Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
7144/16.T8BRG-I.G1
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
RECURSO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: DESATENDIDA
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (do relator):

I- No despacho de aperfeiçoamento as considerações expendidas encerram um juízo de valoração juridicamente relevante apenas enquanto fundamento da decisão de convidar ao aperfeiçoamento, ou seja, como justificação das consideradas insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada que justificam o convite formulado.

II- Assim, porque não encerra uma decisão definitiva sobre a valoração jurídica de tais factos, será em momento ulterior que os mesmos serão valorizados para esse efeito aquilatando-se então da sua suficiência e adequação como fundamento do incidente que com fundamento neles se pretendeu deduzir

III- Por decorrência, não constituindo uma decisão definitiva quanto à relação processual, o despacho de convite ao aperfeiçoamento é irrecorrível.
Decisão Texto Integral:
I – RELATÓRIO.

Veio a Reclamante, I. P., reagir contra a decisão proferida a fls. 50 a 67 que, indeferindo a reclamação interposta nos termos do art. 643º do C.P.C. por si apresentada, não admitiu a apelação por ela interposta do despacho de convite ao aperfeiçoamento, recurso que o tribunal de 1ª instância, considerando-o irrecorrível, havia indeferido.

Pretende o reclamado que sobre a matéria daquela decisão – proferida pelo relator, nos termos do art. 643º, nº 4 do C.P.C. – recaia acórdão, ou seja, apresenta reclamação para a conferência.

Temos por seguro que a decisão do relator, quer atenda quer desatenda a reclamação deduzida nos termos do art. 643º do C.P.C. é passível de reclamação para a conferência, nos termos do art. 652º, nº 3 do C.P.C..
Na reclamação apresentada formulou as seguintes conclusões:

1. Não se conforma a recorrente com a Douta Decisão do Ex.mo Senhor Desembargador Relator relativamente à reclamação que apresentou, a qual decidiu pela improcedência da dita reclamação com a consequente manutenção do despacho reclamado.
2. Segundo tal Douta Decisão, o Despacho reclamado, é um mero despacho de convite ao aperfeiçoamento e, por isso, irrecorrível, de acordo com o que se encontra previsto no artigo 590º nº7 do Código de Processo Civil.
3. Contudo é nossa convicção que tal Douta decisão erra na apreciação de facto e de Direito do Douto despacho reclamado pois, este não constitui um mero despacho de convite ao aperfeiçoamento.
4. Efectivamente, o Douto despacho que é objecto de reclamação, aprecia de fundo e profere uma decisão definitiva sobre o conteúdo das alegações que constam do requerimento de abertura do incidente da qualificação da insolvência, rejeitando factos que constam das ditas alegações (anteriores a 2014) e, mais considera que, a partir de tal limite temporal, foram omitidos (não expostos) pela reclamante, os factos relevantes para a apreciação pelo Tribunal deste incidente da qualificação da insolvência e que preenchem as referenciadas alíneas do artigo 186° do CIRE.
5. Daí que, tal Douto despacho, ao conter uma decisão que julga de facto e de direito o conteúdo das alegações que constam de tal requerimento de qualificação da insolvência, não é um mero despacho de convite ao aperfeiçoamento, sendo, por isso, susceptível de recurso, nos termos e com os fundamentos que nas alegações de recurso foram explanados e que se dão aqui por reproduzidas.
6. Desta maneira, a presente Douta Decisão ao declarar improcedente a reclamação deduzida pela recorrente, por entender ser o Douto Despacho de 1O de Maio de 2018, irrecorrível, incorre na manifesta violação do disposto no artigo 644 nº2 alínea h) do Código de Processo Civil”.

Foi cumprido o contraditório.

Os Reclamados apresentaram contra-alegações, concluindo pela improcedência da reclamação.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II- Do objecto do recurso.

- Analisar da recorribilidade ou não do despacho objecto da reclamação.
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Fundamentação de facto:

A- Em 18/06/2018, foi proferido despacho nestes autos que, pronunciando-se sobre a admissibilidade do recurso interposto pelo reclamante, tem o seguinte teor:
(…)

Foi interposto recurso nos seguintes termos:

“I. P., por não se conformar com o Douto Despacho proferido em 10 de Maio de 2018, na medida em que não admitiu no presente Incidente da Qualificação da Insolvência, a matéria invocada pela recorrente relativa aos anos anteriores a 2014 e mais entendeu não terem sido concretizados pela recorrente os factos índices que entenda preenchidos nas alíneas dos nºs 2 e 3 do artigo 186º do CIRE, dele vem interpor Recurso para o Venerando Tribunal da Relação que é de Apelação, com efeito devolutivo, subida em separado e, pelo facto de a impugnação deste Douto Despacho com o recurso da decisão final ser absolutamente inútil (artigo 14º do CIRE e artigos 638º nº1, 644º nº2 alínea h), 646º do Código de Processo Civil).”

