Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5405/19.0T8GMR.G1
Relator: PEDRO MAURÍCIO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
QUANTUM INDEMNIZATÓRIO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/21/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - O «dano biológico» tem sido entendido pela Jurisprudência como dano-evento, reportado a toda a violação da integridade físico-psíquica da pessoa, com tradução médico-legal, ou como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com repercussão na sua vida pessoa e profissional, independentemente de dele decorrer ou não perda ou diminuição de proventos laborais.
II - O dano biológico é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas de dano patrimonial ou de dano não patrimonial, sendo pacífico o entendimento do STJ de que mesmo as pequenas incapacidades ainda quando não impliquem directamente uma redução da capacidade de ganho, constituem sempre um dano indemnizável: nesta vertente, a indemnização do «dano biológico» visa compensar o lesado da privação ou restrição de futuras oportunidades profissionais ou de índole pessoal no decurso do tempo de vida expetável (mesmo fora do quadro da profissão habitual), precludidas irremediavelmente pela capitis deminutio de que passou a padecer, bem como do custo/esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional ou da vida pessoal.
III - Quando o «dano biológico» não implica incapacidade parcial permanente para o exercício da actividade profissional habitual e/ou não implica uma directa redução da capacidade de ganho, envolvendo apenas esforços suplementares, a determinação do seu quantum indemnizatório realizar-se com recurso à equidade, ao abrigo do disposto no art. 566º/3 do C.Civil, em função das circunstâncias concretas de cada caso e tendo em consideração os critérios jurisprudenciais vigentes e aplicáveis a situações semelhantes, em face do disposto o art. 8°/3 do C.Civil.
IV – Mostra-se equitativa a fixação da indemnização do «dano biológico» no valor de € 45.000,00 quando, em consequência de acidente de viação, o lesado que tinha 21 anos de idade, passou a estar afectado de Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 10 pontos, compatível com o exercício da actividade habitual, mas com esforços suplementares; encontrava-se desempregado; depois de ter sofrido o acidente narrado nos autos, prestou provas de ingresso na GNR, mas considerado como «não apto» em consequência da presença de material de osteossíntese no seu braço esquerdo, situação que resultou da lesão sofrida no acidente; tinha «o sonho, antigo, de ingressar na GNR e de vir, mais tarde, a prestar serviço na sua terra natal, assim ficando perto dos seus familiares e amigos»; na data em que soube que tinha sido excluído do concurso para ingresso na GNR, já tinha apresentado a sua candidatura ao curso de formação de agentes da PSP; terminado o curso de formação de agente da PSP, o Autor passou a auferir cerca de € 800,00 de vencimento base líquido; e as sequelas de que é portador em consequência do acidente são compatíveis com o desempenho das tarefas inerentes à actividade profissional de agente de PSP, com esforços acrescidos.
V – Mostra-se equitativa a fixação da indemnização dos danos não patrimoniais no valor de € 22.000,00 perante o seguinte “quadro” factual: o lesado que tinha 21 anos de idade: sofreu fractura distal do úmero esquerdo; teve 8 dias de internamento hospitalar, durante os quais foi submetido a uma intervenção cirúrgica; realizou tratamentos durante cerca de 6 meses e meio; sofreu um défice funcional temporário total de 9 dias; sofreu um período de défice funcional temporário parcial de 88 dias; sofreu um período de repercussão temporária na actividade profissional total de 286 dias; sofreu um quantum doloris de grau 4; sofre dano estético permanente de grau 3; sofre de repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 2; teve dores físicas intensas, tanto no momento do acidente, como no decurso dos tratamentos; as sequelas de que ficou a padecer definitivamente, continuam a provocar-lhe incómodo e mal-estar, que o vão acompanhar durante toda a vida.
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO (1)
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ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
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1. RELATÓRIO

1.1. Da Decisão Impugnada

O Autor H. C. instaurou a presente acção declarativa de condenação com processo comum contra a Ré X Seguros, SA (actual denominação da Ré, após a fusão da Y Companhia de Seguro, SA na Companhia de Seguros T., SA e alteração da denominação social desta última seguradora para Seguradoras …, SA), pedindo “a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 130.852,30, acrescida de juros legais contados desde a citação até efectivo e integral pagamento”, fundamentando a sua pretensão, essencialmente, no seguinte: fazia-se transportar em veículo automóvel que interveio em acidente de viação, estando esse veículo seguro na Ré; e esse acidente ocorreu por culpa exclusiva do condutor do veículo, e causou-lhe danos patrimoniais no valor € 80.000,00 decorrente da perda futura de ganho e no valor de € 832,34 resultante de despesas suportadas com medicamentos, deslocações para tratamentos, taxas moderadoras e meios de tratamento, e causou-lhe danos não patrimoniais no valor de € 50.000,00.
A Ré contestou, pugnando pela improcedência total ou parcial da acção, fundando a sua defesa, essencialmente, no seguinte: não se verifica a totalidade dos danos não patrimoniais reclamados; não existe dano patrimonial futuro que deva ser indemnizado; e os valores indemnizatórios reclamados são exagerados.
Foi proferido despacho saneador, no qual se identificou o objecto do litígio e se enunciaram os temas da prova.
Realizada a audiência final, foi proferida sentença com o seguinte decisório: “Em face do exposto: A. Julgo parcialmente procedente o pedido formulado pelo Autor, condenando a Ré a pagar-lhe a quantia de € 67.332,34 (sessenta a sete mil, trezentos e trinta e dois euros e trinta e quatro cêntimos), acrescida de juros vencidos e vincendos, contados à taxa legal sobre a quantia de € 49.332,34 (quarenta e nove mil, trezentos e trinta a dois euros e trinta a quatro cêntimos), desde a citação, até efectivo e integral pagamento, e contados sobre a parte restante desde a presente data até efectivo e integral pagamento. B. Improcedente a parte restante do pedido deduzido pelo Autor, da qual se absolve a Ré”.
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1.2. Do Recurso da Ré

Inconformada com a sentença, a Ré interpôs recurso de apelação, pedindo que “seja ser dado provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença sob censura e decidindo-se antes nos moldes apontados”, e formulando as seguintes conclusões no final das respectivas alegações:

“I - Não está provado que as sequelas de que o Autor ficou portador acarretarão no futuro qualquer efetiva perda de rendimentos;
II - Assim, em face do enquadramento factual resultante da douta sentença, não se pode ter como previsível qualquer dano patrimonial futuro (cfr art. 564º n.º 2do Cod Civil), o que é o mesmo que dizer que nenhum dano haverá a indemnizar neste campo, ou a este título;
III - É já, no entanto, possível afirmar que o autor, porque ficou afetado por sequelas, sofreu um dano biológico, consistente numa afetação permanente da sua integridade física, o qual tem de ser indemnizado;
IV - A inexistência de uma demonstrada repercussão patrimonial das sequelas, evidencia, a nosso ver, a total irrelevância da retribuição do A, na altura ou depois do acidente, para a fixação da eventual indemnização;
V - De facto, se essa incapacidade é inconsequente no estatuto remuneratório do A, ou se não se pode atestar que essa repercussão ocorrerá, não há a mais pequena justificação para que se associe ou se indexe a determinação da respetiva compensação ao salário que, potencialmente, poderia auferir no futuro;
VI - De resto, a inadequação do critério usado pelo julgador para fixar a indemnização resulta do facto de o autor nem sequer ter ficado portador de uma incapacidade permanente fixada em percentagem, mas antes em pontos;
VII - Assim, no essencial, o julgador acabou por ficcionar que as sequelas de que o Autor ficou portador acarretarão uma redução percentual da sua remuneração, na mesma medida dos pontos atribuídos na TNI, o que, salvo o muito e devido respeito, não é correto;
VIII - Entende, por isso, a ora exponente que, numa situação como a do autor, a indemnização pelo dano biológico não deveria ter sido fixada com base na retribuição considerada na douta sentença e, muito menos, deveria consistir numa percentagem dessa retribuição;
IX - E considera antes que, neste caso, se deveria ter dado especial relevo ao critério de equidade;
X - Por isso, na ponderação do quantum da indemnização, o julgador não pode deixar de ter em consideração alguns elementos;
XI - Entre eles estarão, por exemplo, as tabelas financeiras de cálculo de danos patrimoniais que se repercutam no futuro, que podem servir como critério coadjuvante, que permite aferir o máximo da indemnização que seria devida para o caso de se verificar uma efetiva perda de rendimentos;
XII - Recorrendo às regras das portarias 377/2008 e 679/2009, a compensação da A pelo dano biológico ascenderia a valor entre 10 978,20€ e 12 773,7€ (cfr tabela IV da portaria 679/09);
XIII - Já numa outra vertente, considerando as tabelas financeiras, chegaríamos a valor muito inferior ao alcançado da douta sentença;
XIV - No cálculo da indemnização com recurso às tabelas financeiras deve atender-se à idade que o Autor tinha quando ingressou na carreira da PSP, ou seja, 20 anos de idade.
XV - Por outro lado, a idade da reforma situa-se, atualmente, nos 66 anos, sendo de aceitar, no entanto, que se calcule a indemnização até aos 70 anos;
XVI - Ademais, uma vez que o recebimento antecipado do valor correspondente à perda de rendimentos futuros corresponde a uma vantagem, deve procede-se à capitalização do valor obtido pela mera multiplicação dessa perda futura pelo número de anos em que ocorrerá, tendo em conta uma taxa de juro adequada, de 2%;
XVII - Atendendo a um salário de 665€ mensais, uma esperança de vida ativa de cerca de 50 anos, uma taxa de capitalização de 2% e uma taxa de crescimento de 1%, o capital que se obteria para uma situação de perda efetiva de rendimentos futuros, seria o de cerca de 31 033,33€ (aqui com uma mera redução de um terço no valor final do somatório dos rendimentos perdidos ao longo desse período, tendo em conta a necessidade de capitalização do valor alcançado);
XVIII - Recorrendo à tabela financeira constante da portaria 677/99 (Anexo III) e os mesmos critérios (nomeadamente uma retribuição de 665,00€ mensais), o valor a que se chegaria seria o de 24 936,76€ (665,00€ x 14 x 0,10 x 26.784922);
XIX - E se recorrermos à tabela de capitalização referente ao cálculo do capital de remição de pensões por incapacidade permanente, mantendo os mesmos critérios, a indemnização ascenderia a 12 695,12€ (800,00€ x 14 x 10% x 13,636);
XX - Aliás, mesmo atendendo a um salário de 800,00€ mensais, uma esperança de vida ativa de cerca de 50 anos, uma taxa de capitalização de 2% e uma taxa de crescimento de 1%, o capital que se obteria para uma situação de perda efetiva de rendimentos futuros, seria o de cerca de 37.000€ (aqui com uma mera redução de um terço no valor final do somatório dos rendimentos perdidos ao longo desse período, tendo em conta a necessidade de capitalização do valor alcançado);
XXI - Recorrendo à tabela financeira constante da portaria 677/99 (Anexo III) e os mesmos critérios (nomeadamente uma retribuição de 800,00€ mensais), o valor a que se chegaria seria o de 29 999,11€ (800,00€ x 14 x 0,10 x 26.784922);
XXII- E se recorrermos à tabela de capitalização referente ao cálculo do capital de remição de pensões por incapacidade permanente, mantendo os mesmos critérios, a indemnização ascenderia a 15 272,32€ (800,00€ x 14 x 10% x 13,636)
XXIII - Perante todos os elementos coadjuvantes acima invocados e ainda que se entenda divergir dos critérios das portarias 677/99 (que apontam para uma indemnização a rondar os 10.000,00€ a 12.000€), nunca se poderia exorbitar a verba correspondente à indemnização decorrente das tabelas financeiras para uma situação de efectiva perda de rendimentos;
XXIV - Assim, uma vez que as sequelas de que o Autor ficou portador não são, felizmente, graves, consistindo, apenas, em cicatrizes e ligeira rigidez cervical e do ombro, entende a Ré que, em equidade, se impunha a fixação da correspondente indemnização em quantia que não superior à de 27.500,00€, o que se requer;
XXV - E mesmo que se entendesse que a verba sugerida não é adequada – o que não se concede - sempre se imporia, em face do que acima se disse, a redução da indemnização arbitrada para valor inferior, o que, subsidiariamente, se requer.
XXVI - A verba atribuída para compensação dos danos morais do Autor é excessiva devendo ser reduzida para 15.000€ o que se requer;
XXVII - A douta sentença sob censura violou as normas dos artigos 566º e 486º do Código Civil”.

