depoimento com os documentos de fls 74 e 177 e 178 que em consequência do contrato celebrado a Interbanco procedeu ao pagamento do valor € 5544,52 (cinco mil quinhentos e quarenta e quatro euros e cinquenta e dois cêntimos) a Manuel C., que no mesmo dia, entregou o montante de € 4588,00 ao arguido, tendo ficado com a quantia de € 956,52, para pagamento das despesas relativas ao contrato e de umas jantes adquiridas pelo arguido ao mesmo.
Quanto ao veículo Volkswagen Pólo, matrícula (:::), foi o mesmo de facto vendido ao arguido como afirmaram as testemunhas José J. e António F., do Stand da C., referindo esta não se recordar muito bem dos contornos do contrato de crédito, mas afirmando ser normal que o negócio se concluísse com o intermediário sem que o stand contactasse com o cliente final, como era o caso.
Também não hesitaram as testemunhas em afirmar que a venda deste veículo Volkswagen Pólo foi tratada com o arguido José F..
Note-se que nas declarações de fls 114 e 115 comprovativas da compra do veículo Volkswagen Pólo, matrícula (:::), e termo de responsabilidade de fls 116 surge o nome do arguido e encontra-se por si assinada; na declaração de fls 121 onde declara o arguido ter recebido a quantia de € 2.707,26 referente a diferença de crédito concedido relativo ao veículo matrícula (:::), encontra-se aposta a assinatura do arguido.
Note-se ainda que nos documentos relativos ao contrato de financiamento feito em nome de Fernando J. e referente ao veículo Seat Córdoba com a matrícula (...), a morada indicada foi Rua A. G. Braga, também o Documento Único Automóvel relativo ao veículo Volkswagen Pólo, matrícula (:::) foi enviado para a Rua A. G. Braga. Ora, esta morada constituiu nada mais nada menos que a residência do arguido até pelo menos Maio de 2004.
Note-se por fim que o único beneficiário destes negócios foi o arguido.
Resulta pois inequivocamente que os documentos relacionados com o financiamento são falsos. Resulta também inequívoco que só o arguido poderia ter procedido a essa falsificação.
As condições pessoais e económicas do arguido resultaram do relatório social elaborado e junto aos autos.
Atendeu ainda o tribunal ao CRC do arguido junto aos autos.
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Fundamentação de facto e de direito
As conclusões do recurso definem o seu âmbito, e nelas o recorrente, em primeira linha, vem arguir a nulidade do inquérito, com afectação de todos os actos subsequentes, por na decisão instrutória de fls. 552 a 556 v. ter sido declarado nulo o seu interrogatório realizado em 10/05/2010, por nele não ter sido assistido por defensor.
Sustenta que, por naquele douto despacho não ter sido ressalvada a validade de qualquer acto posterior àquele interrogatório, ser nula a sua constituição como arguido, bem como todas as diligências de investigação que se fundaram no mesmo e redundaram no relatório policial junto aos autos, o que se traduz na nulidade do inquérito, e em consequência do julgamento realizado com a consequente prolação do acórdão em crise.
Sendo certo que foi declarada a nulidade insanável do 1º interrogatório do arguido então detido, nos termos da alínea c) do art.º 119º do CPP, o que é certo é que tal não afecta de invalidade todos os actos processuais subsequentes, já que, não é daquele acto que dependem todos os restantes, designadamente, a investigação efectuada, que resulta sim das denúncias apresentadas nos autos, mesmo no que diz respeito à sua constituição como arguido.
O art.º 122º n.º 2 do CPP dispõe que ao ser declarada uma nulidade são também determinados quais os actos que passam a considerar-se inválidos, ordenando se possível a sua repetição, e no caso sub judice, naquele douto despacho de pronúncia não são determinados quaisquer actos que passassem a considerar-se inválidos, o que implica, em nome do princípio da economia processual que enforma o n.º 3 daquele normativo legal, que todos os restantes actos são salvos dos efeitos daquela declaração de nulidade.
O n.º 1 daquele art.º 122º restringe a invalidade de actos posteriores ao declarado nulo, aos que dele dependerem e que aquela nulidade puder afectar, salvaguardando assim a validade dos actos posteriores não dependentes dele, acolhendo como diz o Ex.mº Senhor Procurador-Geral Adjunto o chamado conceito de “invalidade derivada”, que foi aliás sancionado pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 198/2004, de 24/03, ao declarar que o mesmo não é inconstitucional no entendimento de que permite a possibilidade de ponderação do sentido das provas subsequentes, não declarando a invalidade destas.
