Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
718/17.9T8BGC.G1
Relator: MARIA DOS ANJOS NOGUEIRA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
REJEIÇÃO TOTAL OU PARCIAL DA IMPUGNAÇÃO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário do acórdão (art. 663.º n.º 7, do CPC):

I – Impõe-se a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto quando ocorra designadamente falta de posição expressa, sobre o resultado pretendido em relação a cada segmento da impugnação.

II - Fixada na sentença de interdição a data em que principiou a incapacidade natural, há uma forte presunção de incapacidade do interdito entender o sentido da declaração ou de se encontrar privado do livre exercício da sua vontade.

III - A convicção do tribunal é formada, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, pela análise conjugada das declarações e depoimentos, com a demais prova produzida (pericial e documental), em função das razões de ciência, das certezas e, ainda da coerência de raciocínio, tudo valorado de acordo com as regras da experiência e da normalidade.

IV - A apreciação da má fé e a condenação em multa e indemnização não podem ser relegadas para depois da sentença; o que pode e deve deixar para depois da sentença é a fixação do quantitativo da indemnização.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

M. P., residente na Rua ..., em Covilhã, M. M., residente na Avenida …, em Bragança, e F. J., residente na Rua …, em Bragança, intentaram contra F. M. e contra R. M., ambos residentes na Rua …, em Bragança, acção declarativa, sob a forma comum, pedindo que seja declarado inválido, por anulabilidade, com efeitos retroactivos à data em que foi celebrado, o casamento celebrado entre os RR no dia 4 de Maio de 2017, na conservatória do registo civil de ..., inscrito como assento de casamento n.º 16 do ano de 2017, ordenando-se o cancelamento do registo.
Para tanto, alegaram nos termos constantes de fls. 4-8v, que aqui se dão por reproduzidos e que, de forma sintética, se reconduzem a invocar estar-se perante uma situação de demência notória do Réu, por incapaz de entender o alcance do seu acto de realizar o casamento.
*
Regularmente citada, a Ré apresentou-se a contestar, alegando, em síntese, que o casamento foi nada mais do que o corolário da vontade de ambos os R.R., do medo de ficarem um sem o outro em virtude das constantes ameaças proferidas pelos filhos, por se tratar de duas pessoas que há 25 anos partilharam muito mais do que “cama, comida e roupa lavada”, partilharam histórias, sentimentos, angústias, carinhos, amor, companheirismo, cuidados, respeito e alegrias em momentos que não voltam mais e que não terão mais oportunidade de compartilhar.

Concluiu pedindo que:

a) pela factualidade ora vertida, fosse a acção declarada extinta, por se ter tornado inútil a continuação da lide, ou
b) suspenda a instância nos termos do preceituado na a) do n.º1 do art. 269.º do C. P. Civil.;

Sem prescindir, requereu que:

a) a acção fosse declarada improcedente por falta de legitimidade das partes e, consequentemente, a R. absolvida da instância, ou
b) a acção julgada improcedente por não provada e, em consequência, a Ré absolvida do pedido.
*
Por falecimento do Réu F. M., suspendeu-se a instância e procedeu-se à habilitação de A. J. para que, na qualidade de sucessor do falecido, a acção prosseguisse em representação daquele.
*
Deduzido articulado superveniente por parte dos Autores, em que se invocou a declaração de interdição de F. M., por sentença de 17.11.2017, transitada em julgado, com fixação do começo da incapacidade no dia 29.10.2011, foi o mesmo admitido.
*
Foi proferido despacho saneador onde se reconheceu a validade e a regularidade do processado, se conheceu das excepções invocadas, julgando-se as mesmas não verificadas, se identificou o objecto do litígio, se enunciaram os temas da prova, em moldes que não suscitaram reclamações das partes em litígio, bem como se admitiu a prova requerida pelas partes.
*
Após audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou totalmente procedente, por provada, a acção e, em consequência:

a) Declarou a invalidade, por anulabilidade, com efeitos retroactivos à data do mesmo, do casamento celebrado em 04.05.2017 entre F. M., já falecido, e R. M., registado no assento de casamento n.º 16 do ano de 2017 da Conservatória do Registo Civil de ...;
b) Ordenou o averbamento da anulação ao assento de casamento e ao assento de nascimento de F. M. e da Ré.
B) Condenou a Ré, por litigância de má fé, numa multa de valor equivalente a 6 (seis) U.C.’s.
*
II. O Recurso

1-Não se conformando com a decisão proferida veio a Ré apresentar recurso, nele formulando as seguintes conclusões:

A) Insurge-se a Recorrente da douta Sentença proferida nos presentes autos e por isso vem dele recorrer quer do direito quer ao nível dos factos, uma vez que, entre o mais, condenou-a o Tribunal a quo como litigante de má-fé, ora não podíamos estar mais e desacordo perante tal condenação visto que foi, em tempo, apresentada contestação, disponibilizando-se ao Tribunal todos os factos e meios de prova suficientes para a boa decisão da causa.
B) Tal contestação não significa, nem pode significar, só por si, que a Recorrente tenha adoptado um comportamento de litigante de má-fé, pois para que tal se verifique, é necessário a existência de dolo ou negligência grave, o que, não se vislumbrou.
C) A Recorrente em momento algum impediu a descoberta da verdade ou mesmo ocultou factos que tinha conhecimento para obstar o Tribunal de decidir, não impediu que fossem produzidos todos os meios de prova disponibilizados por ambas as partes, bem como, não produziu na sua Instância meios de prova falsos.
D) A Recorrente apenas não compareceu à sessão de audiência de discussão e julgamento, tendo sido devidamente repreendida pelo Tribunal.
E) O Tribunal a quo violou deveres constitucionais previstos na Constituição da República Portuguesa, particularmente o nº 1 do art. 13º.
F) Condenar a Recorrente em litigante de má fé, extravasa grosseiramente o objecto de litígio e bem assim a postura de rectidão que se pretende do Tribunal, enquanto órgão de soberania de administração da justiça em nome do povo, violando uma vez mais um direito constitucionalmente, este previsto e consagrado no nº 1 do art. 202º da C.R.P.
G) Assim, outra decisão que não a de revogar a decisão do Tribunal a quo, no que a esta matéria respeita, não se aceita.
H) Já quanto ao demais, insurge-se a Recorrente na medida em que não parece ter sido apenas com base no descrito na douta Sentença que o Tribunal a quo formulou a sua convicção, pois entendemos que ainda antes da audiência de julgamento começar havia já uma opinião formada no que respeita à questão de direito objecto de litígio nos presentes autos, como oportunamente se demonstrará.
