Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4110/08.8TBBCL-G.G2
Relator: JOÃO DIOGO RODRIGUES
Descritores: PENHOR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1- O penhor comum, enquanto direito real de garantia só se constitui e produz efeitos pela entrega da coisa empenhada, ou de documento que confira a exclusiva disponibilidade dela, ao credor ou a terceiro. E, embora a entrega possa consistir também na simples atribuição da composse ao credor, nunca essa atribuição implica a concessão ao autor do penhor da possibilidade de dispor materialmente da coisa ou direito. Essa possibilidade está sempre afastada.
2- A referida entrega serve para segurança do credor e para garantir a publicidade do penhor.
3- A restituição do objecto empenhado, ainda que involuntária ou temporária, extingue o penhor comum e, salvo disposição legal em contrário, extingue também o penhor de direitos, seja qual for a sua natureza.
4- Mas, o credor nem sempre fica destituído de protecção legal contra o empenhador que contra si age de má-fé e/ou violentamente.
5- Além das acções possessórias, inclusive contra o próprio dono da coisa ou direito empenhado, o credor tem igualmente o direito de ser ressarcido dos danos que lhe forem causados, bem como o direito a exigir do empenhador a devolução do bem que o mesmo lhe tenha subtraído ilegitimamente; designadamente com violência ou de má-fé.
6- E, assim, se conseguir essa devolução, logo que se reconstitua a situação de privação da possibilidade de disposição material da coisa pelo autor do penhor, este renasce, sem prejuízo dos direitos de terceiro de boa-fé entretanto constituídos.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:
I- Relatório
1- O Banco C, S.A., instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra Isaac M, Paulo S, Samuel S, Delfim S, D – Imobiliária, S.A. e T - Confecções, Ldª, alegando, em breve resumo, que, no dia 20/06/2002, celebrou com esta última sociedade um contrato de abertura de crédito, sob a forma de conta corrente, até ao montante de 1.246.994,75€, destinado a apoiar a tesouraria dessa mesma sociedade.
Para garantia do cumprimento das obrigações emergentes de tal contrato, foi-lhe entregue uma livrança “em branco”, subscrita pela T - Confecções, Ldª, avalizada por terceiros, bem como foi constituído a seu favor, no mesmo dia 20/06/2002, pelo R., Isaac M, um penhor sobre o direito de crédito resultante da subscrição de um contrato de seguro do ramo vida.
Nos termos do contrato de crédito pignoratício, o referido Isaac M, obrigou-se a não movimentar os montantes integradores do dito direito e, ainda, a não ceder a sua posição contratual, de tudo tendo sido devidamente notificado o devedor do crédito empenhado.
Estabelecido este quadro contratual, a Ré, T - Confecções, Ldª, passou a utilizar o crédito que lhe foi concedido, o que fez até ao montante de 1.246.994,75€.
No dia 29/05/2008, porém, o direito de crédito empenhado, emergente da subscrição do contrato de seguro, teve o seu vencimento.
Nessa sequência, a devedora desse crédito procedeu à transferência, para a conta de depósitos à ordem do tomador do seguro (simultaneamente titulada pelos 1º a 4º RR.), do montante de 1.250.000€. E, seguidamente, os RR, mancomunados entre si, movimentaram a referida importância, que acabou por ser depositada em conta bancária titulada pela 5ª R (sendo certo que, à data, os 1º a 4º RR eram, simultaneamente, gerentes da 6ª R e administradores da 5ª R).
Ora, esta atitude carece de apoio legal e os RR. disso estavam cientes.
Por isso mesmo, ao tomar conhecimento destas movimentações, que tem por ilícitas, o A., além de denunciar o contrato de abertura de crédito, instaurou um procedimento cautelar, no qual veio a ser apreendida apenas a quantia de 771.545,52€.
Pretende, por isso, nesta ação, que:
I) A 6.a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de 1.264.152,40€, acrescida dos juros moratórios vincendos à taxa contratual em vigor de 9,72%, desde a propositura da acção até efectivo e integral pagamento, sobre a quantia em capital de 1.246.994,75€;
II) Todos os RR. sejam condenados:
a) a reconhecerem que a 6.a Ré, T - Confecções, Ldª, é devedora, à data da propositura da presente ação, ao Banco/Autor da quantia de 1.264.152,40€, emergente do contrato de abertura de crédito, sob a forma de conta-corrente até no montante de 1.246.994,75€, destinado a apoio de tesouraria;
b) a reconhecerem que, para garantia do mencionado contrato, o R., Isaac M, constituiu penhor sobre o direito de crédito emergente da subscrição de um seguro do Ramo Vida ligado a fundos de investimento, tipo “unit-linked”, designado por “Sotto Renda +”, titulado pela Apólice n.º 2449323, com o certificado individual n.º 2449323, no valor de 1.246.994,75€;
c) a reconhecerem que, uma vez vencido o direito de crédito empenhado, o mesmo foi depositado na conta de depósitos à ordem titulada pelos 1.° a 4. ° RR. junto do Banco/Autor e que, posteriormente, sobre tal conta foram emitidos 3 (três) cheques no montante total de 1.250.000,00€, os quais foram creditados numa conta dos Réus aberta junto da Caixa C, CRL, e, posteriormente, transferidos para uma conta titulada pela 5.a Ré (a sociedade D - Imobiliária, SA), também junto da Caixa C, CRL, com o NIB 004514604022094282917;
d) A reconhecer que o montante apreendido no âmbito do Procedimento Cautelar que, com o n.º 2188/08.3TBPVZ, correu termos no 1.° Juízo Cível da Comarca da Póvoa de Varzim, de 771.545, 52€, constitui parte do objecto do contrato de penhor constituído a favor do Banco/Autor e que o mesmo deve ser restituído a este para que se possa pagar do seu crédito pelo mesmo, notificando-se para tanto a Caixa C, CRL, para transferir para o Autor a quantia apreendida (771.545,52€);
e) Condenar os Réus a restituírem ao Banco/Autor a quantia de 478.454,48€ (ou seja, a quantia necessária até perfazer o produto do direito de crédito empenhado na quantia de 1.250.000,00€), a que acrescem os juros calculados à taxa legal em vigor desde a citação até efectivo e integral pagamento.
2- Contestaram os RR., Isaac M e D –Imobiliária, S.A., alegando, em síntese, que a livrança junta com a petição inicial nada tem que ver com o objeto da lide, dado que a mesma já foi devolvida pelo A.
Por outro lado, o penhor extinguiu-se validamente e, por conseguinte, todos os movimentos efetuados pelos RR., em momento ulterior ao da referida extinção, são legítimos. Até porque sempre foram feitos através do A., a quem foram dadas ordem de saque, cumpridas integralmente.
Acresce que os montantes que vieram a ser depositados na conta da Ré D – Imobiliária, S.A., respeitam a contratos/obrigações assumidas pelo R. Isaac M perante esta, designadamente através da outorga de contratos-promessa de compra e venda de imóveis, que identificam.
Concluem, assim, pela improcedência da presente ação.
3- Em 24/04/2009 foram os autos remetidos à então comarca de Barcelos para apensação aos autos de insolvência da T – Confeções, Ldª, que, sob o n.º 411 0/08,8TBBCL, corriam pelo 1.° Juízo.
4- A Massa Insolvente de T - Confecções, Ldª, também contestou, defendendo a existência de um conluio entre o A. e os 1º a 5º RR. para enganar a ela, através de uma operação financeira que designa por “operação compensada”; do mesmo passo, defende que a atuação do A. em todo o processo, designadamente de abril a junho, consubstancia extinção válida do referido penhor.
Acresce que o valor peticionado pelo A. já foi objeto de reclamação e reconhecimento no processo próprio, pelo que pugna pela improcedência do pedido.
5- O A. replicou mantendo, em suma, o já vertido na petição inicial.
6- Depois de saneado e condensado o processo foram conhecidas nos autos as insolvências dos RR., Paulo S, Delfim S, Isaac M e Samuel S.
7- Entretanto, foi também conhecido o Acórdão desta Relação, de 29/03/2012, proferido no Proc. 393/09.4TBEPS-F, no qual se decidiu julgar extinto o penhor pela entrega das quantias resultantes da liquidação da aplicação financeira dada em penhor, pelo que o crédito reclamado pelo aqui A. à Massa Insolvente da 6.a Ré foi graduado como comum.
8- Igualmente foi tomado conhecimento de que, por sentença de 08/06/2012, do 1.° Juízo Criminal da Póvoa de Varzim, foram os aí arguidos, Isaac M e Samuel S, absolvidos do crime de burla qualificada de que vinham acusados em processo em que se constituíra assistente o Banco aqui A.
9- Após longa instrução e várias perícias, procedeu-se a julgamento, findo o qual, foi a presente ação julgada totalmente procedente, por provada, condenando-se os RR. em conformidade.
10- Este julgamento, todavia, foi anulado por esta Relação, com vista à ampliação da matéria de facto.
11- Cumprido o determinado, foi proferida, de novo, sentença que termina com o seguinte dispositivo:
“Termos em que, vistos os factos acima e o disposto nos art. 85.° do CIRE, lido à luz do AUJ 1/2014, de 8.5.2013, no DR I, de 25.1.2014, art. 277.°, al. e), do CPC, art. 1142.°, 677.° e 334.° do CC,
a)- Julgo extinta a instância por inutilidade superveniente da lide no tocante aos RR. Isaac, Paulo S, Manuel S, Delfim S e T - Confecções, SA., mas apenas no tocante aos pedidos I e II e);
b)- Condeno todos os Réus:
1)- a reconhecerem que a 6.ª Ré “T Confecções, LDA., (NIPC 50* *** *38) era devedora, à data da instauração da acção, ao Banco/Autor da quantia de € 1.264.152,40, emergente do contrato de abertura de crédito, sob a forma de conta-corrente até no montante de € 1.246.994,75 (um milhão duzentos e quarenta e seis mil novecentos e noventa e quatro euros e setenta e cinco cêntimos), destinado a apoio de tesouraria e identificado no artigo 1.º da petição;
2)- a reconhecerem que, para garantia do mencionado contrato, o Réu Isaac M constituiu penhor sobre o direito de crédito emergente da subscrição de um seguro do Ramo Vida ligado a fundos de investimento, tipo “unit-linked”, designado por “Sotto Renda +”, titulado pela Apólice n.º 2449323, com o certificado individual n.º 2449323, no valor de € 1.246.994,75;
3)- a reconhecerem que, uma vez vencido o direito de crédito empenhado, o mesmo foi depositado na conta de depósitos à ordem titulada pelos 1.º a 4.º Réus junto do Banco/Autor e que, posteriormente, sobre tal conta foram emitidos 3 (três) cheques no montante total de € 1.250.000,00 os quais foram creditados numa conta dos Réus aberta junto da “Caixa C, CRL.” e, posteriormente, transferidos para uma conta titulada pela 5.a Ré (a sociedade “D - Imobiliária, SA”), também junto da “Caixa C, CRL.”, com o NIB 004514604022******917;
4) A reconhecerem que o montante apreendido no âmbito do Procedimento Cautelar que, com o n.º 2188/08.3TBPVZ, correu termos no 1.0 Juízo Cível da Comarca da Póvoa de Varzim de € 771.545, 52, constitui parte do objecto do contrato de penhor constituído a favor do Banco/Autor e que o mesmo deve ser restituído a este para que se possa pagar do seu crédito pelo mesmo.
5) Condeno a Ré D - Imobiliária, S.A. a restituir ao Banco/Autor a quantia de € 478.454,48 (ou seja, a quantia necessária até perfazer o produto do direito de crédito empenhado na quantia de € 1.250.000,00), com juros à taxa legal em vigor, desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Custas pela Ré D, por vencida, nos termos do art. 527.°, 1 e 2, do CPC e tabela I-A anexa ao RCP.
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Transitada, notifique-se a Caixa C, CRL, para transferir para o Banco Autor a quantia de Euros 771.545,52 apreendida à Ré D - Imobiliária, SA.
