Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
241/10.2TBAMR-A.G1
Relator: MARIA LUÍSA RAMOS
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
PERÍCIA
CÓPIA SIMPLES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/06/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I. A validade de realização de Exame Pericial da Escrita através de simples cópia, e não do original do documento, é decisão da exclusiva competência dos peritos.
II. “I - Com a reforma da acção executiva de 2008, quando o requerimento inicial é entregue por via electrónica, passou a ser exigível, tão só, a cópia do título executivo (art. 810.º, n.º 6, al. a), do CPC, na redacção introduzida pelo DL n.º 226/2008, de 20-11).; II - Caberá ao executado, em sede de oposição, exigir a apresentação do original do documento”- cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15/3/2012, P. 227/10.7TBBGC-A.P1.S1.
Decisão Texto Integral: Processo nº 241/10.2TBAMR-A.G1
Apelação
1ª Secção Cível

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

F…, Oponente nos autos de Oposição a Execução Comum, nº 241/10.2TBAMR-A, do Tribunal Judicial de Amares, em que é oponido/exequente Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de…, CRL, inconformada com a decisão final proferida nos autos nos termos da qual se julgou improcedente a oposição, ordenando-se o prosseguimento da execução contra a executada, do mesmo veio interpor recurso de apelação.
A Oponente, F…, deduziu oposição aos autos de execução comum, para pagamento de quantia certa, em curso, que lhe move Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de …, para dela haver a quantia de €10.601,11 euros, acrescida de juros vincendos, alegando, em síntese, que não subscreveu a livrança dos autos, nem qualquer contrato de crédito com o banco exequente, sendo o título executivo falsificado no que à assinatura da executada concerne.
E, termina pedindo que seja a oposição julgada procedente com a consequente extinção da execução relativamente à oponente.
Regularmente citado para contestar, veio o exequente impugnar os factos alegados pela embargante alegando que a assinatura em causa foi efectuada pela oponente, concluindo pela improcedência da oposição.

O recurso foi recebido como recurso de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Nas alegações de recurso que apresenta, a apelante formula as seguintes conclusões:
1 – Do processado nos autos dúvidas não há que não foi a opoente que apôs a sua letra e assinatura no contrato de mútuo e pacto de preenchimento que deram aso à livrança dos autos – cfr. primeiro Relatório pericial que até concluiu não ser da opoente a assinatura na livrança dada à execução.
1.1 - Mais resulta indubitável que o segundo relatório pericial recaiu sobre uma cópia fornecida pelo banco exequente (cópia digitalizada) que se presume ser da livrança dos autos.
1.2 - Nos autos inexiste qualquer cópia do verso da livrança que nos permita comparar se tal cópia é uma cópia da mesma livrança.
1.3 - O original extraviou-se por culpa exclusiva do exequente e tornou impossível a exibição do mesmo.
1.4 Tal impossibilidade de apresentar o documento inverte o ónus da prova, nos termos do art. 529 CPC, que remete para o art. 519, n.º 2, CPC (versão anterior), como se pode concluir que a assinatura aposta na livrança é da opoente, pois que:
1.4.1 - a única testemunha inquirida afirmou, sem qualquer margem de dúvida, que a assinatura não foi efectuada na sua presença nem de qualquer outro funcionário do banco exequente;
1.4.2 - a perícia recaiu sobre uma cópia dum verso duma livrança que não sabemos se é cópia do original e o exequente refere estar impossibilitado de apresentar o original ou uma qualquer cópia certificada;
1.4.3 - a fotocópia da livrança junta aos autos não se encontra autenticada ou certificada;
1.4.4 - as meras fotocópias de documentos, quando não aceites pela parte contrária, não se encontram revestidas de valor probatório relevante e não podem, por isso, servir de base à execução – só os originais ou cópias autênticas ou certificadas poderão constituir títulos executivos.
1.5 - Resulta do disposto no art. 3º da Portaria n.º 114/2008, de 06 de Fevereiro, que regulamenta a apresentação de peças processuais e documentos por via electrónica, que:
1 – A apresentação de peças processuais e documentos por transmissão electrónica de dados dispensa a remessa dos respectivos originais, duplicados e cópias, nos termos da lei.
2 – O disposto no numero anterior não prejudica o dever de exibição das peças processuais em suporte de papel e dos originais dos documentos juntos pelas partes por transmissão electrónica de dados, sempre que o juiz determine, designadamente, quando:
a) Duvidar da autenticidade ou genuidade das peças ou dos documentos;
b) For necessário realizar perícia à letra ou assinatura dos documentos.
1.6 - A perícia só poderia recair sobre o original do título nunca sobre uma cópia, ademais, estamos perante a impossibilidade de conferir se a fotocópia corresponde à cópia junta com o requerimento executivo.
1.7 - Impunha-se quer o exequente lançasse mão do processo especial para reforma de titulo.
2 - A tudo isto acresce que existe contradição insanável sobre a matéria dada por provada na sentença em crise. Senão vejamos:
2.1 - Na formação da convicção do Tribunal “a quo” é referido que “…/.. , em desabono da tese da executada de que não subscreveu tal livrança, não podemos deixar de relevar o facto da mesma não ter estendido essa sua tese ao contrato de mutuo ou pacto de preenchimento que sustentou a emissão da dita livrança aquando do incumprimento do mesmo”.
2.2 - Ora, uma releitura da oposição à execução e do primeiro Relatório Pericial deita por terra tal convicção pois que a opoente nega ter colocado qualquer assinatura em qualquer documento bancário subjacente e/ou associado à livrança dos autos e
2.3 - o Laboratório chamado a pronunciar-se sobre a genuidade da letra e assinatura da opoente em tais documentos concluiu, sem margem para qualquer dúvida, que a letra e a assinatura aposta nos mesmos não ser do punho ou realizada pela opoente.
2.4 – Assim sendo, somos confrontados com a contradição insanável do contrato de mútuo e do pacto de preenchimento da livrança não terem sido assinados pela opoente e a convicção do tribunal assentar num pilar falso de que a opoente nem sequer estender a tese da não assinatura a estes documentos. Aliás,
2.5 – Das perícias efectuadas obtemos o resultado inverosímil da letra e assinatura não serem da autoria da opoente no contrato de mútuo e no pacto de preenchimento e da mesma ser da sua autoria na livrança dada à execução.
2.6 – Temos prova pericial sobre um presumido documento!
2.7 - Inexiste qualquer cópia simples ou certificada nos autos que nos permita comparar se o verso do documento remetido para exame pericial seja uma reprodução da livrança dos autos pelo que nunca poderíamos concluir, como se concluiu na sentença recorrida.
3 – A jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores vai no sentido das meras fotocópias de documentos, quando não aceites pela parte contrária, não se encontram revestidas de valor probatório relevante e não podem, por isso, servir de base à execução – só os originais ou cópias autênticas ou certificadas poderão constituir títulos executivos.
4 - A sentença recorrida, entre outras, fez tábua rasa do disposto no art. 529 CPC, 519, n.º 2, CPC, art. 3º Portaria n.º 114/2008, de 06 de Fevereiro.