I) Deu Tribunal a quo como provado, entre o mais, no ponto 8 da douta Sentença que “(…) Por sempre ter vivido na casa dos pais dos Autores, e atentas as funções que sempre exerceu, a Ré foi ganhando paulatinamente a confiança de F. M., que se foi acentuando à medida que aumentava a idade deste e se debilitava a sua saúde.”
J) O Tribunal a quo faz crer que a Recorrente foi ganhando a confiança do falecido F. M. à custa do estado de saúde deste e bem assim do avançar da idade, quando tal não é verdade.
K) Não há dúvidas que o pai dos Recorridos depositava grande confiança na Recorrente, mas também os Recorridos a depositavam, conforme depoimento prestado pela Autora M. P. gravado em suporte digital: “(…) Autora M. P.: Ah, que eu a tratei como família, tratei. (…) Ela estava ali e nós não tínhamos coragem de a por à parte, era uma pessoa que eu e os meus irmãos tratamos com todo o respeito e carinho.”
L) O Autor A. J., por sua vez, em depoimento gravado em suporte digital, acrescentou que “(…) Autor A. J.: A R. M. para ele era a meninas dos olhos. (…) Nunca me apercebi disso, agora que ele só fazia aquilo, com o consentimento dela, isso é um facto.”
M) Certo é que a Recorrente viveu com o pai dos Recorridos por mais de trinta anos, sendo ainda uma “criança”, segundo as palavras do Autor M. M., quando foi trabalhar para casa dos pais deste, continuando lá a trabalhar depois da mãe falecer, acabando por viver sozinha com F. M., fazendo por isso uma vida em comum, como se de um casal se trata-se.
N) A Recorrente foi a única companhia que o pai dos Recorridos teve, sendo por isso a única pessoa que lhe dava amor e carinho, pois os Recorridos poucas vezes estavam com o pai, segundo palavras da Autora M. P. “ A única pessoa que estava no Natal era eu, porque os meus irmãos têm as mulheres, têm as minhas cunhadas e passavam com a família.”, chegando mesmo a “abandonaram o pai”, segundo palavras do Autor A. J. que referiu ainda que a “R. M. era a menina dos olhos dele”, e ainda que “ele só fazia aquilo, com o consentimento dela”.
O) Mal andou o Tribunal a quo na apreciação da matéria de facto, na medida em que descontextualiza e deturpa a prova produzida por forma a sustentar a sua convicção.
P) Deu também como provado no ponto 10 da douta Sentença que “(…) a saúde física e mental de F. M. começar a dar sinais de grande debilidade no ano de 2011, tendo estado internado por duas vezes em estabelecimentos hospitalares com um estado de saúde bastante crítico.”
Q) Quanto à primeira parte do facto dado como provado depreendemos que o Tribunal a quo, retirou tal conclusão do Relatório Médico pericial junto aos autos, mas já não alcançamos de onde retirou matéria suficiente para dar como provado que o pai dos Recorridos, esteve internado em estabelecimentos hospitalares “com um estado de saúde bastante crítico”,
R) isto porque do Relatório Médico Pericial conclui-se, que os episódios de urgência/ internamento que o pai dos Recorridos teve não foram críticos como erradamente, qualifica o Tribunal a quo, pois o que consta, por exemplo, é que: “ (…) Das cópias de diversos documentos clínicos que tivemos acesso, consta que o examinado, em 5 de Janeiro de 2000, terá recorrido ao Serviço de Urgência (SU) da … – Unidade Hospitalar de … (…), por episódio de lepotimia e afasia e disartria (dificuldade em articular palavras, com incontinência de esfíncteres (são referidos dois episódios semelhantes no ano anterior). (…) Da Nota de Alta de internamento no Serviço de Bragança de Medicina Interna da ULSN, depreendemos que o examinado esteve internado, de 23 a27 de Fevereiro do corrente ano, por queixas de dificuldade respiratória/taquipneia com uma semana de evolução. É referido que é totalmente dependente e nos antecedentes pessoais está registada uma síndrome demencial. No EO é referido estar vígil, colaborante dentro das possibilidades, não comunicativo.”
S) Depois de lermos com todo o cuidado que o documento requer, não concluímos do Relatório um estado de saúde bastante crítico, pelo que mal andou o Tribunal a quo a retirar ilações que extravasam em absoluto a prova documental carreada nos autos.
T) Não podemos fechar os olhos a isto, pois fazê-lo é não pautar o nosso comportamento por aquilo a que honradamente nos comprometemos enquanto administradores da justiça.
U) O Tribunal a quo incorre, num erro ostensivo na apreciação da prova, ignorando e afrontando directamente as mais elementares regras da experiência, em termos de se poder dizer que existe uma flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do tribunal recorrido sobre matéria de facto, no que a esta parte diz respeito.
V) Já no que toca aos factos dados como provados no ponto 12 e 13 da douta Sentença, denote-se também aqui, que mesmo com o Relatório Médico Pericial realizado ao marido da Recorrente, datado a 10 de Julho de 2017, referindo que este “(…) Conhece o valor facial do dinheiro”, a Meritíssima Juiz dá como provado que “F. M. já não conhecia as pessoas, designadamente os filhos, nem o dinheiro (…)”.
W) Trata-se de uma perícia que foi realizada no âmbito de um processo de interdição presidido pela mesma Meritíssima Juiz, que apesar de interrogar algumas das testemunhas ouvidas nos autos de que ora recorremos.
X) Muito se estranha que a Meritíssima Juiz tivesse dado como provados tais factos não só pelo que já supra dissemos, mas também, e a título de exemplo, quando a testemunha A. P. num depoimento que se mostrou “absolutamente credível”, segundo palavras da Meritíssima Juiz, diz, em depoimento gravado em suporte digital, o seguinte: “(…) Mandatária dos Autores: Olhe e nos últimos anos ele ainda, ainda fazia isso? Ainda lhe dava ordens? Ainda conversava bem? Testemunha A. P.: Ainda, passou ali os últimos anos dois ou três anos é que ele se pôs mais mal e já não dava ordens, já não, já não era ele que se ocupava não é. (…) Testemunha A. P.: As últimas vezes que eu fui a vê-lo já não falou. Então Senhor F. M., então não diz nada. (…) Mandatária dos Autores: Olhe e noutra casa o Senhor nunca o foi visitar? Sabe se ele mudou de casa? A, sabe alguma coisa? Testemunha A. P.: A, mudou para a casa da, da empregada, a R. M., que até depois nos fins (…) Testemunha A. P.: Sim, estava lá, eu fui lá vê-lo duas ou três vezes, até moravam num rés-do-chão. (…) Mandatária dos Autores: Ele já não andava? Testemunha A. P.: Já não falava, eu falei com ele e tudo e Mandatária dos Autores: E andar? Andar, se ele andava pelo pé dele Testemunha A. P.: Ainda andava assim, mas já mal, mas já se via bem que o homem estava um bocado em baixo, não é.(…) Mandatária dos Autores: Mas dessa vez última vez que o Senhor lá esteve na casa dela como o senhor diz, a, ele conhecia-a a ela? Ela falava com ele? Ele a ela respondia-lhe? Testemunha A. P.: Respondia. Ainda respondia. Ele ainda respondia.”