Foram apresentadas contra-alegações em que é suscitado em súmula a irrecorribilidade da decisão proferida:
O douto despacho recorrido, configura claramente um convite ao aperfeiçoamento do articulado apresentado pela Recorrente.

Decorre directamente da lei, nos termos do disposto no art.º 590.º, n.º 7 do CPC que, não cabe recurso do despacho de convite ao suprimento de irregularidades, insuficiências ou imprecisões dos articulados, pelo que o presente recurso não poderá ser admitido, o que desde já se invoca e requer seja declarado com todas as consequências legais.

Acresce que, in casu e, contrariamente ao alegado pela Recorrente, o douto despacho não viola o Princípio do Inquisitório, antes o impõe, pois a Meritíssima Juiz a quo convidou a Recorrente a aperfeiçoar o seu articulado, dando-lhe a oportunidade de expor os factos determinantes da qualificação da insolvência dentro do limite temporal determinado na lei para o efeito, permitindo à Recorrente a colaboração com o Tribunal, dentro dos limites impostos por lei (designadamente, os limites temporais) na descoberta da “sua” verdade, não lhe tendo sido, por isso, recusado o exercício de qualquer faculdade processual ou uso de meios de defesa, sendo evidente a posição do Tribunal na prossecução desse Princípio do Inquisitório.

O despacho de aperfeiçoamento está expressamente previsto no art.º 590, n.º 2, alínea b) e n.ºs 3 e 4 do CPC, para suprir as insuficiências e irregularidades que afectem os articulados, “designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa”, ou para suprir “as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada” que, apenas podem ser superadas por via da iniciativa do Juiz neste momento processual, através do consequente “esclarecimento, aditamento ou correcção”

Sem prejuízo do impulso processual das partes, deve o Juiz providenciar pelo andamento regular do processo, no âmbito dos poderes de direcção, assim como levar a cabo a realização do princípio do inquisitório, dentro dos limites legalmente estabelecidos (art.º 6.º e 411.º do CPC), mas também e, no que toca à cooperação do Tribunal com as partes (art.º 7.º, n.º 2 do CPC), dar cumprimento cabal a um genérico poder-dever de suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada por qualquer dos litigantes, sobrepondo o fim da justa composição do litígio a aspectos meramente formais, com salvaguarda da necessária economia processual e, sem prejuízo do exercício do contraditório.

A Meritissíma Juiz do Tribunal a quo, providenciou, dentro dos poderes que lhe incumbem e, com o sério propósito de suprir as irregularidades, insuficiências e imprecisões que encontrou no articulado da Recorrente, pela prossecução daquele princípio do inquisitório, determinada como estava, em compôr o litígio que lhe foi trazido, da forma mais equidistante e imparcial possível, mesmo que isso resultasse em desfavor dos Recorridos, porquanto, seria dada uma nova possibilidade à Recorrente de sanar o seu articulado, ao invés de ser rejeitado liminarmente, como, de resto, seria mais vantajoso aos Recorridos.

A lei é, no entanto, clara, ao dispôr, no n.º 7 do citado art.º 590.º do CPC que, tal despacho-convite é irrecorrível.”

Ora o despacho proferido pela signatária, no âmbito do despacho saneador foi efectivamente um despacho de convite ao aperfeiçoamento, nestes termos:

“Estabelece o nº 1 do artigo 186º do CIRE que a insolvência será qualificada como culposa, quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, dos administradores de direito ou de facto do devedor, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.

Este processo de insolvência teve o seu início em 15 de Dezembro de 2016, pelo que o âmbito temporal para efeitos deste incidente, teve o seu início em 15 de Dezembro de 2013, ou seja, compreende os anos de 2014, 2015 e 2016.
Este incidente de qualificação não se confunde com o processo de inquérito judicial nº 27/12.0TBPVL da 1ª Secção de Comércio (J3) da Instância Central de Guimarães, desde logo pelo âmbito temporal de cada um deles.

