Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1124/14.2TJVNF-G.G1
Relator: RAQUEL BAPTISTA TAVARES
Descritores: LIQUIDAÇÃO DO ACTIVO
IMPOSTO DE MAIS VALIAS
DÍVIDA DA MASSA INSOLVENTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/17/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDÊNCIA
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Tendo o administrador da insolvência procedido à alienação dos bens apreendidos para a massa por valor superior àquele pelo qual tinham sido adquiridos pelo insolvente, o imposto (IRS) devido pelas mais-valias dai decorrentes deve ser considerado uma dívida da massa insolvente nos termos do disposto no artigo 51º n.º 1 alínea c) do CIRE.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

Nos autos de insolvência n.º 1124/14.2TJVNF A. F. e A. S. vieram requerer que fosse declarada a sua insolvência, tendo sido proferida sentença declaratória de insolvência em 26/05/2014.

Nos autos de insolvência foram apreendidos para a massa insolvente os seguintes imóveis:

a) Prédio urbano, composto de casa de habitação de rés-do-chão, primeiro e segundo andares e quintal, sito no Lugar …, freguesia de …, concelho de Vila Nova de Famalicão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão sob o nº …/…;
b) Fracção autónoma designada pelas letras “AE”, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na Avenida …, freguesia e concelho de Vila do Conde, descrita na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o nº …/Vila do Conde;
b) Fracção autónoma designada pela letra “X”, do mesmo prédio, sita na Avenida … freguesia e concelho de Vila do Conde, composta por estacionamento na cave, descrita na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o nº …/Vila do Conde.
Os imóveis foram vendidos em 14/12/2016 e 02/08/2017.
Em 07/01/2019 a Insolvente A. S. apresentou requerimento alegando que em 30/11/2018 foi notificada da nota de liquidação do IRS, respeitante ao ano de 2017, na qual foi liquidado o valor a pagar de €6.961,14 que provém do acerto determinado pela AT, que teve em consideração mais valias geradas pela alienação dos imóveis, a qual foi realizada pela massa insolvente pelo que é esta o sujeito passivo da obrigação de pagamento das mais valias decorrentes das vendas; requereu a expedição de ofício à Autoridade Tributária esclarecendo que as vendas dos prédios foram efectuadas pela massa insolvente de A. F. e A. S., e não por estes, constituindo-se esta como o único sujeito passivo de eventual imposto de mais-valias, decorrente de tais alienações.

Foi proferido em 10/01/2019 o seguinte despacho (não notificado): “Oficie, como requerido” e na mesma data foi enviado ofício ao Serviço de Finanças de Braga.
Em 21/01/2019 o Credor Banco ... SA veio requerer fosse julgado improcedente o pedido da Insolvente, invocando que o pagamento do imposto não era devido nos termos do disposto no artigo 268º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
A Administradora da Insolvência comprovou nos autos o pagamento da quantia de €7.185,61, respeitante à liquidação de IRS.

Apos promoção do Digno Magistrado do Ministério Público foi proferido pelo tribunal a quo o seguinte despacho:

“Como bem se refere na mui douta promoção que antecede, o Orçamento de Estado para o ano de 2018 (Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro) alterou o art.º 268 do CIRE, substituindo o seu n.º 1: “1 – As mais-valias realizadas por efeito da dação em cumprimento de bens do devedor e da cessão de bens aos credores estão isentas de impostos sobre o rendimento das pessoas singulares e colectivas, não concorrendo para a determinação da matéria colectável do devedor.” para a actual redacção “1 – Os rendimentos e ganhos apurados e as variações patrimoniais positivas não reflectidas no resultado líquido, verificadas por efeito da dação em cumprimento de bens e direitos do devedor, da cessão de bens e direitos dos credores e da venda de bens e direitos, em processo de insolvência que prossiga para liquidação, estão isentos de impostos sobre o rendimento das pessoas singulares e colectivas, não concorrendo para a determinação da matéria colectável do devedor.”
Quer isto dizer que a anterior versão isentava de tributação as mais-valias decorrentes da dação em cumprimento de bens do devedor e da cessão de bens aos credores, sendo que hoje, esta isenção está limitada ao âmbito “processo de insolvência que siga para liquidação” e acrescenta à isenção de IRS e IRC a venda de bens e direitos.
No caso em apreço, verifica-se que a venda de imóveis geradora de mais valias ocorreu antes de 1-1-18, não se encontrando, assim, abrangida pela nova redação do artigo 268º, nº 1 do CIRE.
A questão que se coloca é, portanto, a de saber se o IRS devido pelas sobreditas mais valias constitui um crédito sobre a massa, como o pretende a insolvente no requerimento de fls. 133 e 134.
Conforme estabelece o art.º 46,1 CIRE, “a massa insolvente destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo.”
De acordo com o disposto no art. 81º, nº1 do CIRE, “sem prejuízo do disposto no título X, a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência.”

