Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS | ||
Descritores: | ACÇÃO DE INSOLVÊNCIA DECISÃO ABSOLUTÓRIA AUTORIDADE DE CASO JULGADO FIADOR DO INSOLVENTE | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 10/19/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | INTEGRALMENTE IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
Sumário: | 1- Instaurada ação de insolvência em que o requerente ancorou a sua legitimidade ativa para a ação na circunstância de ser credor do requerido de rendas e indemnizações pelo não pagamento atempado dessas rendas, a sentença proferida nesses autos, que absolveu o requerido do pedido de insolvência, com fundamento na circunstância deste não ser devedor daquelas quantias invocadas pelo requerente, opera caso julgado material, na sua dimensão positiva de força e autoridade de caso julgado, em ação executiva intentada pelo requerente do processo de insolvência contra o nele requerido e um terceiro com vista à cobrança coerciva dessas mesmas rendas e indemnizações. 2- Alegando o exequente que o terceiro contra quem instaurou a execução sacou e entregou-lhe um cheque para garantir o pagamento das rendas vencidas e em dívida pela primeira executada (requerida no processo de insolvência), responsabilizando-se pelo pagamento dessas rendas até ao montante máximo inscrito no cheque caso a primeira executada não pagasse, esse terceiro detém a qualidade jurídica de fiador. 3- Esse fiador é “terceiro juridicamente interessado”, titular de uma relação jurídica dependente da julgada e decidida no processo de insolvência, pelo que beneficia da força e da autoridade do caso julgado inerente à sentença proferida nesses autos. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães. I. RELATÓRIO. Recorrente: J. R.; Recorridos: T. – Tipografia, Lda. e * Corridos os vistos legais, cumpre decidir. * II- FUNDAMENTOSO objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC. No seguimento desta orientação, a única questão que é colocada à apreciação deste tribunal prende-se em saber se tendo a apelante dado à execução o contrato de arrendamento celebrado entre si e a executada “T. Tipografia, Lda.”, acompanhada do comprovativo da comunicação à última do montante em dívida respeitante às rendas vencidas e não pagas dos meses de março de 2010 a fevereiro de 2015 e respetiva indemnização pelo não pagamento atempado dessas rendas e, bem assim o cheque sacado pelo executado R. F. à ordem da apelante, alegando esta que esse cheque lhe foi entregue em 30/12/2014 por aquele executado, completamente preenchido, exceto quanto ao local destinado à data da sua emissão, que ficou em branco, mediante o qual garantiu ao apelante que se responsabilizava pelo pagamento dos montantes devidos pela executada “T. - Tipografia” derivados do incumprimento daquele contrato de arrendamento, até ao montante máximo de 79.000,00 euros, montante esse que o identificado executado fez constar do referido cheque, e tendo o apelante instaurado ação de insolvência contra a aqui executada “T.”, em que requereu que fosse declarada a insolvência desta, fundamentando a sua legitimidade ativa para a instauração dessa ação no crédito àquelas rendas e indemnização, e tendo, por sentença transitada em julgado, proferida nesses autos de insolvência, que correram termos na Comarca de Braga, Vila Nova de Famalicão, Instância Central, 2ª Secção de Comércio, Juiz 2, sob o n.º 2040/15.6T8VNF, sido julgado, além do mais, que o ali requerente, aqui exequente, “simultaneamente senhorio e arrendatário, decidiu não serem devidas quaisquer rendas pela ocupação do pavilhão por parte da Ré” e que “a requerida não deve qualquer quantia ao Autor, designadamente decorrente de rendas pela ocupação do pavilhão” e, em consequência, absolveu esta última daquele pedido, se ocorre a exceção do caso julgado material em relação a ambos os aqui executados, tal como foi o entendimento sufragado pela sentença recorrida. * A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.O tribunal “a quo” não fixou a matéria de facto a levar em consideração, limitando-se, na subsunção jurídica que operou, a respigá-la da prova documental junta aos autos e a considerá-la nessa subsunção jurídica. Porque nos termos do disposto no n.º 3 do art. 607º do Cód. Proc. Civil (doravante CPC) na decisão a proferir se impõe discriminar os factos que se considera provados, ónus este que é extensível ao presente acórdão atento o preceituado n.º 3 do art. 663º do mesmo Código, tendo em conta a prova documental junta aos autos, os factos a considerar são os seguintes: A- Serve de base à presente execução o “contrato de arrendamento ajustado entre o exequente J. R. e a executada “T. – Tipografia, Lda.”, mediante o qual o primeiro deu de arrendamento à segunda, o pavilhão industrial com o n.º .., sito no Parque Industrial de …, concelho de Braga, com início em 01 de setembro de 2009, mediante a renda mensal inicial de 1.250,00 euros, acompanhando esse contrato o comprovativo da comunicação efetuada à executada nos termos do art. 14º-A do NRAU, datada de 16 de fevereiro de 2015 e rececionada pela executada em 18 de fevereiro de 2015, das rendas vencidas e não pagas nos meses de março de 2010 a fevereiro de 2015, e o cheque sacado pelo executado R. F. à ordem do exequente, que apresentado a pagamento, foi devolvido por falta de provisão. B- No requerimento de execução o exequente alega em relação ao executado R. F., o seguinte: “11- O Segundo Executado, para garantia do pagamento das rendas vencidas e em dívida pela Primeira Executada, tinha entregue em 30 de Dezembro de 2014, ao Exequente, o cheque n.º …3, sacado sobre conta do Segundo Executado no Banco A, S.A.. 12- O identificado cheque foi assinado pelo Segundo Executado e entregue ao Exequente completamente preenchido, exceto quanto ao local destinado à data da sua emissão, que ficou em branco. 13- O Segundo Executado garantiu ao Exequente que se responsabilizava pelo pagamento dos montantes devidos pela Primeira Exequente a este derivados do incumprimento do contrato de arrendamento supra identificado até ao montante máximo de 79.000.00 euros (…), montante que o mesmo fez constar do referido cheque. 14- Para o efeito, o Segundo Executado entregou ao Exequente o supra identificado cheque. 15- O Segundo Executado assumiu assim o pagamento ao Exequente da quantia máxima de 79.000.,00 euros (…), caso a Primeira Executada não o fizesse. 16- A Primeira Executada não procedeu a qualquer pagamento ao Exequente, pelo que este apôs no cheque que lhe tinha sido entregue pelo Segundo Executado a data de 27 de Novembro de 2015 e apresentou-o a pagamento. 17- O cheque foi devolvido pela Caixa de Compensação em 2 de Dezembro de 2015, por falta de provisão. (…) 23- O Exequente é credor do Segundo Executado no montante de 79.000,00 euros (…), montante máximo que este assumiu quanto às responsabilidades da Primeira Executada”. (…). C- O exequente J. R. intentou ação de insolvência contra a executada “T. – Tipografia, Lda.”, requerendo a declaração de insolvência desta, alegando ser credor da quantia de 114.375,00 euros, referente a rendas devidas e não pagas, pelo arrendamento do pavilhão industrial n.º .., do Parque Industrial de …, em Braga, e da indemnização correspondente ao não pagamento daquelas rendas e que a ali requerida não possui património que lhe permita fazer face às dívidas, pelo menos, as assumidas, processo esse que correu termos com o n.º 2040/15.6T8VNF, da Comarca de Braga, Vila Nova de Famalicão, Instância Central, 2ª Secção de Comércio, Juiz 2 – cfr. doc. de fls. 19 verso a 37. D- Por sentença proferida em 01/06/2015, transitada em julgado em 01/12/2015, no âmbito dos autos identificados em C), a ali requerida “T. – Tipografia, Lda.” foi absolvida do pedido, lendo-se nessa sentença: “(…) 3- Factos provados. Face à prova documental junta aos autos bem como à prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento, encontram-se provados os seguintes factos com interesse para a decisão (…). 