Assim, tudo o que a requerente refere para os anos anteriores ao exercício de 2014 não podem ser levados em consideração para efeitos de qualificação da insolvência, pelo facto de ficarem fora do âmbito temporal deste.

Desta forma convida-se a requerente a sanear o seu articulado, restringindo a matéria a ser apurada, à temporalmente relevante e concretizando em conclusão, quais os factos índices que julga estarem preenchidos com condutas da sócia-gerente, já falecida. (sublinhado nosso)
Prazo: 10 dias.”

Assim e tendo presente que o despacho foi de aperfeiçoamento, cremos também, como consta das contra-alegações, estarmos perante despacho irrecorrível ( Ac. TRE de 26.6.2006, disponível in www.dgsi.pt).

Consta desse Venerando Acórdão o seguinte conteúdo “É inquestionável que não cabe recurso do despacho que convide a suprir irregularidades ou insuficiências dos articulados. Di-lo, apertis verbis, o artº 508º, nº 6, do CPC.

Sustenta, porém, a reclamante, em substância, que a regra da irrecorribilidade consagrada no nº 6 daquele artigo é apenas aplicável ao despacho de convite ao aperfeiçoamento proferido imediatamente após os articulados, “na fase processual correntemente denominada de pré-saneador, na qual, por norma, ocorre o primeiro contacto físico com o processo por parte do julgador.” Assim, “proferido na sequência da audiência preliminar, já em momento processual posterior ao previsto pelo referido preceito”, há que concluir pela intempestividade e impossibilidade legal de tal despacho ser proferido nessa fase processual.

Sendo assim, o que está em causa não é a recorribilidade, mas a tempestividade do despacho posto em crise, seja porque proferido para “lá da fase processual respectiva” seja porque a audiência preliminar a que alude o artº 508º-A não “comporta esse tipo de despacho”. É que, proferido “na fase processual correntemente denominada de pré-saneador” ou no decurso da audiência preliminar, tal despacho não muda de natureza. E o que releva para decidir da recorribilidade ou irrecorribilidade de uma decisão não é o momento em que é proferida, mas a sua natureza. E o meio legal para reagir contra a alegada extemporaneidade do despacho recorrido não é o recurso.
Aliás, o artº 27º, al. b), do CPT comete ao juiz o dever de, até à audiência de discussão e julgamento,” convidar as partes a completar e a corrigir os articulados, quando no decurso do processo reconheça que deixaram de ser articulados factos que podem interessar à decisão da causa, sem prejuízo de tais factos ficarem sujeitos às regras gerais sobre contraditoriedade e prova”.

Como se decidiu no Ac. desta Relação, de 27JUN89, “a al. c) do artº 29º do CPT [correspondente ao cit. artº 27º, al. b)] “contempla não uma mera faculdade concedida ao juiz, mas sim um verdadeiro dever jurídico de intervenção de forma a forçar as partes a trazerem ao processo os factos necessários à prolação da sentença de modo a que a justiça real se sobreponha à justiça processual.”

Por outro lado, a audiência preliminar destina-se, entre outros fins, a “suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto que ainda subsistam ou se tornem patentes na sequência do debate” (cit. artº 508º-A, nº 1, al. c).

Não faria sentido que o despacho de convite ao aperfeiçoamento dos articulados fosse irrecorrível se proferido “findos os articulados” e já fosse recorrível se proferido em sede de audiência preliminar, sendo certo que é idêntica a finalidade em ambas as situações: impedir que o conhecimento do mérito da causa ou a justa composição do litígio sejam prejudicados por razões de pura forma, quer por falta de requisitos externos dos articulados, quer por falta de documentos que necessariamente devam instruir a acção, quer por deficiente, insuficiente ou imprecisa exposição ou concretização da matéria de facto alegada.

De resto, o último segmento do normativo da al. c) do nº 1 do artº 508º-A (“que ainda subsistam ou se tornem patentes na sequência do debate”) corrobora este entendimento.

