Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
317/18.8T8PRT.G1
Relator: JOSÉ FLORES
Descritores: TRIBUNAL ARBITRAL
INSUFICIÊNCIA ECONÓMICA SUPERVENIENTE
RECURSO AO TRIBUNAL COMUM
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.º SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (do relator):

- Na actual L.A.V. (Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro/LEI DA ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA) está expressamente consagrado no seu art. 5º a possibilidade de o tribunal estadual se pronunciar sobre a sua competência para apreciar a negativamente e de, nos casos ressalvados na parte final do seu nº 1 – manifesta nulidade, ineficácia ou inexequibilidade da convenção de arbitragem – apreciar vícios que determinem a invalidade de tal cláusula e, depreende-se, admita a sua competência, não obstante a existência de acordo arbitral;

- Mais, o nº 3 desse art. 5º, estipula que a decisão do tribunal estadual, prevista nesse nº 1, que considere incompetente o tribunal arbitral importa a cessação do processo que decorra neste último e torna ineficaz a sentença nele proferida;

- Inexiste assim imposição de que tal questão seja, sempre, previamente abordada pelo tribunal arbitral previsto na convenção em causa;

- A impossibilidade económica superveniente dos outorgantes de uma convenção arbitral (que os impeça de suportar os custos indispensáveis ao acesso a esse jurisdição), que seja subsumível à previsão do art. 790º, do Código Civil, (ainda que à luz do art. 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa) pode consubstanciar uma ineficácia manifesta que admita o julgamento das questões previstas no art. 5º, nº 1, da L.A.V., por um Tribunal estadual, que pode assim considerar incompetente o tribunal arbitral naquela estabelecido;

- Ainda que tal não se admita, esse mesmo art. 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, pode importar uma interpretação do actual art. 577º, nº 1, al. a), do C.P.C., ou do citado art. 5º, nº 1, da L.A.V., mais conforme aquele preceito constitucional, máxime quando se coloque em causa o acesso aos tribunais e ao direito ao impor a convenção arbitral, nesse quadro de insuficiência económica superveniente dos respectivos outorgantes;

- Perante isso, impõe-se ao Tribunal estadual onde tal excepção seja suscitada, que antes de a apreciar, instrua e julgue os factos, ainda controvertidos, com os quais os outorgantes, aqui Autores, querem ver demonstrada circunstâncias obstativas dessa excepção de incompetência absoluta suscitada pelos Réus, máxime as relacionadas com a mencionada impossibilidade económica superveniente, invocando, se em fase de saneamento, o disposto no art. 595º, nº 4, do Código de Processo Civil.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES NA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I – Relatório

- Recorrente(s): OLIVIA (…) e FERNANDO (…)

- Recorrido/a(s): ITMP PORTUGAL, (…) S.A., ITMP (…) S.A. e PREDIAL – (…) S.A.
*
Os aqui recorrentes intentaram a presente acção contra as
Recorridas, formulando os seguintes pedidos:


“(…) devem ser condenadas as Rés no pagamento das quantias que possuem indevidamente e que deveriam ter sido entregues aos Autores até ao momento da assinatura dos contratos de cessão de quotas e renuncia de usufruto e que são a estes devidas, no valor global de € 1.891.422,68 (um milhão oitocentos e noventa e um mil quatrocentos e vinte e dois euros e sessenta e oito cêntimos), sendo 1.361.548,88 (um milhão trezentos e sessenta e um mil quinhentos e quarenta e oito euros e oitenta e oito cêntimos) referente ao capital em divida e € 529.873,80 (quinhentos e vinte e nove mil oitocentos e setenta e três euros e oitenta cêntimos) a juros vencidos à taxa legal desde 13.03.2013 até 31 de Dezembro de 2017, referentes a:

A) Devido pela primeira Ré e segunda Ré, de forma solidária, a quantia de € 678.718,88 (seiscentos e setenta e oito mil setecentos e dezoito euros e oitenta e oito cêntimos), resultante da diferença referida entre o valor do imóvel e do prejuízo acumulado da “ (…) – Supermercados, Lda.”, também este apurado pela primeira Ré, também sócia desta, a que acrescem os juros de mora, já vencidos, à taxa legal desde 13.03.2013 até 31.12.2017, no montante global de € 264.136,90 (duzentos e sessenta e quatro mil cento e trinta e seis euros e noventa cêntimos).
B) O reembolso pela primeira Ré do valor de € 282.000,00 (duzentos e oitenta e dois mil euros) pago pelos Autores por exigência a primeira Ré aos sócios iniciais da sociedade “(…) – Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda.”, Manuel (…) e Maria (…) e que não se encontra contabilizado, a que acrescem juros de mora, já vencidos, à taxa legal desde 13.03.2013 a 31.12.2013, no montante de € 109.745,94 (cento e nove mil setecentos e quarenta e cinco euros e noventa e quatro cêntimos).
C) Entrega pela terceira Ré dos valores declarados na escritura de cessão de quotas da sociedade “(…) – Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda.” e que não foram integrados no património dos Autores, no valor de € 400.830,00 (quatrocentos mil oitocentos e trinta euros) a que deverão acrescer juros de mora, já vencidos, à taxa legal, desde 13.03.2013 a 31.12.2013, no montante de € 155.990,95 (cento e cinquenta e cinco mil novecentos e noventa euros e noventa e cinco).
D) Devem ainda as Rés ser condenadas no pagamento dos juros que entretanto se vencerem desde 1 de Janeiro de 2018, até efectivo e integral pagamento, juros esses que são comerciais e calculados à taxa legal em vigor a cada momento.”