Y) Neste depoimento em concreto, é clara a contradição da própria testemunha, quanto mais o depoimento desta com os demais depoimentos, pelo que não podia nunca o Tribunal a quo valorar tal depoimento, desde logo, e jamais o considerar, como o fez, “absolutamente credível”.
Z) Por tal, somos levados a dizer porque é evidente a parcialidade perpetrada pelo Tribunal a quo ao longo de toda a audiência, parcialidade essa nitidamente plasmada na douta Sentença e também por isso dela repostamos.
AA) No ponto 14. da douta Sentença , o Tribunal a quo dá como provado que “Aproveitando-se dessa condição de total incapacidade e vulnerabilidade, que bem conhecia, a Ré, em 04.05.2017, transportou o idoso até à Conservatória do Registo Civil de ... para a celebração do casamento que, pese embora o visível estado de saúde daquele, aí veio a ter lugar.”,
BB) quando apenas podia dar como provado o facto de a Recorrente se ter deslocado com o pai dos Recorridos, naquele dia, à Conservatória do Registo Civil de ... para a realização do casamento, porque tudo o mais é uma conclusão que o Tribunal a quo retira.
CC) Também não podia dar como provado, o facto apontado no ponto 15 da douta Sentença porque em momento algum ficou provado que a Recorrente não celebrou casamento na Conservatória do Registo Civil de ... no dia 12.04.2017 “(…) em virtude de a esta ter chegado o conhecimento do processo identificado em 20. E de os filhos de F. M. terem ficado a saber dos intentos daquela.”,
DD) porque conforme documento junto pela Recorrente, está claro que o casamento só não se realizou naquele dia porque os documentos de identificação dos nubentes estavam desactualizados.
EE) Mais ainda, deu o Tribunal a quo, como provado no ponto 16. da douta Sentença que “F. M., fruto do estado em que àquela data se encontrava, descrito em 11. a 13., não teve qualquer consciência do acto que teve lugar na Conservatória do Registo Civil de ... e, por conseguinte, não o pretendeu celebrar.”
FF) Muito se estranha que o Tribunal a quo tenha dado tal facto como provado, pois, a Testemunha M. B., Ajudante da Conservatória, foi peremptória ao afirmar que para além de ter conversado com esta, também, no momento, manifestou a sua livre vontade de contrair matrimónio com R. M..
GG) Deu ainda o Tribunal a quo como provado que “A Ré actuou sem o conhecimento e consentimento dos Autores, que a tinham proibido de sair sem a sua autorização, tudo fazendo para ninguém se aperceber da sua ausência com o idoso, deixando uma lâmpada acesa dentro de casa e o seu veículo automóvel estacionado à porta para que pensassem que estava em casa ou andava por perto.”, apenas porque os Recorridos aquando das suas declarações disseram que tinham proibido a Recorrente, quando nenhuma decisão do Tribunal havia nesse sentido.
HH)Igualmente deu o Tribunal a quo como provado no ponto 18. da Sentença que “A Ré aproveitou-se também do ascendente que tinha sobre o idoso, fruto da referida incapacidade que o tornou totalmente dependente dos cuidados dela e vulnerável ao comando que a mesma passou a ter da sua pessoa e bens.”,
II) quando, podia no limite, ter dado como provado que a Recorrente tinha um ascendente sobre o pai dos Recorridos, atendendo à prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento, mas jamais podia relacionar tal ascendente com a incapacidade que veio a ser decretada, ainda que de forma provisória a este último,
JJ) todavia, sempre se diga que, se tal ascendente existiu, foi não só por culpa dos filhos que se mostraram ausentes, mas também por uma enorme vontade do Senhor F. M., uma vez que a aqui Recorrente foi a sua companhia e companheira de todas as horas.
KK) Ainda, porque também flagrante, aceitou o Tribunal a quo como provado no ponto 19. da douta Sentença que “O estado de debilidade mental de F. M. era conhecido por toda a comunidade de Parada, onde aquele viveu durante cerca de 80 anos, e era notado por qualquer pessoa que com o mesmo interagisse.”
LL) De facto, e apesar de terem sido ouvidas apenas cerca de pouco mais de dez testemunhas, entendeu por bem a Meritíssima Juiz dar como provado que o estado mental do pai dos Recorridos era conhecido por toda a comunidade de Parada, descurando por completo as declarações prestadas pelo Autor A. J. e, por exemplo, da testemunha A. P., que nos apontam em sentido contrário.
MM) Ou a Meritíssima Juiz não esteva atenta às declarações por estes prestadas, o que não estamos em crer, como é obvio, ou, porque põe em causa a veracidade toma da como única pelo Tribunal, ou não a quis relevar.
NN) Quanto ao ponto 20. dos factos provados, “F. M., cuja citação para os termos da referida acção, tentada em 30.01.2017, não se conseguiu por, segundo informação da ora Ré, “há já muitos anos… que o Senhor F. M. não tem condições para tratar dos seus assuntos”, veio a falecer em 06.07.2017, na pendência da referida acção.” , diga-se que também aqui o Tribunal fez ouvidos mercador porque em sede própria a Recorrente explicou os termos em que a citação havia sido feita, mas tal não foi sequer ponderado pelo Tribunal a quo.
OO) No que à matéria de facto não provada, compreendeu Tribunal a quo não ter ficado provado que: “ (…) - apesar de algumas fragilidades próprias da idade, F. M. tinha força para falar, articulava palavras, ainda lia, reconhecia o dinheiro, sabia perfeitamente o nome dos filhos e sabia bem onde estava e onde ia, pedia água e comida, pedia para ir à casa de banho, pedia para ir passear de carro; - sabia o que queria e quando queria; - o casamento realizou-se em cumprimento de um desejo de ambos de longa data, apresentando-se F. M. lúcido, consciente, orientado, desperto, localizado no tempo e no espaço, com plena consciência do acto que queria praticar, manifestando essa vontade de forma expressa e inequívoca sem necessidade de qualquer relatório médico.”