Ao consagrar a regra da irrecorribilidade do despacho de convite ao aperfeiçoamento dos articulados o legislador pôs termo à questão da admissibilidade ou inadmissibilidade de recurso do despacho de aperfeiçoamento, largamente debatida na doutrina e na jurisprudência, a propósito do artº 477º do CPC, entretanto revogado pelo DL n.º 329-A/95, de 12DEZ, cujas situações contempladas no seu n.º 1 correspondem ás previstas nos nºs 2 e 3 do actual artº 508º, com as seguintes diferenças (irrelevantes, in casu): no artº 477º o convite apenas podia ser feito ao autor e só para completar ou corrigir a petição inicial e o convite consubstanciava um despacho de aperfeiçoamento não vinculado; nos nºs 2 e 3 do actual artº 508º o convite pode ter como destinatário qualquer das partes e qualquer dos articulados pode ser completado ou corrigido e, por outro lado, o convite do juiz desdobra-se num despacho vinculado de aperfeiçoamento (nº 2) e num despacho não vinculado de aperfeiçoamento (nº 3).

Com efeito, previam-se no cit. artº 477º duas situações distintas: haver obstáculo legal ao recebimento da petição por falta de requisitos legais ou por não vir acompanhada de determinados documentos; não haver obstáculo legal ao recebimento, mas a petição apresentar deficiências susceptíveis de comprometer o êxito da acção.

As consequências da não aquiescência do autor ao convite que lhe era feito pelo juiz eram diferentes num e noutro caso: não recebimento da petição, no primeiro caso; no segundo caso, se o autor não apresentasse nova petição no prazo assinalado no despacho de convite, o juiz teria de ordenar a citação do réu, não podendo já, com esse fundamento, indeferir liminarmente a petição.

Na vigência do artº 477º, debruçando-se sobre a questão da recorribilidade do despacho de convite ao aperfeiçoamento da petição, na primeira das apontadas situações, escreveu Jacinto Rodrigues Bastos: “Cremos que o despacho de convite é irrecorrível. Não se trata ainda de uma decisão definitiva quanto à relação processual; o juiz, notando determinada irregularidade na petição, que poderá conduzir à sua recusa, dá ao autor a possibilidade de evitar esta, corrigindo a deficiência; mas o juízo que emite não é ainda decisório e nada impede que o autor, sem fazer a correcção, consiga, dentro do prazo estipulado, convencer o juiz de que a irregularidade é aparente, ou de que a falta não existe. Do despacho de recusa é que cabe recurso, nos termos gerais.”

Também Castro Mendes ensina: “Há decisões que se destinam necessariamente a ser substituídas por outras ou nelas integradas, ou pelo menos podem sê-lo se as partes o solicitarem. A lei então somente permite o recurso da decisão substituta ou absorvente; as primeiras são irrecorríveis como não definitivas.”

O mesmo entendimento perfilham Lopes Cardoso e Aníbal de Castro para quem o despacho ordenando o aperfeiçoamento da petição deficiente “é irrecorrível, não apenas por conter-se no âmbito de uma opção legal mas, sobretudo, porque não é definitivo quanto ao destino da acção”. No mesmo sentido decidiu o Ac. da RC, de 8MAI79 [7], in CJ, ano IV-1979, p. 876.

Desta linha de pensamento afasta-se, porém., Anselmo de Castro, dizendo que a solução que lhe “parece preferível é a da aplicação do regime do indeferimento liminar, dada a perfeita equivalência da decisão de não recebimento da petição com a do indeferimento. Apenas uma diferença extrínseca, para o caso sem relevo, as separa: a de num caso o suprimento do vício se fazer posteriormente à rejeição da petição, e no outro previamente a essa rejeição.

A não se conceder ao autor tutela igual à concedida para o indeferimento liminar, viriam a criar-se, por via de despachos de não recebimento, causas extralegais de indeferimento liminar.” No mesmo sentido decidiu o Ac. da RC, de 19ABR72 [9], in BMJ, 216-93.

Em anotação ao artº 482º do CPC, na redacção originária, correspondente ao artº 477º, escreve o Prof. Alberto dos Reis [10]: “Já se pretendeu ver faculdade discricionária na que o artº 482º concede ao juiz: convidar o autor a completar ou a corrigir a petição inicial. Não pode aceitar-se tal ponto de vista. A leitura do texto legal mostra claramente que o exercício dessa faculdade está sujeito a limites, pelo que cabe recurso do uso ilegal que o juiz faça do referido poder”.

A questão está hoje resolvida legislativamente no nº 6 do cit. artº 508º: “Não cabe recurso do despacho que convide a suprir irregularidades ou insuficiências dos articulados”, seja ele proferido logo após os articulados ou proferido no âmbito da audiência preliminar, uma vez que, repete-se, o despacho não muda de natureza e a finalidade é a mesma em ambos os casos.”