As demandadas contestaram, invocando, além de mais, a violação da convenção de arbitragem.
Os Autores reagiram, pedindo a improcedência desse e de outros argumentos esgrimidos pelas Rés.

Considerando dispensável a realização de audiência prévia, o Tribunal a quo proferiu despacho saneador em que, para o que aqui releva, decidiu o seguinte.

“Atento o exposto, de harmonia com as normas citadas:

a) declaro a 2ª Secção da Instância Central Cível da Comarca de Braga incompetente em razão da matéria;
b) absolvo da instância as Rés ITMP Portugal – (…) S.A., ITMP (…) S.A. e (…)– Investimentos e Imobiliário, S.A..
Custas a cargo dos Autores.
Nos termos dos artigos 297º nºs 1 e 2, 299º nº 1 e 306º do Código de Processo Civil, fixo o valor da acção em € 1.891.422,68.
Considerando a fase em que a acção finda, bem como a simplicidade da sua tramitação e da questão suscitada, ao abrigo do disposto o artigo 6º nº 7 do Regulamento das Custas Processuais, dispenso o pagamento do remanescente da taxa de justiça correspondente ao valor que excede € 275.000.”
*
Inconformados com tal decisão, dela interpuseram os Autores o presente recurso de apelação, em cujas alegações formulam as segui conclusões:

I – O Tribunal “a quo” incorre vários erros por desconhecimento da realidade, um é a referência feita ao Regulamento de Arbitragem do Centro de Arbitragem Comercial da Câmara de comércio e Industria Portuguesa, outro é a omissão dos custos de instalação do Tribunal de arbitral, outro ainda, é entender que os Apelantes poderiam pagar € 2.500,00 para apresentar um requerimento de arbitragem, quando a Segurança Social afere as reais capacidades financeiras dos Apelantes, correspondendo esse valor ao que os Autores auferem num trimestre do ano sem terem quaisquer despesas, esqueceu-se o Tribunal que o salário mínimo nacional não chega aos € 600,00 e que poucas profissões são bem pagas, sendo que a medida da disponibilidade do valor para o requerimento de arbitragem não é suficiente que o mesmo seja devolvido a final, é necessário ter o valor para dar entrada do requerimento.

II - Por maioria de razão, o facto de não existirem possibilidades de pagamento do requerimento inicial, também não pode ser o Tribunal arbitral a definir ou não a sua competência e a situação de carência dos ora Apelantes, porque sem os referidos €2.500, nem sequer a situação de necessidade poderá ser sindicada pelo Tribunal Arbitral, que para ser constituído ainda necessita da nomeação prévia de um árbitro, que tem que ser pago antecipadamente.

III - Parece-nos completamente desfocada a fundamentação do Tribunal “a quo” para a decisão tomada e para a procedência da excepção de preterição do Tribunal arbitral, sendo que este bloqueio de acesso dos Apelantes ao Tribunal Judicial por entender de forma completamente irreal que os valores que o próprio julgador calculou com base num regulamento de um centro de arbitragem, esquecendo-se para além do que ficou dito das despesas inerentes a deslocações a Lisboa das testemunhas, mandatário e as partes.

IV - Se o Apoio judiciário requerido nestes autos fosse concedido no Tribunal Arbitral, definido nos contratos leoninos ou de adesão, os Autores recorreriam a esses tribunais, só que tal situação não ocorre, e fazendo simples contas, mesmo aceitando a forma simplista que o Tribunal “a quo” faz, não é possível sequer dar entrada do requerimento inicial por falta de meios financeiros próprios, além de que não poderá ser colocada em causa a decisão da Segurança Social e os elementos que a ela levaram, pois se no tribunal judicial essa questão nunca é colocada não se entende porque agora que tem a ver com um verdadeiro “non liquet”, e porque versa uma questão de competência para quem tem que proferir sentença a um Domingo.

V - Com os elementos constantes dos autos, e com a decisão proferida, entendemos estar em face de uma flagrante violação de um elementar direito consagrado na Constituição da Republica Portuguesa, o direito de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, nomeadamente a sua consagração no n.º 1 do artigo 20.º da Constituição, “A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo ser denegada por insuficiência de meios económicos”.

VI - A procedência da excepção viola o princípio constitucional de acesso ao direito para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.

NORMAS VIOLADAS:

Artigo 2.º n.º 1 do Código de Processo Civil: artigo 790.º do Código Civil; artigo 20.º n.º 1 da Constituição da Republica Portuguesa.

Requer ainda a manutenção do apoio judiciário já concedido nos autos de que se recorre.

As Recorridas apresentaram contra-alegações, propugnando pela manutenção do decidido,

1. Circunscreve-se o âmbito da douta sentença recorrido à fixação de dois factos essenciais que dá por assentes e a decidir sobre a competência do Tribunal, em razão da matéria, para julgar os autos;
2. Os apelantes conformaram-se nas conclusões das suas alegações de recurso quer com os factos assentes na douta sentença recorrida, quer com a validade e eficácia da convenção de arbitragem, questionando tão só a sua aplicabilidade in casu;
3. Não padece a douta sentença recorrida de qualquer dos erros que lhe são imputados pelos apelantes, não evidenciados nem demonstrados;
4. Em caso algum poderia a (meramente) alegada impossibilidade económica constituir causa justificativa de não cumprimento da convenção de arbitragem, que obriga as partes;
5. Constituindo a possibilidade de as partes optarem pelos Tribunais Arbitrais uma consagração do princípio da liberdade contratual das partes e em matéria que está na sua livre disponibilidade;
6. A douta sentença recorrida, com a sua decisão, não viola o princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, consagrado no Art. 20º da Constituição da República a Portuguesa;
7. Tal como não viola a douta sentença recorrida qualquer das normas que são identificadas pelos apelantes, que, de resto, tão pouco fundamentam e densificam, como a tal estavam obrigados;
8. Bem decidiu, pois, o Tribunal de Primeira Instância, pelo que deve improceder o presente recurso, na sua totalidade, mantendo-se a douta decisão recorrida.