1- A Requerida é uma sociedade comercial que tem por objeto social a prestação de serviços na área das artes gráficas, nomeadamente tipografia. 2- Em 3 de Agosto de 2009 Requerente e Requerida celebraram um Contrato de Arrendamento Comercial mediante o qual o primeiro deu de arrendamento à segunda, que reciprocamente tomou de arrendamento, “o pavilhão industrial com o n.º .., sito no Parque Industrial de …, concelho de Braga, inscrito na matriz predial urbana respetiva sob o artigo n.º …”. 3- Ficou estipulada a renda mensal inicial de 1.250,00 euros (…), com vencimento no primeiro dia útil do mês anterior àquele que respeitar, devendo ser paga no domicílio do Requerente. 4- O arrendamento teve início no dia 1 de Setembro de 2009. 5- A Requerida deixou de pagar as rendas devidas pela utilização do pavilhão industrial supra identificado a partir da respeitante ao mês de Março de 2010 até à presente data. 6- Não obstante, a Requerida continuou a utilizar o imóvel em causa no exercício da sua atividade comercial, retirando daí os respetivos proveitos. 7- O pavilhão arrendado à Requerida é o local onde esta tem a sua sede social e o centro da sua atividade económica. 8- Por carta datada de 16 de fevereiro de 2015 a Requerida foi interpelada para regularizar a dívida para com o Requerente. 9- A Requerida não logrou dar qualquer resposta, nem fazer qualquer tipo de pagamento. 10- O contrato de arrendamento supra identificado não foi resolvido pelo Requerente por falta de pagamento das rendas. 11- O Autor era, pelo menos desde 10 de setembro de 2009, sócio e único gerente da sociedade comercial com a firma J. R., Lda. (…). 12- Na referida data, a J. R. Lda., representada pelo aqui Autor adquiriu duas quotas, do valor nominal de 250,00 euros e 2.500,00 euros, no capital social da aqui Ré, que posteriormente unificou numa quota só do valor nominal de 2.750,00 euros. 13- O capital social da Ré, no montante de 5.000,00 euros, passou a partir de então a estar dividido em duas quotas, sendo uma do valor nominal de 2.750,00 euros, pertencente à sócia J. R. Lda., e outra, do valor nominal de 2.250,00 euros, pertencente ao sócio R. F.. 14- (…). 15- Nessa mesma data, o Autor foi ainda nomeado gerente da sociedade Ré. 16- O Autor manteve-se a exercer as funções de gerente da Ré, ininterruptamente, desde 10 de setembro de 2009 até 07 de janeiro de 2015. 17- Período em que o Autor, através da sociedade J. R. Lda., deteve a maioria do capital social da sociedade Ré, 18- O Autor, simultaneamente senhorio e arrendatário, decidiu não serem devidas quaisquer rendas pela ocupação do pavilhão por parte da Ré. 19- O Autor deixou de entregar na Administração Tributária os montantes correspondentes à retenção de 15% do IRS sobre o valor da renda. 20- Na sequência dessa mesma decisão por parte do Autor, na dupla qualidade de senhoria e de inquilino, o não pagamento das rendas nem sequer foi lançado na contabilidade como dívida da sociedade, por instruções expressas suas nesse sentido. 21- As rendas, cujo pagamento reclama agora da Ré, nunca constaram como passivo nas contas da sociedade. 22- Contas essas que sempre mereceram a sua aprovação nas assembleias gerais para o efeito convocadas, tanto mais que detinha a maioria do capital social, conforme se constata das atas das assembleias gerais. 23- A Requerida não deve, pois, qualquer quantia ao Autor, designadamente decorrente de rendas pela ocupação do pavilhão. 24- O Autor cedeu a quota de que a sua representada, J. R., Lda.” era titular e renunciado à gerência, o que ocorreu por escritura pública de 30 de dezembro de 2014. 25- Os atuais sócios da Ré, R. F. e V. V., só aceitaram adquirir a quota da J. R., Lda. por estarem convencidos da inexistência de qualquer dívida da sociedade ao Réu, o que resultava, aliás, da própria contabilidade da sociedade; 26- A Requerida, após a receção da carta que lhe foi enviada pelo ilustre mandatário do Autor, em fevereiro de 2015, de imediato tratou de arranjar outras instalações, o que viria a conseguir e, desse modo, no passado dia 19 de março de 2015, entregou ao Autor o pavilhão livre de pessoas e bens. (…). Factos não provados. (…) 4- Fundamentação. A questão principal que nesta sede importa apreciar é a da invocada situação de insolvência da Requerida, o que passa pela determinação da situação de impossibilidade de cumprimento das suas obrigações vencidas (artigo 3º, n.º 1 do CIRE). (…) Não carece de indagação demorada, face à matéria de facto provada, que o Requerente não conseguiu demonstrar a existência de qualquer crédito sobre a requerida, designadamente o constante da petição por si apresentada e no qual fundou a sua pretensão para requerer a insolvência da requerida. Incumbia ao requerente provar e existência do crédito por si invocado, o que não logrou obter. (…) – cfr. doc. de fls. 19 verso a 37. * B- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO. Como acima se deixou referido, a questão que é colocada pelo apelante perante este tribunal consiste em saber se tendo aquele instaurado a presente execução contra a executada “T. – Tipografia, Lda.” com vista à cobrança coerciva das rendas dos meses de março de 2010 a fevereiro de 2015 e respetivas indemnizações pelo não pagamento atempado dessas rendas, bem como contra o executado R. F., este com fundamento no cheque sacado pelo último, titulando a quantia de 79.000,00 euros, cheque esse que alegadamente aquele executado lhe entregou completamente preenchido, à exceção da data de emissão, como garantia pessoal do pagamento daquelas rendas pela 1ª executada, até àquele montante de 79.000,00 euros, e tendo previamente à presente execução, aquele exequente instaurado ação de insolvência contra aquela 1ª executada, pedindo a declaração da insolvência desta, em que alegou como facto legitimador desse seu pedido o não pagamento pela ali requerida, aqui 1ª executada, daquelas rendas e da respetiva indemnização pelo não pagamento atempado dessas rendas, e tendo, por sentença transitada em julgado nesses autos sido julgado provado que aquela 1ª executada não deve essas rendas, sequer qualquer quantia ao aqui exequente, absolvendo-a do pedido de declaração de insolvência, se essa sentença opera caso julgado quanto aos aqui executados, impedindo o exequente de instaurar a presente execução com vista à cobrança coerciva dessas mesmas rendas e respetiva indemnização, posição esta que acabou por ser sufragada a pela decisão recorrida, mas da qual discorda o apelante. B.1- Do caso julgado. Como é entendimento doutrinário e jurisprudencial consensual e resulta do expresso no art. 580º, n.º 1 do CPC, o caso julgado tem como pressuposto a repetição de uma causa decidida por sentença que já não admite recurso ordinário. Trata-se de uma exceção que no ordenamento jurídico processual atualmente vigente vem qualificada de exceção dilatória (art. 576º, n.ºs 1 e 2 e 577º, al. i) do CPC.) e que “exerce duas funções: i) uma função positiva e ii) uma função negativa. Exerce a primeira quando faz valer a sua força e autoridade, e exerce a segunda quando impede que a mesma causa seja novamente apreciada pelo tribunal. Visando tal exceção, assim, evitar que o tribunal contrarie na decisão posterior o que decidiu na primeira ou a repita; a autoridade do caso julgado é o comando da ação ou proibição de repetição. O que vale por dizer que a sentença faz caso julgado quando a decisão nela contida se torna imodificável (efeito processual do caso julgado) em razão do que o tribunal não pode pronunciar-se sobre o decidido (exceção do caso julgado) e fica vinculado ao respetivo conteúdo (autoridade do caso julgado). Sendo certo que a autoridade de caso julgado e a exceção de caso julgado não são duas figuras distintas, mas antes duas faces da mesma figura – consistindo o facto jurídico “caso julgado” em existir uma sentença (um despacho) com trânsito sobre determinada matéria. E, caso se encontrem preenchidos os pressupostos do caso julgado, pode distinguir-se entre o caso julgado formal, externo ou de simples preclusão e o caso julgado material ou interno. Consistindo o primeiro (art. 672º, atual art. 620º do NCPC) em estar excluída a possibilidade de recurso ordinário, nada obstando, porém, em que a matéria da decisão seja diversamente apreciada noutro processo, pelo mesmo ou por outro Tribunal. Correspondendo o mesmo às decisões que versam apenas sobre a relação processual, não provendo sobre os bens litigados. Consistindo o segundo (art. 671º, atual art. 619º, n.