Nestes termos e atento o actualmente disposto, no artigo 590º n.º 7 do CPC, este Tribunal considerando irrecorrível o despacho de aperfeiçoamento proferido, não recebe o recurso interposto.
Custas pela recorrente.
(…)

B- A Reclamante apresentou reclamação desse despacho, alegando em síntese os seguintes fundamentos, que em súmula foram reproduzidos no despacho decisório, nos seguintes termos:

(…)
Como fundamento da reclamação apresentada, alega o reclamante que em tal despacho não se admitiu a matéria que foi articulada pela reclamante no seu requerimento de abertura do Incidente da Qualificação de Insolvência, referente aos anos anteriores a 2014 e mais, ainda se entendeu que em tal articulado, não tinham sido concretizados pela recorrente os factos índices que preenchem as alíneas dos nºs 2 e 3 do artigo 186Q do CIRE.

E assim sendo, em seu entender, esse mesmo despacho recorrido é um despacho em que se decidiu que os factos que constam do requerimento de abertura do incidente da qualificação da insolvência ocorridos antes de 2014 - os quais constam do relatório pericial respeitante ao processo de inquérito judicial à sociedade - não eram relevantes para a qualificação do incidente da qualificação da insolvência e, por outro lado, que a reclamante no seu articulado não tinha concretizado os factos índices que preenchem as alíneas dos nºs 2 e 3 do artigo 186º do CIRE.

E, em função de tal decisão, convidou a reclamante a sanear o seu articulado, nos termos supra-referidos.

Desta forma, o despacho de 10 de Maio de 2018 é um despacho no qual se aprecia e emite uma decisão definitiva sobre o teor do requerimento de abertura do incidente da qualificação da insolvência que foi deduzido pela reclamante, rejeitando factos que são invocados pela reclamante nesse seu articulado e mais considera ter esta omitido outros factos relevantes para a apreciação pelo Tribunal do referido incidente.

Na sequência do que decidiu, a Meritíssima julgadora, convida a reclamante a sanear do seu articulado os factos alegados pela recorrente que eram anteriores aos anos de 2014 e a concretizar a partir desse limite temporal, os factos que a reclamante entendia preencherem as referidas alíneas do artigo 186Q do CIRE.

Assim, o Douto de 10 de Maio de 2018 encerra uma decisão que reduz (eliminando) a matéria a ser apreciada em julgamento e mais considera que a reclamante no seu articulado omitiu, não concretizando, os factos que permitem qualificar esta insolvência como culposa.

Desta maneira, o convite ao aperfeiçoamento decorre da decisão proferida em tal despacho, sendo que, a reclamante pelos motivos alegados no seu recurso e se dão aqui por reproduzidos, colocou em crise os fundamentos em que se baseou a decisão proferida nesse despacho, e se traduziram em considerar não terem qualquer relevância para a qualificação da insolvência os factos praticados pela gerente em anos anteriores a 2014 e de, no seu entendimento, a reclamante não ter indicado no seu articulado quais os factos praticados pela gerente que integravam os nºs 2 e 3 do artigo 186Q do (IRE.

É claro que, se a reclamante não aceitou a decisão, não podia proceder ao aperfeiçoamento do seu articulado, em cumprimento da decisão que colocou em crise na sua Apelação.

E assim sendo, o despacho de 10 de Maio de 2018 não é um mero despacho de convite ao aperfeiçoamento, mas um despacho onde se apreciou de fundo o requerimento de abertura do incidente da qualificação da insolvência que foi deduzido pela reclamante, e em função disso, decidiu sanear factos invocados pelo reclamante nesse seu articulado, e mais considerou que nele existiam omissões quanto ao preenchimentos das alíneas 2 e 3 do artigo 186Q do ClRE, promovendo o acatamento por parte da reclamante desta sua Decisão, através de um convite ao aperfeiçoamento, o que não sucedeu.

Daí que não exista qualquer motivo de facto ou de direito que alicerce a não aceitação pela Julgadora do recurso interposto pela reclamante, por ser, tal despacho proferido em 10 de Maio de 2018, pelos motivos acima expostos e ao contrário da posição assumida pela Julgadora no seu Douto despacho de 18 de Junho de 2018, susceptível de recurso.
(…)

Fundamentação de direito.