II – Delimitação do objeto do recurso e questões prévias a apreciar:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos do artº 639º, do Código de Processo Civil (doravante C.P.C.).

As questões, tal como enunciadas pelos recorrentes, podem ser sintetizadas da seguinte forma: se a actual realidade económica e financeira dos Autores determina a competência material e absoluta deste Tribunal, uma vez que a excepção dilatória decorrente da violação de convenção de arbitragem se não verifica quando ocorra uma situação de insuficiência económica superveniente que impossibilite uma das partes dessa convenção de suportar as despesas com a constituição e funcionamento da arbitragem.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

III – Fundamentos

1. Factos

Os considerados pelo Tribunal Recorrido

1. Na cláusula 6ª do escrito datado de 13 de Março de 2013, denominado “contrato de cessão de quotas e renúncia ao usufruto” assinado por Autores e Rés ITMP Portugal – (…), S.A., ITMP (…) S.A., os mesmos declararam:

“ Um- As partes acordam que, em caso de litígio ou desentendimento quanto à interpretação ou execução deste contrato, os Outorgantes diligenciarão por todos os meios de diálogo e modos de composição de interesses, obter uma solução concertada para a questão.
Dois - Quando não for possível uma solução amigável e negociada nos termos previstos no número anterior, qualquer dos Outorgantes, poderá, a todo o momento, recorrer unicamente à arbitragem, nos termos dos números seguintes.
Três - A arbitragem será realizada por um Tribunal Arbitral constituído nos termos desta cláusula e, supletivamente, do disposto na Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro.
Quatro - O Tribunal Arbitral será constituído por um Árbitro único, se os outorgantes em litígio acordarem na sua designação. Na falta de acordo, o Tribunal Arbitral será constituído por três Árbitros, caso em que a Primeira e Outorgante nomeará um Árbitro e os Segundo e Terceira Outorgante nomearão outro Árbitro, e os dois assim nomeados pelos contratantes designarão por acordo o terceiro Árbitro, que presidirá; na falta de acordo, o terceiro Árbitro será designado pelo Presidente do Conselho de Arbitragem do Centro de Arbitragem Comercial da Associação Comercial de Lisboa, a requerimento da parte mais diligente.
Cinco - O Tribunal Arbitral funcionará em Lisboa, no local que for escolhido pelo Árbitro único ou pelo Árbitro Presidente.
Seis - O processo correrá perante o Tribunal Arbitral com observância das normas do Código de Processo Civil e, supletivamente, pelas regras processuais adoptadas pelo Centro de Arbitragem Comercial da Associação Comercial de Lisboa.
Sete - O Tribunal Arbitral apreciará os factos e julgará as questões de direito como o faria o Tribunal normalmente competente e das decisões proferidas caberá unicamente recurso nos termos do artigo 46º da Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro.” [documento nº 9, junto com a petição inicial]
2. A cláusula 6ª do escrito datado de 13 de Março de 2013, denominado “contrato de cessão de quotas e renúncia ao usufruto”, assinado por Autores e Rés ITMP Portugal – (…), S.A. e PREDIAL – (…), S.A., tem o conteúdo transcrito em 1) [documento nº 10, junto com a petição inicial].

O que resulta dos autos e é alegado pelos Autores (art. 662º, nº 1, do Código de Processo Civil).

3. Foi deferido a cada um dos Autores/Recorrentes apoio judiciário para a presente, acção, na modalidade de pagamento faseado (mensal, no valor de 60€) de taxa de justiça e demais encargos com o processo e atribuição de agente de execução (cf. docs. a fls. 109 v. e ss.).

2. Direito

Dita o art. 96º, do C.P.C. (Código de Processo Civil), que determina a incompetência absoluta do tribunal (b) a preterição de tribunal arbitral.

Trata-se de excepção dilatória prevista no art. 577º, al. a), do C.P.C., que é de conhecimento do Tribunal quando suscitada pelas partes art. (cf. art. 578º, do C.P.C.).

Assim fizeram as aqui Recorridas/Rés, aliás a coberto da norma do art. 5º, da L.A.V. (1), onde se estabelece o efeito negativo da convenção da arbitragem e se prevê que (1) o tribunal estadual no qual seja proposta acção relativa a uma questão abrangida por uma convenção de arbitragem deve, a requerimento do réu deduzido até ao momento em que este apresentar o seu primeiro articulado sobre o fundo da causa, absolvê-lo da instância, a menos que verifique que, manifestamente, a convenção de arbitragem é nula, é ou se tornou ineficaz ou é inexequível.

No caso, as partes não discutem se o objecto da sua disputa cabe na convenção que estabeleceram, mas sim se a mesma deve subsistir, máxime perante os factos e o direito invocados pelos Recorrentes, desde logo na sua p.i. (cf. seus itens 90º a 97º).