Não foram proferidas contra-alegações.
O recurso veio a ser admitido neste tribunal da Relação na espécie e com os efeitos e regime de subida fixados no despacho de admissão do recurso na 1ª instância.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, tal como decorre das disposições legais dos artº 684º-nº3 do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras “( artº 660º-nº2 do CPC).
E, de entre estas questões, excepto no tocante aquelas que o tribunal conhece ex officio, o tribunal de 2ª instância apenas poderá tomar conhecimento das questões já trazidas aos autos pelas partes, nos termos dos artº 664º e 264º do CPC, não podendo a parte nas alegações de recurso e respectivas conclusões vir suscitar e requerer a apreciação de questões ou excepções novas.
Atentas as conclusões da apelação deduzidas, e supra descritas, são as seguintes as questões a apreciar:
- reapreciação da matéria de facto
- do mérito da causa :
- só os originais ou cópias autênticas ou certificadas dos documentos poderão constituir títulos executivos?

I) Fundamentação.
I) OS FACTOS ( factos declarados provados na sentença recorrida).
1. Na acção executiva comum apensa que Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do…, CRL, intentou contra F…, foi apresentado à execução uma livrança no valor de 10.601,11 euros, com datada e vencimento de 15-04-2010, e com os seguintes dizeres no seu verso: “dou o meu aval à firma subscritora F…”.
2.- A assinatura imputada à ora opoente, no aval dessa livrança, foi subscrita pelo punho desta.