º 1 do NCPC), geralmente designado como caso julgado “res judicata”, em a definição dada à relação controvertida se impor a todos os Tribunais (e até quaisquer outras autoridades), quando lhes seja submetida a mesma relação. Todos têm de a acatar, de modo absoluto, julgando em conformidade, sem nova discussão. Competindo o mesmo às decisões que versam sobre o fundo da causa, sobre os bens discutidos no processo, definindo a relação ou situação jurídica deduzida e discutida em Juízo. Quando constitui uma decisão de mérito (decisão sobre a relação material controvertida), a sentença produz, também fora do processo, efeito de caso julgado material: a conformação das situações jurídicas substantivas por ela reconhecidas como constituídas impõe-se nos planos substantivo e processual, distinguindo-se, neste, como atrás aflorado, o efeito negativo da inadmissibilidade de uma segunda ação (proibição de repetição: exceção de caso julgado) e o efeito positivo da constituição da decisão proferida em pressuposto indiscutível de outras decisões de mérito (proibição de contradição: autoridade de caso julgado). Enquanto exceção, o caso julgado pressupõe a repetição de uma causa idêntica, repetindo-se a mesma quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir (arts. 497º, n.º 1, e 498º, n.º 1, atuais arts. 580º e 581º, n.º 1): i) há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica; ii) há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico e iii) identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico”(1). A exceção do caso julgado tem como fundamento teleológico o prestígio dos tribunais, o qual seria altamente comprometido caso a mesma situação concreta, uma vez definida, pudesse posteriormente ser decidida em sentido diverso pelos tribunais, mas assenta, sobretudo e é este o mais importante e essencial dos seus fundamentos, em razões de certeza e segurança jurídicas, as quais seriam fortemente colocadas em crise, com a inerente instabilidade no tráfego jurídico, caso, uma vez decidida determinada questão, o tribunal pudesse rever essa decisão, alterando-a. Assim, decidida determinada questão e transitada em julgado a decisão, isto é, não admitindo recurso ordinário, aquela torna-se inatacável, promovendo-se, assim, a justiça, a segurança jurídica, a paz social e o prestígio dos tribunais. Essa inatacabilidade ou incontestabilidade das decisões judiciais pode, no entanto, projetar-se apenas intra processualmente ou, ainda, extra processualmente e daí que se imponha distinguir entre caso julgado formal e caso julgado material. O caso julgado formal, também designado de externo ou de simples preclusão, significa que a decisão, uma vez tomada e transitada em julgado, tem força obrigatória, mas apenas dentro do processo, obstando a que o juiz possa, na mesma ação, alterar a decisão proferida, mas não impede que noutra ação, em que a mesma questão processual seja suscitada, esse tribunal ou outro que seja convocado a decidi-la, tome decisão distinta da anteriormente tomada no precedente processo. Constituindo o processo um encadeamento de atos e de decisões que vão sendo tomadas ao longo do iter processual até à decisão final, à medida que se vai percorrendo esse iter processual e que nele vão sendo proferidas decisões que recaiam apenas sobre a relação processual ou, inclusivamente, tomada nele uma decisão final que apenas verse sobre essa relação processual, não definindo a concreta relação controvertida entre as partes, ou seja, não decidindo de mérito, essas decisões que, reafirma-se, apenas versam sobre a relação processual, logo que transitem em julgado, não admitindo recurso ordinário, tornam-se incontestáveis e imodificáveis mas tão-somente dentro do processo, ficando o tribunal e as partes submetidas ao que ficou decidido, de modo que, posteriormente, não podem naquele processo ter um comportamento processual contrário ao decidido, sequer o tribunal pode decidir de forma diversa ao anteriormente decidido. No entanto, porque essas decisões apenas recaíram sobre a relação processual, deixando intocada e por definir a relação controvertida, isto é, o mérito da causa, em posterior ação que venha a ser proposta, o mesmo tribunal ou outro que venha a ser convocado a decidir essa segunda ação, não está subordinado à decisão anteriormente proferida. Não provendo essas decisões, como é o caso de decisões que conheçam de exceções dilatórias, sobre “os bens litigados, pensou-se não haver inconveniente de maior na possibilidade de serem desrespeitadas noutro processo” (2), sendo isto que resulta do comando ínsito no art. 620º do CPC, onde se estatui que, com exceção dos despachos que não admitem recurso por se tratar de despachos de mero expediente ou proferidos no uso legal de um poder discricionário, “as sentenças e os despachos que recaiam sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo”. Diversamente do caso julgado formal, o caso julgado material, ou interno, tem como pressuposto a prolação de uma sentença ou despacho saneador que decidam sobre o mérito da causa, isto é, que versem “sobre os bens discutidos no processo; definam a relação ou situação jurídica deduzida em juízo; estatuam sobre a pretensão do Autor”. Tais decisões de mérito, logo que transitem em julgado, por não admitirem recurso ordinário, impõem-se a todos os tribunais e às partes (mas não só, conforme infra se verá), intra e extra processualmente, de modo que quando seja submetida aos tribunais “a mesma relação, quer a título principal (repetição da causa em que foi proferida a decisão), quer a título prejudicial (ação destinada a fazer valer outro efeito dessa relação), todos “têm que acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão”. “Quanto a estas o caso julgado material acresce ao formal” (3). Na sua dimensão de “efeito negativo da inadmissibilidade de uma segunda ação (proibição de repetição)”, o caso julgado material funciona assim, como bloqueio ao direito de acesso aos tribunais, e na sua “dimensão de efeito positivo da constituição da decisão proferida constitui pressuposto indiscutível para outras decisões de mérito (proibição de contradição: autoridade de caso julgado)”, impedindo a suscitação de solução para uma controvérsia jurídica já decidida. Dados os efeitos severos do caso julgado material, o mesmo encontra-se sujeito a contornos rígidos e rigorosos que se reconduzem ao requisito da denominada “tripla identidade”, segundo a qual para que estejamos perante a mesma questão jurídica é necessário que haja identidade das partes, de causas de pedir e de pedidos. Assim é que o art. 619º, n.