O Tribunal a quo entendeu, em face do factualismo acima exposto e seguindo de perto a solução do caso esgrimido pelo Supremo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 26-04-2016 (2), em suma, que é o tribunal arbitral instituído pelas partes o competente para, em primeira linha, apreciar a potencial viabilidade dos argumentos aqui invocados pelos Autores, relacionadas com a sua alegada insuficiência económica superveniente, de acordo com o princípio da Kompetenz-Kompetenz ínsito no actual art.º 18º (3), da L.A.V., segundo o qual não só o árbitro tem competência para conhecer da sua própria competência, como tal competência lhe cabe antes de poder ser definida pelo tribunal judicial.

Ora, tendo em conta a actual L.A.V., discordamos respeitosamente desse entendimento, nomeadamente da natureza absoluta de tal princípio, que subjaz a essa posição, sendo de notar que neste caso estamos perante pessoas singulares e não sociedades comerciais como as que se digladiavam no citado arresto de 2016.

Desde logo, note-se que quer o legislador de 1986 (anterior L.A.V./Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto), quer o de 2011, falam, de forma pouco assertiva, sobre essa suposta imperatividade. Ambos usam a expressão “pode”, denunciando um possibilidade e não uma inevitabilidade tal qual a pressuposta no entendimento seguindo pelo Tribunal recorrido (cf. art. 9º, do Código Civil).

Acresce que, se no regime de 1986 tal leitura não tinha obstáculo aparente dentro do próprio diploma legal, no actual está expressamente consagrado no supra citado art. 5º a possibilidade adversa de o tribunal estadual se pronunciar sobre tal questão e de, nos casos ressalvados na parte final do seu nº 1 – manifesta nulidade, ineficácia ou inexequibilidade da convenção de arbitragem – apreciar vícios que determinem a invalidade de tal cláusula e, depreende-se, admita a sua competência, não obstante a existência de acordo arbitral. Mais, o seu nº 3, estipula que a decisão do tribunal estadual, prevista nesse nº 1, que considere incompetente o tribunal arbitral importa a cessação do processo que decorra neste último e torna ineficaz a sentença nele proferida.

No caso em apreço, não encontramos razões para considerar que o negócio arbitral outorgado pelas partes seja inexistente ou que exista alguma circunstância que provoque a sua original nulidade, contudo, julgamos ser admissível considerar que estamos perante uma possível ineficácia, certamente no sentido amplo, que surge sempre que um negócio não produz, por impedimento decorrente do ordenamento jurídico, no todo ou em parte, os efeitos que tenderia a produzir, segundo o teor das declarações respectivas (4), mas também no seu sentido estrito, definido pela circunstância de depender de alguma circunstância extrínseca que, conjuntamente com o negócio, integra a situação complexa (fattispecie) produtiva do efeito jurídico (5) (dando-se aí o exemplo de legislação superveniente que proíbe retroactivamente a obrigação em causa).

Com efeito, a invocada impossibilidade absoluta a que se reporta o citado art. 790º, do Código Civil, é, nas palavras de Baptista Machado (6), aquela que resulta de uma perturbação do programa contratual que atinge directamente, ou a capacidade de prestar do devedor, ou objecto da prestação em si mesmo, ou o processo de prestação, isto é a actividade ou a conduta do devedor que permitira satisfazer o interesse do credor e cumprir a obrigação.

Tratando-se de excepção peremptória que extingue os efeitos do negócio previamente celebrado, por razões supervenientes, estamos, em tese, perante um quadro de ineficácia absoluta superveniente respeitante às pessoas dos aqui Autores, na medida em que tal tornaria inoperante e em relação a estes a convenção em apreço.

E tal como entendeu o Supremo Tribunal de Justiça no paradigmático Ac. de 18.1.2000 (7), apesar de considerar então constitucional a norma do art. 494º, nº 1, al. j), do Código de Processo Civil revogado em 2013:

Na verdade, importa ainda saber se, quando exista uma convenção de arbitragem, a superveniência de uma situação de insuficiência económica que impossibilite uma das partes dessa convenção de suportar as despesas com a constituição e funcionamento da arbitragem constitui ou não causa legítima de incumprimento dessa convenção, isto é, se nesse caso, a parte que se viu impossibilitada de custear as despesas de arbitragem pode ou não deixar de a ela recorrer e submeter o litígio que a oponha à outra parte aos tribunais estaduais.

Esta questão não encontra resposta directa na lei. A lei contém, tão só no domínio das obrigações, uma norma - n. 1 do artigo 790 do CCIV - que estabelece que a obrigação se extingue quando se torna impossível por causa não imputável ao devedor.

No caso, porém, não se está no domínio das obrigações em sentido técnico, mas de uma vinculação, e a "prestação", ou seja, a obrigação de recorrer a tribunal arbitral, não se tornou impossível. O que se tornou impossível foi o pagamento das despesas da arbitragem, que o mesmo é dizer, de uma "obrigação" acessória da "obrigação" principal.

O que então pode perguntar-se é se esta ideia da extinção da obrigação fundada na impossibilidade do seu incumprimento por causa não imputável ao devedor, não deverá valer aqui também. Se uma tal ideia for transponível para o domínio da convenção arbitral, então haverá que concluir que, não podendo uma das partes custear as respectivas despesas, deve ela ficar desonerada da obrigação de recorrer à arbitragem, podendo, em tal caso, dirigir-se aos tribunais estaduais, não obstante a convenção que subscreveu e, nesse caso, não lhe será oponível a excepção dilatória de violação da convenção de arbitragem.