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No pagamento ao Banco ter-se-á em conta aquilo que recebeu e vier a receber das Insolvências dos RR em que reclamou créditos.
*
12- Inconformada com esta sentença, dela recorre a Ré, D Imobiliária, S.A., terminando as suas alegações recursivas com as seguintes conclusões:
“1- A Mmª Juíza a quo considerou que os fundos correspondentes aos montantes indicados pela Companhia de Seguros O no montante de 1.250.000,00€ foram transferidos para uma conta titulada pela 5ª Ré D, aqui recorrente.
2- Ora, tal afirmação não corresponde à verdade.
3- No itém 23 dos factos assentes resulta que aquele montante de 1.250.000,00€ foi disponibilizado na referida conta (dos 1º a 4º RR.) e não da 5ª Ré.
4- Que no mês de Junho sacaram vários cheques sobre os montantes ali depositados, sendo um deles com o n.º 5620646937 de 50.000,00€ com data de 17 de Junho de 2008 entregue ao A, aqui recorrido.
5- Ora se aqueles 50.000,00€ sacados pelos RR. Samuel S e Isaac M foram entregues ao A. não podiam ser transferidos para a Ré D.
Acresce que,
6- Como resulta do laudo pericial à contabilidade da recorrente D “estão refletidas as entradas na contabilidade com depósitos efectuados no dia 25.06.2008 no valor de 600.000,00€ na Caixa C na conta em que é titular a Ré n.º 1460402******29 e também no mesmo dia 532.000,00€ na mesma conta perfazendo o total de 1.132.000,00€, valores estes, validados pelos extratos bancários da Caixa C”
7- Há, assim, manifesta contradição entre a matéria constante dos itens 17 e 23, razão pela qual o itém 17 deverá ser alterado, passando a ter a seguinte redação: “Posteriormente os fundos de 1.132.000,00€ foram transferidos” e não 1.250.000,00€.
8- Talqualmente o Tribunal a quo deu como não provados os factos constantes dos itens 24 a 26.
Todavia,
9- Resulta inequivocamente do relatório pericial elaborado por unanimidade dos peritos nomeados a pedido do A Banco C que “face a um despacho negativo proferido pelo Ministério da Defesa, o negócio estabelecido no contrato promessa de compra e venda mencionado no quesito 26° da B.I. ficou sem efeito tendo sido devolvidos ao Promitente-comprador a totalidade do valor liquidado.”
E descriminam o n.º de cheques e respectivos valores:
Data Desconto Cheque nº, Valor
1 de Julho de 2008 66324151 S/CCAM 40.000,00€
30 de Junho de 2008 66324152 S/CCAM 52.000,00 €
11 de Julho de 2008 66324154 S/CCAM 100.000,00 €
17 de Julho de 2008 66324155 S/CCAM 12.500,00 €
18 de Julho de 2008 66324156 S/CCAM 12.500,00 €
22 de Julho de 2008 66324158 S/CCAM 20.000,00 €
23 de Julho de 2008 66324159 S/CCAM 10.000,00 €
22 de Julho de 2008 66324160 S/CCAM 10.000,00 €
22 de Julho de 2008 66324161 S/CCAM 20.000,00 €
23 de Julho de 2008 66324162 S/C CAM 20.000,00 €
22 de Julho de 2008 66324163 S/C CAM 15.000,00 €
22 de Julho de 2008 66324164 S/C CAM 10.000,00 €
23 de Julho de 2008 66324168 S/C CAM 10.000,00 €
25 de Julho de 2008 66324169 S/CCAM 10.000,00 €
Correspondendo a um total de 342.000,00 € (trezentos e quarenta e dois mil euros).
10- Isto é, independentemente de se considerar ou não (e sabemos que o Tribunal a quo não considerou) aqueles montantes afectos aos contratos promessa, o certo é que a recorrente D restituiu a quantia de 342.000,00€ ao promitente comprador, isto é, ao R. Isaac M.
11- Ora, se assim é, não pode a Ré D responder por um montante que restituiu à procedência.
Assim e no que concerne aos factos não provados, deverá a matéria constante do itém 26 ser alterada e passar a ser: 26 – a R. D restituiu o montante recebido de 342.000,00€.
12- O A. Banco C fundamentou o seu pedido no facto do produto da liquidação da aplicação ter sido depositada na conta de 4 titulares e continuar coberto pela garantia do penhor, coisa que esta Relação já se pronunciou no sentido da sua extinção.
13- Vai daí, a Mmª Juíza a quo lança mão da última ratio, da única ferramenta ao dispor que é o abuso de direito para travar a utilização daquele montante.
14- Esta construção é um corolário lógico de considerar que “certamente por erro dos serviços do Banco e da Seguradora foi cair na conta dos 1.º e 3.° RR, correram a levantá-lo e ocultá-lo em conta deles na Caixa C, CRL e, de seguida para uma conta da 5ª Ré D de que foram administradores, até 22.7.2008, os 1°, 2.° e 4° RR, sendo certo que as sociedades 5ª e 6ª RR tinham a sua sede social na mesma morada - factos 1 2 a 18.
Parte daqueles dinheiros -771.545,52€- foi arrestada na D.
15- Ora já mostramos que o dinheiro depositado na conta dos 1° a 4° RR. ficou intocável de 28 de Maio (dia do resgate da aplicação) e o dia 17 de Junho, altura em que os RR. Samuel S e Isaac M sacaram o primeiro cheque de 50.000,00€ e entregaram ao aqui A..
16- Ora, os factos vindos de assinalar, pela sua pujança, mudam tudo, maxime contam com o “embalo” para culminar no abuso de direito.
17- É que, se porventura houve erro, e não houve, com o saque do primeiro cheque de 50.000,00€ a 17 de Junho esfuma-se o erro a que alude a Mmª Juíza.
18- O mesmo se diga no que se refere ao “correram levanta-lo e oculta-lo”.
19- Se assim fosse, tê-la-iam feito nos primeiros dias de Junho e não o fizeram.
20- Cai, assim, por terra, as considerações ínsitas na sentença e que culminam, como se disse, no abuso de direito.
21- Ora, para ocorrer abuso de direito exige-se que haja um excesso manifesto no seu exercício, que ele se exerça com “clamorosa ofensa do sentido jurídico socialmente dominante” Vaz Sousa, Abuso do Direito, BMJ 85 - 253.
22- Ou, no Acórdão do S.T.J de 23.03.2006 “trata-se casos em que o exercício do direito subjectivo conduz a um resultado clamorosamente divergente do fim para o que a lei o concebeu e dos interesses jurídica e socialmente aceitáveis”.
O que não é o caso dos autos.
23- A Mmª Juíza a quo fez aplicação indevida do abuso de direito, violando assim, o disposto nos art.º 334 do Código Civil e 604, n.º 4 do C.P.C”.
Pede, assim, a revogação da sentença recorrida e a sua absolvição do pedido.
13- Também inconformada, recorre a Massa Insolvente de Isaac M, concluindo o seu recurso nos termos seguintes:
“A. Não pode a ora recorrente conformar-se com a douta decisão de total procedência da acção apresentada pelo Autor Banco C, S.A nos presentes autos e a consequente condenação da recorrida.
B. A Mm Sr.ª Dr.ª Juíza fundamentou os motivos/razões que levaram o Tribunal a quo a conceder credibilidade à tese do Autor/ recorrido, apenas e tão só pela figura do instituto abuso de direito, de onde emergem páginas e páginas de acórdãos e doutrinas para assim tentar fundamentar, colocando à margem, ou melhor, até desconsiderando todas as decisões, fundamentadas, de facto e de direito, ao longo de vários anos, quer prolações de sentenças do foro cível quer do foro penal no que a este assunto concerne,
C. Contudo, e por conta desse objetivo, que a nosso ver “cego” levou a que Mm Sr.ª Dr.ª Juíza resvalasse por factos que são, efectivamente, importantes e que, sem dúvida, abalariam a tese sustentada pelo Autor.
A/ da falta de pronúncia - nulidade
D. O Tribunal entendeu que deveria condenar a Ré D a restituir a quantia de 478.454,48 €, ou seja, a quantia remanescente até perfazer o montante de 1.250.000,00€
E. Após ao vencimento da aplicação de nominada “Sotto Renda + 1” que ocorreu em 29 de Maio de 2008, a O - Companhia de Seguros de Vida S.A creditou na conta pessoal do recorrente o montante de aplicação, ou seja, 1.250.000,00€, o montante esse sobre o qual incidia o penhor, autorizando, assim, a desmobilização desse valor da conta dos particulares pois efetuou o pagamento os seguintes cheques
1. - cheque n.º 5620646937 no montante de 50.000,00 € depositado em 17 de junho de 2008 numa conta da T - Confecções, Ldª, e destinou-se ao pagamento àquele Banco de remessas de exportação em falta que os clientes da T - Confecções, Ldª não tinham pago no vencimento;
2. Um Cheque com o n.º 5620647131 de 600.000,00€ que foi depositado em 20 de junho de 2008 na conta particular do ora recorrente, 2.º Réu Isaac.
3. Um Cheque com o n.º 5620647034 de 600.000,00 € que foi depositado em 20 de junho de 2008 na conta 2.º Réu Samuel.
4. E em 30 de Abril foi depositado um cheque com o n.º 5620647228 no valor de 9.000,00 € na conta da T - Confecções, Ldª e que foi, mais uma vez, pago pelo Banco, tudo conforme documentos que se encontram nos presentes autos extratos bancários nos quais nem sequer foram objecto de pronúncia, todos com total cobertura do banco.
F. No início do processo, requerido pelo Autor e pondo em causa, efectivamente, os valores envolvidos, de e para quem, foi requerido como prova a perícia, tendo sido efectuada, assim, uma perícia colegial em que os respectivos peritos passaram dias e dias a averiguar e analisar a contabilidade da Ré D por forma a conseguir saber se encontrava refletido naquela contabilidade tudo quanto havia sido dito e alegado.
G. A verdade é que, relativamente a essa perícia colegial, o Tribunal não se pronuncia o que foi o parecer dos respectivos peritos, uma vez que os mesmos no cabal esclarecimento para a verdade dos factos provam, efectivamente os valores e por quem foram transferidos.
H. Ora, só por si, e pelo facto de o tribunal não se pronunciar sobre a perícia, o que permitia que os quesitos 24 a 26 se devem como provados.
I. Se a prova pericial foi clara no sentido de que os valores que inicialmente foram entregues à 6.ª Ré foi de 790.000,00 € e 342.000,00 €, ou seja, 1.132.000.00 € conforme relatório pericial e esclarecido pelos peritos não pode o tribunal, agora declarar numa clara omissão de pronuncia dizer que deverá restituir o valor do remanescente (supostamente aquele que não foi arrestado) até perfazer o 1.250.000,00 € !!
J. Assim, o tribunal deveria ponderar, no caos concreto a prova pericial solicitada e que foi clarividente para dar como provados quesitos, concretamente os expostos no item 24 a 26 e que deu, sem mais, como não provado.
K. Ora, a omissão de pronúncia por parte do tribunal da prova perícia realizada e que permitia dar como provado os quesitos supra referidos leva à nulidade da sentença que, desde, já se invoca.
Sem prescindir:
L. Ao longo de toda a sentença o que se constata é que Mm Sr.ª Dr.ª Juíza faz considerações impróprias sobre a postura dos Réus, acusando-os e criticando-os esquecendo-se (ou melhor desconsiderando, por completo) as várias sentenças e acórdãos já proferidos.
M. Não pode o tribunal, dizer, que os Réus, aqui massa insolvente, “deitaram mãos aos dinheiros - 1.250.000,00 € do penhor que certamente por erro dos serviços do Banco e da Seguradora, dando a parecer, a “talho de foice” que o dinheiro “caiu na conta” e estes automaticamente procederam ao seu levantamento.