Como diz o Ex.mº Senhor Procurador-Geral Adjunto João Conde Correia, na obra citada no douto parecer de fls. 1130 e seguintes, “O acto inválido deve constituir uma premissa lógica da actividade sucessiva, de modo que, na sua falta, aqueles também não podem sobreviver autonomamente. Por outras palavras, os dois devem estar ligados por um nexo funcional, que torna a validade de um imprescindível à validade do outro.”.
Ora, nenhum dos actos subsequentes, nem mesmo o próprio relatório policial, que o recorrente diz integrar prova proibida, afirmação que iremos posteriormente analisar, ou a acusação proferida, ou o julgamento efectuado dependem funcionalmente daquele 1º interrogatório, que poderia ter até não ter existido (nos casos previstos na parte final do n.º 1 do art.º 272º do CPP), mas que conduziria sempre à prática daqueles actos posteriores, quer por o arguido ter sido interrogado em sede de instrução (a falta de interrogatório em fase de inquérito, é uma nulidade sanável, nos termos da alínea d) do n.º 2 do art.º 120º, que não foi arguida), quer por o recorrente ter requerido instrução (não arguindo esta nulidade, mas apenas a declarada), fase processual na qual aquele pretendia não ser pronunciado, ou seja, obter a não comprovação judicial da acusação deduzida, assim aceitando a validade da acusação proferida pelo M.P., nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 121º do CPP.
De qualquer forma, e não tendo o recorrente arguido a nulidade que agora pretende ver declarada em 1ª instância (com excepção da nulidade do acórdão que só agora podia aduzir), pomos algumas dúvidas que tal questão tivesse que ser apreciada neste recurso, por os recursos serem mero remédio para erros de decisões, e já não para conhecer de questões novas, tendo-se apreciado a questão em causa, por razões de economia processual, e para que não se possa vir arguir a nulidade deste acórdão por omissão de pronúncia.
O recorrente como já se disse, além de impugnar na generalidade a matéria de facto integradora dos crimes que lhe eram imputados, alega ter sido valorada prova proibida, o depoimento da testemunha Inspector da Polícia Judiciária João Francisco M. e o relatório policial junto aos autos.
Quanto a este último, o mesmo nem sequer foi valorado na motivação da decisão de facto, apenas tendo sido citado como o acto final daquele inspector, apesar de sempre poder ser valorado como mero documento, que é a qualidade que assume, e o depoimento daquele Inspector só constituiria prova não permitida, na parte em que este referisse declarações do arguido, nos termos do n.º 7 do art.º 355º do CPP.
Só que, e não se impondo por força da impugnação efectuada (por o recorrente apenas indicar como provas a imporem decisão diversa da acolhida na 1ª instância os depoimentos das testemunhas José João F. Pinheiro, Patrícia M., Manuel C. e António F.), a audição da gravação efectuada quanto ao depoimento daquela testemunha, leu-se a transcrição junta aos autos, relativamente ao depoimento prestado pelo inspector da P.J. (fls. 968 a 970), e da qual resulta com clareza que este não depôs a qualquer matéria relacionada com declarações do arguido.
Assim, não se verifica no acórdão recorrido a apreciação de qualquer prova proibida, como também não se verifica qualquer violação do princípio da acusação.
O recorrente alega violação deste princípio fundamentando-a no “…sistemático recurso…” no douto acórdão recorrido a factos genéricos, traduzidos, por exemplo, “…na expressão “Em circunstâncias não apuradas” utilizada nos factos considerados provados e, sobretudo, na circunstância de não se ter apurado sequer como é que foram pretensamente adulterados os documentos referidos nos autos, concretizando-se, por esta via, tal infracção;”.
O núcleo essencial dos factos relativos aos crimes imputados de falsificação e burla encontra-se perfeitamente concretizado na matéria de facto provada na douta decisão recorrida, sendo irrelevante para a prática daqueles crimes saber-se a que título entraram na posse do recorrente os documentos alegadamente falsificados, que não se conseguiu apurar no inquérito, nem posteriormente no julgamento, e quanto a este último crime apurou-se claramente a forma como foi realizada, a aposição em dois contratos de financiamento para aquisição de viatura automóvel e nas livranças que os acompanhavam e juntas aos autos da assinatura de Fernando J., feita pelo seu próprio punho (dele recorrente) e não por aquela pessoa.