Podendo, embora, julgar-se que se trata de uma solução duvidosa, existe, no entanto, um tópico interpretativo que aponta no sentido de permitir o recurso aos tribunais estaduais, não obstante a existência de uma convenção arbitral, sempre que - mas só quando -, por culpa não imputável à parte, esta se veja colocada, supervenientemente, na impossibilidade de custear as despesas da arbitragem a que se comprometeu submeter o caso. E este tópico, é o de que, se assim for, face à impossibilidade de custear tais despesas, essa parte estará impossibilitada de obter justiça para o seu caso, isto é, ver-se-á impedida de ver satisfeito o seu direito de acesso à justiça para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos; melhor dizendo, num tal caso, a parte veria ser-lhe denegada justiça por insuficiência de meios económicos.

Ora, este é um resultado que a Constituição não aceita - cfr. citado n. 1 do artigo 20. Mas, se assim é, então é razoável concluir que a força expansiva dos direitos - ou melhor, do direito de acesso aos tribunais - impõe que, na hipótese que se figurou de a parte na convenção arbitral que, posteriormente à celebração desta, se viu, sem culpa sua, arrastada para uma situação de insuficiência económica que a impossibilitam de custear as despesas dessa arbitragem, possa deixar de cumprir tal convenção e recorrer aos tribunais estaduais, pedindo a resolução do caso, sem que seja possível opor-lhe a competente excepção dilatória.

No caso dos autos o Autor alegou, precisamente, que posteriormente aos contratos celebrados, as circunstâncias com base nas quais as partes convencionaram o recurso à arbitragem se haviam alterado por culpa exclusiva dos Réus, ora recorridos, e, em consequência de os não terem cumprido, ficou numa situação de carência económica que o impossibilita de fazer face aos elevados custos inerentes à constituição e funcionamento do tribunal arbitral (designadamente artigos 296 a 310 da petição inicial).(…)

Se o Autor caiu em situação de insuficiência económica após a celebração da convenção de arbitragem, ficando impossibilitado de suportar as despesas com ela, não tinha de reunir com a outra parte para chegar a acordo naqueles pontos necessários para o bom funcionamento do tribunal arbitral.

A insuficiência económica a verificar-se nos termos referidos, constituindo uma alteração das circunstâncias em que contratou a convenção arbitral, possibilita-lhe, só por si, recorrer ao tribunal comum. (8)

Próximo dessa posição vide também o Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 11.1.2007 (9):

Ora, a superveniência da situação de insuficiência da recorrida, que a impossibilita de suportar as despesas com a constituição e funcionamento do tribunal arbitral (a funcionar em França, com os inerente agravamento de custos, desde logo por via do respectivo nível de vida, do qual, segundo os economistas, cada vez nos encontramos mais afastados), constitui causa legítima de incumprimento da cláusula que prevê o recurso aos tribunais arbitrais, podendo a parte que se vê impossibilitada de custear as despesas da arbitragem opor à outra parte a submissão do litígio aos tribunais estaduais.

Entendimento contrário levaria a que a parte ficasse impossibilitada de obter justiça para o seu caso, isto é, ver-se-ia impedida de ver satisfeito o seu direito de acesso à justiça para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos; ou seja, nessa situação, a parte veria ser-lhe denegada justiça por insuficiência de meios económicos, resultado que a Constituição não aceita - cfr. citado artº 20º, nº 1.

Na linha desse entendimento, em 2008, no Ac. 311/08, o Tribunal Constitucional (10), decidiu (a) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, a norma do artigo 494.º, alínea j), do Código de Processo Civil, quando interpretada no sentido de a excepção de violação de convenção de arbitragem ser oponível à parte em situação superveniente de insuficiência económica, justificativa de apoio judiciário, no âmbito de um litígio que recai sobre uma conduta a que eventualmente seja de imputar essa situação, e em consequência, confirmar a decisão recorrida, deste mesmo Tribunal da Relação de Guimarães, na parte impugnada.

Com posição semelhante, o Tribunal da Relação de Lisboa disse em 2.11.2010 (11): “A superveniência de uma situação de insuficiência económica, que impossibilite uma das partes de suportar as despesas com a constituição e funcionamento da arbitragem, constitui causa legítima de incumprimento da convenção de arbitragem.”

Posto isto, quer se se considere que a situação de insuficiência económica superveniente cabe na previsão do art. 790º, nº 1, do Código Civil, à luz do que dita o art. 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, quer se abdique daquele filtro da lei ordinária substantiva e se considere esta mesma norma como importando uma interpretação restritiva do actual art. 577º, nº 1, al. a), do C.P.C., ou do citado art. 5º, nº 1, da L.A.V., maxime quando essa coloque em causa o acesso aos tribunais e ao direito ao impor a convenção arbitral nesse quadro de insuficiência económica superveniente, julgamos, por um lado, estar perante argumentos ou possíveis soluções do lígio em apreço, designadamente da invocada excepção dilatória que o tribunal tem obrigação de discutir e, por outro lado, que esse julgamento não pode ser afastado pela consideração de uma imperativa e absoluta imposição da sua discussão em sede de Tribunal arbitral que não transparece do regime jurídico (convencional e legal, ordinário e constitucional) infra e supra citado.

Do art. 202º, da Constituição da República Portuguesa, resulta que os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo. Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.

De acordo com fundamental art. 3º da Constituição, a validade das leis e dos demais actos do Estado, das regiões autónomas, do poder local e de quaisquer outras entidades públicas depende da sua conformidade com a Constituição.

Dita ainda o art. 204º, da mesma Constituição, que nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados.