II) O DIREITO APLICÁVEL
1. Nos termos do disposto no artº 712º - nº1 do Código de Processo Civil, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 685º-B, a decisão com base neles proferida; b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão se fundou, tendo este preceito correspondência com o artº 662º do NCPC, nos termos do qual “ nº1- A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Alega a recorrente que o primeiro Relatório pericial concluiu não ser da opoente a assinatura na livrança dada à execução e o Laboratório chamado a pronunciar-se sobre a genuidade da letra e assinatura da opoente em tais documentos concluiu, sem margem para qualquer dúvida, que a letra e a assinatura aposta nos mesmos não ser do punho ou realizada pela opoente e nos autos inexiste qualquer cópia do verso da livrança e a perícia só poderia recair sobre o original do título nunca sobre uma cópia.
Não assiste razão à apelante.
Com efeito, no indicado 1º relatório pericial não foi apreciada a assinatura imputada à executada/oponente no verso da indicada Livrança, onde consta e foi subscrito o aval, pois tal documento (original ou cópia) não foi objecto de avaliação pericial (cfr. fls. 81 a 86, 91 a 98, e fls. e 99 a 103, e, em particular fls. 97 e 116); constando tal documento – frente e verso da Livrança, de fls.113 a 114 dos autos, por cópia, e , tendo vindo já a ser objecto da 2ª perícia realizada, cfr. Relatório Pericial de fls. 116 a 122 dos autos, referente ao estudo da letra manuscrita de F…, para comparação com os caracteres escritos no verso da Livrança referenciada nos autos, a fim de se apurar se esses caracteres foram ou não manuscritos pelo punho da mesma, foi considerado pelo Sr. Perito que as fotocópias apresentadas tinham qualidade aceitável e que a análise dos documentos apresentados permite o estudo comparativo dos caracteres em apreciação, tendo concluído, com um grau de Significância compreendida entre 70% e 85% que “É muito provável que a assinatura aposta no verso da livrança dos autos é idêntica aquela que usa a oponente”.
Os resultados do exame pericial apontam, assim, para a confirmação do ponto nº2 da matéria de facto, com o seguinte teor: “ A assinatura imputada à ora opoente, no aval dessa livrança, foi subscrita pelo punho desta”, e, ainda, no tocante à realização da perícia através de simples cópia, e não do original do documento, é da exclusiva competência do perito a aceitação de tal valoração, como no caso dos autos se realizou, sendo que a validade da realização de Exame Pericial da Escrita através de simples cópia, e não do original do documento, é decisão da exclusiva competência dos peritos e a que o Tribunal é, em absoluto, alheio.
E, relativamente ao ponto nº 1 da matéria de facto (não tendo a apelante dado cumprimento ao ónus previsto no artº 685º-B.nº1-alínea.a) do Código de Processo Civil, com correspondência no artº 640º-nº1-alínea.a) do NCPC), nenhuma consideração foi feita pela apelante, salientando-se, não obstante, que se trata de matéria plenamente provada por acordo das partes firmado nos articulados, nos termos do artº 490º do Código de Processo Civil (artº 574º do NCPC), caracterizando-se o requerimento inicial da Oposição à Execução como articulado de oposição ao requerimento inicial executivo, tendo a apelante no requerimento inicial impugnado, apenas, o título executivo “no que à assinatura da executada concerne”.
Conclui-se, nos termos expostos, pela improcedência dos fundamentos de impugnação da matéria de facto, mantendo-se, nos seus precisos termos, a matéria de facto fixada pelo Tribunal de 1ª instância.
2. Alega a apelante que só os originais ou cópias autênticas ou certificadas dos documentos poderão constituir títulos executivos, mais dizendo que a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores vai no sentido das meras fotocópias de documentos, quando não aceites pela parte contrária, não se encontram revestidas de valor probatório relevante e não podem, por isso, servir de base à execução, citando vários arestos jurisprudenciais, designadamente do Supremo Tribunal de Justiça.
A citada jurisprudência e entendimento reporta-se, porém, a legislação anterior, anterior à reforma da acção executiva de 2008, inaplicável no caso dos autos, sendo já aplicável as normas de processo civil com a redacção dada pelo Decreto-Lei nº n.º 226/2008, de 20/11.
Conforme recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15/3/2012, P. 227/10.7TBBGC-A.P1.S1, in . www.dgsi.pt. pt:
“I - Com a reforma da acção executiva de 2008, quando o requerimento inicial é entregue por via electrónica, passou a ser exigível, tão só, a cópia do título executivo (art. 810.º, n.º 6, al. a), do CPC, na redacção introduzida pelo DL n.º 226/2008, de 20-11).
II - Caberá ao executado, em sede de oposição, exigir a apresentação do original do documento”.
Sendo o requerimento executivo apresentado através da plataforma electrónica CITIUS e de acordo com o estabelecido pela Portaria nº 1538/2008, de 30 de Dezembro, a apresentação de peças processuais e documentos por transmissão electrónica de dados dispensa a remessa dos respectivos originais, duplicados e cópias, nos termos da lei, tendo, de acordo com o disposto no nº 7 do artigo 150° do Código de Processo Civil, os documentos digitalizados enviados através do CITIUS o valor probatório dos originais, nos termos definidos para as certidões, mostrando-se, assim, garantida a exequibilidade do título (Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 15/3/2012, citado).
Mais referindo: estabelece hoje o art. 150º nº 3 do C.P.Civil (redacção do Dec-Lei 303/2007 de 24 de Agosto), que a parte que pratique o acto processual por via electrónica, deve apresentar, electronicamente, “a peça processual e os documentos que a devam acompanhar, ficando dispensada de remeter os respectivos originais”, sendo que nos termos do nº 7 da disposição, “os documentos apresentados nos termos previstos do nº 3 têm força probatória dos originais, nos termos definidos para as certidões”;
“ … caberá, assim, ao executado, em sede de oposição, exigir a apresentação do original do documento””.
No caso em apreço, tendo o requerimento executivo sido entregue por via electrónica, é legal a apresentação por mera cópia do título executivo, e, oportunamente, nos articulados da acção, não veio a executada a exigir a apresentação do original do documento, aliás, ainda, aceitando-o, expressamente, salvo no que concerne à assinatura da oponente constante do verso do mesmo, mostrando-se, consequentemente, garantida a exequibilidade do título nos termos das disposições legais aplicáveis.
Conclui-se, nos termos expostos, pela improcedência da apelação.
DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Guimarães, 6 de março de 2014
Luísa Duarte
Raquel Rego
António Sobrinho