PP) O Tribunal a quo, entendeu não dar como provado que o pai dos Recorridos tinha força para falar, quando duas testemunhas ouvidas, disseram cabalmente que F. M. não só falava, como sabia o nome dos filhos, e bem assim reconhecia o dinheiro e o seu valor.
QQ) Do próprio Relatório Médico Pericial realizado ao pai dos Recorridos se extrai tal capacidade no que concerne ao reconhecimento do dinheiro: “(…) Conhece o valor facial do dinheiro”,
RR) por isso não se compreende o raciocínio perpetrado pelo Tribunal a quo aquando da análise dos factos, pois a mesma é contraditória com a prova documental junta aos autos e na qual a Meritíssima Juiz, inclusivamente, apoia a sua motivação.
SS) Já o depoimento da Testemunha Dr. F. G. que consultou o pai dos Recorrentes e redigiu o seu próprio Relatório Médico, conforme proferido em sede de audiência, em depoimento gravado em suporte digital, foi desvalorado, mesmo tendo dito que: (…) “Mandatária da Ré: (…) o Sr. Dr. Fez um relatório médico ao SR. F. M. no dia 19 de Abril de 2017, correcto? Testemunha Dr. F. G.: Correcto. Mandatária da Ré: Pronto eu queria saber em que condições é que fez esse relatório, porque é que fez esse relatório, a pedido de quem, com que finalidade, para percebermos também depois, (…) as conclusões da deste relatório. Testemunha Dr. F. G.: Esse relatório foi-me pedido pela advogada da altura (…) que estava a acompanhar o Sr. F. M. e a D. R. M. e que havia um processo de interdição, e o que me foi pedido foi para ver o Sr. F. M. no sentido de saber como é que ele estava, elaborar um relatório para dito processo de interdição que estava a correr. Mandatária da Ré: (…) foi-lhe então solicitado fazer um relatório, estar com o Sr. F. M. para posteriormente fazer o relatório, ah por causa de um processo de interdição? Por causa de um processo de interdição que a decorrer? Testemunha: Dr. F. G.: Exactamente Sra. Dra. Mandatária da Ré: Não lhe deram a indicação na altura de que seria por causa da, eventualmente haver uma intenção de celebrar um casamento? Testemunha Dr. F. G.: Não Sra. Dra. (…) Testemunha Dr. F. G.: Era um homem de cento e tal anos (…) apresentava consciente, colaborante (…) Mandatária da Ré: (…) consciente e colaborante porquê? Porque é que chegou a essa conclusão? Ou como é que chegou a essa conclusão? Que ele estava consciente e colaborante? (…) Testemunha Dr. F. G.: nome, idade, com quem é que viva, quem eram aquelas pessoas que estavam ali, o que é que fez durante a sua actividade profissional, qual era o dia da semana, qual era o dia do mês. Mandatária da Ré: E ele respondeu por ele, sozinho? Testemunha Dr. F. G.: Por ele. Mandatária da Ré: Sem ter que alguém lhe dar as respostas? Testemunha Dr. F. G.: Estava eu e o doente sozinhos. Mandatária da Ré: As respostas não foram sim, não. Ou seja, foram respostas corretas e objectivas. Testemunha Dr. F. G.: Corretas, que ele sabia que havia o tal processo de interdição, sabia que algum dos filhos com quem ele estava zangado tinham posto esse processo, havia um dos filhos que não estava no rol das pessoas que lhe puseram esse processo, sabia ele estava consciente disso. Mandatária da Ré: e diga-me uma coisa agora no sentido dessas, dessas conclusões que chegou e desse relatório médico, acha possível que o Sr. F. M. tivesse conseguido expressar vontade em se casar? (…) do seu ponto de vista também clínico se é possível ele estar consciente do acto que ia celebrar? Testemunha Dr. F. G.: Eu penso que sim Sra. Dra., no meu entendimento clínico da altura em penso que sim Sra. Dra. e penso que a pessoa que o cuidado, uma vez que ele estava impossibilitado em termos de massa era a dita D. R. M., portanto uma relação que estava estabelecida há muitos anos, (…) e que ele estava consciente disso.”
TT) A verdade é que o pai dos Recorridos sabia perfeitamente o que queria aquando da realização do casamento, e prova disso é o testemunho de M. B., Ajudante da Conservatória de ... que em depoimento gravado em suporte digital, disse: (…) Mandatária da Ré: O que é que conversaram? Testemunha M. B.: eu, eu perguntei se era vontade dele casar-se com a D. R. M., ele disse sim, disse sim, perguntei se já vivia há muito tempo com a D. R. M., disse que sim, perguntei-lhe o nome dos pais, para ver se ele sabia responder, todas as perguntas que foram feitas ele soube responder. (…) Mandatária da Ré: Ele limitou-se a responder sim, não, ou deu respostas concretas relativamente às perguntas que lhe fez, acabou agora de dizer que perguntou o nome dos pais, disse o nome dos pais? Testemunha M. B.: Disse o nome dos pais. (…) Mandatária da Ré: relativamente ao pagamento, o pagamento, foi feito em notas de vinte euros, não houve também uma situação relacionada com isso, em que o Sr. F. M. entreviu? Testemunha M. B.: O Sr. F. M. estava a ver pagar e diz tipo vinte euros, que eram notas de vinte e eu por acaso virei-me para ele e também lhe perguntei então quantas são? Ele ficou um bocado parado a olhar e depois disse são seis, seis. (…) ele disse que tinha dois tractores, e a esposa confirmou que tinha dois tractores. Mandatária da Ré: Na sua opinião o Sr. F. M. encontrou-se sempre lúcido? Testemunha M. B.: Lúcido, estava lúcido e eu disse logo que só fazia o casamento se ele estivesse lúcido.”
UU) Ainda, não podemos esquecer que, apesar de contra o pai dos Recorridos ter corrido um processo de interdição, o qual veio a decretar interdito provisoriamente com data de início provável em 29 de Outubro de 2011, a verdade é que o mesmo entre o período que vai de 29 de Outubro de 2011 até ao interrogatório a que foi sujeito nessa acção de interdição, demonstrou por mais de uma vez ter não só momentos de lucidez, como estar no pleno das suas capacidades mentais,
VV) pelo que, tal como noutros momentos, também aquando da realização do casamento o Senhor F. M. estava lúcido, consciente, com plena consciência e vontade de praticar aquele ato, tal como referiu a testemunha M. B..