º 1 do CPC., estatui que “transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º”, acrescentando o seu art. 621º que “a sentença constitui caso julgado nos precisos termos em que julga”. B.1.2- Dos limites objetivos do caso julgado. O caso julgado só pretende obstar a decisões concretamente incompatíveis, que não possam executar-se sem detrimento de alguma delas, visando evitar a contradição prática de decisões e já não a sua colisão teórica ou lógica. Nessa medida, quanto aos limites objetivos do caso julgado, é maioritário o entendimento segundo o qual o caso julgado abrange a parte decisória e já não os seus fundamentos de facto ou de direito, confinando-se os limites objetivos do caso julgado à parte injuntiva da decisão, não constituindo caso julgado os fundamentos da mesma (4). No entanto, outros sustentam que “toda a decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto e de direito), o respetivo caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos. Assim, reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independente dos respetivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor do caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão” (5). Por último, uma posição intermédia sufraga o entendimento segundo o qual, embora o caso julgado se restrinja à parte dispositiva do julgamento, a sua força obrigatória deve ser estendida à resolução das questões que a sentença tenha tido necessidade de resolver como premissa da conclusão firmada, estendendo a força do caso julgado a todas as questões que forem antecedente lógico indispensável da parte dispositiva da decisão em homenagem à economia processual, ao prestígio das instituições judiciárias quanto à coerência das decisões que proferem e à estabilidade e certeza das relações jurídicas (6). Ponderando nas diversas soluções que se acabam de expor, cientes que, atualmente, a jurisprudência maioritária se insere no primeiro dos apontados entendimentos, restringido os efeitos objetivos do caso julgado à parte decisória da sentença, aderimos à posição intermédia uma vez que a parte dispositiva da sentença não é algo que surge desgarrado, mas assenta em determinadas pressupostos que lhe serviram de antecedente lógico e jurídico, do qual, sob pena de incerteza e insegurança jurídicas e se atentar contra a economia processual e o prestígio dos tribunais, não se pode abstrair. Deste modo, embora se restrinja os limites objetivos do caso julgado à parte dispositiva da sentença, estende-se que é de estender a sua eficácia à resolução de questões preliminares que a sentença teve necessidade de resolver, como premissa da conclusão retirada. B.1.3- Dos elementos subjetivos do caso julgado. No que respeita aos elementos subjetivos, o caso julgado apenas vincula, em regra, as partes da ação, não podendo, também, por norma, afetar terceiros, daqui derivando que o caso julgado, regra geral, só tem eficácia relativa. Trata-se de um reflexo do princípio do contraditório ou do direito de defesa a todos reconhecido, enunciado no art. 3º do CPC, no sentido de que quem não pôde defender os seus interesses num determinado processo judicial, não pode ser afetado pela decisão nele proferida. Precise-se, no entanto, que a identidade dos sujeitos relevante para efeitos de caso julgado não é a simples identidade física, mas a identidade jurídica, tanto assim que de acordo com o n.º 2 do art. 581º do CPC, “há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica”, deixando claro que o caso julgado se forma em relação a todos aqueles que, por sucessão mortis causa ou por transmissão inter vivos, assumiram a posição jurídica de quem foi parte no processo, quer a substituição se tenha operado no decurso da ação, quer se tenha verificado já depois da sentença proferida. Acresce que o caso julgado aproveita a ambas as partes do processo, quer à parte vencedora, quer à parte vencida e a sua força impõe-se independentemente da posição que as partes ocupem (como autor ou como réu) nas duas acções (7). O princípio da eficácia relativa do caso julgado, carece no entanto de sofrer restrições e desvios, pela eficácia reflexa do caso julgado em face de terceiros, os quais não podem ignorar as sentenças proferidas e transitadas nas diferentes ações, agindo como se elas não existissem na esfera das realidades jurídicas, sabendo-se que numa vida de relação, com interações sociais cada vez mais intensas, as sentenças judiciais ao definirem determinada relação jurídica entre os pleiteantes, são suscetíveis de afetaram os direitos de terceiros, designadamente, por terem relações conexas com aqueles. No seguimento dos ensinamentos de Alberto dos Reis, a propósito da eficácia reflexa do caso julgado em relação a terceiros, impõe-se distinguir “os terceiros juridicamente indiferentes”, dos “terceiros juridicamente interessados” e dentre estes, os “terceiros titulares de relações ou posições jurídicas independentes e incompatíveis com a das partes” e “terceiros que são sujeitos duma relação paralela ou concorrente, ou duma relação subordinada”. São “terceiros juridicamente indiferentes” aqueles em relação aos quais a sentença transitada em julgado não lhes causa prejuízo jurídico, deixando íntegra a consistência do seu direito, embora lhes possa causar um prejuízo de facto ou económico. É o caso dos credores de determinado devedor, demandado em determinada ação por um outro credor, que nela obtém vencimento. O caso julgado operado nessa ação deixa incólume o direito dos demais credores, mas pode afetar a consistência prática dos seus direitos, ao reduzir o património do devedor e, consequentemente, a sua solvabilidade. Esses “terceiros juridicamente indiferentes” têm de acatar a sentença proferida entre as partes em ação em que aqueles não foram parte, sendo-lhes plenamente oponível a eficácia do caso julgado. São “terceiros juridicamente interessados” todos aqueles em que a sentença transitada em julgado causa prejuízo jurídico, inviabilizando a existência ou reduzido o conteúdo do seu direito, e não apenas destruindo ou abalando a sua consistência prática. De entre os referidos “terceiros juridicamente interessados”, distinguem-se os “terceiros que são sujeitos duma relação jurídica independente e incompatível com a das partes”, em relação aos quais a sentença proferida e transitada em julgado em processo em que esses terceiros não foram partes, nunca os pode atingir e, consequentemente, não lhes é oponível o respetivo caso julgado. É o caso da sentença transitada em julgado em ação de reivindicação, em que o reconhecimento do direito de propriedade ao autor não faz precludir a propriedade que um terceiro se arrogue sobre o prédio reivindicado. Os “terceiros juridicamente interessados” que são titulares de “relações paralelas”, estas entendidas como relações de conteúdo semelhantes (obrigações conjuntas) à objeto da ação transitada em julgado. A sentença transitada em julgado não estende a sua eficácia a esses terceiros que não foram parte nessa ação, embora fossem titulares de relações paralelas com o demandante ou o demandado. Já aos “terceiros juridicamente interessados” titulares de “relações concorrentes”, estas entendidas como relações de conteúdo único, também não lhes é oponível o caso julgado, dado que não tendo sido partes no processo e não sendo possível cindir-se a relação nele julgada, o caso julgado operado nunca lhes pode ser oposto. Finalmente, adiante-se desde já, com relevância para o caso em análise no que respeita ao apelado R. F., os terceiros juridicamente interessados titulares de relações subordinadas ou dependentes de outra, que não podem existir nem subsistir sem ela, como é o caso da fiança ou da hipoteca constituída por um terceiro. “A sentença favorável proferida sobre a relação principal aproveita … ao terceiro, porque a relação de que este é sujeito não pode existir ou manter-se sem a relação litigada e definida entre as partes. Ex.: julgada improcedente a ação proposta contra o devedor, pode o fiador defender-se com a respetiva sentença (…). Mas já não é forçoso que tenha de prejudicar o terceiro sentença desfavorável, porque a existência da relação principal não implica a da subordinada” (8). B.1.4- Da autoridade do caso julgado. Embora a exceção do caso julgado e a autoridade de caso julgado sejam efeitos distintos da mesma