N. Esquece-se o tribunal a quo o lapso temporal que mediou e por quem foi efetuado os respectivos levantamentos!
O. Veja-se a seguinte passagem, a título de exemplo - depoimento de parte - Isaac M - CD gravado na secção do dia 3 de Março de 2015, -11:31:29 a 12:37:04 aos tempos 13: 20 a 16.04
P. Posição essa reafirmada e confirmada pelos estratos e documentos bancários juntos ao processo a fls... bem como da reafirmação das declarações do depoimento de parte: depoimento de parte -Isaac M - CD gravado na secção do dia 3 de Março de 2015, - 11:31:29 a 12:37:04 aos tempos 46:38 a 45.44 e o depoimento de parte de Samuel S CD gravado na secção do dia 20 de Maio de 2015, - 10:35.35 a 11:14:34 aos tempo 05:43 a 07.20; 07:23 a 08:00; 12:15
Q. Alias, o facto de o recorrente, ter participado em negociações do Banco, negociações essas de sua iniciativa, poderia, quiçá, representar um ambiente, um contexto de manutenção de confiança que se admitia, apenas, ter sido suposto pelo Banco, até ao conhecimento do pagamento do primeiro cheque de valor significativo de 50.000,00 €.
R. Depois disso, não pois qualquer relação de confiança, depois disso, seria contrária às regras da experiência comum, para mais no sector Bancário!
S. Para além do mais, se o Autor/Banco tivesse cumprido as instruções dadas pelos seus clientes - logo que o Seguro se vencesse imputasse o seu valor à conta caucionada não teria havido a anulação dos efeitos práticos da garantia, ou seja, na missiva endereçada pelo recorrente, datada de 08.04.2008 que se encontra junta aos presentes autos, aquele propôs ao Banco em pagamento do crédito emergente da conta caucionada o produto da liquidação do seguro Sotto Renda +, tal como consta da matéria dada como provada.
T. Como se comprava pelo depoimento de parte - Isaac M - CD gravado na secção do dia 3 de Março de 2015, - 11:31:29 a 12:37:04 aos tempos 09:05 a 10:56 e seguintes:
U. o que tal não sucedeu pois apesar da posição do recorrente, o Banco pretendia renegociar o contrato de abertura de crédito bem como a re - aplicação dos fundo empenhados em garantia daquele mas essa questão já tinha sido colocada de parte, como bem sabiam. - depoimento de parte - Isaac M - CD gravado na secção do dia 3 de Março de 2015, - 11:31:29 a 12:37:04 aos tempos 11:22 a 12:45
V. O Banco optou por descurar a intenção expressa dos seus clientes e renegociar, na prespectiva de manter a relação contratual bancária, não se tendo acautelado fazendo o cativo que assegurasse a manutenção da afectação do dinheiro que se encontrava na conta particular atrás referida, de depósito à ordem, ao cumprimento das responsabilidades inerentes à conta corrente caucionada - depoimento de parte - Isaac M - CD gravado na secção do dia 3 de Março de 2015, - 11:31:29 a 12:37:04 aos tempos 16:04 e seguintes; 22:55 e seguintes.
W. Alegar que “puderam deitar mão” é uma afirmação grave e essa sim merece censura pois esquece-se ou pretende esquecer-se do tempo que mediou (meses), da requisição do livro de cheques e descontado da conta, (conforme estrato bancário junto aos autos a fls ...) dos quatro cheques emitidos e pagos pelo Banco etc ...
X. E muito mal o Tribunal em alegar que o valor em divida pela T - Confecções, Ldª ao banco, é de 1.250.000,00 €, pois se atentarmos ao depoimento de parte do REU ISSAC quer do testemunho do economista Carlos C, testemunho que o tribunal considerou sério e credível, verificamos que o valor àquela encontra-se pago. - depoimento de parte - Isaac M - CD gravado na secção do dia 3 de Março de 2015, - 11:31:29 a 12:37:04 aos tempos 16:04 e seguintes; 26:28 a .35:45; 45:38 a 45:55; depoimento de parte - Samuel S - CD gravado na secção do dia 20 de Maio de 2015, - 10.35:34 a 11:14:34 aos tempos 16.59 a 17:33
Y. Alias, o Tribunal, face à explicação do Sr. Réu Isaac M deu como provado, por confessado, o seguinte: depoimento de parte - Isaac M
Fica confessado que apenas que o dinheiro que depositou junto da D não proveio do seguro, saiu da conta particular. O sr ficou a descoberto de 1.236.000.00 €... (...) e como se pagou? Tinha um descoberto autorizado
Reu: sim
Z. Ou seja, quem deve é, efectivamente o Réu Isaac M, dai ter sido reconhecido o valor em divida no seu processo de insolvência e que nada tem a ver com o valor aqui em causa e com a tese trazida pela Autora, recorrida.
AA. O montante em divida na T é de 430.000,00 € e diz respeito a guias de remessa e livranças existentes e normais na actividade comercial de uma empresa, tudo devidamente documentado nos documentos juntos pela aqui recorrente a fls ... e que mais uma vez não foram tidos em conta. Depoimento da testemunha Carlos C - CD gravado na secção do dia 07 de Outubro de 2015 - 10.42:32 a 11:27:54 aos tempos 27:43 a 30:56
BB. E perante as evidências dos factos, quer por prova testemunhal quer por documentos juntos aos presentes autos quer inclusivamente pela própria perícia colegial jamais poderia o Tribunal aceitar aqui a versão do Banco/Autor, vitimando-o pois com o devido respeito não foi e não o é!!
CC. Alias, tanto assim não foi que no âmbito do processo crime em que o Banco era Autor acabaram os Réus absolvidos do crime de que vinham acusados e tal só se deveu por ter ficado comprovado (entre outras coisas certamente) que foi o BCP quem deu as instruções para o cancelamento do seguro de capitalização 1/ Sotto Renda +/1
DD. Quesito que neste julgamento, sem mais, e sem qualquer fundamento se deu simplesmente como não provado (quesito 43) contrariando os documentos que constam dos presentes autos bem como os que foram posteriormente entregues e ainda do depoimento do Réu Isaac M e da testemunha Carlos C.
EE. Alias, o tribunal a quo, vai mais longe e por forma a tentar fugir, na nossa óptica indevidamente, ao acórdão diz que o penhor se extinguiu com o depósito do produto da aplicação financeira empenhada na conta à ordem dos Réus, não vale a pena pensar no recurso ao direito de sequela que adorna o penhor como garantia real e não se enxerga ferramenta que permita suum cuique tribuere a não ser a válvula de segurança que é o abuso de direito....
FF. Ora, com o devido respeito, mas pelo que se apura o tribunal, como se disse, omitindo tudo o que anteriormente já tinha sido decidido, quer no foro criminal quer no foro civil e, por forma a valer a sua intenção" encarando o comportamento dos RR à luz de direito civil- tresanda ele a ilicitude por violação grosseira do comando ínsito” ... !!! Vemo-nos confrontados apenas e tão só com o abuso de direito, que, com o devido respeito, não está aqui latente de maneira nenhuma nem deve ser aqui suscitado e utilizado!
GG. Este refúgio ao instituto do exercício abusivo do direito por parte do Tribunal por forma a tentar prevalecer uma tese que, com todo o devido respeito, não deverá merecer apoio, pois não tem aplicação para o caso em concreto, tanto que a mesma nem sequer foi invocada pelos próprios Autores!
HH. É ilegítimo o exercício de um direito quando o titular do direito o exerce com manifesto excesso dos limites impostos pela boa fé, exceda manifestamente os limites impostos pelos bons costume ou exceda manifestamente os limites impostos pelo fim social ou económico desse direito.
II. O instituto do abuso de direito existe quando, o direito legítimo é exercício em determinado caso de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante, ou seja atenta à especificidade do caso conduz a um resultado que viola o sentimento de justiça.
JJ. Para que possamos recorrer ao presente instituto na modalidade de venirem contra factum proprium é necessário que o direito seja exercício em termos clamorosamente ofensivos da justiça com manifesto excesso dos limites exposto pela boa fé, pelos bons costumes.
KK. Mas como é que se pode refugiar a presente sentença nesta situação de abuso de direito na modalidade venire contra factum proprium se foi o próprio banco que não cumpriu com as instruções dadas pelo recorrente e T Confecões Ldª através de carta datada de 08.04 ao não afectar os montantes depositados à liquidação da conta corrente caucionada.
LL. E, como tal, não pode o Meritíssima Juiz a Quo tentar “encaixar o instituto de abuso de direito” alegando, sumariamente que o recorrente se comprometeu a não movimentar a conta à ordem e que é manifesto que os Réus ao levantarem do dinheiro que, em rigor, não lhes pertencia, desde que constituíram a favor do Banco penhor da aplicação financeira, instituindo o Banco seu exclusivo beneficiário e de tal noficando a Seguradora, pois tal não corresponde à verdade e cuja prova não foi obtida pelo Autor em sede de audiência.
MM. Pois se assim fosse, como se disse supra tal suposto compromisso ocorreria quando fosse pago o primeiro cheque de 50.000,00 € em 17.06. e não após os pagamentos dos restantes cheques.
NN. Quem ultrapassou de forma evidente e inequívoca dos limites referidos em 334.º do CC foi o Banco, não podendo, assim, dado à sua inércia imputar tal responsabilidade ao recorrido mas a si próprio.
OO. Nenhuma das testemunhas trazidas pelo Autor merecem credibilidade pois nenhuma esteve envolvido diretamente nas negociações existentes, manifestando inclusivamente um depoimento rancoroso e vingativo, veja-se os depoimentos de José L, José A e José C,
PP. Perante o ora recorrente que apenas de justifica pelo facto de no âmbito do processo crime que correu termos no Tribunal Judicial da Póvoa de Varzim, no 1.º juízo cível sob o n.º 2266j08.9TAPVZ o ora recorrente foi absolvido pelo crime que vinha acusado, provado, que foi, claro está, que o penhor se tinha extinto.
QQ. bem como no Acórdão da Relação de Guimarães, proferido em 15.12.2012 no âmbito do processo n.º 393J09.4TBEPS -F (Tribunal Judicial de Esposende) em que, unanimemente, foi entendido que o penhor se extinguiu.
RR. Ora, face a toda a prova produzida, aos documentos juntos aos presentes autos forçoso que o penhor se extinguiu pela entrega da coisa empenhada e como tal não pode tout court, como pretende o tribunal ser “desconsiderado” e, como tal, em consequência não há qualquer aplicação aqui ao instituto de abuso de direito na modalidade de venirem contra factum próprio.
SS. Acresce dizer-se que o facto de a quantia peticionada/reclamada pelo Autor/Banco e reconhecido no processo de insolvência n.º 4110J08.8TBBCL que correu termos neste Tribunal e inclusivamente neste juízo nada acresce para uma solução diversa e, muito menos motivo para extinguir a inutilidade da lide à aqui recorrente”.
14- Igualmente inconformada se mostra a Massa Insolvente de T - Confecções, Ldª, que recorre, rematando a sua motivação concluindo o seguinte:
“1. A douta sentença de que ora se recorre é nula nos termos do artº 615°, nº 1 alínea e) do CPC, por condenação em quantidade superior ao pedido.
2. No entender da Recorrente mostram-se incorrectamente julgados e dados como provados os factos constantes dos quesitos da base instrutória nºs 12°, 14°,15°,16.°,17.° e 18.° da sentença, bem como, incorrectamente julgado e dado como não provado o n.º 41.° dos factos não provados da sentença.
3. Do depoimento das testemunhas prestado em audiência de discussão e julgamento, bem como, da prova documental junta aos autos, impunha-se uma decisão diferente quanto á matéria de facto provada e não provada supra indicada.
4. A Recorrente não se encontrava a negociar qualquer renovação do prazo da Conta corrente caucionada, pelo contrário, havia já antes do vencimento do produto de seguro “Sotto Renda+”, dado instruções à Recorrida para liquidar a mesma.