WW) Continuando, ainda que não se tivesse provado em tribunal que partilhavam despesas e cama como se um verdadeiro casal se tratasse, a verdade é que na aldeia onde viviam, a população comentava tal possibilidade, segundo depoimento da Testemunha A. P., que infra transcrevemos.
XX) Em súmula e no que aos factos dados como provados e não provados respeita, podemos dizer que, mal andou o Tribunal a quo, ao dar como provados factos que notoriamente teve conhecimento no âmbito de outro processo.
YY) O que consequentemente nos leva a legitimamente afirmar que, a imparcialidade obrigatória e necessária de qualquer processo, não foi assegurada pela Meritíssima Juiz, conforme supra deixamos claro.
ZZ) Se, a convicção de qualquer Juiz assenta no princípio da livre apreciação da prova perante o supra exposto, questionamos se desde o início da audiência de julgamento, a convicção do Tribunal a quo não estava já formada, ou pelo menos se não seria já tendenciosa.
AAA) Com todo o respeito que é muito e devido, não temos dúvidas de que a imparcialidade necessária e sem a qual não se faz boa justiça não foi no caso sub judice acautelada e prova disso é a douta Sentença.
BBB) Consideramos que o Tribunal a quo incorreu, num erro ostensivo de apreciação da prova, pois a mesma se mostra-se totalmente arbitrária e tendenciosa na medida em que ignora e consequentemente ultraje directamente as mais elementares regras da experiência, em termos de se poder dizer que existe uma flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão de que ora recorremos, no que à matéria de facto diz respeito.
CCC) Continuando, o Tribunal a quo, explana a sua motivação na apreciação da matéria de facto começando por referir que a sua convicção assentou nos depoimentos prestados, e documentos carreados nos autos, mas, além da panóplia de documentos juntos aos autos, serviu-se também o Tribunal a quo para fundar a sua convicção entre o mais na
DDD) “(…) confissão feita pela Ré, por nessa parte ser admissível, nos artigos 38.º (“a Ré foi primitivamente contratada como empregada doméstica pela mãe dos Autores” e após o falecimento desta assim continuou, embora com a alegação de “ser mais do que empregada doméstica”), 40.º (“pessoa a quem o Réu com o passar dos anos ganhou confiança”), 41.º (“assumia-se como empregada do Sr. F. M.”, embora com a alegação de que o fazia “por força de expressão”),
42.º (participou “na gestão do património pertencente a este e/ou à herança aberta por óbito da Sr.ª G. R.”, embora com a alegação de que apenas o apoiou e colaborou nessa gestão), 45.º (“esteve internado no Hospital de Bragança e posteriormente na Ordem do Carmo, no Porto”, antes de 05.12.2011),
49.º (“é do conhecimento de todos aqueles que privaram com o mesmo que este não deixava, nem não pouco permitia que lhe dessem ordens ou o obrigassem ao que quer que fosse”), 55.º (“com o passar dos anos começou a apresentar algumas fragilidades, próprias da idade, nomeadamente, deixou… de ter forças para se locomover sozinho”) da sua contestação.”
EEE) No entanto, o Tribunal a quo apenas atendeu à confissão da Recorrente na parte que lhe interessava para justificar a sua convicção ou falta dela,
FFF) desde logo porque no art. 40º e seguintes do seu articulado (Contestação) a Recorrente refere “(…) a mesma sempre foi tratada pelo seu nome, R. M., pessoa a quem o Réu com o passar dos anos ganhou carinho, amizade, confiança, gratidão e amor (…).” Se porventura a Ré em alguns momentos se assumia como empregada do Sr. F. M., Réu nos presentes autos, era apenas e tão só por força de expressão, pois que maioritariamente a mesma referia-se ao Réu como “o meu menino” (…) De facto, a Ré após o falecimento da mãe dos A.A., passou a apoiar e colaborar com o Réu na gestão do património pertencente a este e/ou à herança aberta por óbito da Sra. G. R., na medida em que este último era dela cabeça de casal. (…) pois, e apesar de ter estado internado no Hospital de Bragança e posteriormente na Ordem do Carmo, no Porto, em 5 de Dezembro de 2011, podemos dizer que já se encontrava capaz, isto porque foi testemunha numa escritura de justificação, no Cartório Notarial do Sr. Dr. M. J., em Bragança, conforme documento junto pelos A.A. (…) Jamais teve a Ré “enorme ascendente sobre o Réu”, antes pelo contrário, uma vez que é do conhecimento de todos aqueles que privaram com o mesmo que este não deixava, nem tão pouco permitia que lhe dessem ordens ou o obrigassem ao que quer que fosse. (…) de facto, e com o passar dos anos começou a apresentar algumas fragilidades, próprias da idade, nomeadamente, deixou, desde finais de 2014/ inícios de 2015, de ter forças para se locomover sozinho (...)”, pois a Recorrente disse muito mais do aquilo que o Tribunal a quo admitiu como confissão por esta, o que nos leva mais uma vez a indagar da imparcialidade da Meritíssima Juiz aquando da apreciação da causa.
GGG) O Tribunal a quo, assentou ainda a sua convicção na prova testemunhal que, segundo o mesmo se “(…) apresentou absolutamente credível, porque séria, desinteressada, espontânea, esclarecedora, expressiva e objectiva, coincidente entre si, consonante com prova documental sólida e com razão de ciência inquestionável – sim, porque outra houve, como veremos infra, que se revelou claramente insegura, parcial e comprometida – (…)”
HHH) Quanto à prova produzida, é notória a parcialidade do Tribunal a quo, ao ponto de descontextualizar os próprios factos alegados pela aqui Recorrente, e bem assim de qualificar como “absolutamente credível” depoimentos que foram além de contraditórios, confusos e claramente parciais, como verificar se pode pelo conteúdo das transcrições infra.
III) Ainda, depoimentos que foram favorecidos em termos de validade probatória em detrimentos de outros designadamente o depoimento da Testemunha Dr. C. P., em comparação com o depoimento da Testemunha Dr. F. G., sendo que este último se trata de uma testemunha arrolada pela aqui Recorrente.
JJJ) Não podemos aceitar tal parcialidade no que toca a estes depoimentos, pois que é flagrante a postura do Tribunal a quo no que toca a isto.