No plano dos Direitos Fundamentais, prescreve o art. 20º, da Constituição da República Portuguesa, que (1) a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos. 2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade. 3. A lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça. 4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.

Com prescreve o art. 18º, da mesma Constituição, (1.) os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas. 2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. 3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.

“Nas palavras de Salvador da Costa – citado por Joana Nogueira Gomes Carvalho Campos (12), o acesso à justiça e aos tribunais tem uma dupla dimensão: por um lado, a garantia de defesa de direitos e, por outro, a de imposição ao Estado do dever de assegurar que ninguém fique impedido de aceder à justiça, em termos que respeitem o princípio fundamental da igualdade, sob a configuração de direito de natureza social a prestações materiais do Estado.”

Acrescenta Joana Campos que (13) isso não significa que o acesso aos serviços de justiça, mais precisamente aos tribunais, seja totalmente gratuito.

Apenas se exige que os encargos judiciais prévios não sejam um impedimento económico para aceder ao direito, ou então que os custos posteriores, como sejam as custas finais, não se mostrem desproporcionais e desadequadas ao proveito que se obteve com a acção.

Daí que seja admissível estabelecer contrapartidas proporcionais e adequadas pela prestação do serviço de justiça, mesmo mediante uma taxa de justiça.

No entanto a quem não tenha disponibilidades económicas ou financeiras em virtude de insuficiência de meios económicos ou em resultado da sua condição financeira devem ser-lhe prestados os meios suficientes e adequados para não só estar em juízo, mas para aí litigar em conformidade, possibilitando-lhe o acesso ao processo e ao direito.”

Concretizando o argumento fundamental acima exposto – a insuficiência económica como factor impeditivo de acesso ao tribunal competente, como perturbador do direito fundamental cimentado no citado art. 20º, da Constituição da República Portuguesa, é necessário ter em mente que o regime convencional estabelecido pelas partes, dado como assente, importa que o processo arbitral a seguir seja o do Código de Processo Civil e, supletivamente, o que resulta das regras do Centro de Arbitragem Comercial da Associação Comercial de Lisboa (14) - cf. item 6º/Seis..

Nesse contexto normativo, entendemos, apesar da inexplicada dúvida dos Recorrentes, que o regime aplicável à remuneração do Tribunal (honorários) e ao pagamento dos encargos (despesas) devidos pelo processo arbitral em causa seja o estabelecido pelas regras próprias fixadas pelo referido Centro, no caso, o Regulamento (15) de Arbitragem de 1 de Março 2014 (16) (e não o das custas processuais referidas no Código de Processo Civil (17)).

Desse Regulamento resulta que a falta de pagamento tem consequências processuais inultrapassáveis:

o Artigo 52.º (Encargos administrativos) 1 – Os encargos administrativos do processo arbitral são fixados pelo Presidente do Centro tendo em conta o valor da arbitragem, nos termos da tabela n.º 2 anexa ao Regulamento, e os números seguintes. 2 – Na fixação dos encargos, o Presidente do Centro de Arbitragem pode, ouvidas as Partes e o tribunal arbitral e considerando as circunstâncias de cada caso concreto e, em particular, os serviços prestados pelo Centro de Arbitragem, diminuir até ao mínimo de 80% ou elevar os encargos até mais 20% do valor resultante na tabela aplicável. 3 – Estão incluídos nos encargos administrativos todas as decisões do Centro previstas no Regulamento, o apoio administrativo, a gestão processual e utilização das salas de audiência da sede do Centro. 4 - O demandante paga, por ocasião da apresentação do Requerimento de Arbitragem, um montante fixo de valor igual ao escalão mínimo da tabela n.º 2 (18), que, a final, lhe será creditado na liquidação dos encargos da arbitragem. 5 – O pagamento do valor referido no número anterior é condição da citação do demandado e não é reembolsável no caso de a arbitragem, por qualquer motivo, não prosseguir. 6 – Se a arbitragem terminar antes da sentença final, o Presidente do Centro pode reduzir os encargos administrativos tomando em consideração a fase em que o processo arbitral foi encerrado ou qualquer outra circunstância que considere relevante, nos termos correspondentes da redução dos honorários dos árbitros.

o Art. 53º As despesas com a produção de provas são determinadas caso a caso, atendendo ao seu custo efectivo. Artigo 54.º (Provisão para encargos da arbitragem) 1 – Para garantia do pagamento dos encargos da arbitragem, as partes prestam provisões. 2 – Cada uma das partes efectua uma provisão inicial até se completar a constituição do tribunal arbitral, de montante a fixar pelo Secretariado, que não deverá exceder 35% do montante provável dos encargos da arbitragem. 3 – O Secretariado procede, no decurso do processo, por uma ou mais vezes, à cobrança de reforços de provisão até perfazer o montante provável dos encargos da arbitragem. Artigo 55.º (Provisões: prazos e cominações) 1 – As provisões são prestadas no prazo de dez dias a contar da notificação para o efeito. 2 – Não sendo prestada provisão no prazo fixado, o Secretariado pode fixar novo prazo para que o pagamento seja efectuado pela parte em falta e, caso a situação de não pagamento persista, notifica a outra parte do facto para, querendo, realizar o pagamento da provisão em falta, no prazo de dez dias. 3 – Se não for paga a provisão inicial, a arbitragem não prossegue, dando-se por findo o procedimento arbitral; se a falta for do demandado, a arbitragem prossegue, podendo o tribunal arbitral determinar a inatendibilidade da defesa. 4 − O não pagamento de provisão destinada a custear produção de prova ou qualquer diligência determina a sua não realização. 5 − O não pagamento de qualquer provisão subsequente determina, no caso de a falta ser imputável ao demandante, a suspensão da instância arbitral; no caso de ser imputável ao demandado, o tribunal arbitral pode determinar a impossibilidade de este intervir na fase de produção de prova ou de apresentar as alegações. 6 – Caso a suspensão da instância arbitral referida no número anterior se mantenha por um período superior a trinta dias sem que a provisão em falta seja paga, o tribunal arbitral pode dar por findo o procedimento arbitral, absolvendo o demandado da instância. 7 – No caso de dedução de pedidos pelo demandado, o Secretariado pode, a pedido de qualquer das partes, fixar provisões separadas para cada pedido, aplicando-se, com as devidas adaptações, o disposto nos números anteriores. 8 – Mediante requerimento fundamentado de qualquer das partes, os prazos previstos neste artigo podem ser prorrogados pelo Secretariado.