5. Não existe qualquer base factual para considerar como provados os factos vertidos no quesito 15° da Base Instrutória, pois em momento algum foi referido por qualquer testemunha ou documento que, foi com o assentimento dos 2° e 4° RR. que o 1 ° e 2° RR. procederam á movimentação dos montantes creditados pela Companhia de Seguros O.
6. O que resultou provado nos autos, dos depoimentos das testemunhas supra indicados, é que as quantias creditadas pela Companhia de Seguros O foram livremente movimentadas pelo 1° e 3° RR. Isaac M com o conhecimento e o consentimento do próprio A. Banco C, S.A., que os pagou.
7. Acresce que, o Recorrido não foi ao longo dos oito anos de duração desta relação contratual uma entidade “ingénua” em todo processo negocial existente entre as partes, e o qual terá sido “traído” na confiança que depositou nos RR.
8. O recorrido, é uma instituição bancária habituada a realizar centenas de negócios semelhantes aos dos autos, é por isso conhecedor dos seus direitos, deveres e riscos que corre na sua actividade, ciente das leis e procedimentos, pelo que, se alguma falha houve, deveu-se à sua negligência grosseira, ao não cumprir as instruções escritas da recorrente de liquidação da conta caucionada, tendo com esse seu comportamento acarretado avultados prejuízos à aqui Recorrente e agora à sua Massa Insolvente.
9. Se o Recorrido tivesse cumprido as suas obrigações e as instruções escritas que lhe foram transmitidas pelos 1 ° e 2° RR., o montante peticionado nos autos tinha sido destinado a liquidar a conta corrente caucionada da Insolvente T, a qual agora se encontra em débito com inegável prejuízo para todos os credores.
10. Foi junto aos autos pelo Banco C através da aplicação Citius, com a referência 18918941, datado de 26 de Fevereiro de 2015, a informação da autoria do próprio Banco C, datada de 25/02/2015, onde se reconhece que entre 2000 e 2008 os juros debitados à insolvente T - Confecções, Ldª, no âmbito da conta corrente caucionada n.º 6645017614, ascenderam ao valor de € 377.703,60.
11. Esta assunção por parte do banco Banco C, do débito de juros do montante de 377.703,60€, só pode ter o efeito e valer em termos processuais como uma confissão.
12. Atento o documento supra mencionado emitido pelo próprio Banco C em resposta á notificação expressa feita pelo tribunal a quo à matéria do ponto 41 dos factos dados como não provado encontra-se mal julgada, pelo que deveria a sentença recorrida ter levado este ponto à matéria de facto dada como provada, corrigindo-se o valor em causa para o montante reconhecido e confessado pelo próprio Banco C do valor de 377.703.60€.
13. O Tribunal a quo faz uma interpretação errada do instituto jurídico de abuso de direito vertido no artigo 334° do Código Civil, subvertendo a sua génese e colocando com isso em causa toda a certeza e segurança jurídica, princípios basilares do nosso ordenamento jurídico.
14. A conduta da Recorrente não pode classificar-se como eivada de abuso de direito, desde logo, porque a esta em nada beneficiou com atitude dos RR. particulares e muito menos com a negligência grosseira do aqui Recorrido, que acarretou avultado prejuízo para a mesma e agora para a sua Massa insolvente e demais credores.
15. A Recorrente, não negociou, nem podia por falta de legitimidade, com o Recorrido qualquer reaplicação do fundo “Sotto renda +”, o qual se encontrava dado de penhor a favor do Recorrido para garantir a liquidação da conta corrente caucionada em mérito nos autos.
16. Não foi a Recorrente que movimentou as quantias provenientes do produto da referida aplicação, quantias essas que, foi o próprio Recorrido que entregou indevidamente ao R. Isaac M e ainda lhe permitiu a mobilização.
17. Foi a negligência grave do Recorrido e sua actuação irresponsável que permitiu que as quantias por si reclamadas nos autos fossem mobilizadas pelos 1 ° e 3° RR., e não qualquer actuação de má fé ou ilegítima por parte da Recorrente.
18. Os valores peticionados pelo Recorrido á aqui Recorrente já foram reclamados e reconhecidos no Processo de Insolvência nº 411 0/08.8TBBCL, do qual o presente processo constitui um apenso, pelo que, a declaração aqui de tal pedido mostra-se manifestamente inútil, sendo certo que, não pode a aqui Recorrente ser condenada a pagar duas vezes a mesma quantia, que é o que sucede caso se venha a manter a decisão em crise.
19. Em face do exposto, sempre se mostra infundada a pretensão do Recorrido, pelo que deve revogar-se a sentença proferida pelo Tribunal a quo julgando-se a acção totalmente improcedente.
20. A douta decisão impugnada não pode manter-se, pois violou entre outros, o disposto nos artºs 334°, 371°, nº 1 do Código Civil e os artº 612° e 615 do CPC, fazendo uma interpretação e aplicação incorrecta dos preceitos em apreço”.
15- Respondeu o A., pugnando pela confirmação do julgado.
16- Recebidos os recursos e preparada a deliberação, importa tomá-la:
*
II- Mérito dos recursos
1- Definição do respectivo objecto
Este objecto, como é sabido, é, em regra e ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente (artigos 608.º, n.º 2, “in fine”, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º1, do Código de Processo Civil).
Assim, observando este critério no caso presente, o objecto dos recursos em apreço reconduz-se, essencialmente, às seguintes questões:
a) Em primeiro lugar, saber se a sentença recorrida é nula por omissão e excesso de pronuncia
b) Em segundo lugar, averiguar se deve haver lugar à modificação da matéria de facto, pretendida pelos Recorrentes;
c) E, por fim, decidir o penhor constituído em favor do A. se deve considerar extinto e, na afirmativa, quais as respectivas consequências jurídicas e patrimoniais.
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2- Fundamentação
a) Na sentença recorrida, julgaram-se provados os seguintes factos:
I- Da Matéria Assente
A- No exercício da sua actividade bancária, o A., Banco C, celebrou com a sociedade, T - Confecções, Ldª, um negócio, com a seguinte cláusula: o empréstimo funcionará através de uma conta aberta em nome da sociedade, com o n.º 6645017614, e o respectivo extracto será documento bastante para a prova da dívida e da sua movimentação.
B- No negócio referido em A) foram estipulados juros (remuneratórios) contados diariamente sobre o saldo em dívida, e debitados trimestralmente na conta de D/O da titularidade da sociedade com o n.º 66803918714, verificando-se o primeiro vencimento no último dia do trimestre em que foi celebrado o negócio.
C- Mais ficou convencionado que os juros remuneratórios seriam calculados à taxa anual de 4,60874% a qual, em caso de mora, seria acrescida da sobretaxa legal em vigor à data do incumprimento, ou seja, 4% ao ano.
D- Para garantia do cumprimento das obrigações emergentes do negócio foi entregue ao Banco uma livrança em branco, subscrita pela sociedade mutuária e avalizada por terceiros e constituído penhor sobre o direito de crédito emergente da subscrição de um seguro, designado por “Sotto Renda +”.
E- Em 29 de Maio de 2008, o direito de crédito emergente da subscrição do seguro referido em D) teve o seu vencimento.
F- O A. Banco C, no dia 28 de janeiro de 2008, veio aos Autos da Insolvência da T, Ldª, reclamar, entre outros, o crédito que concedeu à Devedora sob a forma de “Operação Compensada” no montante de 1.285.498,86€.
II- Da Base Instrutória
1- No dia 20 de Junho de 2002, e no exercício da sua actividade bancária, o Banco C, SA celebrou com a sociedade T - Confecções, Ldª (6a Ré) um contrato de abertura de crédito, sob a forma de conta-corrente até ao montante de 1.246.994,75€, destinada a apoio de tesouraria.
2- O referido contrato permitia, como permitiu, à T - Confecções, Ldª, efectuar movimentos a débito até ao limite máximo de 1.246.994,75€.
3- Mais foi estipulado que o empréstimo seria válido pelo prazo de 90 dias desde a data do contrato, vencendo-se o mesmo em 31/07/2002, prorrogando-se, no entanto, por prazos sucessivos de 90 dias, salvo indicação em contrário, a qual se tornará eficaz mediante comunicação escrita do Banco, dirigida ao outro contraente.
4- Posteriormente, aquele contrato de abertura de crédito foi alterado por aditamento celebrado entre o Banco, a T - Confecções, Ldª, e os garantes (entre os quais se contam os aqui 1.° e 2.° Réus), tendo-se alterado a redacção das cláusulas contratuais relativas ao montante (cláusula 1.), “modo de funcionamento” (cláusula 5.) e ao cálculo dos juros (cláusula 6.).
5- Por contrato celebrado em 20 de Junho de 2002, o Réu Isaac M, em garantia do bom cumprimento de todas e quaisquer obrigações e responsabilidades assumidas ou a assumir perante o Banco, pela sociedade, T - Confecções, Ldª, provenientes de todas as operações de crédito legalmente permitidas, nomeadamente de um crédito atribuído sob a forma de conta-corrente caucionada de 1.246.994,75€, da mesma data, e bem assim dos juros devidos, incluindo os de mora e demais encargos acrescidos ou que vierem a acrescer, constituiu penhor sobre o direito de crédito emergente da subscrição de um seguro do Ramo Vida ligado a fundos de investimento, tipo “unit-linked”, designado por “Sotto Renda +”, titulado pela Apólice n.º 2449323, com o certificado individual n.º 2449323, no valor de 1.246.994,75€.
6- Para assegurar a efectivação da garantia referida em 5, o Réu Isaac entregou ao A. a documentação comprovativa do direito de crédito decorrente do contrato de seguro a que aderiu, obrigando-se aquele a não movimentar ou mobilizar de qualquer modo as quantias que integram esse mesmo direito nos anos de 2000 a 2008 e a não ceder a sua posição contratual.
7- A constituição da garantia foi devidamente notificada à Companhia de Seguros O (devedora do crédito garantido), autorizando-se o Banco a solicitar, quando fosse possível exercer o direito de resgate ou levantamento do capital seguro na data do vencimento, por qualquer quantia até ao valor estipulado no contrato de penhor, em função do valor do crédito concedido e em dívida à data da pretensão.
8- Foi ainda solicitado à Companhia Seguradora a alteração da cláusula beneficiária do seguro constituído para que o A. fosse irrevogavelmente designado beneficiário por morte do tomador do seguro, durante a vigência da garantia.
9- O capital actualmente em dívida (por força da utilização do crédito que foi concedido à T - Confecções, Ldª), ascende a 1.246.994,75€.
10- Em 18/07/2008, o Banco/Autor pôs termo ao contrato referido em 1), cessação que produziria efeitos 30 dias após a sua comunicação à mutuária (por esta recebida), considerando-se então vencidas todas as obrigações pecuniárias emergentes daquele contrato.
11- Interpelou a mutuária e respectivos avalistas para efectuarem o pagamento da totalidade da dívida até ao dia 18/08/2008 (data final do prazo de 30 dias que lhe foi concedido).
12- Em consequência do facto descrito em E), o devedor do crédito procedeu à transferência para a conta de depósitos à ordem do tomador do seguro (1.° Réu), do montante de 1.250.000,00€, conta essa titulada pelos 1.° a 4.° Réus.
13- Os 1.° e 2.° Réus endereçaram, em 08/04/2008, uma comunicação escrita ao Banco/Autor oferecendo em pagamento do crédito emergente da Conta Corrente Caucionada (CCC) o produto da liquidação do Seguro “Sotto Renda +”.
14- Na ocasião, corriam entre o Banco/Autor, os Réus e a sociedade T Confecções, Ldª, negociações com vista à renovação do prazo e renegociação das condições do contrato de abertura de crédito, bem como à reaplicação dos fundos empenhados em garantia daquele.
15- O 1.° Réu e o 3° Réu (co-titular da conta), com o conhecimento e assentimento dos 2° e 4 ° Réus, procederam à movimentação dos montantes creditados pela Companhia de Seguros O, através da emissão de 3 cheques, nos montantes, respectivamente, de 50.000,00€, de 600.000,00€ e de 600.000,00€.