Conforme se refere na promoção antecedente, no Acórdão da Relação do Porto de 02.07.2015- www.dgsi.pt estabeleceu-se que “As massas insolventes são apenas partes separadas dos patrimónios das pessoas (singulares ou colectivas) a quem os bens pertencem. O que acontece, quando há uma declaração de insolvência, é apenas, como resulta do art. 81º, nº1 do CIRE, uma transferência dos poderes de administração e disposição relativamente aos bens integrantes da massa insolvente, do insolvente para o AI. Os bens continuam a ser do insolvente, apenas se dá uma transferência daqueles poderes sobre eles (que de outro modo continuariam no insolvente por os bens serem dele).

Assim, praticando o administrador actos de liquidação da massa insolvente, na forma de venda de bens integrantes desta massa, por um valor superior ao valor pelo qual ele foi adquirido, tal corresponde a um acréscimo do património do devedor, pessoa singular ou colectiva, e o imposto que esse acréscimo vai originar é um imposto do devedor mas pelo qual responde apenas o património separado naquela massa insolvente.” (…) “Quando, no decurso da liquidação dos bens que integram a massa insolvente de uma pessoa singular, o administrador da insolvência procede à alienação de bens por valor superior àquele pelo qual tinham sido adquiridos pelo insolvente, o imposto devido pela mais-valia gerada por essa alienação (art. 10/1 a) do CIRS) é uma dívida da massa insolvente (art. 51/1c) do CIRE).”
Ou seja, conclui-se que o IRS devido pelas mais valias resultantes da venda de imóveis nos presentes autos deve ser considerada dívida da massa insolvente.
Notifique”.

Inconformado, apelou o credor Banco ... SA, concluindo as suas alegações da seguinte forma:

CONCLUSÕES

1. No âmbito da liquidação no presente processo de insolvência, foram vendidos três imóveis propriedade dos insolventes.
2. Na sequência de tais vendas os insolventes peticionam que seja paga pela massa insolvente uma Nota de Liquidação de 6.961,14 referente ao IRS de 2017, alegando que essa quantia se deve a mais-valias geradas pela alienação dos referidos imóveis.
3. O Despacho recorrido considerou que a dívida de IRS apresentada se deve considerar como dívida da massa insolvente, dado as vendas dos imóveis serem anteriores à entrada em vigor da redação atual do art. 268.º, n.º 1 do CIRE.
4. Do confronto entre as duas redações do art. 268.º, n.º 1 do CIRE, conclui-se que o legislador não mais fez do que, na redação atual, resolver o conflito interpretativo e aplicativo que resultava da redação anterior.
5. O legislador clarificou expressamente que a isenção fiscal (já) consagrada naquele preceito também se aplicava à venda de bens e direito.
6. Acresce que no âmbito da liquidação num processo de insolvência não há qualquer incremento patrimonial, pelo que esta tributação não se coaduna com a natureza de tal processo.
7. Pelo que éinegávelque oespíritoou ratioda (anterior)norma permitia já incluir as situações de venda de bens.
8. Não se encontrando solução para esta questão através da interpretação extensiva daquela norma (anterior), sempre se defenderá que a solução proposta seria a mais justa e aquela que, de iure condendo, resultaria de dentro do espírito do sistema (art. 10.º, n.º 3 do CC).
9. Inviabilizar a sua aplicação a processo de insolvência ainda pendente, é inviabilizar o objetivo prosseguido com a alteração legislativa.
10.Pelo que, a nova redação do artigo deverá ser aplicada ao presente processo e, em consequência, não ser pago qualquer valor a título de mais valias pela massa insolvente.
11.Sem conceder, desconhece-se se a quantia de € 6.961,14 constante da Nota de Liquidação recebida pelos insolventes diz respeito à concreta tributação das mais-valias alegadamente geradas neste processo pela alienação dos imóveis dos insolventes.
12.Os insolventes auferem rendimentos em outras categorias, passíveis de tributação autónoma em sede de IRS, pelo que não é possível, dos elementos juntos no processo, fazer-se uma “destrinca” dequalovalor constante da Nota de Liquidação que é devido pelas mais-valias alegadamente geradas.
13.Por tudo o exposto, deverá o Despacho recorrido ser alterado em conformidade, considerando-se que o valor constante da Nota de Liquidação junta aos autos pelos insolventes não é devido pela massa insolvente”.
Pugna o Recorrente pela integral procedência do recurso e consequente revogação da decisão recorrida.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Cumpre apreciar e decidir.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do CPC).
A questão a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelo Recorrente, é a de saber se o imposto (IRS) devido pelas mais-valias resultantes da venda pelo Administrador da insolvência de imóveis apreendidos para a massa insolvente deve ser considerado dívida da massa.
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III. FUNDAMENTAÇÃO