O Autor contra-alegou, pugnando pela improcedência deste recurso e manutenção da sentença recorrida.
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1.3. Do Recurso do Autor

Igualmente inconformado com a sentença, o Autor interpôs recurso de apelação, pedindo que seja revogada “a decisão sob censura e substituindo-a por outra que arbitre ao apelante uma indemnização de € 55.000,00 pelos danos patrimoniais sofridos e uma compensação de € 22.000,00 a título de danos não patrimoniais”, e formulando as seguintes conclusões no final das respectivas alegações:

“1. Os montantes fixados na sentença sub specie – quer a título de danos patrimoniais, como de danos não patrimoniais – são muito exíguos, se considerados à luz dos juízos de equidade, a que alude o artº. 496º, n.4, do Código Civil;
2. A indemnização por danos patrimoniais, fundamentada apenas na redução e na perda de rendimento que resulta da lesão e, bem assim, na necessidade de um acréscimo de esforço para a evitar, não valorou a circunstância de que tais danos consubstanciam,
3. Conforme aceite pela Jurisprudência, o dano corporal (dano-evento) não depende da existência e prova de efeitos patrimoniais; estes é que se apresentam como consequência (ulterior) do primeiro – o que determina que o dano corporal exista sempre que haja lesão da integridade físico-psíquica, e seja ressarcível como dano autónomo, acrescendo ao dano patrimonial stricto sensu;
4. Contra o entendimento da jurisprudência dominante, no cálculo da indemnização, a sentença apelada não teve em conta a esperança média de vida do lesado (in casu 77,8 anos de vida), mas o limite da sua vida activa (correspondente à idade da reforma);
5. Neste sentido: “Em sede de ressarcimento do dano patrimonial futuro, e tendo o dano repercussão sobre a necessidade de aquisição ou produção de rendimentos, por parte do lesado, deve ser ressarcido atribuindo um capital que se venha a esgotar no final da vida do lesado - “vida do lesado”, e não apenas a respectiva “vida activa”, já que, mesmo na situação de pensionista, existem, na normalidade da vida, trabalhos e actividades que se desenvolvem e que envolverão um esforço necessariamente superior” (cfr. Ac. STJ de 29.04.2021 in www.dgsi.pt);
6. A indemnização por danos não patrimoniais não pode ser meramente simbólica e miserabilista, devendo antes ser significativa para representar uma efectiva compensação, decidida pelo tribunal segundo um juízo de equidade (art. 496.º, n.º 4, primeira parte, do CC) e tendo em conta as circunstâncias previstas na parte final do artº. 494.º, do CC;
7. Deve atender-se à equidade, usando-se critérios casuísticos e não normativos, salvaguardando o princípio da igualdade e da segurança jurídica, numa análise comparativa dos casos tratados na Jurisprudência;
8. O perfunctório cotejo entre os pertinentes arestos transcritos no corpo das presentes alegações e a sentença recorrida permite constatar que o quantum arbitrado ao recorrente ofende o princípio da equidade e não respeita o princípio da igualdade e da segurança jurídica e da casuística;
9. Com efeito, as lesões sofridas pelo recorrente, a sua idade, as sequelas físicas aliadas às sequelas mentais de que ficou a padecer são mais severas se comparadas com as que constam das decisões transcritas, sendo que, no entanto, o valor indemnizatório é bem inferior;
10. A apreciação dos danos e a fixação do quantum indemnizatório na sentença apelada é redutora e falha nos critérios e na ponderação, não cumprindo os princípios orientadores estatuídos no artº. 496º, n.º4, do Código Civil, bem como o dever imposto ao Tribunal, pelo artº. 659º, n.º3, do Cód. de Proc. Civil;
11. Para além das mencionadas normas, a decisão recorrida não tem em conta as ideias de proporção, de medida, de adequação e de relativa previsibilidade e, nessa medida, viola o artigo 13º da Constituição da República Portuguesa;
12. Para ser conforme com tais normativos e jurisprudência, a sentença acometida deveria ter atribuído ao recorrente uma indemnização de € 55.000,00 pelos danos patrimoniais sofridos e uma compensação de € 22.000,00, a título de danos não patrimoniais”.
A Ré contra-alegou, pugnando pela improcedência deste recurso e manutenção da sentença recorrida.
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Os recursos foram admitidos como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
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2. OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR

Por força do disposto nos arts. 635º/2 e 4 e 639º/1 e 2 do C.P.Civil de 2013, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (as conclusões limitam a esfera de actuação do Tribunal), a não ser que se tratem de matérias sejam de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, ou que sejam relativas à qualificação jurídica dos factos (cfr. art. 608º/2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, nº2, in fine, e 5º/3, todos do C.P.Civil de 2013).
Mas o objecto de recurso é também delimitado pela circunstância do Tribunal ad quem não poder conhecer de questões novas (isto é, questão que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismo destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis” (2) (pela sua própria natureza, os recursos destinam-se à reapreciação de decisões judiciais prévias e à consequente alteração e/ou revogação, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida (3)).

Neste “quadro legal” e atentas as conclusões dos recursos de apelação interpostos pela Ré e pelo Autor, são duas questões a apreciar por este Tribunal ad quem:

A) Se o valor indemnizatório atribuído a título de dano patrimonial (decorrente do Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica) pelo Tribunal a quo (€ 48.500,00) deve ser reduzido, aumentado ou mantido;
B) E se o valor indemnizatório atribuído a título de danos não patrimoniais pelo Tribunal a quo (€ 18.000,00) deve ser reduzido, aumentado ou mantido.
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3. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Na sentença ora impugnada, o Tribunal a quo considerou como provados os seguintes factos:

1) Cerca das 03:00 horas do dia 3 de Agosto de 2017, ocorreu um despiste na EM 615, no lugar de …, freguesia do …, concelho de Celorico de Basto, em que interveio o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula DR, propriedade de J. P. e conduzido por J. F..
2) Nas referidas circunstâncias de tempo e de lugar, o mencionado veículo circulava pela EM 615 no sentido Fafe – Celorico de Basto.
3) Imediatamente antes do despiste o veículo DR circulava a uma velocidade entre 90 e 100 Km/hora.
4) Quando descrevia uma curva para a esquerda, atendo o seu sentido de marcha, o DR entrou em despiste e foi embater, de frente, num poste existente na berma.
5) O Autor era, na ocasião do acidente, passageiro do veículo DR, transportado gratuitamente.
6) A Ré enviou ao Autor a carta datada de 8 de Setembro de 2017, cujo teor se reproduz no documento número 1 junto com a p.i. (fls. 9 dos autos), da qual, entre outras coisas, consta …é nosso entendimento que a responsabilidade pela sua produção é atribuível ao condutor do veículo por nós garantido.
7) Em consequência do violento embate sofreu fractura distal do úmero esquerdo.
8) Do local do acidente foi transportado para o Hospital de Fafe e daí foi transferido para o Hospital de Guimarães, onde ficou internado.
9) Foi submetido a uma intervenção cirúrgica no dia 7 de Agosto de 2017, tendo sido feita osteossíntese com placa LCP e parafusos.
10) Teve alta hospitalar no dia 11 do mesmo mês e, após ter regressado a casa, iniciou programa de recuperação funcional, numa clínica de medicina física e de reabilitação, tratamentos esses que se prolongaram até 30 de Abril de 2018.
11) Durante o período referido nos factos provados anteriores, o Autor foi sendo seguido nos serviços clínicos da Ré, dos quais teve alta definitiva em 15.05.2018.
12) O Autor foi observado pela primeira vez numa clínica convencionada com a Ré no dia 20.10.2017.
13) De seguida, realizou tratamentos e exames que se mostraram adequados à sua recuperação.
14) As lesões sofridas pelo Autor em consequência do acidente de viação descrito nos presentes autos obtiveram consolidação médico-legal em 15.05.2018.
15) Em consequência das lesões sofridas no acidente, o Autor ficou a padecer das seguintes sequelas definitivas: Membro superior esquerdo: cicatriz cirúrgica distrófica com 14 cm por 2 cm de orientação vertical na face lateral dos terços médio / inferior do braço com alteração de sensibilidade peri cicatricial; alterações sensitivas na região posterior do braço e antebraço e área radial do dorso da mão, incluído 1º, 2º, 3º dedos e a metade externa do 4º compatíveis com lesão do radial ao nível do foco de fractura; cotovelo com ligeira perda de hiperextensão comparativamente ao contralateral; fraqueza na supinação do antebraço e também na extensão da mão e dos dedos com limitação nas pinças finas; diminuição ligeira da extensão do punho; ausência de amiotrofias significativas; força global do membro de grau 4/5;
16) Em consequência do acidente, o Autor: a) sofreu um Défice Funcional Temporário Total de 9 dias; b) sofreu um período de Défice Funcional Temporário Parcial de 88 dias; c) sofreu um período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total de 286 dias; d) sofreu um quantum doloris de grau 4, numa escala de gravidade crescente de 1 a 7; e) sofre de Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 10 pontos, compatível com o exercício da actividade habitual, mas com esforços suplementares; f) sofre Dano Estético Permanente de grau 3, numa escala de gravidade crescente de 1 a 7; g) sofre de Repercussão Permanente nas Actividades Desportivas e de Lazer de grau 2, numa escala de gravidade crescente de 1 a 7.
17) O Autor teve dores físicas intensas, tanto no momento do acidente, como no decurso dos tratamentos.
18) As sequelas de que o Autor ficou a padecer definitivamente, continuam a provocar-lhe incómodo e mal-estar, que o vão acompanhar durante toda a vida.
19) À data do acidente, o Autor era saudável, fisicamente bem constituído, dinâmico e trabalhador.
20) O Autor nasceu no dia - de Dezembro de 1998.
21) À data do acidente, o Autor encontrava-se desempregado.
22) Depois de ter sofrido o acidente narrado nos autos, o Autor prestou provas de ingresso na Guarda Nacional Republicana, no procedimento concursal correspondente ao aviso n.º 12499/2018, da 2ª série do Diário da República n.º168, de 31 de Agosto de 2018.
23) Após a realização dos pertinentes exames médicos, foi o Autor considerado como não apto, em consequência da presença de material de osteossíntese no seu braço esquerdo.
24) A notificação da exclusão do Autor do concurso para ingresso na GNR foi-lhe efectuada em Janeiro de 2019.
25) A exclusão referida no facto provado anterior, deixou o Autor profundamente abalado e constrangido.
26) O Autor tinha o sonho, antigo, de ingressar na GNR e de vir, mais tarde, a prestar serviço na sua terra natal, assim ficando perto dos seus familiares e amigos.
27) Na data em que o Autor soube que tinha sido excluído do concurso para ingresso na GNR, já tinha apresentado a sua candidatura ao curso de formação de agentes da PSP.
28) O facto de ter sido considerado “não apto” para o ingresso no concurso da GNR criou temporariamente no Autor, até ser admitido no concurso para agente da PSP, a ideia de ser “um incapaz” e um fardo para a família.
29) As sequelas de que o Autor é portador em consequência do acidente são compatíveis com o desempenho das tarefas inerentes à actividade profissional de agente de PSP, com esforços acrescidos.
30) Terminado o curso de formação de agente da PSP, o Autor passou a auferir cerca de € 800,00 de vencimento base líquido.
31) Em resultado das lesões sofridas no acidente, o Autor despendeu: € 409,44 em medicamentos; € 88,65 em deslocações para tratamentos e consultas médicas; € 136,80 em taxas moderadoras; e € 197,45 numa tala dinâmica do radial.
32) Por contrato de seguro automóvel titulado pela apólice nº ……….140, celebrado entre J. P. e a “Y Seguros, S.A.”, válido e em vigor à data do acidente, encontrava-se transferida para esta companhia de seguros a responsabilidade civil emergente de acidente de viação resultante da circulação do veículo automóvel com a matrícula DR.