A forma, a data ou o local onde o recorrente apôs essas assinaturas são perfeitamente irrelevantes para a questão da culpabilidade do arguido, encontrando-se concreta e especificadamente descritos os elementos integradores dos ilícitos alegadamente perpetrados.
O recorrente impugna ainda a matéria de facto provada constante de 5, 7, 12, 15, por considerar que a mesma tinha que ser considerada como não provada, face à completa ausência de prova dos mesmos, às suas declarações e aos depoimentos das testemunhas José J., Patrícia M., Manuel C. e António F..
Dispõem os n.ºs 3 e 4 do art.º 412º do CPP, que quando impugna matéria de facto, o recorrente deve especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (o que foi feito), as concretas provas que impõem decisão diversa (o que apenas foi feito para declarações e depoimentos na sua globalidade) e as provas a renovar.
No entanto, o recorrente transcreveu aqueles depoimentos e declarações na totalidade, como aliás o fez com o de praticamente todas as restantes testemunhas ouvidas, não indicando quais as partes dos depoimentos supra indicados que impunham decisão diversa.
Quer isto dizer, que não cumpriu a exigência prevista na alínea b) do n.º 3 alínea b), mesmo na forma “simplificada” admitida pelo Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ n.º 3/2012, in DR I Série de 18/04/2012, o que seria relevante para o efeito de impugnação, já que, das actas de julgamento (e com excepção da sessão efectuada em 13/05/2014, na qual foi ouvida a testemunha António F.), não consta a referência ao local da gravação, onde se inicia e termina cada depoimento, ao arrepio do disposto no n.º 2 do art.º 364º do CPP.
Ouviu-se, pois, apenas o depoimento desta última testemunha referida, que de forma alguma impõe decisão diversa, já que, recordando-se de como foram feitos os 2 ou 3 negócios celebrados pelo recorrente com o Stand da C., parece ter esquecido o concreto em causa nos autos, ou seja, o relativo ao veículo (:::).
No entanto, não se ordenou, nem tinha que ser ordenado, o cumprimento do n.º 3 do art.º 417º do CPP, designadamente, por resultar claro de toda a motivação e conclusões do recurso (e é por estas que se afere o seu âmbito) que a impugnação se prende apenas e só com a divergência da apreciação da prova feita em 1ª instância.
Ora, o Tribunal a quo esclarece com clareza que tendo toda a prova produzida sido apreciada na sua globalidade, a prova resultou essencialmente dos documentos juntos aos autos, e dos depoimentos credíveis, da “vítima” dos financiamentos, Fernando J., ao qual tinham sido furtados os documentos pessoais e os do veículo (...), e do proprietário do segundo veículo “financiado” de matrícula (:::), que tendo-o desde 2001 nunca deixou de o manter na sua posse (e propriedade), não obstante o mesmo ter sido alegadamente e pelos documentos juntos aos autos vendido através do arguido àquele M., que para esta aquisição terá contraído novo empréstimo.
Que aqueles “negócios” foram tratados com ligeireza e com grandes facilidades na concessão dos respectivos créditos é por demais evidente da matéria de facto provada e relativa àqueles “negócios”, e embora o tribunal a quo não refira expressamente esse aspecto, o mesmo é facto notório e público, pois, muito se falou nas exageradas facilidades na obtenção de créditos pelas empresas financeiras (e também pelos Bancos), que levaram ao sobre endividamento das famílias portuguesas, mas que em nada contribui para os comportamentos ilícitos do arguido, apenas os facilitando.
O recorrente sustenta que da decisão recorrida não resulta que tivessem sido por si “fabricados” os documentos em causa, nem que tivesse iludido/induzido em erro quem quer que fosse, mas com isso está de novo e apenas a divergir da apreciação da prova feita em 1ª instância, alegando a sua inexistência, já que, certamente leu, designadamente, os factos provados 3, 4, 11, 13, 14, 16 a 20 e 21 (além daqueles que impugnou), dos quais constam todos os elementos objectivos e subjectivos dos crimes que lhe eram imputados.