o De acordo com as Tabelas anexas ao referido Regulamento, o valor de honorários para cada árbitro para uma acção cujo valor se situe entre os 1000001,00 e 2500000,00 de euros é de 15125,00 mais 0,7% do que exceder 1000000€, sendo que os encargos administrativos podem atingir os 9625€, acrescidos de 1,25% do que exceder 1000000€.

Esse regime está em linha com o que prescreve a L.A.V., no seu art. 17º, onde se prescreve que:

(4) No caso de falta de pagamento de preparos para honorários e despesas que hajam sido previamente acordados ou fixados pelo tribunal arbitral ou estadual, os árbitros podem suspender ou dar por concluído o processo arbitral, após ter decorrido um prazo adicional razoável que concedam para o efeito à parte ou partes faltosas, sem prejuízo do disposto no número seguinte do presente artigo. (5) Se, dentro do prazo fixado de acordo com o número anterior, alguma das partes não tiver pago o seu preparo, os árbitros, antes de decidirem suspender ou pôr termo ao processo arbitral, comunicam-no às demais partes para que estas possam, se o desejarem, suprir a falta de pagamento daquele preparo no prazo que lhes for fixado para o efeito.

Assim, deste quadro normativo resulta que existe a probabilidade séria de o pedido inicial do demandante nunca ser apreciado caso não haja lugar ao pagamento tempestivo dos valores exigidos, num contexto processual em que é ponto assente inexistir apoio judiciário e em que, no que diz respeito aos exigíveis preparos, a solução alternativa não é o Estado mas sim a disponibilidade de alguma das restantes partes, inclusive a que, legitimamente, não tenha interesse algum no prosseguimento da lide, como muito bem pode ser o caso das aqui Demandadas/Recorridas.

Daqui decorre que os Demandantes podem nunca ver julgada, sequer, a incompetência que suscitem perante o Tribunal arbitral, como pretende a decisão do Tribunal a quo e o entendimento que lhe subjaz, por razões que se prendem pura e simplesmente com sua hodierna condição económica, nos termos por si alegados e que o Tribunal recorrido desconsiderou atendendo ao silogismo jurídico que seguiu para absolver as Rés da instância.

Acontece que os Autores/Recorrentes alegaram nos itens 90º e ss. da sua p.i., para além do factualismo julgado assente, matéria com qual pretendem demonstrar que ocorreu, posteriormente à outorga da convenção arbitral em crise, uma mudança nos seus rendimentos que os impossibilita de custear o respectivo processo arbitral, matéria essa que foi de forma relevante impugnada pelas Rés nos itens 29 e ss. da sua contestação, tendo indicado para o efeito, além de mais, diversa prova pessoal e podendo ainda apresentar prova de outro tipo, nomeadamente documental (com as condicionantes do art. 423º, do C.P.C.).

Esses factos essenciais são indispensáveis à concreta aferição da impossibilidade manifestada pelos Autores, a sua superveniência e os seus concretos reflexos nas normas supra citadas, designadamente para apreciação da existência ou não de uma limitação desproporcionada do direito fundamental acima exposto, afinal determinante para se perceber a viabilidade da excepção dilatória sub judice.

Acresce que, como bem salientam as Recorridas, o deferimento de apoio judiciário na modalidade acima assente não é mais do que isso: a decisão desse benefício com reflexos na obrigação fiscal dos Recorrentes, sem que daí se possa imediatamente extrair toda a restante factualidade pertinente invocada por estes.

Por outro lado, o facto de os Recorrentes não terem impugnado a decisão da matéria de facto do Tribunal a quo de forma assertiva, não deixa de exigir a este Tribunal a oficiosa constatação de que subsistem aspectos que a mesma desconsiderou (cf. art. 662º, nº 2, al. c), do C.P.C. (19)).

Com efeito, naquelas alegações iniciais, os Autores cumpriram o disposto no art. 5º, nº 1, do Código de Processo Civil, e têm assim possibilidade de verem instruída e julgada tal matéria essencial, obstante à excepção invocada pelas Réus na sua contestação, tal como decorre, além de mais, do disposto no nº 2, do mesmo artigo e constitui uma dimensão ineliminável do direito a um processo equitativo (art. 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa) (20).

Estando em causa uma ou várias das soluções plausíveis para o desfecho da lide assente nesse factualismo, impõe-se considerar que estamos perante situação em que faltam elementos para decidir de forma segura a excepção dilatória em apreço, o que deveria ter determinado a remessa da sua decisão para final ou para outro momento em que, com o acordo das partes, o Tribunal ache oportuno, adaptando o processado (art. 6º, nº 1, do C.P.C.).