Na mesma sentença ora impugnada, o Tribunal a quo considerou como não provados os seguintes factos:
a) Imediatamente antes do despiste, o veículo de matrícula DR seguia a velocidade superior a 100 kms/hora.
b) As sequelas de que o Autor ficou a padecer definitivamente, continuam a provocar-lhe dores que se exacerbam com as mudanças de tempo.
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4. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Do Dano, da sua Natureza e do Critério Indemnizatório

O dano é “perda in natura que o lesado sofreu, em consequência de certo facto, nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar” (4). Ou, por outra palavras, dano é “toda a ofensa de bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica” (5).
Os danos distinguem-se em danos patrimoniais e danos não patrimoniais (também designados por «danos morais»), conforme sejam ou não susceptíveis de avaliação pecuniária: “os primeiros, porque incidem sobre interesses de natureza patrimonial ou económica, reflectem-se no património do lesado, ao contrário dos últimos, que se reportam a valores de ordem espiritual, ideal ou moral” (6). Como refere Antunes Varela (7), “alude-se ao dano patrimonial ou material para abranger os prejuízos que, sendo susceptíveis de avaliação pecuniária, podem ser reparados ou indemnizados, senão directamente (mediante restauração natural ou reconstituição específica da situação anterior à lesão), pelo menos indirectamente (por meio de equivalente ou indemnização pecuniária). Ao lado destes danos pecuniariamente avaliáveis, há outros prejuízos que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização”.
O dano patrimonial abrange duas categorias de danos: a dos danos emergentes ou perda patrimonial, que compreende o prejuízo causado nos bens ou direitos já existentes na titularidade do lesado à data da lesão; e a do lucro cessante ou lucro frustrado, que abrange os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito, mas a que ainda não tinha direito à data da lesão (8). Esta classificação dos danos patrimoniais obteve expressa consagração legal no art. 564º/1 do C.Civil: “O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão”.
A obrigação de indemnização tem como escopo essencial, nos termos do disposto no art. 562º do C.Civil, a reconstituição da situação que existiria se o facto não se tivesse verificado, a qual pode ser alcançada através de dois processos: o da restauração ou reposição natural (este processo constitui a regra nos termos do disposto no art. 566º/1 do C.Civil); e o da satisfação em dinheiro ou equivalente (que só tem lugar quando a reconstituição natural é impossível, insuficiente ou inadequada, sendo certo que a indemnização em dinheiro é calculada em função da teoria da diferença - art. 566º/2 do C.Civil: a retribuição indemnizatória deverá, em princípio, fixar-se em valor equivalente à diferença entre a situação patrimonial do lesado no momento presente e a que a sua esfera jurídica acusaria na ausência do evento gerador da obrigação de ressarcimento.
Deste modo, quanto aos danos patrimoniais, sendo possível a reposição natural, será por ela que se deverá optar, uma vez que mais cabalmente assegura a reparação devida: “O fim precípuo da lei nesta matéria é, por conseguinte, o de prover à directa remoção do dano real à custa do responsável, visto ser esse o meio mais eficaz de garantir o interesse capital da integridade das pessoas, dos bens ou dos direitos sobre estes. Se o dano (real) consistiu na destruição ou no desaparecimento de certa coisa (veículo, quadro, jóia, etc.) ou em estragos nela produzidos, há que proceder à aquisição de uma coisa da mesma natureza e à sua entrega ao lesado, ou ao conserto, reparação ou substituição da coisa por conta do agente… Note-se que a lei (art. 562º) manda reconstituir, não a situação anterior à lesão, mas a situação (hipotética) que existiria, se não fora o facto determinante da responsabilidade” (9).
Mas sendo a reconstituição natural impossível de efectivar, então os danos patrimoniais medem-se por uma diferença: «a diferença entre a situação real actual do lesado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria, se não fosse o facto lesivo» (10). Trata-se de uma consequência da teoria da diferença expressamente consagrada no art. 566º/2 do C.Civil: “Sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos”. Assim, a indemnização operar-se-á mediante a entrega duma quantia em dinheiro, equivalente ao valor em que o património do lesado diminuiu em consequência do dano sofrido.
Porém, a responsabilidade do agente não abrange todos os danos sobrevindos ao facto ilícito, mas apenas os resultantes do facto ilícito, ou seja, os causados por ele. Como refere Almeida Costa (11), «além do dano e do facto, exige-se que entre os dois elementos exista uma ligação: que o facto constitua causa do dano... Não há que ressarcir todos e quaisquer danos que sobrevenham ao facto ilícito, mas tão só os que ele tenha na realidade ocasionado, os que possam considerar-se pelo mesmo produzidos».
Com vista a resolver este problema da causalidade (ou seja, do nexo exigível entre o facto e o dano, para que este seja indemnizável), o legislador consagrou, no art. 563º do C.Civil, a teoria da causalidade adequada: «a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão».
Interessa também ter em consideração a norma integrante do art. 566º/3 do C.Civil, que dispõe que «se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados».
Embora o legislador tenha optado por não definir o conceito de equidade, certo é que a equidade é a justiça do caso concreto e, julgar segundo equidade, é procurar a justiça do caso concreto limitada sempre pelos imperativos da justiça real (a justiça ajustada às circunstâncias), em oposição à justiça meramente formal (12). Assim, julgar segundo a equidade consiste obter a solução mais equilibrada no contexto da factualidade apurada no caso concreto, mas dentro de limites determináveis, sob pena, em caso contrário, se cair no puro e simples arbítrio. Como se explica no Ac. do STJ de 10/07/97 (13), “Julgar segundo a equidade implica, de acordo com a especificidade do caso concreto, suprir a parcial falta de factos com princípios gerais de justiça e os ditames da consciência do julgador, sem que se chegue a um livre arbítrio”.
Em resumo, ao recorrer à equidade para fixar um montante indemnizatório, o Juiz está obrigado a atender sempre à multiplicidade e à especificidade das circunstâncias que concorrem no caso concreto, tendo o respectivo juízo de equidade que se fundar numa ponderação prudencial e casuística das circunstâncias do caso, sendo que a margem de discricionariedade que lhe é permitida nunca pode configurar uma «arbitrariedade» e nunca deverá colidir com os critérios jurisprudenciais que, numa perspectiva actualística, generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade.
Quanto aos «danos futuros», em especial o «dano biológico».
O nº2 do art. 564º do C.Civil estatui que “Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis”, donde resulta que lei consagra, de forma expressa, a ressarcibilidade dos «danos futuros», nos quais se incluem quer os danos emergentes como os lucros cessantes, mas a efectiva indemnização depende de duas condições cumulativas: a respectiva previsibilidade e determinabilidade (14).
É no âmbito destes «danos patrimoniais futuros» que surge a perda da capacidade de ganho resultante de «dano biológico».
Relativamente à natureza deste chamado «dano biológico» (o decorrente da incapacidade permanente sem reflexo profissional) têm-se suscitado dificuldades perante a dicotomia tradicional na classificação entre danos patrimoniais ou danos não patrimoniais (trata-se de um dano meramente patrimonial, ou será antes apenas um dano moral, ou será um tertium genus?), já que pode incidir numa, noutra ou mesmo em ambas as vertentes (“O dano corporal constitui um «tertium genus», ao lado do dano patrimonial e do dano moral, distinguindo-se o dano biológico e o dano moral subjetivo, assentes na estrutura do facto gerador da diminuição da integridade bio-psíquica, constituindo o dano biológico o evento do facto lesivo da saúde, e o dano moral subjetivo, tal como o dano patrimonial, o dano consequência, em sentido estrito” (15)).
Como se explica no Ac. do STJ de 13/04/2021 (16), o dano biológico tem vindo a ser entendido como dano-evento, reportado a toda a violação da integridade físico-psíquica da pessoa, com tradução médico-legal, ou como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com repercussão na sua vida pessoa e profissional, independentemente de dele decorrer ou não perda ou diminuição de proventos laborais (17): configura um prejuízo que se repercute nas potencialidades e qualidade de vida do lesado, susceptível de afectar o seu dia-a-dia nas vertentes laborais, sociais, sentimentais, sexuais, recreativas, que determina perda das faculdades físicas e/ou intelectuais em termos de futuro, perda essa eventualmente agravável em função da idade do lesado, e que poderá exigir do lesado esforços acrescidos, conduzindo-o a uma posição de inferioridade no mercado de trabalho, exigindo-lhe um maior esforço para o desenvolvimento da sua laboração (18). Portanto, constitui um dano que se traduz na diminuição somático-psíquica do indivíduo, com natural repercussão na vida de quem o sofre.
Este dano tanto pode ser ressarcido a título patrimonial, como pode ser compensado a título de dano moral, já que tanto pode ter consequências patrimoniais como consequências não patrimoniais, o que dependerá sempre da situação concreta em apreciação, tendo que ser objecto de uma apreciação casuística, verificando-se se a lesão originará, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida e, por si só, uma perda da capacidade de ganho, ou a mesma se traduz, apenas, numa afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural que resulta do decorrer da idade. Assim, o mesmo assume a natureza de perda in natura que o lesado sofreu em consequência de certo facto nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar (19).
O dano biológico é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas de dano patrimonial ou de dano não patrimonial: “É indemnizável em si mesmo, independentemente de se verificarem consequências para o lesado em termos de diminuição de proventos” (20), sendo pacífico o entendimento de que mesmo as pequenas incapacidades ainda quando não impliquem directamente uma redução da capacidade de ganho, constituem sempre um dano indemnizável, seja de natureza patrimonial, seja como dano não patrimonial, seja como um dano tertium genus, atento o estado de inferioridade em que o lesado se passa a encontrar na sua condição física, quanto à resistência e capacidade de esforço. Frise-se que, no âmbito de um recurso com vista a uniformização de jurisprudência, o STJ foi expresso e inequívoco no sentido de que o dano biológico deve ser indemnizado e de que essa indemnização deve ser procurada onde a consequência for encontrada, ou no «património patrimonial» do ofendido ou no seu «património moral» (mais sustentando que inexiste nesta situação qualquer contradição nesta dupla possibilidade).
Esta «autonomização» do dano biológico tem plena justificação já que, como se refere no já citado Ac. do STJ de 13/04/2021 (21), “uma incapacidade permanente parcial não se esgota na incapacidade para o trabalho, constituindo em princípio um dano funcional mas sempre, pelo menos, um dano em si mesmo que perturba a vida da relação e o bem-estar do lesado ao longo da vida, pelo que é de considerar autonomamente esse dano, distinto do referido dano patrimonial, não se diluindo no dano não patrimonial, na vertente do tradicional pretium doloris ou do dano estético. O lesado não pode ser objecto de uma visão redutora e economicista do homo faber. A incapacidade permanente (geral) de que está afectada a vítima constitui, nesta perspectiva, um dano em si mesmo, cingindo-se à sua dimensão anátomo-funcional. A incapacidade permanente geral (IPG) corresponde a um estado deficitário de natureza anatómica-funcional ou psicosensorial, com carácter definitivo e com impacto nos gestos e movimentos próprios da vida corrente comuns a todas as pessoas. Pode ser valorada em diversos graus de percentagem, tendo como padrão máximo o índice 100. Esse défice funcional pode ter ou não reflexo directo na capacidade profissional originando uma concreta perda de capacidade de ganho”. No mesmo sentido, o Ac. do STJ de 24/03/2021 (22) decidiu que “O dano biológico é “autonomizável, devendo ser contabilizado, um prejuízo futuro (…) enquadrado como dano biológico, e que contemple, para além do resto, a maior penosidade e esforço no exercício da actividade corrente e profissional do lesado” e que a “indemnização a arbitrar pelo dano biológico sofrido pelo lesado - consubstanciado em relevante limitação funcional - deverá compensá-lo, apesar de não imediatamente reflectida no nível salarial auferido, quer da relevante e substancial restrição às possibilidades de mudança ou reconversão de emprego e do leque de oportunidades profissionais à sua disposição, enquanto fonte actual de possíveis e eventuais” (Ac. STJ, de 21-11-2018, Proc. n.º 1377/13.3JAPRT.P1.S1 - 3.ª Secção)”.
Perante o “quadro” supra exposto, entendemos que, quando o dano biológico não determine perda ou diminuição dos proventos profissionais, isto é, a lesão em causa apenas configura uma afectação da potencialidade física, psíquica ou intelectual da vítima, para além do agravamento natural resultante da idade lesão, mas que, por si só, não originará no futuro (durante o período activo do lesado ou da sua vida) uma perda da capacidade de ganho, então o mesmo será indemnizável autonomamente em sede de danos não patrimoniais. Mas já quando o dano biológico se repercute na capacidade de produzir rendimentos (existindo um nexo de causalidade entre a afectação da integridade físico-psíquica e a redução da capacidade laboral), a indemnização a arbitrar será em sede de danos patrimoniais, a qual deverá compensar o lesado da perda de rendimentos que está associada ao grau de incapacidade permanente, mas também da inerente perda de capacidades, mesmo que esta não esteja imediata e totalmente reflectida no nível de rendimento auferido, já que “a compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou reconversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas… a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades exercício profissional e de escolha e evolução na profissão , eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável - e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição, - erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais;… nesta perspectiva, deverá aditar-se ao lucro cessante, decorrente da previsível perda de remunerações, calculada estritamente em função do grau de incapacidade permanente fixado, uma quantia que constitua justa compensação do referido dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente pela capitis deminutio de que passou a padecer a recorrente, bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional ou pessoal da lesada…” (23). Esta relevância em sede de dano patrimonial mesmo quando não existe efectiva perda da capacidade de ganho, tem sido unanimemente reconhecida pelo STJ (24), citando-se, entre outros (e para além dos já supra indicados), os seguintes arestos:
- Ac. do STJ de 07/06/2011 (25) - “II.. a incapacidade funcional, ainda que não impeça o lesado de continuar a trabalhar e ainda que dela não resulte perda de vencimento, reveste a natureza de um dano patrimonial, já que a força do trabalho do homem, porque lhe propicia fonte de rendimentos, é um bem patrimonial, sendo certo que essa incapacidade obriga o lesado a um maior esforço para manter o nível de rendimentos auferidos antes da lesão. III - Assim, para ser atribuída indemnização pelo dano patrimonial futuro (IPP) não é necessário que a incapacidade determine perda ou diminuição de rendimentos. IV - Essa incapacidade reflecte-se na impossibilidade de uma vida normal, com reflexos em toda a capacidade, podendo configurar-se como uma incapacidade permanente que deve ser indemnizada”;
- Ac. do STJ de 16/06/2016 (26) - “I. O dano biológico abrange um espectro alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, desde a perda do rendimento total ou parcial auferido no exercício da sua actividade profissional habitual até à frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras actividades ou tarefas de cariz económico, passando ainda pelos custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas actividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expectáveis. II. Assim, em caso de não verificação de incapacidade permanente para a profissão habitual, a consideração do dano biológico servirá para cobrir ainda, no decurso do tempo de vida expetável, a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, mesmo fora do quadro da profissão habitual ou para compensar custos de maior onerosidade com o desempenho ou suprimento dessas actividades ou tarefas, assumindo assim uma função complementar”;
- Ac. do STJ de 10/12/2019 (27) - “No que toca ao dano biológico, deve ser fixada indemnização pelos danos patrimoniais decorrentes da incapacidade permanente, ainda que, no imediato, a diminuição funcional não tenha reflexo no montante dos rendimentos auferidos pelo lesado e mesmo que o lesado não fique impossibilitado de continuar a exercer a sua profissão”;
- Ac. do STJ de 17/12/2019 (28) - “Um défice funcional de 4%, não deixa de relevar enquanto dano biológico, quando consubstanciado na diminuição, em geral, da capacidade profissional do lesado, sendo passível de indemnização, pois pese embora não represente uma incapacidade para o exercício da sua profissão habitual, exige-lhe esforços suplementares no desempenho das tarefas específicas da sua actividade profissional habitual”;
- e Ac. do STJ de 06/04/2021 (29) - “…VIII. A afectação da integridade físico-psíquica (em si mesma um dano evento, que, na senda do direito italiano, tem vindo a ser denominado “dano biológico”) pode ter como consequência danos de natureza patrimonial e danos de natureza não patrimonial. Na primeira categoria não se compreende apenas a perda de rendimentos pela incapacidade laboral para a profissão habitual, mas também as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais, mesmo quando o lesado é menor e ainda não exerce uma profissão. IX. São reparáveis como danos patrimoniais as consequências danosas resultantes da incapacidade geral permanente (ou dano biológico), ainda que esta incapacidade não tenha tido repercussão directa no exercício da profissão habitual”.