16- Cheques esses que foram creditados numa conta de depósitos à ordem titulada pelos Réus junto da Caixa C, CRL.
17- Posteriormente, os fundos foram transferidos para uma conta titulada pela 5.a Ré (a sociedade, D - Imobiliária, SA), também junto da Caixa C, CRL, com o NIB 0045 14604022094282917 (e onde permanecem até hoje, pelo menos uma parte).
18- Os 1.°, 2.° e 4.° Réus foram até 22/07/2008 administradores da sociedade, D Imobiliária, SA, e os 1.° a 4.° Réus são accionistas da mesma (e as sociedades 5a e 6.a Rés têm a sua sede social na mesma morada).
19- Os 1.° a 4.° Réus são gerentes da sociedade 6a Ré e, portanto, bem conhecedores dos termos e condições do contrato de penhor celebrado.
20- Apercebendo-se do ocorrido, o Banco/Autor instou os Réus a efectuarem a reposição dos fundos - o que estes recusaram.
23- Tal montante foi disponibilizado na referida conta e movimentado sem constrangimentos pelos seus titulares, que no mês de Junho sacaram vários cheques sobre os montantes ali depositados, sendo um deles com o n ° 5620646937 de 50.000,00€ com data de 17 de Junho de 2008, entregue ao A., e os outros dois datados de 20 de Junho de 2008.
28- A referida conta era movimentada por crédito e débito da conta de Depósitos à ordem n.º 6680391871, domiciliada no Banco BCP.
29- Após a concessão do empréstimo, o montante de 250.000.000$00 ficou disponível na conta corrente 11.6645017614, sendo que, em 26 de maio de 2000 foi transferido para a Conta de Depósitos à Ordem n° 6680391871, da Ré T.
30- Nesse mesmo dia foi sacado a débito um cheque do mesmo montante sobre aquela conta de Depósitos à Ordem 11.6680391871 da insolvente T e depositado na conta pessoal dos quatro sócios da insolvente, conta essa domiciliada no Banco C com o n.º 6680473541.
31- Em maio de 2000 o gerente da T, Isaac M, constituiu um seguro de capitalização “Sotto Renda +”, no montante de 250.000.000$00 (PTE), com a duração de oito anos.
32- Para a constituição desse mesmo seguro foi sacado a débito da conta dos quatro particulares (conta n.º 6680473541 do BCP) o montante da constituição do seguro, sendo que os juros associados ao mesmo revertiam exclusivamente para o R, Isaac M, e os outros RR particulares.
33- Todos os fins de ano era realizada a “Reversão da Operação”, para que estas responsabilidades assumidas pela insolvente T não constassem na Central de Créditos do Banco de Portugal e no Balanço da insolvente.
34- Em dezembro de 2000 foi autorizado um descoberto de 250.000.000$00 (PTE) (a débito) na conta pessoal do R, Isaac M, pelo Banco P, para que esse montante pudesse dar entrada, a crédito, na conta dos quatro Particulares 1.º a 4.º RR, e de seguida entrar na conta de Depósitos à Ordem da insolvente T (a crédito), para seguidamente liquidar o empréstimo da Conta Corrente, de forma a não ter que ser evidenciada na contabilidade esta “Operação Compensada”.
35- Logo de seguida, no início de cada ano haveria lugar à “Reposição da Operação”, sendo que, no dia 2 de janeiro de 2001, voltava a entrar na Conta de Depósitos à Ordem 11.6680391871 da insolvente T (a crédito), pelo montante de 250.000.000$00 (PTE), por contrapartida do débito da Conta Corrente, e nesse mesmo dia era ainda sacado por cheque endossado aos sócios da insolvente a quantia de 250.000.0000 (PTE), que entrava a crédito na conta dos quatro particulares (1º a 4º RR), dando posteriormente entrada a crédito na conta pessoal do 1.° R Isaac M, por débito na conta dos Particulares.
36- Em 31 de dezembro 2002, foi autorizado o descoberto bancário na conta particular do 1.º R, Isaac M, (por contrapartida da constituição do Penhor como forma de garantia) que permite disponibilizar o montante de 1.246.994,74€ na conta dos quatro Particulares (1° a 40 RR), que de seguida deu entrada a crédito na conta de Depósitos à Ordem da insolvente T por contrapartida do débito da conta dos Particulares, que de imediato amortizava o empréstimo da Conta Corrente Caucionada.
37- Em 2 de janeiro de 2003 voltou a ser concedido o empréstimo na Conta Corrente Caucionada n.º 66415017614, transferindo de imediato o montante de 1.246.994,76€ para a conta de Depósitos a Ordem n.º 6680391871 a crédito.
38- No mesmo dia, existiu uma transferência a débito da Conta de Depósitos à Ordem da Devedora, para a conta particular dos quatro sócios (1º a 4° RR), que foi transferida posteriormente para a conta particular do 1.° R Isaac Gomes.
39- Estes movimentos compensados mediante transferência bancária foram efetuados todos os finais e inícios de cada ano desde 27 de abril de 2000 até junho de 2008.
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b) Na mesma sentença não se julgaram provados os seguintes factos:
21- As negociações referenciadas em 14° lograram-se, o que determinou o pedido de resgate integral da apólice 02449323 Sotto Renda+ por parte do R., Isaac, em 18 de Abril de 2008.
22- Na sequência da comunicação referida em 21 ° o montante do produto foi creditado na conta de depósitos à ordem, tal como descrito em 12°.
24- Por contrato promessa de compra e venda de 25 de Junho de 2008 a Ré, D, prometeu vender àquele identificado Isaac (aqui R) o prédio urbano composto de rés-do-chão e andar, com logradouro, destinado a industria/comércio, com área coberta de 550 m2 e descoberta de 195 m2, sito na Rua M, n° 595, da freguesia de Beiriz, concelho da Póvoa de Varzim, descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim sob o n.º 833/ Beiriz e inscrito no art.° 1595 da respectiva matriz urbana, pelo preço de 790.000,00 €, tendo recebido daquele a totalidade do preço.
25- A R, D, prometeu ainda vender ao R Isaac o prédio rústico denominado “Campo do Forno ou do Lameiro ou Bouça das Longas”, sito no Lugar do Forno ou Longas, da freguesia de Amorim, concelho da Póvoa de Varzim, descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim, sob o n.º 10321 Amorim e inscrito no art.° 1.111º da respectiva matriz rústica, pelo preço de 342.000,00€, que recebeu daquele promitente comprador, contrato que ficou subordinado à condição resolutiva de aprovação por parte do Ministério da Defesa da viabilidade de construção no citado terreno.
26- A condição aposta no contrato referido em 25º não se verificou, razão pela qual a R. D restituiu o montante recebido e correspondente ao preço do bem.
27- À data dos contratos supra referidos, aquele promitente comprador bem como os demais RR. não eram administradores da D nem, tão pouco, accionistas.
40- Foram suportados pela insolvente T juros trimestrais, que eram debitados na conta da insolvente.
41- O total destes juros acumulados desde 2004 a 2008 correspondem a um montante ou uma perda de 223.646,37€, sendo que, no total e desde o início da operação entre 2000 e 2008 se estima uma perda de cerca de 380.198,83€, correspondente ao período de oitos anos de vigência do contrato.
42- Os particulares 1º a 4º RR. beneficiaram durante os mesmos oito anos da taxa de juro ou rentabilidade da aplicação financeira que foi feita.
43- Foi o Banco C quem deu instruções para o cancelamento do seguro de capitalização “Sotto Renda +”.
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c) Da alegada nulidade da sentença recorrida
Defendem as Apelantes, Massa Insolvente de Isaac M e a Massa Insolvente de T - Confecções, Ldª, que a sentença recorrida é nula. A primeira, vê essa nulidade numa alegada omissão de pronúncia do Tribunal recorrido sobre a prova pericial. E a segunda, faz derivar a mesma nulidade exactamente da falta contrária; ou seja, de um alegado excesso de pronúncia, por na sentença recorrida se ter condenado a Ré, D – Imobiliária, SA., a restituir ao A. a quantia de 478.454,48€, quando, a seu ver, não foi este o montante peticionado.
Ora, além da Massa Insolvente de T - Confecções, Ldª, não ter legitimidade para arguir semelhante falta, visto que a mesma, caso existisse, não lhe era desfavorável, a verdade é que não ocorrem as mencionadas nulidades.
No primeiro caso, porque a falta de pronúncia sobre um meio de prova não se reconduz a qualquer nulidade formal da sentença, mas, antes e quando muito, dá azo a um eventual erro de julgamento. E, no segundo, porque não é verdade que o valor da condenação da D – Imobiliária, SA., esteja para além do pedido; pelo contrário, o A. pediu, justamente, a condenação de todos os RR. a restituírem-lhe aquela quantia [II, al. e)].
De modo que, não se verificando a previsão contida no artigo 615.º, n.º 1, als. d) e e), do Código de Processo Civil, são de julgar improcedentes estes fundamentos recursivos.
d) Passemos, agora, à questão seguinte; ou seja, saber se deve haver lugar à modificação da matéria de facto, pretendida pelos Apelantes.
O primeiro dado relevante a considerar, nesta parte, é que os pontos 14 e 15 da matéria de facto provada já foram objecto de anterior apreciação jurisdicional, neste processo, em sede de recurso. Referimo-nos ao anterior Acórdão proferido por esta instância no dia 22/05/2014, no qual se decidiu, para além do mais, que a redacção do ponto 14 devia ser, como foi, modificada e o ponto 15 devia manter-se inalterado (fls. 1232 a 1245).
Assim, porque essa decisão transitou em julgado, não pode deixar de ser respeitada (artigos 620.º, n.º 1, e 621.º do Código de Processo Civil). Ou seja, não pode incidir sobre tais pontos nova reapreciação jurisdicional e o resultado da anterior deve ser reflectido na matéria de facto provada, pois que o não foi, em relação ao ponto 14.
Este ponto, pois, ficará assim redigido, tal como ali foi determinado:
“Na ocasião, logo de seguida ao pedido de afectação do produto da liquidação do seguro, iniciaram-se entre o Banco/Autor, os Réus e a sociedade T - Confecções, Ldª, negociações com vista à renovação do prazo e renegociação das condições do acordo/convenção já referido, bem como à reaplicação dos fundos declarados como constituindo penhor em garantia daquele”.
Restam-nos os demais pontos de facto impugnados.
Para definir quais sejam esses pontos, importa ter presente, antes de mais, que o direito a ver reapreciada a matéria de facto está condicionado ao cumprimento, pelo impugnante, de determinados ónus.
Como resulta do disposto no artigo 640.º do Código de Processo Civil, “[q]uando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” (n.º 1).
Além disso, acrescenta o n.º 2, al. a), do mesmo preceito, que “[q]uando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
São conhecidas as razões destas exigências: por um lado, pretende-se facultar à parte contrária o pleno exercício do direito ao contraditório; e, por outro, identificar com rigor o âmbito do recurso, pois que, por regra, o tribunal a quem o mesmo é dirigido não pode conhecer nem das pretensões de outros sujeitos processuais que não os recorrentes, nem pode também conhecer de questões que estes últimos não lhe colocaram. E isso também no plano da matéria de facto, embora aqui, depois de assegurado o referido pressuposto, a Relação deva “alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa” (artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil). Mas esta intervenção oficiosa não invalida a regra que começámos por enunciar e que é a de que o tribunal de recurso não deve, em princípio, conhecer de questões que não lhe sejam colocadas, mesmo no plano da matéria de facto, sob pena de violação do princípio do dispositivo .
Mas não só por respeito a este princípio se exige que o recorrente concretize os pontos de facto que quer ver reapreciados. É também em nome do princípio da cooperação.
Com efeito, estando “os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes, todos, obrigados a “cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio” (artigo 7.º, n.º 1 do Código de Processo Civil), mal se perceberia que, neste domínio, algum desses intervenientes ficasse dispensado de semelhante dever. Tal como seria incompreensível que o mesmo dever fosse entendido, a este respeito, em termos estritamente formais.