A questão a decidir no presente recurso, tal como já delimitado, consiste em saber se o imposto (IRS) devido pelas mais-valias resultantes da venda pelo Administrador da insolvência, de imóveis apreendidos para a massa insolvente, constitui dívida da massa insolvente.
Tal questão remete-nos desde logo para a possibilidade de aplicação (ou não) no caso concreto da atual redacção do artigo 268º n.º 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (daqui em diante designado apenas por CIRE), bem como para a possibilidade de interpretação deste preceito, na redacção anterior à Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, no sentido de permitir já incluir as situações de venda de bens.
O tribunal a quo entendeu que no caso em apreço a venda de imóveis geradora de mais-valias ocorreu antes de 01/01/2018, não se encontrando, assim, abrangida pela nova redação do artigo 268º nº 1 do CIRE e concluiu que o IRS devido pelas mais valias resultantes da venda dos imóveis nos autos de insolvência deve ser considerada dívida da massa insolvente.
É contra este entendimento que se insurge o Recorrente.
Vejamos então se lhe assiste razão, sendo os factos a considerar os constantes do relatório supra e da decisão recorrida.
O Orçamento de Estado para o ano de 2018, cristalizado pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, no seu artigo 287º, veio alterar os artigos 268º e 269º do CIRE, e o n.º 1 do artigo 268º (que aqui releva) passou a ter a seguinte redação: “1 - Os rendimentos e ganhos apurados e as variações patrimoniais positivas não refletidas no resultado líquido, verificadas por efeito da dação em cumprimento de bens e direitos do devedor, da cessão de bens e direitos dos credores e da venda de bens e direitos, em processo de insolvência que prossiga para liquidação, estão isentos de impostos sobre o rendimento das pessoas singulares e coletivas, não concorrendo para a determinação da matéria coletável do devedor”.