KKK) Diga-se mesmo, que a instâncias do testemunho do Dr. F. G., Clínico e detentor da especialidade de Médico Psiquiatra, mais precisamente aquando respondia às perguntas do Tribunal, foi manifesto a parcialidade do Tribunal a quo, vejamos o depoimento gravado em suporte digital: (…) Meritíssima Juíza: O Sr. Também disse, para mim é uma novidade que trabalho com processos de interdição todos os dias que lhe foi dito que o Sr. Dr. Ia ser posteriormente chamado para fazer parte de uma perícia colegial, no âmbito do processo de interdição, foi o que disse? Testemunha Dr. F. G.: Foi o que me disseram Sra. Dra. Meritíssima Juíza: Foi o que lhe disseram, mas não é da sua experiência, pois não Sr. Dr. O Sr. Dr. já foi perito em processos de interdição? Testemunha Dr. F. G.: Sra. Dra. normalmente quando se faz uma junta médica para interdição, faz-se um relatório com os três médicos. Meritíssima Juíza: Não há junta médica nos processos de interdição Sr. Dr., peço desculpa, disso eu sei que eu trabalho com eles todos os dias e decido muitas interdições e, portanto, o que me esta a dizer para mim é uma novidade (…) Testemunha Dr. F. G.: Já participei em algumas juntas médicas. Meritíssima Juíza: nos processos de interdição? Testemunha Dr. F. G.: (…) Sim (…) Meritíssima Juíza: Pronto não sei onde terá participado (…)
LLL) Ora, foi manifesta a parcialidade do Tribunal a quo, na medida em que não aceitou do testemunho prestado, por um clínico, um profissional, que prestou um juramento perante o Tribunal.
MMM) O Tribunal a quo assentou os pés no conhecimento que tinha da acção de interdição, e não foi capaz, de se desfocar de um conhecimento passado, para ali, perante o caso concreto e perante a prova produzida em audiência formular as suas próprias convicções, enquanto juiz julgador.
NNN) Já, e se segundo o Tribunal a quo, o depoimento da Testemunha Dr. C. P. é absolutamente credível, não compreendemos o porquê de também não o ser o depoimento da Testemunha Dr. F. G..
OOO) A acrescer, diz o Tribunal a quo, na douta Sentença que, a documentação junta “corrobora o relato feito pelas testemunhas quanto ao claro e evidente estado de incapacidade (não só física mas também mental) de F. M., reportado a uns (bons) anos antes da data do falecimento”,
PPP) não podíamos estar mais em desacordo, pois se por um lado depoimentos houve em que se disse que F. M. ainda andava pelo pé dele, por exemplo, também foram juntos aos autos documentos que provam a capacidade mental deste.
QQQ) O Tribunal a quo, não teve em conta isso, apenas se serviu de argumentos por forma a corroborar a posição por si seguida aquando da interdição provisória decretada na acção de interdição que correu termos contra F. M., porque, não esqueçamos que o Tribunal que decidiu aquela causa é o mesmo que o Tribunal a quo, e ainda que tudo fizesse prever que nada isso iria influencia na boa decisão da causa, no caso sub judice, o certo é que, tal não se verificou.
RRR) Ainda quanto à incapacidade do falecido F. M., o Tribunal a quo, refere que “(…) correu termos nesta Secção Cível – J1 a acção de interdição n.º 87/17.7T8BGC, no âmbito da qual foi proferida em 17.11.2017 sentença, transitada em julgado em 05.01.2018, que, julgando-a procedente, por provada, “declaro[u] verificados os pressupostos para a interdição definitiva por anomalia psíquica de F. M. que, não fora o seu falecimento na pendência da acção, seria de decretar” e “fixo[u] o começo da incapacidade do Requerido no dia 29.10.2011”. Tal decisão é incontornável, atento o disposto no artigo 619.º, n.º 1, do C.P.C., nos termos do qual “[t]ransitada em julgado a sentença […] que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º” – normas estas que são inaplicáveis ao presente caso, pois nenhuma litispendência ou caso julgado se verificou nem nenhum recurso extraordinário de revisão.”
SSS) Quanto a este ponto diga-se que é perturbante a postura do Tribunal a quo no que toca a esta matéria. E é-o porque, como se constata ao longo de toda a douta Sentença, inclusive da prova produzida em audiência de julgamento, o Tribunal a quo é o mesmo que o Tribunal que apreciou da acção de interdição que correu termos contra o falecido F. M., como já o referimos, e muito bem andou a Meritíssima Juiz quando veio, conscientemente, e junto do Tribunal da Relação de Guimarães formular pedido de escusa na intervenção nos autos cuja Sentença ora recorremos.
TTT) Decidindo os Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães indeferir tal incidente de escusa concluindo que “(…) o julgamento a efectuar, na apreciação que fizer da matéria de facto, não deixará nunca se ater, exclusivamente, à prova produzida que, naquele concreto processo, foi produzida, dando provada em consonância com essa produção, ainda que, em tese, possa ser contrária à que, em outro, deu como provada.”
UUU) Perante isto, permita-se dizer que, se numa primeira fase, entendemos que o próprio pedido de escusa apresentado pela Meritíssima Juiz, demostra não haver interesse na causa, posteriormente, o que se vem a verificar a final, é exactamente o contrário, pois, e a própria sentença denota isso, os factos provados e a própria decisão na acção de interdição que correu termos contra F. M. influenciou a formação da convicção do Tribunal a quo, e prova disso é, entre o mais, a intervenção da Meritíssima Juiz aquando do depoimento das testemunhas Dr. F. G. e M. B..
VVV) Posto isto, verificar se pode que o invocado, pelos Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Coimbra, princípio da imparcialidade, não foi devidamente salvaguardado, o que, e perante o qual não podemos ficar pávidos e serenos, pois a Lei Fundamental assegura a todos a tutela jurisdicional e a boa administração da justiça, princípios e normas constitucionais aqui grosseiramente violados.
WWW) Prosseguindo, ainda quanto a isto, e mesmo depois do douto Acórdão da Relação de Guimarães, quanto ao incidente de escusa levantado, adianta o Tribunal a quo, na douta Sentença a que ora repostamos que, “(…) temos para nós que a referida decisão, atenta a inabalável força do caso julgado material de que goza, seria bastante para a prova da incapacidade de F. M. desde, pelo menos, 29.10.2011 – sabendo que a mesma assentou no interrogatório presidido pela signatária em 08.06.2017 (cujo conhecimento daí adveniente não poderia jamais ser ignorado e afastado), que verificou pessoalmente o estado de extrema degradação física e mental em que se encontrava o falecido,
XXX) (…) Por essa razão, atinente à decisão proferida no âmbito da acção de interdição, que reafirmamos ser incontornável em relação à matéria sobre que incidiu, também se nos apresenta como altamente suspeita a conduta levada a cabo pela Ré, poucos dias antes do exame pericial, consubstanciada na intervenção em casamento civil com F. M. (em 04.05.2017), (…) matéria que está a ser objecto da respectiva acção de anulação de tal acto (conforme é do conhecimento funcional da signatária)
YYY) (…) Lembrando uma vez mais que a signatária presidiu ao interrogatório de F. M., o qual teve lugar no dia 08.06.2017, seguido de exame pericial, e estando a falar-se de uma diferença de apenas 35 dias, entre o dia da celebração do casamento e o dia do interrogatório, face ao que foi claramente explicado pela testemunha C. P., contado pelas demais testemunhas, constatado pelo Tribunal e confirmado pelo perito médico-legal quanto à condição física e mental do idoso, é absolutamente inquestionável que no dia 04.05.2017 o centenário não tinha qualquer consciência do acto que foi celebrado na sua presença, (…).”