realidade jurídica, a exceção do caso julgado, enquanto exceção dilatória, tem que ver com um fenómeno de identidade entre relações jurídicas, sendo a mesma relação submetida sucessivamente a apreciação jurisdicional, ignorando-se ou desvalorizando-se o facto dessa mesma relação já ter sido anteriormente apreciada jurisdicionalmente, mediante decisão transitada em julgado. A verificação da exceção dilatória do caso julgado material pressupõe a verificação da tripla identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, embora entendidos nos termos acima enunciados. Aqui atua a dimensão negativa do caso julgado, impedindo que essa mesma relação jurídica seja julgada segunda vez. Já a autoridade do caso julgado relaciona-se com a existência de relações – já não de identidade jurídica – mas de prejudicialidade entre os objetos processuais, de modo que julgada, em termos definitivos, certa matéria numa ação que correu termos entre determinadas partes, a decisão sobre o objeto desta primeira ação impõe-se necessariamente em todas as posteriores ações que venham a correr, entre as mesmas partes, incidindo sobre um objeto diverso, mas cuja apreciação dependa decisivamente do objeto previamente julgado, perspetivado como verdadeira relação condicionante ou prejudicial da relação material controvertida na segunda ação. Deste modo, enquanto “a exceção de caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objeto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior”, já “quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspeto positivo de proibição de contradição de decisão transitada: a autoridade de caso julgado é o comando de ação, a proibição de omissão respeitante à vinculação subjetiva à repetição do processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão anterior” (9). Sintetizando, a exceção dilatória de caso julgado pressupõe o confronto de duas ações (uma delas contendo uma decisão já transitada em julgado), e a tríplice identidade entre ambas de sujeitos, de causa de pedir e de pedido. Consequentemente, visa o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda ação, por forma a evitar a repetição de causas. Por sua vez, a força e autoridade de caso julgado decorre de uma anterior decisão que tenha sido proferida e em que ficara decidido, com força de caso julgado, uma determinada questão de mérito, impondo que essa questão não mais possa ser apreciada numa ação subsequente, quer nela surja a título principal, quer se apresente a título prejudicial, e independentemente de aproveitar ao autor ou ao réu. Prende-se com a força vinculativa da primeira decisão e do inerente caso julgado e visa o efeito positivo de impor essa primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito, e pode funcionar independentemente da tríplice identidade exigida pela exceção, pressupondo apenas “a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida” (10). Na dimensão de força e autoridade de caso julgado, como afirma Teixeira de Sousa, “não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressuposto da decisão (11). Deste modo, se numa determinada ação se reconheceu que o réu se encontra na posse de um prédio por força de um contrato de arrendamento, não pode este, em posterior ação, alegar ou, fazendo-o, o tribunal decidir, que esse contrato fora revogado por acordo escrito celebrado em data anterior ao encerramento da discussão em audiência final realizada na primeira ação. Da mesma forma, se numa ação de reivindicação se condenar o Réu a reconhecer a propriedade do Autor sobre determinado imóvel e a restituí-lo àquele, não pode o primeiro, em posterior ação, vir invocar justo título (ex: contrato de arrendamento) que já detinha antes do encerramento da discussão daquela audiência final e que legitimava-o a deter o imóvel reivindicado, justo título esse que, no entanto, não cuidou em invocar naquela primeira ação ou que tendo invocado, não logrou provar. A semelhante resultado também se chega pelo princípio da preclusão dos meios de defesa do Réu. Embora o conhecimento das exceções não adquira, em regra, força de caso julgado material (cfr. art. 91º, n.º 2 do CPC), o trânsito em julgado de sentença de mérito que reconheceu, em todo ou em parte, o direito do autor, faz precludir todos os meios de defesa do réu, mesmo os que não chegou a deduzir, e até os que ele poderia ter deduzido com base num direito seu, impedindo-o de, em posterior ação, vir exercer esses direitos. Trata-se de uma consequência do princípio da concentração, expressamente definido no art. 573 do CPC. Nesse sentido, “vale a máxima segundo a qual o caso julgado cobre o deduzido e o dedutível” (12). Esta preclusão da invocação num processo posterior de questões não suscitadas num processo findo reporta-se, necessariamente, àquelas que sejam anteriores ao encerramento da discussão na fase da audiência final e que, consequentemente, não puderam ali ser suscitadas, mediante a apresentação de articulado superveniente, pelo que, “para efeitos do caso julgado, apenas os factos ocorridos depois do encerramento da discussão são considerados factos novos e podem ser invocados como uma nova causa de pedir numa ação posterior” (13). Assim e em síntese, “pela exceção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito”, enquanto que “a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito. (…) Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objeto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda ação, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida” (14). B.1.5- Do caso concreto. Assente nas premissas que se acabam de enunciar, coloca-se a questão de saber se ocorre a exceção do caso julgado entre a sentença transitada em julgado, que denegou a declaração da insolvência da aqui executada “T. - Tipografia”, absolvendo-a desse pedido, e que julgou como provado que esta não deve qualquer quantia ao requerente daquele processo, designadamente as rendas pela ocupação do pavilhão cujo crédito o último invocara como fundamento da sua legitimidade ativa para instaurar esse processo, e a presente execução para pagamento de quantia certa que o mesmo requerente instaurou contra aquela requerida com vista à cobrança coerciva dessas mesmas rendas e indemnização e, bem assim contra o executado R. F., visando a cobrança coerciva deste dessas rendas e indemnização, até ao limite de 79.000,00 euros, titulado por cheque que, segundo a própria alegação do exequente, foi sacado por esse executado para garantia do pagamento dessas rendas e, no caso negativo, se ocorre a exceção da autoridade do caso julgado que, como se referiu, traduz a dimensão positiva do caso julgado. Os requisitos do caso julgado, quer na sua dimensão negativa (exceção), quer na sua dimensão positiva de força e autoridade de caso julgado, encontram-se moldados para a situação comum, que é a da exceção ou a violação da autoridade do caso julgado se suscitarem entre uma ação declarativa já decidida e uma outra ação declarativa instaurada (15). Acontece que no caso, o conflito existente não se coloca entre duas ações declarativas, mas entre a sentença proferida nos autos de insolvência intentados pelo aqui exequente contra a aqui executada “T. - Tipografia”, e a presente execução para pagamento de quantia certa em que o exequente pretende obter o pagamento coercivo de rendas e indemnização em que alicerçara a sua legitimidade ativa para o processo de insolvência, não obstante na sentença aí proferida, transitada em julgado, se tenha dado como provado que a ali requerida não deve ao exequente qualquer quantia, designadamente decorrente de rendas pela ocupação do pavilhão. O processo de insolvência, embora seja expressamente qualificado pelo art. 1º do CIRE como “processo de execução universal” e seja dominado pela preocupação de satisfazer os interesses dos credores, encerra, na sua