De resto, no que às partes concerne, não se trata só de um dever. As partes têm a obrigação, mas, simultaneamente, o direito de concorrer activamente para a resolução das causas judiciais em que estão envolvidas, de modo juridicamente válido e justo. O que implica o livre, mas ao mesmo tempo responsável, exercício desse direito. E, assim, se está vedado ao juiz limitar ou excluir esse direito a pretexto de interpretações meramente formais, também às partes está vedado exercê-lo em termos juridicamente desconformes. Também aqui se exige, no fundo, que as partes actuem de boa- fé; tanto perante o tribunal, como perante a parte contrária, permitindo a esta um contraditório pleno e sem ambiguidades. O que pode ser posto em causa sem a identificação precisa dos pontos de facto em que se situa a divergência do impugnante, os motivos dessa divergência ou mesmo a proposta para a respetiva solução.
Pois bem, no caso presente, se analisarmos, por exemplo, o recurso da Massa Insolvente de Isaac M, verificamos que o único quesito de cujo julgamento a mesma diz expressamente discordar é o 43.º (cl. DD). No entanto, fá-lo alegando apenas que esse quesito foi julgado não provado “contrariando os documentos que constam dos presentes autos bem como os que foram posteriormente entregues e ainda do depoimento do Réu Isaac M e da testemunha Carlos C”; ou seja, sem concretizar quais os documentos contrariados e quais as passagens dos testemunhos referidos que impunham diversa solução.
É, assim, evidente, face às exigências legais já citadas, que esta impugnação não pode ser atendida.
Por outro lado, a mesma Recorrente, ao longo da sua motivação recursiva, também transcreve passagens de diversos depoimentos produzidos em audiência, sem concretizar quais os pontos específicos da matéria de facto que quer ver alterados. Ora, como já vimos, sem esta concretização, também nenhuma modificação na matéria de facto pode ter lugar.
Reportando-nos agora à impugnação da Massa Insolvente de T – Confeções, Ldª, verificamos igualmente que, além das limitações já impostas à apreciação das respostas aos quesitos 14.º e 15.º, esta impugnante nenhum meio de prova sugeriu para a mudança reclamada para a resposta ao quesito 12.º; o que, naturalmente, como também já vimos, inibe o seu direito a essa mudança. Aliás, mesmo que assim não fosse, sempre seria de estranhar a atitude da impugnante que, num primeiro momento, aquando da sessão da audiência final realizada no dia 03/03/2015, disse, tal como todas as outras partes, que estava de acordo em que esse facto fosse julgado provado (fls. 2071) – o que motivou a decisão a esse respeito tomada pela instância recorrida (fls. 2120) - e, agora, em sede de recurso, vem pugnar pela solução contrária.
E, estabelecidos estes limites, restam-nos por apreciar as respostas aos quesitos 16.º, 17.º, 18.º, 24.º a 26.º e 41.º
Nos quesitos 16.º e 17.º, há duas dissonâncias que os Recorrentes, D Imobiliária, S.A. e a Massa Insolvente de T – Confeções, Ldª, querem ver corrigidas: a contradição entre aquilo que já está assente na resposta ao quesito 23.º, no sentido de que o cheque de 50.000,00€ foi entregue ao A., e não creditado na conta de depósitos à ordem titulada pelos RR. junto da Caixa C; e, por outro lado, o valor dos fundos que foram transferidos para essa conta.
Pois bem, em relação à primeira contradição, a mesma é não só óbvia, como resulta da prova documental produzida, que nos diz, efectivamente, que o cheque em questão, de 50.000,00€, foi entregue ao A. e não depositado na referida conta de depósitos à ordem. É o que resulta, por exemplo, do extracto de fls. 2113vº. Mas é também o que, como já dissemos, está assente na resposta ao quesito 23.º.
Assim, a resposta ao quesito 16.º, na sequência da resposta ao quesito anterior, passará a ser a seguinte: “Tendo estes cheques de 600,000,00€ sido creditados numa conta de depósitos à ordem titulada pelos Réus junto da Caixa C, CRL”.
Já quanto à resposta ao quesito 17.º, a pretensão da D – Imobiliária, S.A., não pode ser atendida; ou seja, não pode aí ser dado como provado que os fundos aí referidos correspondam aos preços das (promessas de) compras dos imóveis referidos por esta Recorrente [1.132.000,00€ (790.000,00€ + 342.000,00€)]. Não era essa a questão que aí era formulada. O que estava em causa era saber se, pelo menos, os fundos correspondentes aos dois cheques de 600.000,00€ tinham sido depositados numa conta titulada por esta Recorrente. E essa realidade não vem impugnada por nenhuma das referidas Recorrentes. Por conseguinte, ela deve manter-se reflectida naquela resposta, que assim ficará redigida:
“Posteriormente, os fundos correspondentes aos dois cheques de 600.000,00€ já referidos foram transferidos para uma conta titulada pela 5.ª Ré (a sociedade, D - Imobiliária, SA), também junto da Caixa C, CRL, com o NIB 0045 14604022094282917 (e onde permanecem até hoje, pelo menos uma parte)”.
Também em relação ao quesito 18.º, a Recorrente, Massa Insolvente de T – Confeções, Ldª, não tem razão. Da cópia da certidão permanente junta aos autos (fls. 29 a 33), resulta que, só a partir do dia 22/07/2008, foi designado um novo Administrador da sociedade, D – Imobiliária, S.A.,, que substituiu o anterior Conselho de Administração, que era integrado pelos RR., Delfim S, Isaac M e Paulo S. O que significa que o afirmado na referida resposta corresponde à verdade.
Passemos à análise dos quesitos 24.º a 26.º. Neles se questionava, em suma, se a Ré, D – Imobiliária, S.A., tinha prometido vender ao R., Isaac M, no dia 25/06/2008, dois prédios, pelos preços parcelares de 790,000,00€ e 342,000,00€, que este lhe pagou e que, aquela, por não ter obtido parecer favorável sobre a viabilidade de construção num dos terrenos, da parte do Ministério da Defesa, acabou por não conseguir cumprir, tendo devolvido o correspondente valor.
A instância recorrida julgou não provados os referidos quesitos. Mas a Ré, D – Imobiliária, Ldª, pugna pela solução contrária, apoiando-se, em larga medida, na prova pericial.
Ora, sem prejuízo das conclusões a que chegou essa perícia, que lemos atentamente (fls. 508 a 511), a nosso ver, a resposta dada pela instância recorrida deve ser mantida. Não só porque não se encontram juntas a estes autos evidencias documentais que comprovem, com segurança bastante, a celebração daqueles negócios, mas sobretudo porque não temos como certo que os fluxos financeiros referidos pela dita perícia estejam só e necessariamente associados a estes negócios, dado que não pode deixar de se considerar estranho que a devolução dos cheques que alegadamente serviram para a restituição dos 342.000,00€ tenha sido feita em datas anteriores àquela em que foi emitido o parecer desfavorável do Ministério da Defesa; ou seja, aqueles cheques foram emitidos entre os dias 30/06/2008 e 25/07/2008, e o parecer do Ministério da Defesa só foi dado no dia 16/09/2008 (fls. 518).
Há, pois, na conjugação destes dados alguma desintonia, pelo que não nos parece seguro julgar os referidos quesitos como provados.
Resta o quesito 41.º. Nele se questionava se o total dos juros acumulados e suportados pela T, de 2004 a 2008, correspondem a um montante ou uma perda de 223.646,37€, sendo que, no total e desde o início da operação, entre 2000 e 2008, se estima uma perda de cerca de 380.198,83€, correspondente ao período de oitos anos de vigência do contrato.
Também este quesito foi julgado não provado. Mas a Massa Insolvente de T – Confeções, Ldª, entende que a resposta devia ter sido outra, uma vez que o próprio A. reconheceu, no requerimento que dirigiu a juízo no dia 26/02/2015, que os juros vencidos entre os anos de 2000 e 2008, ascenderam a 377.703,60€.
E, efectivamente, assim é. No documento que enviou a juízo no dia 26/02/2015, o A. fez constar uma informação, datada de 25/02/2015, na qual se dá conta que, entre os anos de 2000 e 2008, foi debitado na conta caucionada n.º 6645017614, o valor global de 377.703,60€.
Assim, este facto, com base na referida informação, será julgado como provado. Nestes termos: “Entre os anos de 2000 e 2008, o A. debitou na conta caucionada n.º 6645017614, de que era titular a sociedade T – Confeções, Ldª, o valor global de 377.703,60€, a título de juros”.
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E, terminada a análise da factualidade impugnada, é altura de conferir o seu enquadramento jurídico.
No entanto, antes de iniciar esse exercício, parece-nos adequado reordena-la, em função das alterações introduzidas, de modo a torna-la mais compreensível.
É este o quadro factual que servirá de suporte à nossa decisão:
1- No exercício da sua actividade bancária, o A., Banco C, celebrou com a sociedade, T - Confecções, Ldª, um negócio, com a seguinte cláusula: o empréstimo funcionará através de uma conta aberta em nome da sociedade, com o n.º 6645017614, e o respectivo extracto será documento bastante para a prova da dívida e da sua movimentação.
2- No negócio referido em 1) foram estipulados juros (remuneratórios) contados diariamente sobre o saldo em dívida, e debitados trimestralmente na conta de D/O da titularidade da sociedade com o n.º 66803918714, verificando-se o primeiro vencimento no último dia do trimestre em que foi celebrado o negócio.
3- Mais ficou convencionado que os juros remuneratórios seriam calculados à taxa anual de 4,60874% a qual, em caso de mora, seria acrescida da sobretaxa legal em vigor à data do incumprimento, ou seja, 4% ao ano.
4- Para garantia do cumprimento das obrigações emergentes do negócio foi entregue ao Banco uma livrança em branco, subscrita pela sociedade mutuária e avalizada por terceiros e constituído penhor sobre o direito de crédito emergente da subscrição de um seguro, designado por “Sotto Renda +”.
5- Em 29 de Maio de 2008, o direito de crédito emergente da subscrição do seguro referido em 3) teve o seu vencimento.
6- O A. Banco C, no dia 28 de janeiro de 2008, reclamou nos Autos da Insolvência da T, Ldª, entre outros, o crédito que concedeu à Devedora sob a forma de “Operação Compensada” no montante de 1.285.498,86€.
7- No dia 20 de Junho de 2002, e no exercício da sua actividade bancária, o Banco C, SA celebrou com a sociedade T - Confecções, Ldª (6ª Ré) um contrato de abertura de crédito, sob a forma de conta-corrente até ao montante de 1.246.994,75€, destinada a apoio de tesouraria.
8- O referido contrato permitia, como permitiu, à T - Confecções, Ldª, efectuar movimentos a débito até ao limite máximo de 1.246.994,75€.
9- Mais foi estipulado que o empréstimo seria válido pelo prazo de 90 dias desde a data do contrato, vencendo-se o mesmo em 31/07/2002, prorrogando-se, no entanto, por prazos sucessivos de 90 dias, salvo indicação em contrário, a qual se tornará eficaz mediante comunicação escrita do Banco, dirigida ao outro contraente.
10- Posteriormente, aquele contrato de abertura de crédito foi alterado por aditamento celebrado entre o Banco, a T - Confecções, Ldª, e os garantes (entre os quais se contam os aqui 1.° e 2.° Réus), tendo-se alterado a redacção das cláusulas contratuais relativas ao montante (cláusula 1), “modo de funcionamento” (cláusula 5) e ao cálculo dos juros (cláusula 6).
11- Por contrato celebrado em 20 de Junho de 2002, o Réu Isaac M, em garantia do bom cumprimento de todas e quaisquer obrigações e responsabilidades assumidas ou a assumir perante o Banco, pela sociedade, T - Confecções, Ldª, provenientes de todas as operações de crédito legalmente permitidas, nomeadamente de um crédito atribuído sob a forma de conta-corrente caucionada de 1.246.994,75€, da mesma data, e bem assim dos juros devidos, incluindo os de mora e demais encargos acrescidos ou que vierem a acrescer, constituiu penhor sobre o direito de crédito emergente da subscrição de um seguro do Ramo Vida ligado a fundos de investimento, tipo “unit-linked”, designado por “Sotto Renda +”, titulado pela Apólice n.º 2449323, com o certificado individual n.º 2449323, no valor de 1.246.994,75€.