No Requerimento agora apresentado em que se insurgiu contra o despacho proferido nos autos, alega ao contrário do admitido na decisão objecto da presente reclamação, é sua convicção de que tal Despacho de 10 de Maio de 2018, não é um mero despacho de convite ao aperfeiçoamento, mas encerra uma decisão definitiva “sobre a valoração jurídica de tais factos”, factos esses, que constam das alegações da Recorrente exaradas em tal incidente de qualificação da insolvência.

De facto, em seu entender, tal despacho de 10 de Maio de 2018, aprecia e profere uma decisão definitiva e de fundo sobre o conteúdo do requerimento de abertura do incidente da qualificação da insolvência, decisão essa, que, rejeita factos que constam das ditas alegações (os anteriores a 2014) e, mais, considera terem sido omitidos (por não expostos), a partir desse limite temporal, os factos relevantes para a apreciação pelo Tribunal deste incidente da qualificação da insolvência e que preenchem as referenciadas alíneas do artigo 186º do CIRE.

Em função do que decidiu, a julgadora, convida a reclamante “a sanear o seu articulado restringindo a matéria a ser apurada à temporalmente relevante e concretizando em conclusão, quais os factos índices que julga estarem preenchidos com condutas da sócia gerente já falecida”.

Desta forma, este despacho, encerra uma decisão definitiva sobre os factos vertidos nas alegações que contam de requerida qualificação da insolvência e, em função disso, convida a reclamante a eliminar uns (anteriores a 2014) e a concretizar outros (posteriores a 2014).

Assim, conclui que, ao contrário do que é decidido pelo despacho objecto da presente reclamação, relativamente à reclamação apresentada, e pelos motivos supra expostos, o despacho que foi objecto de Reclamação, não é um mero despacho de convite ao aperfeiçoamento pois, encerra uma decisão que aprecia de facto e de direito as alegações vertidas pela reclamante no seu requerimento de qualificação da insolvência, daí que, é nossa convicção que, por tal razão, tal Douto despacho sempre será susceptível de recurso.

Daí que, em seu entender, o recurso de apelação interposto pela reclamante, ao contrário do que foi decidido, seja perfeitamente admissível, e as alegações nele vertidas, devam ser julgadas procedentes, por correctamente fundamentadas de facto e de direito.

De tudo o exposto, à evidência resulta que os fundamentos agora aduzidos, com algum aprofundamento repetem os que foram utilizados para fundamentar a reclamação originariamente formulada do despacho que não admitiu o recurso interposto.

E assim sendo, de tudo exposto e antes demais, duas e primárias conclusões se nos afigura pertinente, desde já, afirmar, ou seja, que, sem embargo de se reconhecer a pertinência e até a profundidade da interpretação que a Reclamante faz do despacho objecto de reclamação, com o muito e devido respeito, com ela se não pode concordar, sendo certo que, não havendo muito a acrescentar ao que já consta da decisão reclamada, sempre se dirá o recurso não é admissível e daí não advirá qualquer prejuízo ou preclusão de qualquer fundamento que o Recorrente entenda ser de aduzir como fundamento da pretensão que deduziu.

E a principal razão por que se discorda da interpretação da Reclamante é a de que, em nosso entendimento, e contrariamente ao que alega, o despacho objecto de reclamação não envolve uma decisão definitiva “sobre a valoração jurídica de tais factos”, pois que, um convite ao aperfeiçoamento não reveste nem pode revestir esta natureza.

Na verdade, e repetindo o que sobre o assunto já se disse, um despacho de aperfeiçoamento de um articulado deficiente quanto à matéria de facto, apenas pode ter em vista suprir insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada (art. 590/4 do CPC). As alterações à matéria de facto alegada na petição inicial devem conformar-se com os limites estabelecidos no art. 265 do CPC (art. 590/6 do CPC) e os factos objecto de esclarecimento, aditamento ou correcção ficam sujeitos às regras da contraditoriedade e prova (art. 590/5 do CPC).

O aperfeiçoamento da petição inicial não dá, pois, origem a um articulado onde se exponham, pela primeira vez, pedidos e causa de pedir próprios, ao contrário do que defende a ré. O pedido nem sequer é alvo do despacho de aperfeiçoamento e a causa de pedir tem de ser a mesma. O autor não pode modificar a causa de pedir num articulado de aperfeiçoamento. (1)

Assim, o poder de mandar aperfeiçoar os articulados para serem supridas insuficiências ou imprecisões na exposição e concretização da matéria de facto alegada (art. 590º, nº4 do NCPC) tem de ser entendido em rigorosos limites, e isto porque este convite se realiza apenas quando existam as apontadas insuficiências ou imprecisões que possam ser resolvidas com esclarecimentos, aditamentos ou correcções, ou seja, anomalias que não ponham em causa, em absoluto, o conhecimento da questão jurídica e a decisão do seu mérito mas que possam facilitar que este conhecimento e decisão sejam realizados de forma mais eficaz.