Apesar desta vertente do dano biológico, relativa à supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal no decurso do tempo de vida expetável (mesmo fora do quadro da profissão habitual) e/ou relativa à compensação dos custos de maior onerosidade com o desempenho ou suprimento dessas actividades ou tarefas, que, como vimos, não pode deixar de ser considerado no âmbito do ressarcimento a título de danos patrimoniais futuros, já não pode ser objecto de um segundo e autónomo ressarcimento, sob pena de constituir uma duplicação indemnizatória, o que viola a lei e os princípios da equidade que presidem à fixação do montante indemnizatório em causa (frise-se que a indemnização emergente de acidente de viação não visa um enriquecimento ilegítimo à custa do lesante mas, antes, a reparação do dano causado) (30).
No que concerne à determinação do quantum indemnizatório do dano biológico, deverão ter-se em consideração os critérios jurisprudenciais vigentes e aplicáveis a situações semelhantes, face ao que dispõe o art. 8°/3 do C.Civil, fazendo-se a comparação do caso concreto com situações análogas equacionadas noutras decisões judiciais, não se perdendo de vista a sua evolução e adaptação às especificidades do caso concreto, mas não sendo possível avaliar o valor exacto do dano biológico, ter-se-á de se recorrer à equidade, nos termos do art. 566º/3 do C.Civil (31). Trata-se de entendimento uniforme no STJ (32): decidiu-se no já citado Ac. do STJ de 24/03/2021 (33), “A indemnização pelo dano biológico é atribuída segundo a equidade, conforme o disposto no art. 566, n.º 3, do CC, de acordo com o circunstancialismo do caso concreto, as regras do bom senso e prudência, e decisões jurisprudenciais com as quais seja possível estabelecer um paralelismo (Ac. STJ, de 14-12-2016, Proc. n.º25/13.6PTFAR.E1.S1, Ac. STJ, de 29-10-2020, Revista n.º111/17.3T8MAC.G1.S1, etc.). Em síntese, «a atribuição de indemnização por danos não patrimoniais ganha em ser feita com recurso a juízos hábeis, dúcteis e teleológicos, que tenham em conta todas as circunstâncias do caso concreto e não esqueçam que a finalidade principal da compensação é proporcionar ao lesado(a) meios de diminuição da sua dor. Não pode ser irrisória nem descomunal, mas adequada aos danos e à condição de quem deles irá usufruir». (Ac. STJ de 17-12-2019, Proc. n.º 480/12.1TBMMV.C1.S2)… A avaliação do juízo de equidade deverá atender, na medida do possível, a indemnizações arbitradas em casos em que exista alguma similitude, ou que possam ser encarados como referência comparativa. Só assim se respeita o “princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei – arts. 13.º, n.º 1, da CRP e 8.º, n.º 3, do CC. 27-11-2018” (Ac. STJ, Revista n.º 125/14.5TVLSB.L1.S1)…»; o já citado Ac. do STJ de 07/06/2011 sustentou que “A indemnização do lesado por danos futuros decorrente de incapacidade permanente deve corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado não irá auferir e que se extinga no fim da vida provável da vítima e que seja susceptível de garantir, durante essa vida, as prestações periódicas correspondentes ao rendimento perdido…. A partir dos pertinentes elementos de facto, independentemente do seu desenvolvimento no quadro das referidas fórmulas de cariz instrumental, deve calcular-se o montante da indemnização em termos de equidade, no quadro de juízos de verosimilhança e de probabilidade, tendo em conta o curso normal das coisas e as particulares circunstâncias do caso”; e também já citado Ac. do STJ de 10/12/2019 entendeu-se que “Não contendo a nossa lei ordinária regras precisas destinadas à fixação da indemnização pelo dano futuro, tais danos devem calcular-se segundo critérios de verosimilhança, ou de probabilidade, de acordo com o que, no caso concreto, poderá vir a acontecer, e se não puder, ainda assim, apurar-se o seu exato valor, deve o tribunal julgar segundo a equidade, nos termos enunciados no art. 566°, nº3, do C.C.”.
Também pacífico, no STJ, tem sido entendimento de que “na determinação dos montantes indemnizatórios aos lesados em acidentes de viação, os tribunais não estão obrigados a aplicar as tabelas contidas na Portaria nº377/2008, alterada pela Portaria nº 679/2009, de 25 de Junho, ali apenas se estabelecendo padrões mínimos, a cumprir pelas seguradoras, na apresentação aos lesados de propostas sérias e razoáveis de regularização dos sinistros, indemnizando o dano corporal”, como se decidiu no já citado Ac. do STJ de 13/04/2021 (34), explicando-se neste aresto: “é entendimento pacífico que as normas da referida Portaria n.º 377/2008, alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, não são vinculativas para a fixação, pelos Tribunais, de indemnizações por danos decorrentes de responsabilidade civil em acidentes de viação, devendo «os valores propostos ( ... ) ser entendidos como o são os resultantes das tabelas financeiras disponíveis para a quantificação da indemnização por danos futuros, ou seja, como meios auxiliares de determinação do valor mais adequado, como padrões, referências, factores pré-ordenados, fórmulas em forma abstracta e mecânica, meros instrumentos de trabalho, critérios de orientação, mas não decisivos, supondo sempre o confronto com as circunstâncias do caso concreto e, tal como acontece com qualquer outro método que seja a expressão de um critério abstracto, supondo igualmente a intervenção temperadora da equidade, conducente à razoabilidade já não da proposta, mas da solução, como forma de superar a relactividade dos demais critérios. Os valores indicados, sendo necessariamente objecto de discussão acerca da sua razoabilidade entre o lesado e a entidade que deverá pagar, servirão apenas como uma referência, um valor tendencial a ter em conta, mas não decisivo», assumindo um carácter instrumental” (35). Igualmente o já citado Ac. do STJ de 23/04/2021 se pronunciou nos seguintes termos: “… O critério decisivo para o Tribunal da Relação reduzir a indemnização inicialmente decidida de 35.000€ para 8.000€ foi a utilização dos valores da Portaria 377/2008 de 26 de Maio. Reduziu, assim, em cerca de 77% a indemnização arbitrada pela 1.ª Instância…. Porém, os valores da referida Portaria não são em todas as situações vinculativos; antes, de algum modo, se podem entender como mínimos e vocacionados fundamentalmente para base de discussão de acordos extrajudiciais (Ac. STJ, de 14-02-2013, Proc. n.º6374/05.0TDLSB.L1.S1; Ac. STJ, 07-05-2020, Revista n.º952/06.7TBMTA.L1.S1, Ac. STJ, de 01-06-2011, Proc. n.º 198/00.8GBCLD.L1.S1; Ac. STJ, de 25-03-2010, Proc. n.º344/07.0TACVD.P1.S1 Ac. STJ, de 09-02-2011, Proc. n.º21/04.4GCGRD.C3.S1, Ac. STJ, de 7-03-2017, 4754/11.0TBVFR-A.P1, inter alia)….”.
Como se explica no Ac. do STJ de 07/03/2019 (36), “… não se afigura que essa indemnização deva ser calculada com base no rendimento anual do A. auferido no âmbito da sua actividade profissional habitual, já que o sobredito défice funcional genérico não implica incapacidade parcial permanente para o exercício dessa actividade, envolvendo apenas esforços suplementares.
Neste tipo de situações, a solução seguida pela jurisprudência deste Supremo Tribunal é a de fixar um montante indemnizatório por via da equidade, ao abrigo do disposto no artigo 566.º, n.º 3, do CC, em função das circunstâncias concretas de cada caso, segundo os padrões que têm vindo a ser delineados, atentos os graus de gravidade das lesões sofridas e do seu impacto presumível na capacidade económica do lesado, considerando uma expetativa de vida ativa não confinada à idade-limite para a reforma. De referir que aqui só relevam as implicações de alcance económico e já não as respeitantes a outras incidências no espectro da qualidade de vida, mas sem um alcance dessa natureza. Temos ainda assim de reconhecer que nem sempre se mostra tarefa fácil estabelecer comparações entre os diversos casos já tratados na jurisprudência, ante a multiplicidade de fatores variáveis e as singularidades de cada caso, em especial, o impacto concreto que determinado grau de défice funcional genérico é suscetível de provocar no contexto da actividade económica que estava ao alcance da iniciativa do sinistrado com a inerente perda de oportunidade de ganho”.
Quanto aos danos não patrimoniais, consistem naqueles que “afectam bens não patrimoniais (bens da personalidade), insusceptíveis de avaliação pecuniária ou medida monetária, porque atingem bens, como a vida, a saúde, a integridade física, a perfeição física, a liberdade, a honra, o bom nome, a reputação, a beleza, de que resultam o inerente sofrimento físico e psíquico, o desgosto pela perda, a angústia por ter de viver com uma deformidade ou deficiência, os vexames, a perda de prestígio ou reputação, tudo constituindo prejuízos que não se integram no património do lesado, apenas podendo ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente” (37).
O dano não patrimonial assume diversas configurações: o chamado quantum doloris, que se reporta às dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária, com tratamentos, intervenções cirúrgicas, internamentos (nele se considerando a extensão e a gravidade das lesões, e a complexidade do seu tratamento clínico); o dano estético, prejuízo anátomo-funcional e que se refere às deformidades e aleijões que perduraram para além do processo de tratamento e recuperação da vítima; o prejuízo de distracção ou passatempo, caracterizado pela privação das satisfações e prazeres da vida, como a renúncia a actividades extra-profissionais, desportivas ou artísticas; o prejuízo de afirmação social, dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica), integrando este prejuízo a quebra da «alegria de viver»; o prejuízo da saúde geral e da longevidade, em que avultam o dano da dor e o défice de bem estar, e que valoriza as lesões muito graves, com funestas incidências na duração normal da vida; os danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima e o corte na expectativa de vida; o prejuízo juvenil, que afecta os sinistrados muito jovens que ficam privados das alegrias próprias da sua idade; o prejuízo sexual, consistente nas mutilações, impotência, resultantes de traumatismo nos órgãos sexuais; e o prejuízo da auto-suficiência, caracterizado pela necessidade de assistência duma terceira pessoa para os actos correntes da vida diária (38).
Por força do disposto no art. 496º/1 do C.Civil, só são ressarcíveis aqueles que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito. Interpretando a referida norma, afirmava Vaz Serra (39): «o nº1 do art. 496º tem alcance geral, sendo aplicável, quer se trate de danos não patrimoniais resultantes de lesão corporal, quer de outros, pois, não só o seu texto não distingue, como também a sua razão de ser a todos é aplicável. Desde que, por isso, os danos não patrimoniais mereçam, pela sua gravidade, a tutela do direito, são ressarcíveis, ainda que não derivem de lesão corporal». Ainda sobre a mesma norma, refere Antunes Varela (40) que «a gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo e não à luz de factores subjectivos. Por outro lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado».
Portanto, para que os danos não patrimoniais sejam indemnizáveis terão que revestir gravidade tal que mereçam a tutela do direito, sendo certo que as dores e incómodos vulgares, as disposições e arrelias comuns, porque não atingem um grau suficientemente elevado, não conferem direito a indemnização por danos morais. Como se explica no Ac. do STJ de 26/06/1991 (41), «só são indemnizáveis os danos não patrimoniais que afectem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral», mais se explicando no Ac. do STJ de 24/05/2017 (42) que “em sede de compensação por danos não patrimoniais, por não se estar perante a lesão de interesses susceptíveis de avaliação pecuniária, o dano não corresponde a um prejuízo determinado ou materialmente determinável, reparável por reconstituição natural ou através de um sucedâneo em dinheiro, mas a uma lesão de ordem moral ou espiritual apenas indirectamente compensável através de utilidades que o dinheiro possa proporcionar. E que o requisito «dano», como pressuposto da obrigação de indemnizar, não seja um qualquer prejuízo, mas apenas aquele que se apresente com um grau de gravidade tal que postule a atribuição de uma indemnização ao lesado. Se essa gravidade não concorrer, não pode falar-se de dano não patrimonial passível de ressarcimento”, importando, em primeiro lugar, estabelecer, “como linha de fronteira, a separação entre aquelas que se situam ao nível das contrariedades e incómodos irrelevantes para efeitos indemnizatórios e as que se apresentam num patamar de gravidade superior e suficiente para reclamar compensação”.
Logo, «dano grave» não terá que ser considerado apenas aquele que é «exorbitante ou excepcional», mas também aquele que «sai da mediania, que ultrapassa as fronteiras da banalidade», ou seja, «dano considerável» é aquele que, no seu mínimo, espelha a intensidade duma dor, duma angústia, dum desgosto, dum sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se torna inexigível em termos de resignação (43).
No que se refere à indemnização dos danos não patrimoniais, dispõe o art. 496º/3 do C.Civil: «o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494º». Estas circunstâncias são o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias que o justifiquem (por exemplo, a gravidade da lesão).
Assim e por força do disposto nestes artigos, «a reparação obedece a juízos de equidade, tendo em conta as circunstâncias concretas de cada caso, como se depreende, quer dos termos (equitativamente) em que a lei manda fixar o montante da chamada indemnização, quer da remissão feita para os factores discriminados no art. 494º. A indemnização, tendo especialmente em conta a situação económica do agente e do lesado, é assim mais uma reparação do que uma compensação, mais uma satisfação do que uma indemnização» (44). Na verdade, a indemnização reveste, no caso dos danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente (45).
Deste modo, no âmbito destes danos, não existe uma verdadeira e própria indemnização, mas sim uma reparação através da atribuição de uma soma pecuniária, que se julgue adequada a compensar e reparar dores e sofrimentos, e que possa proporcionar de um certo número de alegrias ou satisfações que as minorem ou façam esquecer: ao contrário da indemnização cujo objectivo é preencher uma lacuna verificada no património do lesado, esta reparação destina-se a aumentar um património intacto para que, com tal aumento, o lesado possa encontrar uma compensação para a dor. Pronunciou-se o Ac. do STJ de 17/12/2019 (46) nestes termos: “Além da equidade, igualmente proporcionalidade, igualdade e razoabilidade levam a que o montante da indemnização por danos não patrimoniais possa ser considerado não como uma espécie de simples bónus ou suplemento, mas, pelo contrário, como um proporcionar um certo desafogo económico ao lesado que de algum modo contrabalance e mitigue as dores, desilusões, desgostos e outros sofrimentos suportados e a suportar por ele, proporcionando-lhe uma melhor qualidade de vida, fazendo eclodir nele um certo optimismo que lhe permita encarar a vida de uma forma mais positiva”.
Por via disso, o valor da reparação dos danos não patrimoniais deve ser proporcional à gravidade do dano, sendo que, na respectiva fixação, há que ter em consideração todas as regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida e aos padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência (47). E precisamente quanto a estes padrões jurisprudenciais, desde há vários anos que o STJ vem entendendo que as compensações por danos não patrimoniais não podem ser simbólicas ou miserabilistas (48) e o respectivo valor tem que ser significativo para responder e cumprir, de forma actualizada, o comando do art. 496º do C.Civil e para configurar uma efectiva possibilidade compensatória (49).
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4.2. Do Quantum Indemnizatório do Dano Patrimonial (decorrente do Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica)