Na redacção anterior à referida Lei dispunha este receito que: “1 – As mais-valias realizadas por efeito da dação em cumprimento de bens do devedor e da cessão de bens aos credores estão isentas de impostos sobre o rendimento das pessoas singulares e colectivas, não concorrendo para a determinação da matéria colectável do devedor.”
Como resulta da própria epígrafe do preceito (benefícios relativos a impostos sobre o rendimento das pessoas singulares e colectivas) nele são concedidos (como eram) benefícios fiscais, não sendo as mais-valias em causa levadas em conta na determinação da matéria colectável para efeitos de impostos sobre o rendimento de pessoas singulares e colectivas.
Na sequência da alteração introduzida na redacção do preceito é de salientar, no essencial, que na sua anterior versão, o artigo 268º isentava de tributação as mais-valias decorrentes de dação em cumprimento de bens do devedor e da cessão de bens aos credores, sem referência ao contexto em que ocorriam, enquanto actualmente a isenção aparece limitada à circunstância do processo de insolvência prosseguir para liquidação, e o preceito acrescenta à isenção de IRC e IRS a venda de bens, e ainda a dação, cessão e venda de direitos.
Assim, e desde o dia 01 de Janeiro de 2018, as variações patrimoniais positivas não refletidas no resultado líquido e os ganhos e rendimentos decorrentes da dação em cumprimento de bens e direitos do devedor, da cessão de bens e direitos dos credores e da venda de bens e direitos, em processo de insolvência que prossiga para liquidação usufruem de isenção de tributação.
Porém, a redacção actual do referido n.º 1 do artigo 268º apenas tem aplicação a partir de 01 de Janeiro de 2018, por isso, conforme bem se refere na decisão recorrida, tendo a venda dos imóveis nos autos de insolvência, geradora de mais valias, ocorrido antes de 01/01/2018, não se encontra abrangida pela nova redação do artigo 268º n.º 1 do CIRE.
E na anterior redacção o benefício fiscal era apenas atribuído às mais-valias realizadas por efeito da dação em cumprimento de bens do devedor e da cessão de bens aos credores, e já não da venda de bens, conforme resulta expressamente da lei.
Ao contrário do que defende o Recorrente, não entendemos que o espírito ou ratio da norma na redacção anterior permitisse já incluir as situações de venda de bens, não sendo de chegar a essa solução por via da interpretação extensiva.

Conforme se refere o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10/05/2017 (disponível em www.dgsi.pt, bem como todos os demais adiante citados) “o artigo 268º n.º 1 do CIRE prevê a isenção das mais-valias resultantes da dação em cumprimento ou cessão de bens do insolvente aos credores no âmbito do processo de insolvência, mas não prevê idêntica isenção no caso da venda”.