Por decorrência, não é de convidar à correcção da petição inicial (nos termos do art. 590 nºs 2 al. b), 3 e 4 do CPC) quando a petição seja inepta nos termos do art. 186 do mesmo diploma uma vez que só um articulado que não padeça dos vícios mencionados neste último preceito pode ser objecto desse convite à correcção e isto porque se a parte declinar tal convite tal comportamento de inércia não obsta a que a acção prossiga os seus termos, contrariamente à consequência para a ineptidão que é a de determinar a nulidade de todo o processo.

Isto considerado, temos que se é certo que no despacho em apreço se refere que o processo de insolvência teve o seu início em 15 de Dezembro de 2016, pelo que o âmbito temporal para efeitos do incidente de qualificação, teve o seu início em 15 de Dezembro de 2013, ou seja, compreende os anos de 2014, 2015 e 2016, e bem assim, que este incidente de qualificação não se confunde com o processo de inquérito judicial nº 27/12.0TBPVL da 1ª Secção de Comércio (J3) da Instância Central de Guimarães, desde logo pelo âmbito temporal de cada um deles.

E mais se refere que, tudo o que a requerente refere para os anos anteriores ao exercício de 2014 não podem ser levados em consideração para efeitos de qualificação da insolvência, pelo facto de ficarem fora do âmbito temporal deste, sendo em consequência que se decidiu convidar a reclamante a sanear do seu articulado os factos alegados pela recorrente que eram anteriores aos anos de 2014 e a concretizar a partir desse limite temporal, os factos que a reclamante entendia preencherem as referidas alíneas do artigo 186Q do CIRE.

Todavia, tal despacho que apenas encerra um convite a sanear o articulado de factos que se consideram como fundamento da pretensão deduzida e a concretizar outros considerados como relevantes e passíveis de preencherem as referidas alíneas do artigo 186Q do CIRE.

Contudo, não aceite o convite, a acção prosseguirá os seus ulteriores termos com a materialidade alegada e de modo algum se pode considerar que uma tal decisão de convite ao aperfeiçoamento reduza ou elimine a matéria a ser apreciada em julgamento.

E na situação presente parece-nos resultar como evidente que, quando nos fundamentos do despacho objecto de reclamação se refere que “tudo o que a requerente refere para os anos anteriores ao exercício de 2014 não podem ser levados em consideração para efeitos de qualificação da insolvência, pelo facto de ficarem fora do âmbito temporal deste”, pelo que “Desta forma convida-se a requerente a sanear o seu articulado, restringindo a matéria a ser apurada, à temporalmente relevante e concretizando em conclusão, quais os factos índices que julga estarem preenchidos com condutas da sócia-gerente, já falecida. (sublinhado nosso), não configura uma decisão definitiva ou de fundo sobre a questão controvertida a submeter a julgamento, mas e bem pelo contrário, já que um tal despacho terá de ser interpretado com o exclusive sentido de pretender conferir à Reclamente a possibilidade de expor outros factos, ou seja, os posteriores a 2014, para serem avaliados como fundamento da pretensão deduzida e não com o sentido de decisão definitiva declarativa da irrelevância dos factos que constam do requerimento de abertura do incidente da qualificação da insolvência ocorridos antes de 2014 - os quais constam do relatório pericial respeitante ao processo de inquérito judicial à sociedade - para a qualificação do incidente da qualificação da insolvência e, por outro lado, que a reclamante no seu articulado não tinha concretizado os factos índices que preenchem as alíneas dos nºs 2 e 3 do artigo 186º do CIRE, como interpreta a Reclamante.

Essa decisão, a assim ser entendido, terá de ser tomada noutro momento processual e com fundamentos expressos que de um modo inequívoco assim o considerem, não podendo ser inferida de modo indirecto de um despacho que não tem por objecto esse conhecimento, mas sim uma ampliação dos fundamentos alegados.

Na verdade, quando foi proferido tal despacho, quem o proferiu conhecia ou não podia ignorar que no caso de o convite não ser aceite a acção teria de prosseguir os seus ulteriores termos com os fundamento alegados como o foram e sem qualquer correcção ou aditamento factual, razão pela qual, como se deixou dito, de modo algum se pode considerar que uma tal decisão de convite ao aperfeiçoamento reduza, elimine ou simplesmente considere irrelevante a matéria já alegada e a ser apreciada em julgamento.