ZZZ) Não devia a Meritíssima Juiz atender apenas e exclusivamente, à prova produzida no caso sub judice, proferindo então a Sentença em consonância com essa prova produzida em audiência de julgamento, ainda que, por hipótese, possa ser contrária à que, naquele processo de interdição deu como provada?
AAAA) É que, o Tribunal a quo diz na douta Sentença, claramente e sem hesitações que : - “(…) a mesma assentou no interrogatório presidido pela signatária em 08.06.2017 (…) cujo conhecimento daí adveniente não poderia jamais ser ignorado e afastado (…) matéria que está a ser objecto da respectiva acção de anulação de tal acto (conforme é do conhecimento funcional da signatária). (…) Lembrando uma vez mais que a signatária presidiu ao interrogatório de F. M., o qual teve lugar no dia 08.06.2017. (...) constatado pelo Tribunal.”
BBBB) Onde é que ficou aqui assegurado o princípio da imparcialidade, da tutela jurisdicional, da boa administração da justiça?
CCCC) Por tal, outra decisão que não a de anular todo o processado não se encadeia com a Lei, com a Constituição, com o Direito.
DDDD) Continuando e já no que toca à convicção que o Tribunal a quo formou com base nos depoimentos das Testemunhas Dr. F. G. e M. B., note-se que admite o Tribunal a quo que os depoimentos de tais testemunhas não foi desinteressado, visto que estas tinham “evidente interesse na questão já que uma foi a 2.ª Ajudante da Conservatória do Registo Civil que celebrou o casamento e até foi visada por um procedimento disciplinar (sobre o qual recaiu decisão de arquivamento, ainda não transitada, pelo menos que seja do conhecimento da signatária, pois dela pois interposto recurso tutelar para a Ministra da Justiça, conforme fls. 181)”
EEEE) e outra foi o subscritor de um relatório psiquiátrico que concluiu que F. M. “apresenta capacidades cognitivas suficientes para poder decidir por si, o seu património e sobre a administração dos seus bens”, tendo sido elaborado em circunstâncias (desde logo temporais, causais e espaciais) altamente suspeitas, e contra o qual, de acordo com o conhecimento funcional da signatária, foi instaurado procedimento criminal.”
FFFF) Mais uma vez o conhecimento funcional da Meritíssima Juiz esteve na base da formação da sua convicção, como é alias o próprio Tribunal a quo a referir.
GGGG) Ainda refere o tribunal que as testemunhas ouvidas e arroladas pela Recorrida, são “testemunhas com evidente interesse na questão, já que uma foi a 2.ª Ajudante da Conservatória do Registo Civil que celebrou o casamento e até foi visada por um procedimento disciplinar (…) e outra foi o subscritor de um relatório psiquiátrico que consenta capacidades cognitivas suficientes para poder decidir por si, o seu património e sobre a administração dos seus bens”, tendo sido elaborado em circunstâncias (…) altamente suspeitas, e contra o qual, de acordo com o conhecimento funcional da signatária, foi instaurado procedimento criminal; acresce que ambas prestaram um depoimento de forma evidentemente comprometida, parcial, insegura, incongruente, obviamente direccionado a “defender” o acto que cada uma praticou, mais do que a esclarecer as circunstâncias em que o praticaram, desiderato este não alcançado.”
HHHH) Quanto ao depoimento da Testemunha Dr. F. G. não se compreende a justificação dada pelo Tribunal a quo para justificar a qualificação que fez ao mesmo depoimento, quando o mesmo raciocínio não faz no que concerne ao depoimento da Testemunha Dr. C. P., pois estamos a falar de dois clínicos que elaboraram relatórios com base no conhecimento clínico que têm e da avaliação que fizeram quando por duas vezes, apenas, estiveram com F. M..
IIII) Claramente o Tribuna a quo valora o depoimento do segundo clínico, em detrimento do primeiro, por forma, a uma vez mais sustentar a sua fundamentação, chegando mesmo ao ponto de referir que contra este último pendia um processo crime segundo informação que tem devido ao seu conhecimento funcional.
JJJJ) Mas já que é tão vasto o seu conhecimento funcional, e se mostrou bastante útil para a apreciação do objecto de litígio nos presentes autos, devia aproveitar o mesmo para referir também que contra o clínico Dr. C. P. pendia uma queixa crime, cuja cópia a Recorrente juntou na contestação apresentada.
KKKK) Já quando ao depoimento da Testemunha M. B., 2ª Ajudante da Conservatória do Registo Civil de ..., o Tribunal a quo não só desvalorizou completamente o mesmo, como foi para além disso, pois que,
LLLL) apesar de não ter feito o mesmo com os outros documentos juntos pela Recorrente, esmiuçou ao limite, na douta Sentença, o documento referente ao arquivamento do processo de inquérito do IRN de fls. 184-201, junto pela Recorrente em articulado superveniente.
MMMM) Permita-se dizer que muito se estranha que só este documento, de todos os que foram juntos pela Recorrente, tenha sido pelo Tribunal a quo valorado, o que nos leva a crer que a posição do Tribunal a quo, foi tendenciosa, se não vejamos,
NNNN) do referido documento pode ler-se que o casamento não foi realizado na Conservatória do Registo Civil de ... porque os documentos de identificação dos nubentes não se encontravam actualizados, mas nos factos provados o Tribunal a quo, dá como provado no ponto 15. da douta Sentença que “A Ré procurou os serviços daquela Conservatória depois de o ter feito em ... no dia 12.04.2017, desistindo de desencadear o respectivo processo junto da respectiva Conservatória do Registo Civil em virtude de a esta ter chegado o conhecimento da pendência do processo identificado em 20. e de os filhos de F. M. terem ficado a saber dos intentos daquela.”
OOOO) Não se compreende a interpretação que o Tribunal a quo fez da prova produzida, chegando mesmo ao ponto de referir que serviu de fundamento para a formação da sua convicção as declarações prestadas nesse processo de inquérito.