complexidade, fases e estruturas declarativas, como é o caso da fase declaratória da insolvência do devedor, os embargos opostos à sentença declaratória da insolvência, os incidentes de qualificação e a verificação e graduação de créditos. Trata-se de processo que tal como decorre do disposto no art. 17º, do CIRE, continua a revestir natureza de processo especial, iniciando-se com uma fase declarativa, que se apresenta como ação constitutiva, traduzida na fase em que se declara o estado de insolvência, seguida, caso esta primeira fase seja ultrapassada e, consequentemente, seja declarada a insolvência do requerido, da fase de execução coerciva e universal, na qual se apreendem os bens, se verificam os créditos, se liquida a massa e se dá pagamento aos credores. Como consequência do que se acaba de referir, quando se trate de integrar a regulamentação de aspetos de índole declaratória não regulados no CIRE, é às normas do processo comum de declaração enunciadas no Código de Processo Civil (CPC) que se deverá recorrer, e quanto se trate de integrar a regulamentação de aspetos da fase executiva do processo de insolvência, é ao processo comum de execução previsto no mesmo Código que terá de aportar-se (16). Acresce dizer que uma vez ultrapassada, com sucesso, a fase declarativa do processo de insolvência, mediante a prolação de sentença declarando a insolvência do requerido, e atingida a fase de índole executiva e universal desse processo, nem sempre se segue a liquidação do ativo do insolvente, com o consequente pagamento aos credores dos respetivos créditos reclamados e reconhecidos, mediante o produto obtido com a liquidação desse ativo, na medida em que embora o processo de insolvência tenha como única finalidade a satisfação dos credores, a satisfação desses interesses pode ser alcançada através de uma de duas vias alternativas: a) a execução das providências definidas num plano de insolvência aprovado no processo pela maioria dos credores (arts. 251º e ss. do CIRE); b) ou pela repartição do produto da venda do património do insolvente, entretanto alienado (17). Em termos de causa de pedir, o processo de insolvência não assenta no crédito do requerente da insolvência sobre o devedor, mas única e exclusivamente na situação económico-financeira deste, impossibilitadora de cumprir com as suas obrigações vencidas (art. 3º, n.º 1 do CIRE) ou a eminência de ficar nessa situação (n.º 4 daquele art. 3º), sendo esse o único facto jurídico de onde o requerente da insolvência assenta a sua pretensão em ver declarada a insolvência do devedor e sendo também esse o único jurídico de cuja verificação a lei faz depender a declaração da insolvência. Note-se que quando o requerente da ação de insolvência é um credor, a afirmação e justificação do seu crédito apenas funciona e serve como requisito legitimador da sua iniciativa processual para peticionar a declaração da insolvência, conforme decorre expressamente da epígrafe do art. 20º do CIRE e é entendimento doutrinal e jurisprudencial uniforme, tratando-se de requisito de legitimidade processual ou ad causam, que não contende com o mérito da causa a que diz respeito (18). Não obstante isso, aferindo-se o pressuposto da exceção dilatória da legitimidade pela relação da parte com o objeto da ação, na falta de indicação da lei em contrário, nos termos do disposto no art. 30º, n.º 3 do CPC., é à relação controvertida, tal como é configurada pelo autor, que terá de se atender para aferir do interesse deste em demandar. Essa legitimidade resulta assegurada pela mera alegação do requerente do processo de insolvência da sua qualidade de credor do requerido e dos demais pressupostos factuais integrativos dos factos índices ou presuntivos de insolvência enunciados no art. 20º, n.º 1 do CIRE, independentemente de, caso esses factos venham a ser impugnados pelo requerido, aquele vir a lograr fazer prova da verificação desses factos, o que já não contende com o pressuposto processual da exceção dilatória da legitimidade ativa, mas com a legitimidade substantiva do requerente em ver declarada a insolvência do requerido. Deriva do que se vem dizendo que, sob pena de se confundir pressuposto processual com mérito da causa, isto é, exceção dilatória da legitimidade ativa do requerente do processo de insolvência, com legitimidade substantiva deste em ver declarada a insolvência do requerido, alegando o requerente do processo de insolvência a sua qualidade de credor do requerido e os demais factos consubstanciadores dos factos índices enunciados no art. 20º, n.º 1 do CIRE, e sendo essa alegação suficiente para assegurar a sua legitimidade ativa para requerer o processo de insolvência, caso o requerido, em sede de oposição à declaração de insolvência, impugne esses factos, como aconteceu no processo de insolvência que o aqui exequente instaurou contra a executada “T. - Tipografia”, a sentença que após realização de audiência final venha a ser proferida, julgando que a ali requerida “não deve qualquer quantia ao Autor, designadamente decorrente de rendas pela ocupação do pavilhão” e que, a final, julgou aquela ação de insolvência improcedente, absolvendo a ali requerida “T. - Tipografia” do pedido, pronunciou-se sobre a legitimidade substantiva do requerente para obter a declaração da insolvência da requerida, isto é, sobre o mérito da causa, definindo a relação jurídica submetida a juízo, e não sobre o pressuposto processual da sua legitimidade ativa. Refira-se que, na nossa perspetiva, a situação não é distinta daquela que se verifica na generalidade das ações declarativas, por exemplo, numa ação intentada contra determinado Réu, em que alegando a celebração com o último de um contrato de arrendamento e o não pagamento de rendas, o Autor pede a condenação deste a pagar-lhe as rendas em dívida e em que o Réu impugne a celebração do invocado contrato de arrendamento. Nessa ação, a legitimidade ativa do Autor encontra-se assegurada em termos de pressuposto processual (exceção dilatória da legitimidade ativa), atenta a relação material que invocou em sede de petição inicial, mas caso não venha a lograr fazer prova da existência do invocado contrato de arrendamento (e até, eventualmente, se venha a apurar que semelhante contrato inexiste), a ação terá, necessariamente, de improceder por razões de mérito, que não de pressuposto processual. Significa isto que não comungamos da posição de quem sustenta que a decisão sobre a existência do crédito no processo de insolvência, na fase declarativa do processo de insolvência, está mais próxima da decisão relativa aos pressupostos processuais, a qual apenas produz caso julgado formal, cujos efeitos se restringem ao processo onde foi proferida, tendo para nós como facto seguro que a sentença que declarou improcedente o pedido de declaração da insolvência da requerida e, absolvendo-a desse pedido, por não se ter apurado que o requerente é detentor do crédito sobre o requerido que este invocara como pressuposto legitimador para requerer a insolvência, dando, ao invés, como facto provado que esse crédito não existe, é de mérito, debruçando-se sobre o fundo da causa e portanto sobre os bens discutidos no processo e como tal opera caso julgado material, cujos efeitos se estendem intra e extra processualmente. Em termos de pedido, o processo de insolvência visa a satisfação coerciva do crédito do requerente, satisfação essa que se alcança mediante a declaração da insolvência do devedor, com a subsequente abertura da fase executiva do processo de insolvência, desiderato esse que, como se referiu, pode ser atingido pela aprovação de um plano de insolvência ou pela via supletiva da liquidação universal do património do insolvente. Que assim é, resulta do preceituado no art. 1º, n.º 1 do CIRE, onde expressamente se estatui que “o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem por finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores”. Aponta-se também o facto do art. 20º, n.