Tanto quanto se nos é dado conhecer a jurisprudência tem vindo a decidir não ser de interpretar extensivamente a norma de isenção prevista no nº 1 do artigo 268.º do CIRE (na redacção anterior à que resultou da Lei do Orçamento do Estado para 2018) por forma a nela englobar, para além da sua letra, o IRS incidente sobre mais-valias geradas pela venda de bens imóveis que integrem a massa insolvente; neste sentido podemos citar entre outros, os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 10 de Maio de 2017, relatado pelo Conselheiro Francisco Rothes, de 11/10/2017, relatado pelo Conselheiro Aragão Seia, de 30/05/2018 e de 06/06/2018, relatados pela Conselheira Isabel Marques da Silva e de 24/04/2019, relatado pelo Conselheiro Ascensão Lopes.
Também neste sentido os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 30/05/2017, relatado pelo Desembargador João Proença e do Tribunal da Relação de Lisboa de 19/10/2017, relatado pela Desembargadora Francisca Mendes.
Como resulta de forma linear da letra da lei apenas estavam abrangidas pela isenção de IRS as mais-valias resultantes da dação em cumprimento de bens do insolvente e da cessão desses bens aos credores e já não as resultantes da venda desses bens.
Assim, e como se consigna no citado Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06/06/2018 em matéria de isenções, “há que observar o princípio constitucional da legalidade tributária, na sua vertente de tipicidade, que veda a integração analógica de normas de isenção de imposto, embora consinta na sua interpretação extensiva (…)” porém, “a interpretação extensiva pressupõe que, por via interpretativa, se conclua que o legislador minus dixe quam voluit, que o legislador disse menos do que aquilo que se pretendia dizer (…) ou seja, que quando isentou de IRS as mais-valias resultantes da dação em cumprimento de bens do devedor aos credores ou da cessão de bens aos credores pretendia igualmente abranger no âmbito da isenção as mais-valias realizadas com a venda a terceiros desses bens, pelo menos na parte em que o produto dessa venda fosse utilizado no pagamento aos credores”.
Mas, salvo o devido respeito por opinião contrária, não entendemos que se possa concluir que neste caso o legislador tenha dito menos do que pretendia e nem que pretendia então abranger também na isenção prevista no nº 1 do artigo 268º do CIRE as mais-valias resultantes da venda de bens do devedor, pois que não só estamos perante figuras jurídicas inequivocamente distintas e autónomas, insusceptíveis de confusão entre si, como as situações de venda serão até mais comuns e frequentes do que as de dação em pagamento ou cessão de bens aos credores, pelo que, a ser essa a sua intenção certamente o legislador o teria dito expressamente (cfr. artigo 9º n.º 3 do Código Civil).
Por outro lado, nada permite concluir, designadamente a ratio legis, que o legislador quisesse aplicar então às situações em que há venda de bens (transferência de bens do insolvente para terceiros) tratamento idêntico àquele em que há uma transferência directa de bens da esfera patrimonial do insolvente para a dos credores (cfr. o citado Acórdão de 06/06/2018).
Veja-se aliás que se atualmente o legislador acrescentou à isenção a venda de bens, também acrescentou a dação, a cessão e a venda de direitos (que anteriormente não contemplava) mas limitou agora à circunstância do processo prosseguir para liquidação.
Concluímos, pois, que na redacção anterior à que resulta da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, o n.º 1 do artigo 268º do CIRE apenas previa a isenção das mais-valias resultantes da dação em cumprimento ou cessão de bens do insolvente aos credores no âmbito do processo de insolvência, e não também no caso da venda, não estando estas então abrangidas pela isenção.
Do exposto decorre não só que a nova redação do artigo não dever ser aplicada no caso concreto, como em face da redacção anterior as mais-valias em causa não se encontravam previstas na isenção o n.º 1 do artigo 268, improcedendo por isso, nesta parte, a pretensão do Recorrente de não ser pago qualquer valor a título de mais valias.
Mas, sendo de concluir haver lugar à tributação das mais-valias pela venda dos imóveis no âmbito dos autos de insolvência, deverá o seu pagamento ser considerado divida da massa insolvente?
A jurisprudência vem respondendo afirmativamente a esta questão, designadamente nos Acórdãos da Relação do Porto de 2/07/2015 (onde se pode ler no sumário que “Quando, no decurso da liquidação dos bens que integram a massa insolvente de uma pessoa singular, o administrador da insolvência procede à alienação de bens por valor superior àquele pelo qual tinham sido adquiridos pelo insolvente, o imposto devido pela mais-valia gerada por essa alienação [art. 10/1a) do CIRS] é uma dívida da massa insolvente [art. 51/1c) do CIRE]”) e de 30/05/2017 (em cujo sumário consta que é “a massa insolvente, não o insolvente, que responde pelas eventuais mais-valias decorrentes da venda de imóveis”), e da Relação de Lisboa de 19/10/2017 (em cujo sumário se pode ler que “O imposto devido pela mais-valia gerada pela venda de bem da massa insolvente é uma dívida da massa insolvente (art. 51º, nº1,c) do CIRE”) e de 07/05/2019, já citados, cujos argumentos também subscrevemos.