A “impugnação” de facto feita pela recorrente constitui, como já se disse, uma mera divergência com a forma como foi valorada a prova em 1ª instância, o que vigorando no nosso processo penal o princípio da livre apreciação da prova (art.º 127º do CPP), não permite só por si assacar qualquer vício à decisão recorrida, excepto se aquele princípio tiver sido violado, o que não aconteceu.
Este princípio no seu significado positivo implica que a apreciação da prova “…seja recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo… “, sendo, pois, “…uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada verdade material…”(Prof. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I Vol.)
No caso sub judice, o tribunal a quo descreveu o “iter” da sua convicção, fazendo um exame crítico da prova que não indicia qualquer arbitrariedade ou qualquer impressão subjectiva criada no julgador, mas antes uma apreciação em obediência às regras de experiência e à lógica do homem comum suposto pela ordem jurídica, motivando a decisão de facto, de uma forma clara e que permite aos intervenientes processuais e à comunidade em geral perceber claramente o percurso lógico e racional, logo não arbitrário, que esteve subjacente à sua convicção.
Assim, também não ocorreu qualquer violação do princípio da livre apreciação da prova, impondo-se verificar se ocorreram os vícios aduzidos pelo arguido, ou seja, a insuficiência da matéria de facto apurada para a integração dos crimes em causa e o do erro notório na apreciação da prova (estes além de arguidos de conhecimento oficioso pelo tribunal de recurso).
Estes vícios têm que resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum, nos termos do n.º 2 do art.º 410º do CPP, e o vício previsto na alínea a) deste normativo legal nada tem a ver com a insuficiência para a decisão de facto da prova produzida, referindo-se apenas à “decisão justa” que devia ter sido proferida (ver, neste sentido, Acs. do STJ de 13/02/1991 e 13/05/1998, citados em anotação ao art.º 410º no Código de Processo Penal de Maia Gonçalves), prendendo-se exclusivamente com a insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito.
Ora, face ao supra exposto quanto à verificação na matéria de facto provada do douto acórdão recorrido de todos os elementos objectivos e subjectivos dos crimes pelos quais o recorrente foi condenado, não se verifica nele o mesmo vício, cuja arguição se prende claramente apenas com o facto de o recorrente entender não se ter produzido prova quanto àquela matéria, o que como já se disse, não acontece também no caso em análise.
O vício do erro notório na apreciação da prova ocorre quando, analisada a decisão recorrida na sua globalidade e sem recurso a elementos extrínsecos, é manifesto que o tribunal fez uma apreciação ilógica da prova, em oposição às regras básicas da experiência comum, ou seja, sempre que para a generalidade das pessoas seja evidente uma conclusão diferente daquela a que chegou o tribunal. Trata-se de um erro ostensivo, que é detectado pelo homem médio.
Em obediência ao princípio da livre apreciação da prova, o juiz tem total liberdade, de acordo com a sua íntima convicção, de proceder à valoração dos meios de prova obtidos, sendo, por consequência, o tribunal livre de formar a sua convicção na apreciação da prova, em conformidade com as regras de experiência, nada obstando a que nessa actividade de valoração dos meios probatórios produzidos alicerce a sua convicção apenas nalguns deles, contanto que se lhe afigurem credíveis, em detrimento de outros, eventualmente, em maior número e até de maior vastidão e amplitude probatória, mas não revestidos de suficiente consistência e credibilidade de molde a permitir a infirmação dos primeiros (neste sentido, ver entre outros, Acórdão da Relação do Porto, Recurso 99.2001).
Acrescenta este Acórdão que, “(…) o recurso da matéria de facto não se destina a postergar o princípio da livre apreciação da prova, que tem consagração expressa no art.º 127.º do CPP. A decisão do Tribunal há-de ser sempre uma “convicção pessoal – até porque nela desempenham um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais”.
O tribunal a quo fez uma exposição dos motivos de facto que fundamentaram a decisão fazendo uma indicação e análise crítica das provas que serviram para fundamentar a sua convicção, em obediência ao n.º 2 do art.º 374º do CPP, e estando vinculado na sua actividade de apreciação e valoração da prova pelas regras da experiência, da lógica e da razão, e pela sua livre convicção, fez uma valoração da prova que reflecte “…uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de se impor aos outros (...) em que o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável” (expressão do Prof. Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal).