º1 do CIRE conferir legitimidade ativa aos credores para requerer a insolvência do devedor, o que torna seguro que o processo de insolvência tem por finalidade a satisfação dos interesses daqueles, posto que só assim se entende a atribuição aos mesmos dessa legitimidade ativa. Neste sentido pronunciam-se Carvalho Fernandes e João Labareda, ao escreverem: “Daí que, no melhor sentido que se extrai do n.º 1 do art. 20º, a atribuição de legitimidade ativa aos credores supõe que o processo não se constitua predominantemente como um expediente para atingir fins que não se traduzem, matricialmente, na realização do crédito” (19). Acresce que também o Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18/03, que aprovou o CIRE, afirma no seu ponto 3º que “o objetivo precípuo de qualquer processo de insolvência é a satisfação, pela forma mais eficiente, dos direitos dos credores”, reafirmando esse objetivo no seu ponto 10º. Deste modo, embora o processo de insolvência seja um processo especial, que se inicia com uma fase declarativa, que apenas uma vez ultrapassada, com a declaração da insolvência do requerido, é seguido de fase executiva (ao longo da qual podem ter lugar incidentes de estrutura declarativa – o que não é estranho ao processo executivo, que também comporta incidentalmente processo declarativo - a oposição à execução), o pedido de quem a ele recorre consubstancia-se na pretensão de obter a satisfação coerciva do seu crédito sobre o devedor. Por sua vez, a ação executiva não visa discutir e decidir o direito, mas obter a realização coativa de uma prestação não cumprida, titulada num documento a que a lei, em função das suas qualidades e características, atribuiu força executiva – o título executivo -, conferindo a faculdade a quem nesse título figure como credor de instaurar a ação executiva contra a pessoa que nesse documento tenha a posição de devedor. A tramitação do processo executivo orienta-se primordialmente para a satisfação efetiva do direito do exequente e só admite a discussão de fundamentos de natureza processual (relativos à instância executiva) ou substantiva (relativos ao direito propriamente dito), que tenham a virtualidade de impedir, modificar ou extinguir a instância processual executiva ou o direito em execução, num processo declarativo incidental da execução, a denominada oposição à execução (cfr. arts. 728º a 734º do CPC). A presente execução foi instaurada pelo exequente J. R. contra os executados T. – Tipografia, Lda. e R. F. tendo em vista a cobrança coerciva das rendas vencidas e não pagas nos meses de março de 2010 a fevereiro de 2015 e indemnização pelo não pagamento atempado dessas rendas, sendo que quanto ao executado R. F., a pretensão do exequente funda-se na circunstância deste ter sacado um cheque, titulando a quantia de 79.000,00 euros, para garantia do pagamento das rendas vencidas e em dívida pela executada “T.-Tipografia”. Como acima se deixou dito, o aqui exequente instaurou contra a aqui executada “T. - Tipografia” ação requerendo que fosse declarada a insolvência desta, alegando como facto atributivo da sua legitimidade ativa para instaurar dessa ação o crédito àquelas rendas e indemnização pelo não pagamento atempado das mesmas. Por sentença transitada em julgado em 01/12/2015, proferida nesses autos de insolvência, foi julgado provado que a ali requerida, aqui 1ª executada, “não deve qualquer quantia ao Autor, designadamente decorrente de rendas pela ocupação do pavilhão” e absolveu-se a última do pedido, não a declarando insolvente. Na ação de insolvência e nos presentes autos de execução as partes não são as mesmas, uma vez que naqueles autos de insolvência não foi parte o executado R. F.. No entanto, tal facto não obsta a que o caso julgado material que se possa ter formado no âmbito do processo de insolvência lhe seja oponível, conforme se passa a demonstrar. Com efeito, é o próprio exequente que, em sede de requerimento executivo, alega que o cheque lhe foi entregue “para garantia do pagamento das rendas vencidas e em dívida pela 1ª executada”; “o segundo executado garantiu ao exequente que se responsabilizava pelo pagamento dos montantes devidos pela primeira exequente a esta derivados do incumprimento do contrato de arrendamento supra identificado até ao montante máximo de 79.000,00 euros (…)”; “o segundo executado assumiu assim o pagamento ao exequente da quantia máxima de 79.000,00 euros, caso a primeira executada não o fizesse” (sublinhado e destacado nosso). Atenta essa alegação, que é a única que o exequente pode almejar fazer prova, a obrigação assumida pelo segundo executado consubstancia uma fiança uma vez que é o próprio exequente que sustenta que o último sacou e entregou-lhe aquele cheque “para garantia do pagamento das rendas”, “assumindo o pagamento da quantia máxima de 79.000,00 euros, caso a primeira executada não o fizesse”, tornando-se indiscutível que, em função dessa alegação, não foi propósito do segundo executado assumir como própria a dívida da 1ª executada, ficando conjuntamente com aquela, obrigado perante o exequente ao cumprimento, mas apenas vincular-se a responder pessoalmente pelo devedor (1ª executada), cumprindo a obrigação deste, caso o mesmo não cumprisse a obrigação de pagar as rendas ao exequente, limitando o segundo executado essa garantia ao montante de 79.000,00 euros, o que tudo se consubstancia numa fiança. Na verdade, o fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando, pessoalmente obrigado perante o credor, mediante uma manifestação de vontade expressamente declarada pela forma exigida para a obrigação principal (arts. 627º e 628º do Cód. Civil). A obrigação do fiador é acessória da que recai sobre o principal devedor (a 1ª executada), sendo lícito àquele recusar o cumprimento enquanto o credor não tiver executido todos os bens do devedor, sem obter a satisfação do seu crédito, em conformidade com o disposto nos arts. 627º, n.º 2 e 638º, n.º 1 do Cód. Civil. Dada a acessoriedade da obrigação assumida pelo segundo executado, essa obrigação encontra-se subordinada à existência da obrigação do afiançado (a 1ª executada), além de que essa obrigação apenas lhe é subsidiariamente exigível quanto este último a não satisfaça voluntariamente (20). Significa isto que atentas as considerações jurídicas que acima se deixaram explanadas, o segundo executado, R. F., em relação à sentença proferida nos autos de insolvência em que foram partes o aqui exequente e a 1ª executada é terceiro juridicamente interessado, titular de uma relação jurídica dependente da relação principal que intercede entre o exequente e a 1ª executada e que foi decidida nos autos de insolvência, pelo que o caso julgado material operado pela sentença proferida nesses autos, em que se julgou como provado que a ali requerida (aqui 1ª executada) não deve qualquer quantia ao ali requerente (aqui exequente), designadamente decorrente de rendas pela ocupação do pavilhão, e que julgou a ação de insolvência improcedente, absolvendo a aqui 1ª executada daquele pedido, aproveita também ao segundo executado. Em termos de pedido, como acima também se deixou consignado, a ação de insolvência e a presente execução têm por objeto o mesmo pedido, visando ambas as ações obter a cobrança coerciva das rendas e indemnização pelo não pagamento atempado dessas rendas. Em termos de causa de pedir entre a ação de insolvência e a presente ação executiva não ocorre identidade de causas de pedir, na medida em que no processo de insolvência essa causa assenta, única e exclusivamente, na situação económico-financeira do devedor (a aqui 1ª executada), impossibilitadora do cumprimento das suas obrigações vencidas ou na eminência desse estado. A circunstância do crédito exequendo não integrar a causa