Na verdade, conforme resulta do disposto no artigo 1º do CIRE, o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade, na parte que aqui releva, a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, podendo ser objecto de tal processo quaisquer pessoas singulares ou colectivas.
Quando uma pessoa singular é declarada insolvente os seus bens são de imediato apreendidos (cfr. a alínea g) do n.º 1 do artigo 36.º do CIRE) e passam a integrar um património autónomo denominado massa insolvente; e esta, de acordo com o conceito do n.º 1 do artigo 46º do CIRE, destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo.
Por outro lado, os bens apreendidos são entregues ao administrador da insolvência que é quem passa a exercer os poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente (cfr. artigo 81º n.º 1 do CIRE), ocorrendo uma transferência dos poderes de administração e disposição dos mesmos, não obstante os bens continuarem a ser do insolvente.
E no que toca às dívidas da massa insolvente, são as mesmas enumeradas no artigo 51º n.º 1 do CIRE (nas suas várias alíneas, embora sem carácter taxativo) que prevê que “Salvo preceito expresso em contrário, são dívidas da massa insolvente, além de outras como tal qualificadas neste Código: (…) c) As dívidas emergentes dos atos de administração, liquidação e partilha da massa insolvente (…)”.
São por isso consideradas dívidas da massa insolvente as que emergem dos atos de administração, liquidação e partilha da massa insolvente.
Ora, quem pratica os actos de liquidação da massa insolvente, designadamente procedendo à venda dos bens apreendidos para a massa insolvente (cfr. artigo 164º do CIRE), é o administrador da insolvência, gerando dessa forma e em regra um acréscimo do património do devedor, mas sendo a massa insolvente quem efectivamente arrecada o produto da venda e não o devedor.
Ainda que a massa insolvente não disponha de personalidade tributária, não sendo por isso sujeito passivo de IRS (o devedor do imposto continua a ser a pessoa singular que foi declarada insolvente; cfr., neste sentido, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 8/03/2017, de 10/05/2017 e de 31/05/2017 todos relatados pelo Conselheiro Francisco Rothes) e que os bens sejam propriedade do insolvente até à venda, a verdade é que a venda ocorre sem iniciativa ou participação do insolvente, não sendo este quem define a forma da venda e nem o preço dos bens (o que incumbe ao administrador da insolvência) e nem quem retira diretamente quaisquer ganhos com a mesma.
É, por isso, inequívoco que o imposto de mais valias gerado pela alienação dos bens no processo de insolvência, por valor superior àquele pelo qual tinham sido adquiridos pelo insolvente, tem como fonte um acto de liquidação da massa insolvente, levado a cabo pelo administrador da insolvência e, como tal, passível de ser integrado no elenco das dividas da massa previsto no artigo 51º do CIRE.
O imposto (IRS) devido pelas mais-valias resultantes da venda pelo Administrador da insolvência deverá assim ser considerado dívida da massa ou do insolvente
Aliás, a não ser assim, estaria a fazer-se recair sobre o insolvente o pagamento de um imposto sobre o rendimento, quando tal rendimento foi efectivamente obtido pela massa e não pelo insolvente.
Decorre do exposto que, tendo o administrador da insolvência procedido à alienação dos bens apreendidos para a massa por valor superior àquele pelo qual tinham sido adquiridos pelo insolvente, o imposto devido pelas mais-valias dai decorrentes deve ser considerado uma dívida da massa insolvente nos termos do disposto no artigo 51º n.º 1 alínea c) do CIRE, não merecendo, por isso, qualquer censura a decisão recorrida.
O Recorrente invoca ainda desconhecer se a quantia de €6.961,14 constante da Nota de Liquidação recebida pelos insolventes diz respeito à concreta tributação das mais-valias geradas pela alienação dos imóveis dos insolventes, uma e que os insolventes auferem rendimentos em outras categorias, passíveis de tributação autónoma em sede de IRS.
Mas, na verdade, quando notificado do requerimento apresentado pela insolvente e da Nota de Liquidação junta aos autos pela mesma, o Recorrente não colocou em causa que o valor respeitasse à tributação das mais-valias geradas pela alienação dos imóveis dos insolventes, invocando apenas que o pagamento do imposto não era devido nos termos do disposto no artigo 268º do CIRE. Assim, não tendo sido suscitada tal questão perante o tribunal recorrido, não pode agora este tribunal conhecer da mesma.
Em face do exposto impõe-se concluir pela improcedência do presente recurso.
As custas são da responsabilidade do Recorrente atento o seu integral decaimento (artigo 527º do Código de Processo Civil).
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SUMÁRIO (artigo 663º n.º 7 do Código do Processo Civil)

I - Tendo o administrador da insolvência procedido à alienação dos bens apreendidos para a massa por valor superior àquele pelo qual tinham sido adquiridos pelo insolvente, o imposto (IRS) devido pelas mais-valias dai decorrentes deve ser considerado uma dívida da massa insolvente nos termos do disposto no artigo 51º n.º 1 alínea c) do CIRE.
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IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Guimarães, 17 de outubro de 2019
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Raquel Baptista Tavares
Margarida Almeida Fernandes
Margarida Sousa