Na sentença impugnada, considerou-se que o Autor “ficou com sequelas resultantes do acidente que implicam um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 10 pontos, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades”, e, quanto à fixação da respectiva indemnização, aduziu-se a seguinte fundamentação: “… no que ao dano futuro diz respeito, a indemnização deve ser calculada em atenção à idade limite da vida activa em Portugal – que no mínimo poderá considerar-se nos 65 anos… e que aqui se entende, por força do aumento da esperança média de vida e da tendência para o aumento das idades de reforma, estabelecer actualmente em 75 anos. No caso vertente, resultou provado que o Autor tinha como objectivo candidatar-se militar da GNR. Por razões relacionadas com o acidente, não conseguiu aprovação no concurso à GNR, mas acabou por conseguir entrar no curso de formação para agentes da PSP, que concluiu com aproveitamento. Assim, afigura-se razoável, para efeito de cálculo indemnizatório, tomar como critério o rendimento base líquido de um agente da PSP em início de carreira, de aproximadamente € 800,00 mensais, que se traduz num valor anual de 11.200,00 €, composto por: 800,00 € x 14 meses. Ponderando que o Autor tinha 18 anos de idade à data do acidente (nasceu em Dezembro de 1998), tinha uma esperança de vida útil de mais 57 anos, uma capacidade de ganho anual de € 11.200,00, e padece de um Défice Funcional Permanente de 10 pontos, o valor indemnizatório que resulta da aplicação do critério supra enunciado é de € 48.500,00 (segue-se a jurisprudência do Ac. da RC de 04.04.1995,… que desenvolveu e ajustou o critério que vinha sendo utilizado pelo S.T.J. em alguns arestos anteriores - Acs. S.T.J. de 4/2/93, C.J.S.T.J.,… Utilizando as fórmulas que neste acórdão se recomendam, resultará o seguinte cálculo para determinação do capital necessário para propiciar aquele rendimento anual que o Autora perdeu: C = (1+ i) n - 1 x P sendo: P = prestação anual; C = capital a depositar no primeiro ano; N = anos de expectativa de vida activa; i = taxa de juro nominal (2%)…”.
No seu recurso, a Ré/Recorrente defende que a indemnização pelo «dano biológico» deve ser fixada em quantia não superior a € 27.500,00, e, se se entender que a verba sugerida não é adequada, deve ser reduzida a indemnização arbitrada para valor inferior.
Já o Autor/Recorrente, no seu recurso, defende que lhe deve ser atribuída uma indemnização de € 55.000,00 pelos danos patrimoniais sofridos.
Em primeiro lugar, importa frisar que as alegações, e respectivas conclusões, do recurso apresentado pela Ré/Recorrente padecem de uma contradição insanável: com efeito, embora se comece por sustentar que «como as sequelas não têm qualquer repercussão patrimonial, é irrelevante a retribuição do Autor, na altura ou depois do acidente, para a fixação da eventual indemnização», e que «numa situação como a do autor, a indemnização pelo dano biológico não deveria ter sido fixada com base na retribuição considerada na sentença e, muito menos, deveria consistir numa percentagem dessa retribuição, e deveria ter-se dado especial relevo ao critério de equidade», certo é que, de seguida, é a própria Ré/Recorrente que realiza uma série de cálculos, com recurso a tabelas financeiras, nos quais considera quer o salário mínimo nacional quer o salário auferido pelo Autor após o acidente, mostrando-se ininteligível qual é, afinal de contas, o verdadeiro argumento/fundamento com base na qual aquele defende a redução do montante da indemnização, quer para o valor que indica de € 27.500,00, quer para outro valor inferior ao fixado na sentença.
Em segundo lugar, e agora no que concerne às alegações, e respectivas conclusões, do recurso apresentado pelo Autor/Recorrente, importa precisar que, por um lado, mostra-se errada a conclusão no sentido de que «no cálculo da indemnização, a sentença apelada não teve em conta a esperança média de vida do lesado (in casu 77,8 anos de vida), mas o limite da sua vida activa (correspondente à idade da reforma)», já que, embora não se tenha considerado os 77,8 anos, considerou-se a idade de 75 anos e não a actual idade de reforma. Por outro lado, para além desta questão da idade relativa à esperança média de vida (que, como vimos, não foi considerada na sentença apenas relativamente a mais 2,8 anos e não relativamente a 12,8 anos, como se quis fazer crer), não se vislumbram nessas alegações e conclusões quaisquer argumentos/fundamentos concretos para aumentar o montante da indemnização para o valor que indica de € 55.000,00.

Posto isto, importa atentar na factualidade provada que é relevante para esta questão da determinação do quantum indemnizatório, e que é a seguinte:

- o acidente ocorreu em 3 de Agosto de 2017 (cfr. facto provado nº1);
- em consequência do acidente, o Autor:… e) sofre de Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 10 pontos, compatível com o exercício da actividade habitual, mas com esforços suplementares;… (cfr. facto provado nº16);
- o Autor nasceu no dia 16 de Dezembro de 1998 (cfr. facto provado nº20);
- à data do acidente, o Autor encontrava-se desempregado (cfr. facto provado nº21);
- depois de ter sofrido o acidente narrado nos autos, o Autor prestou provas de ingresso na Guarda Nacional Republicana, no procedimento concursal correspondente ao aviso n.º 12499/2018, da 2ª série do Diário da República n.º168, de 31 de Agosto de 2018; após a realização dos pertinentes exames médicos, foi o Autor considerado como não apto, em consequência da presença de material de osteossíntese no seu braço esquerdo; o Autor tinha o sonho, antigo, de ingressar na GNR e de vir, mais tarde, a prestar serviço na sua terra natal, assim ficando perto dos seus familiares e amigos (cfr. factos provados nºs. 22, 23 e 26);
- na data em que o Autor soube que tinha sido excluído do concurso para ingresso na GNR, já tinha apresentado a sua candidatura ao curso de formação de agentes da PSP (cfr. facto provado nº27);
- as sequelas de que o Autor é portador em consequência do acidente são compatíveis com o desempenho das tarefas inerentes à actividade profissional de agente de PSP, com esforços acrescidos (cfr. facto provado nº29);
- e terminado o curso de formação de agente da PSP, o Autor passou a auferir cerca de € 800,00 de vencimento base líquido (cfr. facto provado nº30).

Perante este manancial factual provado, dúvidas não existem de que, em consequência do acidente, o Autor ficou afectado com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 10 pontos, compatível com o exercício da actividade habitual (agente de PSP), mas com esforços suplementares/acrescidos, o que configura um dano biológico.
Porém, estamos perante um dano biológico que, no caso, não tem qualquer consequência relativamente a uma imediata redução da capacidade de ganho, isto é, a incapacidade funcional de que o Autor passou a estar afectado não o impede de trabalhar nem causou qualquer perda (total ou parcial) de vencimento, o que, por si só, conduz a que não se justifique o recurso às tabelas financeiras para se encontrar um capital que se extinga no fim da vida activa e seja susceptível de garantir, durante esta, as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho. E, desta forma, diverge-se, desde já, da fundamentação que integra a sentença impugnada quanto à fixação do valor indemnizatório deste dano porque se socorreu, exclusivamente, de uma fórmula com vista a obter tal «capital», a qual tem como pressuposto básico a efectiva existência de uma imediata redução da capacidade de ganho (seja total ou parcial), mais acrescendo que, da respectiva fundamentação, não decorre qualquer recurso a critérios de equidade para a fixação do respectivo valor indemnizatório, pelo que o critério utilizado na decisão recorrida não pode ser aceite.
No caso presente, estamos perante um dano biológico que, não tendo reflexo na capacidade de ganho, impõe ao Autor um esforço suplementar/acrescido no desempenho da sua profissão, o que configura uma maior penosidade e esforço no exercício da actividade corrente e profissional daquele, sendo um grau de incapacidade que o vai definitivamente afectar. Acresce que este dano biológico também impõe ao Autor restrições nas possibilidades de escolha, de evolução e de mudança na profissão, o que configura uma limitação no «leque» de oportunidades profissionais à sua disposição.
Este «quadro» representa um dano funcional que perturba a vida de relação e bem-estar do Autor e determina uma alteração profunda na sua vida, com afectação da sua potencialidade física e psíquica, tudo constituindo uma verdadeira «capitis deminutio» que é relevante em sede de dano patrimonial mesmo quando não existe efectiva perda da capacidade de ganho (como tem sido unanimemente reconhecida pelo STJ, como supra se referiu), sendo que, para o cálculo da respectiva indemnização, há que fazer apelo aos supra aludidos juízos de equidade, tendo em consideração, designadamente, a esperança de vida do Autor, o grau de incapacidade permanente de que ficou a padecer e a sua actividade profissional.