Ora, perante tudo isso e pelas razões bem esmiuçadas na motivação da decisão recorrida, o tribunal a quo optou por considerar que foi o recorrente que “fabricou” os documentos em causa nos autos, e que serviram para induzir em erro pelo menos as sociedades financeiras que só através desse erro acederam a conceder os financiamentos referidos na matéria provada e causais de prejuízos para terceiros, e enriquecimento ilícito daquele, o que integra uma decisão perfeitamente lógica e fundada em regras de experiência comum, pelo que, não ocorre também no douto acórdão recorrido, o vício do erro notório na apreciação da prova, nem qualquer violação do princípio in dubio pro reo.
É ao julgador, não aos sujeitos processuais, que cabe apreciar quais os depoimentos que merecem credibilidade e se o merecem na totalidade ou só parcialmente, já que, «A censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não pode (…) assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção” (Ac. do Tribunal Constitucional n.º 184/2004, de 24.11.2004).
Por sua vez, a dúvida que conduz à aplicação do princípio in dubio pro reo, não é a dúvida que o arguido entende que o tribunal deveria ter tido, mas sim aquela com que o julgador efectivamente se defrontou, e da decisão recorrida resulta com toda a evidência, que ao Tribunal a quo não se levantou qualquer dúvida sobre a culpabilidade do recorrente.
“Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão» – decisão do TC supra citada.
A última questão aduzida pela recorrente é a da medida da pena que considera excessiva, defendendo que a relativa ao cúmulo jurídico deveria ter sido fixada no máximo de 2 anos de prisão, e suspensa na sua execução, mesmo que sujeita a regime de prova e imposição de deveres, nomeadamente face ao muito tempo decorrido sobre a prática dos factos, e a sua idade à data deles.
Aos crimes de falsificação de documento e burla cometidos correspondem, em abstracto, as penas de, prisão de 6 meses a 5 anos ou multa de 60 a 600 dias, e prisão até 5 anos ou multa até 600 dias.
O Tribunal a quo perante penas privativas e não privativas da liberdade, optou fundadamente por penas de prisão (opção que nem o próprio recorrente põe em causa), face a um arguido, que não obstante a sua idade à data dos factos (19 anos de idade), já tinha sido condenado por 8 vezes, a maioria delas pela prática de crimes contra o património ou de falsificação de documentos, o que justifica também a não aplicação da legislação para jovens delinquentes.
Mesmo atendendo ao elevado grau de ilicitude dos factos e à grande intensidade dolosa (dolo directo), além das acentuadas exigências de prevenção especial, e face ao muito tempo decorrido sobre os factos, fixou as penas para cada um dos crimes de falsificação de documento e burla respectivamente em 12 e 24 meses de prisão.
Apesar do muito tempo decorrido sobre os factos (cerca de 10 anos), que não confessou, e relativamente aos quais não revelou arrependimento, o que é certo é que durante esse período, o recorrente já foi condenado por mais 8 vezes, por crimes de igual ou idêntica natureza, o que revela claramente que não interiorizou o desvalor das suas condutas e uma personalidade pouco conformada com os valores ético-jurídicos dominantes.
Tudo isto aliado às razões de prevenção geral, que se põem com especial acuidade nos crimes de falsificação de documentos, impõe que a fixação das penas parcelares pelos crimes de falsificação e burla respectivamente em 12 e 24 meses de prisão, se mostre justa, adequada, proporcionada e sem exceder a intensa culpa do arguido.
Ponderados, de novo, em conjunto os factos e a personalidade do recorrente, como o impõe o n.º 1 do art.º 77º do CP, o mesmo se diz da pena única de 3 anos e 6 meses de prisão, e quanto à não suspensão da pena, já que, face aos antecedentes criminais do arguido, não era de forma alguma possível fazer o juízo de prognose favorável ao recorrente previsto no n.º 1 do art.º 50º do CP, mesmo com a suspensão sujeita a deveres ou regime de prova, ao que acresce que as fortes razões de prevenção especial sempre impediriam o recurso a tal instituto.
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Decisão
Pelo exposto, os juízes deste Tribunal acordam em julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo arguido José M..
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 Ucs.
Guimarães, 23 de Fevereiro de 2015