12- Para assegurar a efectivação da garantia referida em 11, o Réu Isaac entregou ao A. a documentação comprovativa do direito de crédito decorrente do contrato de seguro a que aderiu, obrigando-se aquele a não movimentar ou mobilizar de qualquer modo as quantias que integram esse mesmo direito nos anos de 2000 a 2008 e a não ceder a sua posição contratual.
13- A constituição da garantia foi devidamente notificada à Companhia de Seguros O (devedora do crédito garantido), autorizando-se o Banco a solicitar, quando fosse possível exercer o direito de resgate ou levantamento do capital seguro na data do vencimento, por qualquer quantia até ao valor estipulado no contrato de penhor, em função do valor do crédito concedido e em dívida à data da pretensão.
14- Foi ainda solicitado à Companhia Seguradora a alteração da cláusula beneficiária do seguro constituído para que o A. fosse irrevogavelmente designado beneficiário por morte do tomador do seguro, durante a vigência da garantia.
15- O capital actualmente em dívida (por força da utilização do crédito que foi concedido à T - Confecções, Ldª), ascende a 1.246.994,75€.
16- Em 18/07/2008, o Banco/Autor pôs termo ao contrato referido em 7), cessação que produziria efeitos 30 dias após a sua comunicação à mutuária (por esta recebida), considerando-se então vencidas todas as obrigações pecuniárias emergentes daquele contrato.
17- Interpelou a mutuária e respectivos avalistas para efectuarem o pagamento da totalidade da dívida até ao dia 18/08/2008 (data final do prazo de 30 dias que lhe foi concedido).
18- Em consequência do facto descrito em 5), o devedor do crédito procedeu à transferência para a conta de depósitos à ordem do tomador do seguro (1.° Réu), do montante de 1.250.000,00€, conta essa titulada pelos 1.° a 4.° Réus.
19- Os 1.° e 2.° Réus endereçaram, em 08/04/2008, uma comunicação escrita ao Banco/Autor oferecendo em pagamento do crédito emergente da Conta Corrente Caucionada (CCC) o produto da liquidação do Seguro “Sotto Renda +”.
20- Na ocasião, logo de seguida ao pedido de afectação do produto da liquidação do seguro, iniciaram-se entre o Banco/Autor, os Réus e a sociedade T - Confecções, Ldª, negociações com vista à renovação do prazo e renegociação das condições do acordo/convenção já referido, bem como à reaplicação dos fundos declarados como constituindo penhor em garantia daquele.
21- O 1.° Réu e o 3° Réu (co-titular da conta), com o conhecimento e assentimento dos 2° e 4 ° Réus, procederam à movimentação dos montantes creditados pela Companhia de Seguros O, através da emissão de 3 cheques, nos montantes, respectivamente, de 50.000,00€, de 600.000,00€ e de 600.000,00€.
22- Tendo estes cheques de 600,000,00€ sido creditados numa conta de depósitos à ordem titulada pelos Réus junto da Caixa C, CRL.
23- Posteriormente, os fundos correspondentes aos dois cheques de 600.000,00€ já referidos, foram transferidos para uma conta titulada pela 5.ª Ré (a sociedade, D - Imobiliária, SA), também junto da Caixa C, CRL, com o NIB 0045 14604022094282917 (e onde permanecem até hoje, pelo menos uma parte).
24- Os 1.°, 2.° e 4.° Réus foram até 22/07/2008 administradores da sociedade, D - Imobiliária, SA, e os 1.° a 4.° Réus são accionistas da mesma (e as sociedades 5ª e 6ª Rés têm a sua sede social na mesma morada).
25- Os 1.° a 4.° Réus são gerentes da sociedade 6ª Ré e, portanto, bem conhecedores dos termos e condições do contrato de penhor celebrado.
26- Apercebendo-se do ocorrido, o Banco/Autor instou os Réus a efectuarem a reposição dos fundos - o que estes recusaram.
27- Tal montante foi disponibilizado na referida conta e movimentado sem constrangimentos pelos seus titulares, que no mês de Junho sacaram vários cheques sobre os montantes ali depositados, sendo um deles com o n ° 5620646937 de 50.000,00€, com data de 17 de Junho de 2008, entregue ao A., e os outros dois datados de 20 de Junho de 2008.
28- A referida conta era movimentada por crédito e débito da conta de Depósitos à ordem n.º 6680391871, domiciliada no Banco C.
29- Após a concessão do empréstimo, o montante de 250.000.000$00 ficou disponível na conta corrente 11.6645017614, sendo que, em 26 de maio de 2000 foi transferido para a Conta de Depósitos à Ordem n° 6680391871, da Ré T.
30- Nesse mesmo dia foi sacado a débito um cheque do mesmo montante sobre aquela conta de Depósitos à Ordem 11.6680391871 da insolvente T e depositado na conta pessoal dos quatro sócios da insolvente, conta essa domiciliada no Banco C com o n.º 6680473541.
31- Em maio de 2000 o gerente da T, Isaac M, constituiu um seguro de capitalização “Sotto Renda +”, no montante de 250.000.000$00 (PTE), com a duração de oito anos.
32- Para a constituição desse mesmo seguro foi sacado a débito da conta dos quatro particulares (conta n.º 6680473541 do BCP) o montante da constituição do seguro, sendo que os juros associados ao mesmo revertiam exclusivamente para o R, Isaac M, e os outros RR particulares.
33- Todos os fins de ano era realizada a “Reversão da Operação”, para que estas responsabilidades assumidas pela insolvente T não constassem na Central de Créditos do Banco de Portugal e no Balanço da insolvente.
34- Em dezembro de 2000 foi autorizado um descoberto de 250.000.000$00 (PTE) (a débito) na conta pessoal do R, Isaac M, pelo Banco P, para que esse montante pudesse dar entrada, a crédito, na conta dos quatro Particulares 1.º a 4.º RR, e de seguida entrar na conta de Depósitos à Ordem da insolvente T (a crédito), para seguidamente liquidar o empréstimo da Conta Corrente, de forma a não ter que ser evidenciada na contabilidade esta “Operação Compensada”.
35- Logo de seguida, no início de cada ano haveria lugar à “Reposição da Operação”, sendo que, no dia 2 de janeiro de 2001, voltava a entrar na Conta de Depósitos à Ordem 11.6680391871 da insolvente T (a crédito), pelo montante de 250.000.000$00 (PTE), por contrapartida do débito da Conta Corrente, e nesse mesmo dia era ainda sacado por cheque endossado aos sócios da insolvente a quantia de 250.000.0000 (PTE), que entrava a crédito na conta dos quatro particulares (1º a 4º RR), dando posteriormente entrada a crédito na conta pessoal do 1.° R Isaac M, por débito na conta dos Particulares.
36- Em 31 de dezembro 2002, foi autorizado o descoberto bancário na conta particular do 1.º R, Isaac M, (por contrapartida da constituição do Penhor como forma de garantia) que permite disponibilizar o montante de 1.246.994,74€ na conta dos quatro Particulares (1° a 40 RR), que de seguida deu entrada a crédito na conta de Depósitos à Ordem da insolvente T por contrapartida do débito da conta dos Particulares, que de imediato amortizava o empréstimo da Conta Corrente Caucionada.
37- Em 2 de janeiro de 2003 voltou a ser concedido o empréstimo na Conta Corrente Caucionada n.º 66415017614, transferindo de imediato o montante de 1.246.994,76€ para a conta de Depósitos a Ordem n.º 6680391871 a crédito.
38- No mesmo dia, existiu uma transferência a débito da Conta de Depósitos à Ordem da Devedora, para a conta particular dos quatro sócios (1º a 4° RR), que foi transferida posteriormente para a conta particular do 1.° R Isaac Gomes.
39- Estes movimentos compensados mediante transferência bancária foram efetuados todos os finais e inícios de cada ano desde 27 de abril de 2000 até junho de 2008.
40- Entre os anos de 2000 e 2008, o A. debitou na conta caucionada n.º 6645017614, de que era titular a sociedade T – Confeções, Ldª, o valor global de 377.703,60€, a título de juros.
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e) Da alegada extinção do penhor
Esta é verdadeiramente a questão nuclear no presente recurso, ao nível jurídico. Os Apelantes, com efeito, não se conformam com a sentença recorrida, que recusou a referida extinção, com base no abuso de direito. Sustentam, em suma, que não se verifica este abuso e, portanto, aquela extinção, com a entrega do produto resultante do objecto do penhor, não pode deixar de ser reconhecida, com a consequente improcedência desta ação.
Mas o A. defende, justamente, o contrário. E acrescenta, em reforço da sua tese, que, em rigor, nem sequer houve lugar à restituição do referido produto, mas antes uma apropriação ilegítima do mesmo, por parte dos RR. e, por conseguinte, também por esta via, o penhor em causa se deve considerar em vigor, com todas as consequências por si peticionadas.
Tudo se resume, pois, a saber se o dito direito penhoratício existe na esfera jurídica do A. e, na afirmativa, quais as consequências jurídicas e patrimoniais daí decorrentes.
A primeira noção a ter presente para a resolução desta questão é que, ao falarmos de penhor, estamos a tratar de um direito real de garantia; ou seja, de um direito real acessório ou instrumental em relação a outro direito, que é de crédito.
O penhor, tal como resulta do disposto no artigo 666.º, n.º 1, do Código Civil, “confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito, bem como dos juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel, ou pelo valor de certa coisa móvel, ou pelo valor de créditos ou outros direitos não susceptíveis de hipoteca, pertencentes ao devedor ou a terceiro”.
Não se trata, assim, de um direito real destinado a conferir ao respectivo titular o gozo dos bens sobre o qual incide, mas antes a garantir-lhe a cobrança de um crédito .
Mas a circunstância de não se tratar de um direito real de gozo, não significa que o respetivo titular fique ou deva ficar, pelo menos por regra, sem o domínio de facto sobre a coisa (móvel) ou direito empenhado . Pelo contrário, no penhor comum, o penhor só se constitui e produz efeitos pela entrega da coisa empenhada, ou de documento que confira a exclusiva disponibilidade dela, ao credor ou a terceiro – artigo 669.º, n.º 1, do Código Civil. E, embora a entrega possa consistir também na simples atribuição da composse ao credor, nunca essa atribuição implica a concessão ao autor do penhor da possibilidade de dispor materialmente da coisa ou direito - artigo 669.º, n.º 2, do Código Civil. Essa possibilidade está sempre afastada.
E, não é por acaso. É que, como é doutrina clássica , tratando-se de coisas móveis ou direitos não sujeitos a registo, a publicidade do penhor é assegurada pela posse exercida pelo credor ou terceiro, titulares dessa garantia. Como escreveu Vaz Serra , “[a]quele que não vê a coisa na posse do empenhador, mas sim na do credor, pode suspeitar de que está onerada com um penhor, podendo, portanto, abster-se de contratar com o empenhador ou contratar de outro modo, por ter em atenção tal facto. Além disto, a entrega serve para segurança do credor, que fica mais defendido contra o extravio do penhor e, portanto, para tornar mais sólido o crédito”.
Daí que a lei, reconhecendo validade a estes fundamentos, tenha determinado que o penhor se extingue “pela restituição da coisa empenhada, ou do documento a que se refere o n.º 1 do artigo 669.º, e ainda pelas mesmas causas por que cessa o direito da hipoteca, com excepção da indicada na alínea b) do artigo 730.º” – artigo 677.º do Código Civil.