E uma vez que têm que ser ponderados os critérios jurisprudenciais vigentes e aplicáveis a situações semelhantes, para efeitos comparativos, reportam-se aqui as seguintes indemnizações atribuídas (de forma mais recente) pelos nossos Tribunais (50) no caso específico deste dano biológico:
- Ac. da RG de 13/07/2021 (Ana Cristina Duarte), Proc. nº1880/17.6T8VRL.G1: DFP de 3 pontos,
34 anos de idade, sendo compatível com o exercício da actividade habitual de delegada profissional de farmácias mas com esforços suplementares, e vencimento mensal base de € 607,70 - indemnização de € 10.000,00;
- Ac. da RG de 27/05/2021 (Margarida Almeida Fernandes), Proc. nº5911/18.4T8BRG.G1 – DFP de 2 pontos, 53 anos de idade, sendo compatível com o exercício da sua actividade habitual de afinador de máquinas mas com esforços suplementares – indemnização de € 5.500,00;
- Ac. da RG de 27/05/2021 (Anizabel Sousa Pereira), Proc. nº6913/18.6T8BRG.G1 – DFP de 51,350 pontos, 29 anos de idade, impeditivo do exercício da sua profissão habitual de mecânico, e vencimento mensal base de € 505,00 - indemnização de € 300.000,00;
- Ac. da RG de 04/03/2021 (Alexandra Lopes), Proc. nº1490/17.8T8BRG.G1 – DFP de 8%, 27 anos de idade, sendo compatível com o exercício profissional de professor de desporto mas com maior esforço, e vencimento mensal de cerca de € 1.000,00 - indemnização de € 35.000,00;
- Ac. da RG de 12/11/2020 (Raquel Batista Tavares), Proc. nº4606/17.9T8BRG.G1– DFP de 28 pontos, 57 anos de idade, sendo compatível com o exercício profissional de estofador de veículos mas com esforços suplementares, e vencimento mensal de cerca de € 800,00 - indemnização de € 60.000,00;
- Ac. da RG de 15/10/2020 (Afonso Cabral de Andrade), Proc. nº5908/18.4T8BRG.G1– DFP de 7 pontos, 13 anos de idade, estudante - indemnização de € 40.000,00;
- Ac. da RG de 01/10/2020 (Afonso Cabral de Andrade), Proc. nº185/15.1T8BRG.G1– DFP de 10 pontos, 18 anos de idade, sendo compatível com o exercício profissional na indústria química mas com esforços suplementares, e vencimento mensal líquido de cerca de € 2.500,00 - indemnização de € 115.000,00;
- Ac. da RG de 18/06/2020 (Rosália Cunha), Proc. nº5334/17.2T8GMR.G1 – DFP de 9 pontos, 32 anos de idade, desempregada - indemnização de € 28.500,00;
- Ac. da RG de 10/07/2019 (Afonso Cabral de Andrade), Proc. nº3335/17.0T8VCT.G1– DFP de 30 pontos, 21 anos de idade, sendo compatível com o exercício profissional de canalizador mas com esforços suplementares, e vencimento mensal de cerca de € 642,66 - indemnização de € 120.000,00;
- Ac. da RG de 21/02/2019 (Helena Melo), Proc. nº345/16.9T8VCT.G1– DFP de 16 pontos, 54 anos de idade, sendo incompatível com o exercício da actividade profissional, passando a desempenhar outra actividade menos exigente fisicamente, mas que ainda assim lhe exige a realização de esforços suplementares, e vencimento liquido mensal de cerca de € 705,25 - indemnização de € 50.000,00;
- Ac. da RG de 15/02/2018 (João Peres Coelho), Proc. nº652/16.0T8GMR.G1 – DFP de 10 pontos, 41 anos de idade, sendo compatível com o exercício profissional de operário da construção civil mas com esforços suplementares, e vencimento mensal de € 2.200,00 - indemnização de € 60.000,00;
- Ac. do STJ de 06/05/2021 (Margarida Blasco), Proc. nº1169/16.8T9AVR.P2.S1 – DFP de 10 pontos, 49 anos de idade, compatível com a sua actividade profissional de agente da polícia judiciária, mas com esforços acrescidos, e vencimento mensal de € 2.100,00 - indemnização de € 38.000,00;
- Ac. do STJ de 18/03/2021 (Ferreira Lopes), Proc. nº1337/18.8T8PDL.L1.S1– DFP de 13 pontos, 50 anos de idade, compatível com a sua actividade profissional de assistente graduado hospitalar, mas com esforços acrescidos, e vencimento mensal de cerca de € 4.161,88 - indemnização de € 45.000,00;
- Ac. do STJ de 20/04/2021 (Fátima Gomes), Proc. nº1751/15.0T8CTB.C1.S1 - DFP de 31 pontos, 10 anos de idade - indemnização de € 150.000,00;
- Ac. do STJ de 23/03/2021 (Fernando Samões), Proc. nº1989/05.9TJVNF.G1.S1- DFP de 4 pontos, 19 anos de idade, compatível com a sua actividade profissional, mas com esforços acrescidos, e vencimento não apurado - indemnização de € 12.000,00;
- Ac. do STJ de 21/01/2021 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), Proc. nº6705/14.1T8LRS.L1.S1- DFP de 27 pontos, 32 anos de idade, compatível com a sua actividade profissional de representative clients service, mas com esforços acrescidos, e vencimento mensal líquido cerca de € 1.231,20 - indemnização de € 90.000,00;
- Ac. do STJ de 31/10/2017 (Ana Boularot) (51), Proc. nº178/14.6T8GMR.G1.S1 - DFP de 7 pontos, 21 anos de idade, compatível com a sua actividade profissional de balconista, mas com esforços acrescidos - indemnização de € 37.500,00;
- Ac. do STJ de 16/06/2016 (Tomé Gomes), Proc. nº1364/06.8TBBCL.G1.S2 – DFP de 6%, 40 anos de idade, compatível embora com a sua actividade profissional de costureira, mas não conseguindo realizar ou só executando com grande dificuldade tarefas que exigem maior esforço físico, e vencimento mensal de € 375,00 - indemnização de € 25.000,00;
- Ac. do STJ de 07/04/2016 (Maria da Graça Trigo), Proc. nº237/13.2TCGMR.G1.S1 - DFP de 8 pontos, 22 anos de idade, compatível com a sua actividade profissional de «revistadeira», mas com esforços acrescidos, e vencimento mensal de € 675,28 - indemnização de € 25.000,00;
- Ac. do STJ de 24/03/2015 (Salreta Pereira) (52), Proc. nº1425/12 - DFP de 9 pontos, 22 anos de idade, compatível com a sua actividade profissional, mas com esforços acrescidos, e vencimento mensal de € 694,00 - indemnização de € 40.000,00;
- e Ac. do STJ de 05/03/2015 (Pires da Rosa) (53), Proc. nº46/09.3TBSLV.E1.S1 - DFP de 7 pontos, 20 anos de idade, estudante, e considerando-se o valor do salário mínimo - indemnização de € 40.000,00.

No caso em apreço, interessa ponderar que: o Autor apresenta um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 10 pontos; à data do acidente (03/08/2017) encontrava-se desempregado; cerca de um ano depois do acidente o Autor prestou provas de ingresso na Guarda Nacional Republicana, mas não foi considerado apto em virtude do material de osteossíntese presente no seu braço esquerdo em resultado das lesões sofridas no acidente; ainda antes de tomar conhecimento desta exclusão, o Autor já tinha apresentado a sua candidatura ao curso de formação de agentes da PSP, na qual veio efectivamente a ingressar, passando a auferir cerca de € 800,00 de vencimento base líquido; as sequelas de que é portador em consequência do acidente não são impeditivas do Autor desempenhar as tarefas de agente de PSP, embora lhe impliquem esforços acrescidos; e à data do acidente o Autor tinha apenas 21 anos de idade, tendo ainda uma longa vida activa pela frente, atenta a esperança de vida média (que era de 77,8 anos, à data do acidente, para os homens, segundo informação obtida no sítio «PORDATA»). Mas, por outro lado, também interessa ponderar que, na prática (e nada em contrário foi alegado e provado nos autos), não existe grande diferença na execução da função de militar da GNR e agente da PSP, pelo que não assume uma forte relevância o «sonho do Autor ingressar na GNR» como frustração do uma expectativa profissional futura (aliás, como está demonstrado, até se inscreveu para fazer o curso da formação da PSP antes de saber o resultado do concurso da GNR), mais acrescendo que o Défice Funcional só se reflecte no desempenho da profissão até à idade de reforma, e a partir daqui já só se reflecte nos actos e gestos correntes do dia-a-dia (vida pessoal).
Nestas circunstâncias, sopesando todos referidos elementos e os valores comummente atribuídos na jurisprudência para casos similares (onde perante iguais, ou até superiores, graus de incapacidade, e tendo em conta níveis salariais idênticos, foram atribuídos montantes na ordem dos € 40.000,00 ou até inferiores, mas, no caso concreto, entendemos que a idade tem uma forte preponderância, pelo que deverá o valor ser um pouco superior ao referido montante), afigura-se-nos que se mostra algo excessivo o montante indemnizatório fixado na sentença recorrida, mostrando-se mais adequado, equilibrado e justo reduzi-lo para o valor de € 45.000,00 (revelando-se o valor de € 27.500,00 indicado pela Ré/Recorrente completamente desajustado e até irrisório perante o concreto dano apurado, tal como o valor de € 55.000,00 indicado pelo Autor/Recorrente já se apresenta como muito exagerado).
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4.3. Do Quantum Indemnizatório do Dano Não Patrimonial

Na sentença impugnada, considerou-se «justa e equilibrada a fixação em € 18.000,00… do montante da indemnização do Autor pela totalidade dos danos não patrimoniais sofridos com o acidente a que se reportam os autos, que a Ré deverá pagar-lhe».
Ambas as partes não colocam em causa que, em consequência do acidente, o Autor sofreu danos não patrimoniais cuja gravidade tem relevo suficiente para lhe ser arbitrada uma indemnização, apenas discordando sobre o seu quantum: no seu recurso, a Ré/Recorrente defende que a respectiva indemnização deve ser reduzida para a quantia de € 15.000,00; já o Autor/Recorrente, no seu recurso, defende que a indemnização deverá subir para o montante de € 22.000,00.