Assim, mais uma vez se conclui que, sendo certo que as considerações expendidas encerram um juízo de valoração juridicamente relevante, essa relevância verifica-se apenas enquanto fundamento da decisão de convidar ao aperfeiçoamento, ou seja, como justificação das consideradas insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada que justificam o convite formulado, que, como é evidente, de modo algum encerra uma decisão definitiva sobre a valoração jurídica de tais factos, que haverão se ser ulteriormente valorizados para esse efeito aquilatando-se então da sua suficiência e adequação como fundamento do incidente que com fundamento neles se pretendeu deduzir.

Como e em nosso entender, correctamente, salienta o Reclamado, previam-se no artigo 477.º, do C.P.C. (entretanto revogado pelo DL329-N95, de 12/12.) duas situações distintas:

- Haver obstáculo legal ao recebimento da petição por falta de requisitos legais ou por recebimento da petição por falta de requisitos legais ou por não vir acompanhada de determinados documentos;
- Não haver obstáculo legal à advogada recebimento, mas a petição apresentar deficiências susceptíveis de comprometer o êxito da acção.

As consequências da não aquiescência do autor ao convite que lhe era feito pelo Juiz eram diferentes num e noutro caso:

- Não recebimento da petição, no primeiro caso;
- No segundo caso, se o autor não apresentasse nova petição no prazo assinalado no despacho de convite, o Juiz teria de ordenar a citação do réu, não podendo já, com esse fundamento, indeferir liminarmente a petição.

Na vigência do art.º 477º, debruçando-se sobre a questão da recorribilidade do despacho de convite ao aperfeiçoamento da petição, na primeira das apontadas situações, escreveu Jacinto Rodrigues Bastos (Notas ao Código de Processo Civil, vol. IlI, p. 35:

Cremos que o despacho de convite é irrecorrível. Não se trata ainda de uma decisão definitiva quanto à relação processual: o juiz notando determinada irregularidade na petição, que poderá conduzir à sua recusa, dá ao autor a possibilidade de evitar esta, corrigindo a deficiência: mas o juízo que emite não é ainda decisório e nada impede que o autor, sem fazer a correcção, consiga, dentro do prazo estipulado, convencer o juiz de que a irregularidade é aparente, ou de que a falta não existe. Do despacho de recusa é que cab recurso, nos termos gerais”.

Também Castro Mendes (Direito Processual Civil, 1980, pp, 44 e ss.) ensina: "Há decisões que se destinam necessariamente a ser substituídas por outras ou nelas integradas, ou pelo menos podem sê-lo se as partes o solicitarem. A lei então somente permite o recurso da decisão substituta ou absorvente; as primeiras são irrecorríveis como não definitivas”.

Os mesmos entendimentos perfilham Lopes Cardoso (Código de Processo Civil, p. 319) e Aníbal de Castro (Impugnação das Decisões Judiciais, pp. '31/32) para quem o despacho ordenando o aperfeiçoamento da petição deficiente “é irrecorrível, não apenas por conter-se no âmbito de uma opção legal, mas, sobretudo porque não é definitivo quanto ao destino da acção”.

E assim sendo, dúvidas não podem restar de que o despacho recorrido, tal como se refere no despacho objecto de reclamação, constitui um verdadeiro despacho de aperfeiçoamento, que, enquanto tal, atento o disposto no artigo 590º n.º 7 do CPC, tem de ser considerando irrecorrível, pelo que, e assim sendo, como inelutável se impõe a conclusão de que, não cabendo recurso da aludida decisão, haverá de improceder a presente reclamação, com a consequente manutenção do aludido despacho.

DECISÃO:

Pelo exposto, julga-se totalmente improcedente a douta Reclamação apresentada e, em consequência, mantém-se, na íntegra, o teor do despacho objecto de tal Reclamação.

Custas pela Reclamante.
Guimarães, 15/11/ 2018.

Jorge Alberto Martins Teixeira
José Fernando Cardoso Amaral.
Helena Gomes de Melo.


1 - Cfr. neste sentido, apenas por exemplo, veja-se Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, vol. 2.º, Almedina, 3.ª edição, 2017, pág. 634, onde toda esta matéria está desenvolvida.