Tendo sido omitido tal passo e uma vez que não dispomos de dados para julgar a questão (de facto e de direito) em apreço (situação recorrente nos arrestos acima citados em que a mesma foi colocada), impõe-se a anulação da decisão proferida e o prosseguimento dos autos para a sua devida e oportuna apreciação (art. 665º, nº 2, do C.P.C., a contrario).

É nestes termos que deve proceder a apelação em apreço, com prejuízo para o conhecimento dos restantes argumentos aduzidos.

IV. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar procedente a apelação, anulando a decisão recorrida nos termos e para os efeitos acima expostos.

Condenam-se nas custas da apelação as Recorridas, em partes iguais (cf. art. 527º, do Código de Processo Civil).
N.
Guimarães,21.02.2019

Relator – Des. José Flores
1º - Des. Sandra Melo
2º - Des. Conceição Sampaio


1. Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro/LEI DA ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA,
2. Relatado pela Cons. Ana Paula Boularot, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/a69692f06a30ad3f80257fa200563ab5?OpenDocument
3. Competência do tribunal arbitral para se pronunciar sobre a sua competência 1 - O tribunal arbitral pode decidir sobre a sua própria competência, mesmo que para esse fim seja necessário apreciar a existência, a validade ou a eficácia da convenção de arbitragem ou do contrato em que ela se insira, ou a aplicabilidade da referida convenção. (…) 8 - O tribunal arbitral pode decidir sobre a sua competência quer mediante uma decisão interlocutória quer na sentença sobre o fundo da causa. 9 - A decisão interlocutória pela qual o tribunal arbitral declare que tem competência pode, no prazo de 30 dias após a sua notificação às partes, ser impugnada por qualquer destas perante o tribunal estadual competente, ao abrigo das subalíneas i) e iii) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º, e da alínea f) do n.º 1 do artigo 59.º 10 - Enquanto a impugnação referida no número anterior do presente artigo estiver pendente no tribunal estadual competente, o tribunal arbitral pode prosseguir o processo arbitral e proferir sentença sobre o fundo da causa, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 5.º
4. C. A. Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, 3ª Ed., p. 605.
5. Ibidem
6. In RLJ, 116º-226, apud Abílio Neto e Helder Martins, in Código Civil Anotado e Legislação Complementar, 6ª Ed., p. 418.
7. Relatado pelo Cons. Aragão Seia, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/312408c5e5637f97802569f20059b182?OpenDocument
8. Desenvolvendo esse entendimento no sentido de considerar admissível a aplicação do art. 437º do Código Civil a essas circunstâncias, FRANCISCO DA CUNHA MATOS, in A SUPERVENIENTE INSUFICIÊNCIA ECONÓMICA DAS PARTES COMO ALEGADO FUNDAMENTO DE INOPONIBILIDADE DA CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE 24 DE ABRIL DE 2016. in https://www.plmj.com/xms/files/Artigos_e_Publicacoes/2017/Revista_PLMJ_Arbitragem.pdf
9. In http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/b0cbc5590f4f41f48025727a0054e6a2?OpenDocument
10. In http://www.pgdlisboa.pt/jurel/cst_print_busca.php?buscajur=97%2099%2037%2070%2051%20114%20100%2037%2069%2051%20111%20&nid=8385
11. In http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/75879179cf1ac618802578060057be56?OpenDocument
12. In Apoio Judiciário: garantia de igualdade no acesso ao direito e aos tribunais, Dissertação de Mestrado Universidade do Minho Escola de Direito, p. 5/6
13. Ibidem.
14. Que consultámos em https://www.centrodearbitragem.pt/images/pdfs/Legislacao_e_Regulamentos/Regulamento_deArbitragem/Regulamento_de_Arbitragem_2014.pdf
15. Artigo 1.º (Objecto da arbitragem) - Qualquer litígio, público ou privado, interno ou internacional, que por lei seja susceptível de ser resolvido por meio de arbitragem pode ser submetido a tribunal arbitral no Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, também designado por Centro de Arbitragem Comercial, nos termos do presente Regulamento. Artigo 57.º (Entrada em vigor) 1 – O Regulamento de arbitragem entra em vigor no dia 1 de Março de 2014, aplicando-se às arbitragens requeridas após essa data, salvo se as partes tiverem acordado aplicar o regulamento em vigor à data da convenção de arbitragem.
16. In https://www.centrodearbitragem.pt/images/pdfs/Legislacao_e_Regulamentos/Regulamento_de_Arbitragem/Regulamento_de_Arbitragem_2014.pdf
17. Que, não obstante, também fazem depender a apreciação do pedido inicial dos Autores ao prévio pagamento de taxa de justiça – cf., v.g., arts. 552º, nºs 3 e ss., 558º, al. f), do Código de Processo Civil.
18. Ou seja, 2500 euros
19. Reportando-se a esta possibilidade, assinala Henrique Antunes, In RECURSO DE APELAÇÃO E CONTROLO DA DECISÃO DA QUESTÃO DE FACTO, p. 4: Em todos estes casos, o exercício pela Relação das suas atribuições de controlo da decisão da matéria de facto do Tribunal de 1ª instância não está na dependência da reponderação das provas produzidas naquela instância, o que se explica por, nalguns casos, ser o simples resultado da aplicação de regras imperativas de direito probatório material – que constitui matéria de direito (artº 607 nº 4, ex-vi artº 663 nº 2 do nCPC). Consultável em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2015/07/painel-3_recursos_henriqueantunes.pdf
20. Henrique Antunes, ob. cit. p. 38