Para a determinação do quantum indemnizatório dos danos patrimoniais, mostra-se relevante a seguinte factualidade provada:
- em consequência do violento embate sofreu fractura distal do úmero esquerdo (cfr. facto provado nº7);
- do local do acidente foi transportado para o Hospital de Fafe e daí foi transferido para o Hospital de Guimarães, onde ficou internado e foi submetido a uma intervenção cirúrgica no dia 7 de Agosto de 2017, tendo sido feita osteossíntese com placa LCP e parafusos, tendo tido alta hospitalar no dia 11 do mesmo mês e, após ter regressado a casa, iniciou programa de recuperação funcional, numa clínica de medicina física e de reabilitação, tratamentos esses que se prolongaram até 30 de Abril de 2018 (cfr. factos provados nºs. 8 a 10);
- durante o período referido nos factos provados anteriores, o Autor foi sendo seguido nos serviços clínicos da Ré, dos quais teve alta definitiva em 15.05.2018, tendo sido observado pela primeira vez numa clínica convencionada com a Ré no dia 20.10.2017, de seguida realizou tratamentos e exames que se mostraram adequados à sua recuperação, sendo que as lesões sofridas pelo Autor obtiveram consolidação médico-legal em 15.05.2018 (cfr. factos provados nºs. 11 a 14);
- em consequência do acidente, o Autor: a) sofreu um Défice Funcional Temporário Total de 9 dias; b) sofreu um período de Défice Funcional Temporário Parcial de 88 dias; c) sofreu um período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total de 286 dias; d) sofreu um quantum doloris de grau 4, numa escala de gravidade crescente de 1 a 7; f) sofre Dano Estético Permanente de grau 3, numa escala de gravidade crescente de 1 a 7; g) sofre de Repercussão Permanente nas Actividades Desportivas e de Lazer de grau 2, numa escala de gravidade crescente de 1 a 7 (cfr. facto provado nº16);
- o Autor teve dores físicas intensas, tanto no momento do acidente, como no decurso dos tratamentos (cfr. facto provado nº17);
- as sequelas de que o Autor ficou a padecer definitivamente, continuam a provocar-lhe incómodo e mal-estar, que o vão acompanhar durante toda a vida (cfr. facto provado nº18);
- depois de ter sofrido o acidente narrado nos autos, o Autor prestou provas de ingresso na Guarda Nacional Republicana, no procedimento concursal correspondente ao aviso n.º 12499/2018, da 2ª série do Diário da República n.º168, de 31 de Agosto de 2018, e após a realização dos pertinentes exames médicos, foi o Autor considerado como não apto, em consequência da presença de material de osteossíntese no seu braço esquerdo, tendo a notificação desta exclusão sido efectuada em Janeiro de 2019 (cfr. factos provados nºs. 22 a 24);
- a referida exclusão deixou o Autor profundamente abalado e constrangido (cfr. facto provado nº25);
- o Autor tinha o sonho, antigo, de ingressar na GNR e de vir, mais tarde, a prestar serviço na sua terra natal, assim ficando perto dos seus familiares e amigos (cfr. facto provado nº25);
- e o facto de ter sido considerado “não apto” para o ingresso no concurso da GNR criou temporariamente no Autor, até ser admitido no concurso para agente da PSP, a ideia de ser “um incapaz” e um fardo para a família (cfr. facto provado nº28).

Perante esta factualidade, na sentença impugnada considerou estarem verificados danos de natureza patrimonial com gravidade suficiente para lhes arbitrar uma indemnização, o que, como supra já se referiu, não é contestado por nenhum dos Recorrentes (mas sim o seu quantum). E efectivamente a factualidade em causa traduz e configura que manifesta afectação da saúde e da integridade física e psicológica do Autor (em resultado das dores físicas e morais sofridas com as lesões, intervenção cirúrgica, tratamentos, da deformidade que perdura, da limitação em actividades extra-profissionais, e da afecatação do bem estar que perdura e perdurará), afectação essa que é, sem margem para dúvida, grave e que se mostra e revela« como absoluta e totalmente inexigíveis em termos de resignação, pelo que merece compensação compatível.
Também em sede de fixação dos danos não patrimoniais (conforme entendimento supra explanado) devem ponderados os critérios jurisprudenciais vigentes e aplicáveis a situações semelhantes, pelo que, para efeitos comparativos, indicam-se aqui as seguintes indemnizações atribuídas (de forma mais recente) pelos nossos Tribunais (54) no caso específico deste tipo de dano:
- Ac. do STJ de 12/07/2018 (Rosa Tching), Proc. nº1842/15.8T8STR.E1.S1, € 60.000,00 de indemnização a título de danos não patrimoniais - «lesado de 45 anos que é portador, como sequela das lesões sofridas: perturbação persistente do humor; Quantum Doloris no grau 6/7; dano estético no grau 3/7; a repercussão permanente nas actividade desportivas e de lazer é de 3/7; a repercussão permanente na actividade Sexual no grau 3/7; precisa de ajudas medicamentosas, ajudas técnicas e tratamentos médicos regulares; e dependências permanentes que incluem os produtos de apoio pela necessidade de uso diário de meia e contenção elástica grau II na perna esquerda e uso de cinta de contensão lombar»;
- Ac. do STJ de 07/06/2018, Proc. nº418/13.9TVCDV.L1.S1, € 50.000,00 de indemnização a título de danos não patrimoniais - «lesado com 30 anos à data do acidente de viação, era uma pessoa saudável e cheio de vida e que, em consequência do acidente, sofreu várias fracturas; esteve internado durante 14 dias, tendo sido submetido a diversas intervenções e tratamentos médicos durante cerca de 4 meses; teve um período global de cerca de 2 anos e 2 meses de gravidade decrescente de incapacidade, 9 meses dos quais com incapacidade absoluta e a necessitar de ajuda de terceira pessoa; ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5%; teve dores quantificáveis em 4 numa escala de gravidade crescente até 7; ficou com dificuldades de ereção no relacionamento sexual; deixou de poder praticar actividades desportivas e de lazer; perdeu um ano escolar e continua a necessitar, pontualmente, de tomar medicação anti-álgica, é justa e adequada a fixação da compensação, a título de danos não patrimoniais, no montante de € 50 000,00»;
- Ac. do STJ de 19/04/2018 (António Joaquim Piçarra), Proc. nº196/11.6TCGMR.G2.S1, € 45.000,00 de indemnização a título de danos não patrimoniais - «as circunstâncias em que ocorreu o acidente (sem qualquer culpa da Autora), a extrema gravidade das lesões sofridas por esta, os dolorosos tratamentos a que foi sujeita, com destaque para as duas intervenções cirúrgicas, com anestesia geral, o longo período de clausura hospitalar e de tratamentos, as deslocações que teve que realizar para curativos e consultas, quer ao Porto quer a Vizela, a enorme incomodidade daí resultante, as graves e extensas sequelas anátomo-funcionais decorrentes do acidente, que se traduzem num deficit funcional permanente de elevado grau (26 pontos), correspondente a uma IPP de 49,2495% e a um dano estético de grau 4, numa escala de 1 a 7, as intensas dores sofridas (de grau 5, numa escala de 1 a 7), o desgosto e amargura de, com 43 anos de idade, se ver fisicamente limitada e sem perspectivas futuras, em termos laborais»;
- Ac. do STJ de 13/07/2017 (Tomé Gomes), Proc. nº3214/11.4TBVIS.C1.S1, € 60.000,00 de indemnização a título de danos não patrimoniais - «Em consequência das lesões sofridas e com vista à realização de exames, tratamentos e cirurgias, o A. esteve internado pelo menos 112 dias; O dano estético situa-se no grau 4, numa escala de sete graus de gravidade crescente; O prejuízo de afirmação pessoal situa-se, no mínimo, no grau 4, numa escala de cinco graus de gravidade crescente; Andou 2/3 meses de cadeira de rodas, e alguns meses de canadianas; Era uma pessoa saudável e com muita alegria de viver; gostava muito de andar de bicicleta, ir à pesca e dar passeios pela natureza, o que fazia com regularidade; Das lesões sofridas no acidente resultou para o A. ereções mais lentas e não tão rígidas como as que tinha antes do acidente, ficando portador de uma repercussão permanente na actividade sexual fixável no grau 3, numa escala de 7 graus de gravidade crescente; O sofrimento físico e psíquico por ele vivido, durante o período de incapacidade temporária, corresponde a um quantum doloris de grau 7, também numa escala de sete graus de gravidade crescente»;
- Ac. do STJ de 16/06/2016 (Tomé Gomes), Proc. nº1364/06.8TBBCL.G1.S2, € 20.000,00 de indemnização a título de danos não patrimoniais - «lesada de 39 anos de idade; tendo em conta a idade da A., a natureza das lesões sofridas, os períodos de internamento e de convalescença, os tratamentos a que teve, sucessivamente, de se submeter, as sequelas com que ficou e a repercussão na sua vida quotidiana, o grau de quantum doloris fixado em 4 pontos numa escala crescente de 1 a 7, o sofrimento que, segundo as regras da experiência, tudo isso implica com tendência a agravar-se com a idade, o facto de o acidente se ter devido a culpa exclusiva e grave do condutor do veículo atropelante sem qualquer parcela de responsabilidade da A., o longo tempo decorrido entre a data da propositura da ação (24/03/2006) e a data da sentença final (28/05/2014)»;
- Ac. do STJ de 07/04/2016 (Maria da Graça Trigo), Proc. nº237/13.2TCGMR.G1.S1, € 50.000,00 de indemnização a título de danos não patrimoniais - «lesada de 22 anos de idade; na sequência do acidente de viação, ocorrido em 08-10-2011, que a vitimou: (i) esteve internada durante três semanas, tendo mantido o repouso após a alta hospitalar; (ii) passou a ter incontinência urinária; (iii) as suas lesões estabilizaram em 13-04-2012; (iv) o quantum doloris foi fixado em 4 numa escala de 1 a 7; (v) o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica foi fixado em 8%; (vi) as sequelas são compatíveis com o exercício da actividade habitual mas implicam esforços suplementares; (vii) o dano estético foi fixado em 3 numa escala de 1 a 7; (viii) a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer foi fixada em 1 numa escala de 1 a 7; (ix) sofreu angústia de poder vir a falecer e tornou-se uma pessoa triste, introvertida, deprimida, angustiada, sofredora, insegura, nervosa, desgostosa da vida e inibida e diminuída física e esteticamente, quando antes era uma pessoa dinâmica, expedita, diligente, trabalhadora, alegre e confiante»;
- no Ac. do STJ de 28-01-2016 (Maria da Graça Trigo), Proc. nº7793/09.8T2SNT.L1.S1, € 40.000,00 de indemnização a título de danos não patrimoniais - «lesado de 17 anos de idade; foi submetido a quatro operações, padeceu de dores intensas, antes e após as intervenções cirúrgicas a que foi submetido, esteve internado por longos períodos, teve de efectuar tratamentos de reabilitação e que terá ainda de se submeter a mais duas operações, tendo ficado com uma cicatriz com 50cm de comprimento - o que lhe determinou a atribuição de um quantum doloris de grau 5 numa escala de 7 e de um dano estético de grau 4 numa escala de 7»;
- Ac. da RG de 13/07/2021 (Ana Cristina Duarte), Proc. nº1880/17.6T8VRL.G1, € 20.000,00 de indemnização a título de danos não patrimoniais - «lesada de 34 anos de idade, com um défice funcional permanente de 3 pontos, período de baixa médica de 9 meses, quantum doloris de grau 4, sujeita a vários tratamentos e exames, com muitas sessões de fisioterapia e osteopatia e que ficou a padecer de cervicalgia crónica, que interfere com a sua vida profissional e social e com necessidade de medicação analgésica e/ou anti-inflamatória em momentos de crise»;
- Ac. da RG de 27/05/2021 (Margarida Almeida Fernandes), Proc. nº5911/18.4T8BRG.G1, € 7.500,00 de indemnização a título de danos não patrimoniais - «lesado de 53 anos; sofreu traumatismo nos membros superior e inferior esquerdos, traumatismo dentário, escoriações cutâneas, foi assistido no hospital tendo tido alta no mesmo dia, tomou medicação analgésica, efectuou fisioterapia, sofreu um quantum doloris de grau 3 numa escala de 7, apresenta reacção dolorosa moderada ao nível do membro superior esquerdo e lesão meniscal interna ao nível do membro inferior esquerdo e que devido ao défice funcional da integridade físico-psíquica de 2 pontos que passou a padecer tem de fazer esforços suplementares no exercício da sua actividade profissional»;
- Ac. da RG de 04/03/2021 (Alexandra Lopes), Proc. nº1490/17.8T8BRG.G1, € 17.500,00 de indemnização a título de danos não patrimoniais - «lesado de 27 anos e saudável, que, em virtude do acidente, esteve em repouso 56 dias com impossibilidade absoluta de trabalho, foi sujeito a uma cirurgia, teve um quantum doloris de 4/7, ficou com um dano estético de 3/7, uma repercussão na actividade desportiva de 2/7, um défice funcional de 6%»;
- Ac. da RG de 18/06/2020 (Rosália Cunha), Proc. nº5334/17.2T8GMR.G1, € 25.000,00 de indemnização a título de danos não patrimoniais - «lesada com 32 anos que foi vítima de um acidente quando se encontrava de férias em Portugal, o qual implicou a necessidade de realização de exames e cirurgia, tendo ficado afetada numa perna com uma incapacidade de 9 pontos, que lhe condiciona o caminhar, agachar, sentar e levantar, sofreu um quantum doloris de 5 numa escala de 1 a 7, esteve condicionada a uma cama durante 4 meses, ficou em situação de incapacidade funcional durante 366 dias, período durante o qual deixou de poder realizar as suas actividades pessoais e domésticas, tendo de socorrer-se do auxílio de terceiro inclusivamente para se lavar e vestir, continua a ter necessidade de tratamentos no futuro, continua a ter dores, ficou abatida e frustrada por não poder desempenhar as suas actividades e acompanhar os seus filhos, situação que afetou o seu seio familiar».
- e Ac. da RG de 10/07/2019 (Afonso Cabral de Andrade), Proc. nº3335/17.0T8VCT.G1 – € 50.000,00 de indemnização a título de danos não patrimoniais – «lesado que à data do acidente tinha 21 anos de idade, que, em consequência do acidente, sofreu traumatismo crânio encefálico, com cegueira do olho esquerdo, traumatismo de costelas, com perfuração dos pulmões, e traumatismo dos ombros e braços, que esteve internado e em coma durante oito dias, que sofreu um quantum doloris de grau 5 e um dano estético permanente de grau 3, bem como que ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 30 pontos».