de pedir no processo de insolvência obsta a que se possa concluir pela verificação do caso julgado material na sua dimensão negativa entre a sentença proferida no processo de insolvência e os presentes autos executivos, mas não impede à verificação do caso julgado no seu aspeto positivo de força e autoridade de caso julgado, no sentido de impor que a questão decidida no âmbito do processo de insolvência, por sentença transitada em julgado, seja mantida indiscutível, impedindo que possa ser reapreciada no âmbito dos presentes autos. Nesta dimensão de força e autoridade de caso julgado, não é a decisão proferida no âmbito dos autos de insolvência, enquanto conclusão do silogismo judiciário, em que se concluiu pela improcedência do pedido de declaração da insolvência da aqui 1ª executada, que adquire valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo, abrangendo o caso julgado não só a decisão mas os pressupostos em que a mesma assentou e se fundamentou. Essa decisão, transitada em julgado, que absolveu a 1ª executada, ali requerida, do pedido de declaração de insolvência, conforme se lê a fls. 26, assentou na matéria de facto provada, lendo-se nessa sentença: “não carece de indagação demorada, face à matéria de facto provada, que o requerente não conseguiu demonstrar a existência de qualquer crédito sobre a requerida, designadamente o constante da petição por si apresentada e no qual fundou a sua pretensão para requerer a insolvência da requerida”. Ora, conforme resulta da matéria que se deu como provada nessa sentença e em que a mesma assentou a decisão de absolver a aqui 1ª executada, ali requerida, do pedido: “5- a requerida deixou de pagar as rendas devidas pela utilização do pavilhão industrial supra identificado a partir da respeitante ao mês de março de 2010 até à presente data”; “6- Não obstante, a requerida continuou a utilizar o imóvel em causa no exercício da sua atividade comercial, retirando daí os respetivos proveitos”; “18- O Autor, simultaneamente senhorio e arrendatário, decidiu não serem devidas quaisquer rendas pela ocupação do pavilhão por parte da Ré” e “23- A requerida não deve, pois, qualquer quantia ao Autor, designadamente decorrente de rendas pela ocupação do pavilhão”. Resulta do que se vem dizendo que a decisão de mérito proferida nos autos de insolvência instaurados pelo exequente contra a primeira executada e que decidiu absolver a última daquele pedido nos termos acabados de enunciar, embora não forme caso julgado nos presentes autos de execução na sua dimensão negativa, opera caso julgado na sua dimensão positiva, de autoridade de caso julgado, impedindo a instauração pelo exequente da presente execução para cobrança coerciva das rendas em dívida e indemnização pelo não pagamento atempado dessas rendas, rendas e indemnização essas que foram dadas como provadas não serem devidas pela 1ª executada ao aqui exequente e que, consequentemente, absolveu essa executada, ali requerida, do pedido de insolvência, tendo esse dispositivo como pressuposto lógico a inexistência desse crédito nos termos em que julgou provados nessa sentença. Note-se que não se olvida que o processo de insolvência se caracteriza pela celeridade, universalidade e simplicidade da tramitação a qual, em regra, não confere às partes as mesmas garantias que lhes são conferidas numa instância declarativa processada, instruída e decidida nos mesmos termos em que o seria caso a questão tivesse sido colocada de forma autónoma, a título principal, numa ação declarativa comum, tal como se encontra prevista no CPC., dando-lhes oportunidade de exercer o contraditório e a possibilidade de produzir meios de prova para influenciar a decisão com a mesma materialidade e amplitude de que disporiam na forma mais solene e complexa do processo comum declarativo, o que é erigido como condição de segurança que justifica a atribuição às decisões proferidas nessas ações comuns da autoridade do caso julgado material. As características de celeridade, universalidade e simplicidade do processo de insolvência têm, de resto, levado a que a maioria da jurisprudência considere que por não estarem garantidos o exercício pleno e exaustivo dos direitos de ação e de defesa, as decisões nele proferidas beneficiam apenas do caso julgado formal, tornando-se apenas vinculativas no âmbito do próprio processo de insolvência, mas sem reflexos extra-processuais, negando-lhes o efeito julgado material em qualquer uma das suas dimensões (21). Acontece que no caso, essas preocupações não se colocam quando se pondera que tendo a exequente instaurado o processo requerendo a declaração da insolvência da aqui primeira executada, esta deduziu oposição, com que se abriu uma fase declarativa restrita a exequente e executada (ali requerente e requerida) e, consequentemente, em que a característica da universalidade do processo de insolvência esteve ausente durante esta fase declarativa, a qual se desenrolou em termos similares aos do processo declarativo comum (22). Se é certo que o prazo de oposição no processo de insolvência é de dez dias (cfr. art. 30º, n.º 1 do CIRE), sofrendo um encurtamento em relação ao prazo de trinta dias previsto para a contestação na ação declarativa comum (art. 569º, n.º 1 do CPC), esse encurtamento de prazo em nada afetou a aqui exequente quando se verifica que foi esta que instaurou o processo de insolvência e, por conseguinte, dispôs do tempo que entendeu necessário para preparar a ação e dar entrada da mesma em juízo. Acresce que conforme decorre do disposto nos arts. 25º, n.º 2 ex vi art. 30º, n.º 1 do CIRE, requerente e requerido (este em sede de oposição) puderam oferecer, nos respetivos articulados (petição e oposição) os meios de prova que entenderam convenientes, designadamente, arrolar o mesmo número de testemunhas que lhes assistia no âmbito do processo declarativo comum (23), em moldes em tudo iguais aos vigentes neste processo, onde as partes também se encontram submetidas ao ónus de apresentar o rol de testemunhas e requerer os outros meios de prova em sede de petição inicial (art. 552º, n.º 3 do CPC) e de contestação (art. 572º, al. d) do CPC), sob pena de preclusão. Após, teve lugar audiência de julgamento contraditória, restrita a requerente e requerida, onde foi produzida a prova que requereram, com alegações orais de facto e de direito, em moldes em tudo iguais aos do processo declarativo comum. Decorre do que se vem dizendo que os direitos de ação do requerente nos autos de insolvência, foram exercidos de modo pleno e exaustivo nos mesmos moldes em que lhe estava assegurado no âmbito do processo comum declarativo, nenhuma razão existindo, sequer se vislumbrando, para não conferir autoridade de caso julgado material à sentença proferida no âmbito desse processo, permitindo-se à exequente instaurar a presente execução e em sede de oposição ser discutido aquilo que foi cabal e exaustivamente, com salvaguarda integral dos seus direitos de ação em audiência pública e contraditória, discutido naquela ação de insolvência – a obrigação da 1ª executada de lhe pagar as rendas e respetivas indemnizações pelo alegado não pagamento atempado das mesmas -, e decido inexistir, por sentença transitada em julgado, da qual, inclusivamente, foi interposto recurso, que a confirmou, o que tudo atentaria gravemente contra a segurança jurídica, a economia processual e o prestígio dos tribunais. Decorre do exposto, improceder a presente apelação, impondo-se confirmar a sentença recorrida. * ** Decisão: Nestes termos, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a apelação integralmente improcedente e, em consequência, confirmam a sentença recorrida. Custas pela apelante. Notifique. * Guimarães, 19 de outubro de 2017 (Dr. José Alberto Moreira Dias) (Dr. António José Saúde Barroca Penha) (Dra. Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha) |