Restituição que não tem de ser voluntária ou sequer definitiva. Efetivamente, “caso o autor do penhor subtraia a coisa ao credor, poderá dispor dela a favor de terceiros, não sendo aceitável que a estes fosse oponível o penhor, uma vez que não teriam qualquer publicidade relativa ao mesmo. Da mesma forma, se o credor restituir a coisa ao devedor, mesmo que a título temporário e sem intenção de extinguir o penhor, este não deixa de se extinguir” .
A restituição, pois, extingue o penhor comum e, salvo disposição legal em contrário, extingue também o penhor de direitos, seja qual for a sua natureza (artigo 679.º do Código Civil).
É uma medida que visa proteger os interesses de terceiros que estejam de boa-fé. No fundo, “merecem mais protecção esses terceiros que o credor, muitas vezes negligente na guarda da coisa” .
Mas, o credor nem sempre fica destituído de protecção legal contra o empenhador que contra si age de má-fé e/ou violentamente. Se assim fosse, a ordem jurídica consentiria e premiaria aqueles que não a respeitam. Mas, repetimos, não é assim. Além das acções possessórias, inclusive contra o próprio dono da coisa ou direito empenhado (artigos 670.º, al. a), e 1276.º, do Código Civil), o credor tem igualmente o direito de ser ressarcido dos danos que lhe forem causados, bem como o direito a exigir do empenhador a devolução do bem que o mesmo lhe tenha subtraído ilegitimamente; designadamente com violência ou de má-fé. Afinal, a inerência e sequela continuam presentes nestes direitos. E, assim, se conseguir essa devolução, como refere Oliveira Ascensão - por comparação com o regime previsto para a hipoteca (artigo 732.º do Código Civil) - “o elemento voluntário é aproveitado, e logo que se reconstitua a situação de privação da possibilidade de disposição material da coisa pelo autor do penhor, aquele renasce”. Sem prejuízo, naturalmente, dos direitos de terceiro de boa-fé entretanto constituídos. Mas, respeitados estes direitos, o penhor renasce.
Ora, no caso em apreço, cremos que se passa justamente esta situação. O A. foi desapossado do produto resultante da liquidação do contrato de seguro que lhe foi dado em penhor e, portanto, tendo esse desapossamento sido obtido por via do exercício abusivo do direito ao levantamento daquele produto, pode o mesmo penhor voltar a renascer e o seu objecto devolvido ao credor; isto é, ao A.
E não há qualquer dúvida, de que o referido direito foi exercido abusivamente, tal como, de resto, os direitos que deram origem às movimentações financeiras subsequentes.
Efetivamente, como dispõe o artigo 334º do Código Civil, “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
A ilegitimidade, como é sabido, não é aqui empregue num sentido técnico – como a falta de qualidade para o exercício de um direito -, mas, sim, como sinónimo de proibição de uma conduta . E é essa antijuricidade relacional, ou exercício disfuncional de uma posição jurídica, que permite o seu controlo jurisdicional oficioso .
Não é, porém, qualquer exercício excessivo de um direito que o torna, só por si, proibido. Essencial é que o respectivo titular ultrapasse manifesta e clamorosamente, os limites que deve observar, impostos quer pelo princípio da tutela da confiança (boa-fé), quer pelos padrões morais de convivência social comummente aceites (bons costumes), quer, ainda, pelo fim económico ou social que justifica a existência desse direito. Em qualquer uma destas hipóteses, o dito excesso, à luz do sentimento jurídico socialmente dominante, conduz a uma situação de flagrante injustiça . E é, por isso, que não pode ser juridicamente tolerado.
Pressupõe-se, com efeito, numa ordem jurídica estruturada que os direitos sejam exercitados para os fins económicos e sociais para que foram criados.
Por conseguinte, quando alguém, detentor embora de um determinado direito, o exercita fora ou contra esses fins, designadamente com intenção de prejudicar ou de comprometer o gozo do direito de outrem ou de criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do seu direito e as consequências a suportar por aquele contra o qual o mesmo é invocado, devem ser paralisados os efeitos desse exercício.
E isso independentemente da intencionalidade do respectivo titular, pois, “a concepção adoptada de abuso de direito é a objectiva. Não é necessária a consciência de se excederem, com o seu exercício, os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito; basta que se excedam esses limites” .
Uma das modalidades mais frequentes de abuso de direito é a chamada conduta contraditória (venire contra factum proprium). Corresponde ao exercício dum direito em contradição com uma conduta anterior em que a outra parte tenha, de boa fé, confiado e, com base nela, programado a sua vida .
Nessas situações, a paralisação do direito é justificada pela tutela da confiança.
“O princípio da confiança surge como uma mediação entre a boa fé e o caso concreto. Ele exige que as pessoas sejam protegidas quando, em termos justificados, tenham sido levadas a acreditar na manutenção de um certo estado de coisas. Várias razões depõem nesse sentido. Em termos antropológicos e sociológicos, podemos dizer que, desde a sedentarização, a espécie humana organiza-se na base de relacionamentos estáveis, a respeitar. No campo ético, cada um deve ser coerente, não mudando arbitrariamente de condutas, com isso prejudicando o seu semelhante. Juridicamente, a tutela da confiança acaba por desaguar no grande oceano do princípio da igualdade e da necessidade de harmonia, daí resultante: tratar o igual de modo igual e o diferente de forma diferente, de acordo com a medida da diferença.
Ora, a pessoa que confie, legitimamente, num certo estado de coisas não pode ser tratada como se não tivesse confiado: seria tratar o diferente de modo igual.
(…)
Na base da doutrina e com significativa consagração jurisprudencial, a tutela da confiança, apoiada na boa fé, ocorre perante quatro proposições.
Assim:
1ª- Uma situação de confiança conforme com o sistema e traduzida na boa fé subjectiva e ética, própria da pessoa que, sem violar os deveres de cuidado que ao caso caibam, ignore estar a lesar posições alheias;
2ª- Uma justificação para essa confiança, expressa na presença de elementos objectivos capazes de, em abstracto, provocar uma crença plausível;
3ª- Um investimento de confiança consistente em, da parte do sujeito, ter havido um assentar efectivo de actividades jurídicas sobre a crença consubstanciada;
4ª- A imputação da situação de confiança criada à pessoa que vai ser atingida pela protecção dada ao confiante: tal pessoa, por acção ou omissão, terá dado lugar à entrega do confiante em causa ou ao factor objectivo que a tanto conduziu.
Estas quatro proposições devem ser entendidas dentro da lógica de um sistema móvel. Ou seja: não há, entre elas, uma hierarquia e o modelo funciona mesmo na falta de alguma (ou algumas) delas: desde que a intensidade assumida pelas restantes seja tão impressiva que permita, valorativamente, compensar a falha” .
Pois bem, como já adiantámos, temos para nós como certo que o direito ao levantamento do produto resultante da liquidação do seguro objecto do penhor que aqui está em causa, e mesmo as subsequentes operações financeiras que deram destino a esse produto, foram exercidos de modo manifestamente abusivo, sem que nenhum dos RR. esteja isento de censura por esses factos.
Isto porque, como se provou, todos os RR., que são pessoas singulares, eram conhecedores dos termos e condições em que tinha sido constituído e vigorava esse penhor. E, nessa medida, esse seu conhecimento perpassou também para as sociedades Rés, às quais sempre algum deles esteve ligado, através dos respectivos órgãos sociais.
Ora, há muito, pelo menos desde 20/06/2002, que eram sabidas as condições em que esse contrato de penhor tinha sido celebrado. O R., Isaac tinha-se obrigado a não movimentar ou mobilizar de qualquer modo as quantias integradoras do contrato de seguro, nos anos de 2000 a 2008, e a não ceder a sua posição contratual. E mesmo sem curar aqui da idoneidade das operações financeiras garantidas (realizadas através da T – Confeções, Ldª, mas numa constante mistura entre o património societário e individual dos seus sócios), verdade é que o produto da liquidação desse contrato foi, no dia 08/04/2008, oferecido ao A. em pagamento do crédito por ele detido.
Por outro lado, na ocasião, logo de seguida ao pedido de afectação do produto da liquidação do seguro, iniciaram-se entre o A., os Réus e a sociedade T - Confecções, Ldª, negociações com vista à renovação do prazo e renegociação das condições do acordo/convenção que tinha dado origem a esse crédito, bem como à reaplicação dos fundos declarados como constituindo penhor em garantia daquele.
Pois bem, sem que haja notícia de que essas negociações se tenham gorado e contrariando a oferta já referenciada e todo o histórico contratual de confiança reciproca entre as partes, o 1.° Réu e o 3° Réu (co-titular da conta), com o conhecimento e assentimento dos 2° e 4 ° Réus, procederam à movimentação dos montantes creditados pela seguradora, através da emissão de 3 cheques, e deram-lhe um destino diferente do prometido.
Não há dúvida, assim, que toda esta conduta foi abusiva.
É verdade que foi o próprio A. quem deu pagamento a esses cheques; tal como é verdade que o A. também podia ter cativado a conta de onde foram levantados esses cheques e não o fez. Mas, se essas atitudes do A. podem ser consideradas incautas, a verdade é que, perante a promessa já referenciada e o histórico relacional entre as partes, nada fazia prever que os RR. adotassem as atitudes que assumiram.
Assim, os direitos pelos mesmos exercidos nesse contexto, devem ter-se por abusivos e, nessa medida, ilegítimos. O que confere ao A. o direito a ver restituído o montante de que se viu desapossado, renascendo assim, como vimos, o penhor que sobre o mesmo incidia.
Em suma, a sentença recorrida deve ser confirmada, improcedendo todos os recursos em apreço.
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III- DECISÃO
Pelas razões expostas, acorda-se em negar provimento aos recursos em apreço e, consequentemente, confirma-se a sentença recorrida.
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- Porque decairam na totalidade, as custas de cada um dos recursos serão suportadas pelo respectivo Apelante - artigo 527º nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.
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1 Como se concluiu no sumário do Ac. STJ de 19/02/2015, Proc. 299/05.6TBMGD.P2.S1, consultável em www.dgsi.pt., “A exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem impugnar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio tem por função delimitar o objeto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto.
2 Neste sentido, Orlando de Carvalho, Direito das Coisas, Coordenação de Francisco Liberal Fernandes, Maria Raquel Guimarães e Maria Regina Redinha, Coimbra Editora, pág. 254.
3 Domínio de facto que, por regra, não significa direito de uso – artigo 671.º, al. b), do Código Civil.
4 Cfr., entre outros, Oliveira Ascensão, Direito Civil – Reais – 4ª edição Refundida, Coimbra Editora, pág. 484, e Luis A. Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 6ª ed. (reimpressão), Quid Juris, pág. 156.
5 Citado no Código Civil Anotado, Vol. I, de Pires de Lima e Antunes Varela, 4ª ed. Revista e Atualizada, Coimbra Editora, pág. 688.
6 Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Garantias das Obrigações, 2012, 4ª ed., Almedina, pág. 176.
7 Vaz Serra, BMJ, n.º 59, pág. 69, citado por José de Oliveira Ascensão, ob cit., pág. 486.
8 Ob cit., pág. 488.
9 Cfr. neste sentido, António Menezes Cordeiro, “O abuso de direito: estado das questões e perspectivas”, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 65, Vol II, consultável em www.oa.pt.
10 Cfr. neste sentido, entre muitos outros, os recentes Acórdãos do STJ 18/10/2012, Pº 660/04.3TBPTM.E1.S1, e de 11/12/2012, Pº 116/07.2TBMCN.P1.S1, ambos consultáveis em www.dgsi.pt.
11 cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 2.ª Edição, Livraria Almedina, Coimbra, 1973, pág 422-423; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, Coimbra Editora, 1967, pág 217
12 Cfr. Código Civil Anotado, 2ª ed. Vol. 1, pág. 298; em sentido idêntico, António Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil, Tomo I, 2ª ed., 2000, pág. 247.
13 Cfr. Vaz Serra, RLJ, 111º, pág. 296.
14 António Menezes Cordeiro, “O abuso de direito: estado das questões e perspectivas”, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 65, Vol II, consultável em www.oa.pt.