No caso em apreço, interessa ponderar que: em resultado do acidente, o Autor sofreu uma lesão/factura de um membro superior, esteve internado 8 dias e foi sujeito a uma intervenção cirúrgica, e esteve em tratamento durante cerca de 6 meses e meio, pelo que o período de “doença” foi de quase 7 meses; apesar dos tratamentos, o Autor ficou a padecer de um dano estético permanente de grau 3, uma repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 2; o Autor teve dores físicas intensas, tanto no momento do acidente, como no decurso dos tratamentos, que configuram um quantum doloris de grau 4, sendo que continuam a provocar-lhe incómodo e mal-estar, que o vão acompanhar durante toda a vida, a qual se presume que será ainda longa atenta a idade de 21 anos; e o Autor ficou profundamente abalado e constrangido com a exclusão do concurso de ingresso na GNR. Mas, por outro lado, também interessa ponderar que: como estava desempregado na data do acidente e só concorreu para ingresso na GNR e na PSP já depois de terminar os tratamentos e ter alta clínica, o período de “doença” e de tratamento (ou seja, as ITA e ITP) não lhe causaram qualquer afectação da sua realização profissional (e nada foi alegado e provado sobre qualquer afetação a nível familiar); não ficou probatoriamente demonstrado que aquelas sequelas continuam a provocar-lhe dores que se exacerbam com as mudanças de tempo (cfr. facto não provado nº2 da sentença); e que, como supra já se explicou, que não assume uma forte relevância o «sonho do Autor ingressar na GNR» como frustração do uma expectativa de realização pessoal e profissional.
Nestas circunstâncias, sopesando todos referidos elementos, e ainda que o Autor não contribuiu com qualquer grau de culpa para o acidente, e também os valores comummente atribuídos na jurisprudência para casos similares (donde resulta que os valores mais elevados têm sido atribuídos para situações em que os lesados tiveram períodos de doença/tratamento mais longos e com incapacidade absoluta mais longa, foram sujeitos a mais intervenções cirúrgicas, ficam dependentes de medicamentos e/ou outras ajudas, tiveram grau de dor superior, e tiveram limitações absolutas ou de grau superior em outras actividades – desportiva, lazer e/ou sexual -, e perante os valores indemnizatórios que têm sido fixados nesta Relação de Guimarães, sendo que, também aqui se entende que a idade tem uma forte preponderância), afigura-se-nos que se mostra ligeiramente insuficiente o montante indemnizatório fixado na sentença recorrida, mostrando-se mais adequado, equilibrado e justo aumentá-lo para o valor de € 22.000,00 (revelando-se o valor de € 15.000,00 indicado pela Ré/Recorrente como manifestamente insuficiente para ressarcir o “quadro” de gravidade do dano em causa).
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4.4. Do Mérito dos Recursos

Perante as respostas alcançadas na resolução das questões supra apreciadas, deverá julgar-se parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pela Ré/Recorrente e também deverá jugar-se parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelo Autor/Recorrente, e, por via disso, deverá a sentença recorrida ser alterada quanto aos montantes indemnizatórios nela fixados a título de dano patrimonial decorrente do Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica (redução de € 48.500,00 para € 45.000,00) e a título de danos não patrimoniais (aumento de € 18.000,00 para € 22.000,00), mas como no respectivo decisório não se distingue a condenação entre danos patrimoniais e danos não patrimoniais, mas já existe diferenciação quanto o momento do vencimento dos juros, mais se impõe alterar, em conformidade, tal decisório.
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4.5. Da Responsabilidade quanto a Custas

Procedendo ambos os recursos de forma apenas parcial, porque ficaram parcialmente vencidos no respectivo recurso, deverão o Autor/Recorrente e a Ré/Recorrente suportar as custas na proporção do respectivo decaimento - art. 527º/1 e 2 do C.P.Civil de 2013.
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5. DECISÃO

Face ao exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação:

1) Em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pela Ré/Recorrente,
2) Em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pela Ré/Recorrente;
3) E, em consequência:
a) alteraram a sentença recorrida, na parte em que condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 48.500,00 a título de dano patrimonial decorrente do Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica, reduzindo aquela quantia para o valor de € 45.000,00 (quarenta e quatro mil euros);
b) alteraram a sentença recorrida, na parte em que condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 18.000,00 a título de danos não patrimoniais, aumentando aquela quantia para o valor de € 22.000,00 (vinte dois mil euros);
c) alteram o decisório da sentença nos seguintes termos «condenando a Ré a pagar-lhe a quantia de € 67.832,34 (sessenta e sete mil, oitocentos e trinta e dois euros e trinta e quatro cêntimos), acrescida de juros vencidos e vincendos, contados à taxa legal sobre a quantia de € 45.832,34 (quarenta e cinco mil, oitocentos e trinta a dois euros e trinta a quatro cêntimos), desde a citação, até efectivo e integral pagamento, e contados sobre a parte restante desde a presente data até efectivo e integral pagamento»;
d) e mantêm integralmente o remanescente da sentença recorrida.
Custas do recurso de apelação da Ré/Recorrente, a cargo desta e do Autor na proporção de ¾ e ¼ respectivamente.
Custas do recurso de apelação do Autor/Recorrente, a cargo deste e da Ré na proporção de 6/10 e 4/10 respectivamente.
* * *
Guimarães, 21 de Outubro de 2021.
(O presente acórdão é assinado electronicamente)

Relator - Pedro Manuel Quintas Ribeiro Maurício;
1ºAdjunto - José Carlos Pereira Duarte;
2ºAdjunto - José Fernando Cardoso Amaral.


1.A presente decisão é redigida segundo a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990.
2. António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 6ªedição actualizada, Almedina, p. 139.
3. Ac. STJ de 07/07/2016, Juiz Conselheiro Gonçalves da Rocha, proc. nº156/12.0TTCSC.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
4. Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, 5ªedição, p. 558., p. 364
5. Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 4ªedição, p. 389.
6. Almeida Costa, in obra citada p. 389.
7. In obra citada, p. 561.
8. Cfr. Antunes Varela, in obra citada, p. 559, e, por exemplo, Ac. STJ de 04/03/80, BMJ, 295º, p. 364.
9. Antunes Varela, in obra citada mas na 7ª edição, p. 903 e 904.
10. Antunes Varela, obra citada, p. 559.
11. In obra citada p. 391.
12. Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in Noções Fundamentais Direito Civil, 6ª edição, p. 104, nota 2, e Dário Martins de Almeida, in Manual de Acidente de Viação, 1980, p. ­103/104.
13. In BMJ, 469º, p. 524.
14. Cfr. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, Vol. I, 8 edição, Almedina, p. 336.
15. Ac. STJ de 12/12/2017, Juiz Conselheiro Hélder Roque, proc. nº1292/15.6T8GMR.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
16. Juiz Conselheiro Fernando Batista, proc. nº448/19.7T8PNF.P1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
17. Cfr. Acs. STJ de 20.05.2010 e de 26.01.2012, respectivamente Juiz Conselheiro Lopes do Rego no proc. n°103/2002.L1.S1 e Juiz Conselheiro João Bernardo no Proc. n°220/2001-7.S1 (neste último faz-se uma resenha histórica do surgimento do conceito dano biológico e da sua construção), ambos disponíveis em http://www.dgsi.pt/jstj.
18. Cfr. Ac. STJ de 02/12/2013, Juiz Conselheiro Garcia Calejo, proc. nº1110/07.9TVLSB.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
19. Cfr. o citado Ac. STJ de 13/04/2021, Juiz Conselheiro Fernando Batista, e ainda Ac. STJ de 27/10/2009, Juiz Conselheiro Sebastião Póvoas, proc. nº560/09.0YFLSB, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
20. O citado Ac. STJ de 02/12/2013, Juiz Conselheiro Garcia Calejo.
21. Juiz Conselheiro Fernando Batista.
22. Juiz Conselheiro Paulo Ferreira da Cunha, proc. nº218/17.3T9VCD.P1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
23. Juiz Conselheiro Lopes do Rego, proc. nº632/2001.G1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
24. Entendimento que também tem sido sufragado neste Tribunal da Relação de Guimarães: entre outros, veja-se o Ac. de 23/06/2021, Juiz Desembargador José Cravo, proc. nº120/19.8T8MDL.G1, e o Ac. de 20/07/2020, Juíza Desembargadora Purificação Carvalho, proc. nº4000/16.0T8BRG.G1, ambos disponíveis em http://www.dgsi.pt/jtrg.
25. Juiz Conselheiro Granja da Fonseca, proc. nº160/2002.P1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
26. Juiz Conselheiro Tomé Gomes, proc. nº1364/06.8TBBCL.G1.S2, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
27. Juíza Conselheira Maria do Rosário Morgado, proc. nº32/14.1TBMTR.G1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
28. Juíza Conselheira Rosa Tching, proc. nº2224/17.2T8BRG.G1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
29. Juíza Conselheira Fátima Gomes, proc. nº2908/18.8T8PNF.G1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
30. Cfr. Ac. STJ de 17/12/2009, Juiz Conselheiro Custódio Montes, proc. nº340/03.7TBPNH.C1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj e Ac. RG de 02/11/2017, Juiz Desembargador António Barroca Penha, proc. nº1315/14.6TJVNF.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.
31. O já citado Ac. STJ de 13/04/2021.
32. Entendimento que também tem sido sufragado neste Tribunal da Relação de Guimarães: entre outros, veja-se o Ac. de 03/05/2018, Juiz Desembargador António Barroca Penha, proc. nº3783/15.0T8GMR.G1, e o Ac. de 07/11/2019, Juíza Desembargadora Rosália Cunha, proc. nº15/18.2T8AMR.G1, ambos disponíveis em http://www.dgsi.pt/jtrg.
33. Juiz Conselheiro Fernando Batista.
34. No qual se indicam várias decisões do STJ neste mesmo sentido.
35. Entendimento que igualmente tem sido sufragado neste Tribunal da Relação de Guimarães: entre outros, veja-se o Ac. de 16/05/2019, Juíza Desembargadora Maria dos Anjos Nogueira, no proc. nº2051/17.7T8GMR.G1, e o Ac. de 11/10/2018, relatado pela Sra. Juíza Desembargadora Ana Cristina Duarte, no proc. nº664/17.6T8GMR.G1, ambos disponíveis em http://www.dgsi.pt/jtrg.
36. Juiz Conselheiro Tomé Gomes, proc. nº203/14.0T2AVR.P1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
37. Ac. STJ de 25/11/2009, Juiz Conselheiro Raúl Borges, proc. nº397/03.0GEBNV.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
38. Cfr. O citado Ac. STJ de 25/11/2009, Juiz Conselheiro Raúl Borges.
39. In RLJ, 113º, p.96.
40. In Das Obrigações em Geral, 5ªedição, p. 566.
41. Juiz Conselheiro Tato Marinho, proc. nº078085, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj. No mesmo sentido, Ac. STJ de 13/12/95, in AD do STA, 410º, p. 258
42. Juiz Conselheiro Alves Velho, proc. nº07A1187, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
43. Cfr. Ac. STJ de 05/06/1997, in CJ-ACSTJ, Ano IV, tomo III, p. 892.
44. Antunes Varela, obra referida, p. 566. Também neste sentido Vaz Serra, in RLJ, 113º, p.104.
45. Neste sentido Antunes Varela, in obra referida, p. 568; Vaz Serra, in RLJ, 113º, p.105; Ac. do STJ de 26/06/1991, in BMJ, 408º, p. 538; Ac. do STJ de 31/10/1996, in BMJ, 460º, p. 444.
46. Juiz Conselheiro Paulo Ferreira da Cunha, proc. nº669/16.4T8BGC.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
47. Cfr. o citado Ac. STJ de 13/04/2021, Juiz Conselheiro Fernando Batista.
48. Cfr. Ac. STJ de 16/01/1993, in CJ-ACSTJ, ano I, tomo III, p. 183.
49. Cfr. Ac. STJ de S.T.J. de 11.10.94, CJ-ACSTJ, ano II, tomo II, p. 49.
50. Salvo indicação em contrário, todos acessíveis em http://www.dgsi.pt/.
51. Cuja publicação se desconhece, mas sendo o sumário consultável em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/06/civel2017.pdf
52. Cuja publicação se desconhece, mas sendo o sumário consultável em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/06/civel2015.pdf
53. Cuja publicação se desconhece, mas sendo o sumário consultável em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/06/civel2015.pdf
54. Salvo indicação em contrário, todos acessíveis em http://www.dgsi.pt/.