PPPP) Ou seja, serviu-se de factos que não presenciou, cuja veracidade não ficou provada na presença o Tribunal a quo, apenas por este foi lido, no documento que pela Recorrida foi junto.
QQQQ) Ora, se não se questiona a veracidade do documento quanto as declarações constantes do mesmo e transcritas na douta Sentença, que serviram inclusive para argumentar a convicção construída pelo Tribunal a quo, porque é que questiona este, o procedimento seguido pela 2º Ajudante de Conservatória? Quando do mesmo documento se extraí que aquele foi cumprido de acordo com as normas e regras vigentes, e por isso mesmo foi, como não podia deixar de ser, o procedimento de inquérito arquivado.
RRRR) Não se compreende o caminho perfilhado pelo Tribunal a quo no que toca à descoberta da verdade em prol da boa decisão da causa, pois é este, ou deveria ser este o seu móbil, por forma a assim pugnar pela boa administração da justiça.
SSSS) Já quanto ao direito propriamente dito, refira-se que é evidente a parcialidade do Tribunal a quo na apreciação e decisão da causa.
TTTT) Consideramos que a imparcialidade do Juiz é um pressuposto de validade do processo, devendo por isso o Juiz colocar-se entre as partes e acima delas, daí ser esta a primeira condição para que possa qualquer Magistrado exercer cabalmente a sua função jurisdicional.
UUUU) Tal pressuposto, tem carácter universal e consta, do artigo X da Declaração Universal dos Direitos do Homem, “Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir sobre seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele”.
VVVV) Tal imparcialidade do Magistrado Judicial é uma garantia de justiça para as partes e, embora não esteja expressa, é sem dúvida uma garantia constitucional, por isso, têm as partes o direito de exigir um Juiz imparcial, sendo que, o Estado que reservou para si o exercício da função jurisdicional, tem o correspondente dever de agir com imparcialidade na solução das causas que lhe são submetidas.
WWWW) É, assim, imparcial todo aquele Juiz que não tem interesse no objecto do processo nem queira favorecer uma das partes, não obstante ter interesse que a sua sentença seja justa e que actue unicamente com esse compromisso.
XXXX) Claro que imparcialidade não significa que deva o Magistrado Judicial ser neutro diante dos valores a serem salvaguardados por meio do processo, até porque não há violação ao dever de imparcialidade quando o Juiz se empenha por forma a que seja dada razão àquela parte que efectivamente agiu segundo o nosso ordenamento jurídico.
YYYY) Ainda, ser imparcial, não significa também que deva o Juiz ser desinteressado, pois deve, este, tomar todas as providências legais ao seu alcance para que, a final, o vencedor seja aquele que esteja realmente amparado pelo direito material em discussão.
ZZZZ) Mas tal atitude activa do Juiz não pode extravasar o razoável, não pode, como aconteceu, a Meritíssima Juiz disponibilizar o seu telemóvel pessoal para se ligar à Recorrente, por forma a que esta comparecesse na audiência de discussão e julgamento conforme estava notificada.
AAAAA) Não pode, como aconteceu, a Meritíssima Juiz, munir-se de factos de que teve conhecimento no âmbito de outro processo, para esmiuçar o depoimento prestado pelas testemunhas arroladas pela Recorrente, como supra se deixou evidente.
BBBBB) Já quanto à matéria de direito que concretamente se aplica ao caso, importa fazer várias ressalvas, pois entendemos que mal andou o Tribunal a quo na aplicação do direito ao caso sub judice.
CCCCC) Ora, quanto ao casamento em si mesmo considerado, diga-se que, não há na lei fundamental um princípio de protecção ao casamento, todavia a instituição do mesmo está constitucionalmente garantida no seu nº 1 do art. 36º, pois não faria qualquer sentido existir o direito ao casamento como um direito fundamental que é, e ao mesmo tempo afear-se o legislador do seu núcleo essencial.
DDDDD) Não existe no nosso ordenamento jurídico a obrigatoriedade de realização de exame médico pré-nupcial, à semelhança do que sucede, por exemplo no direito francês, pois o que é decisivo para a realização do mesmo, é a expressão de vontade no momento da sua celebração, como aliás se extrai do disposto no art. 1619º do C. Civil.
EEEEE) Ou seja, parece que podemos aqui dizer, com alguma legitimidade, que as condições físico-intelectuais de um dos nubentes não é causa essencial para a celebração do casamento, pois casos há, legalmente previstos na lei, em que o mesmo é realizado de urgência.
FFFFF) O essencial, e sem isso não pode em circunstância alguma celebrar-se casamento civil é a exacta consciência e a vontade manifestada de forma inequívoca, e, apesar de o pai dos Recorrido ter já avançada idade, diga-se 101 anos à data do casamento, é apenas suficiente para a celebração do casamento que este expresse, como o fez, segundo o depoimento prestado pela Testemunha M. B., a sua real vontade em contrair o casamento,
GGGGG) e encontrando-se o mesmo calmo, lúcido, consciente, orientado, desperto, com plena consciência do ato que queria e estava a realizar, com respeito por todas as normas substantivas e processuais que regem o casamento, não pode o mesmo ser anulado.
HHHHH) Note-se que todas estas exigências processuais se cumpriram aquando da realização do ato, como o prova o despacho de arquivamento do Instituto dos Registos e do Notariado, conforme documento carreado nos autos,
IIIII) pois as determinações legais, foram, como podiam deixar de ser escrupulosa mente cumpridas, pois que andariam muito mal as Conservatórias do Registo Civil em Portugal, caso desrespeitassem as normas e regras jurídicas vigentes.
JJJJJ) Como afirma Rodrigues de Bastos, “a manifestação da vontade dos nubentes de contraírem casamento, produzida no próprio acto da celebração deste, é que constitui o seu núcleo essencial.”
KKKKK) O casamento é, como sabemos um acordo entre um homem e uma mulher realizado em cumprimento das determinações da lei e dirigido ao estabelecimento de uma plena comunhão de vida entre eles.
LLLLL) De acordo com o princípio pas de ullité san texte, plasmado no art.1627º do C. Civil, ou seja, princípio de que, ao contrário do que sucede no direito comum, não há nulidades tácitas, mas só expressas, devendo, por isso, considerar-se válidos todos os casamentos relativamente aos quais não se verifica nenhuma das causas de inexistência ou anulabilidade especificadas na lei, designadamente no art. 1631º do C. Civil,
MMMMM) pois é apenas anulável, nos casos em que o casamento é contraído com impedimento dirimente, quando celebrado com falta de vontade de um ou ambos os nubentes, quando tenha havido vício da vontade juridicamente relevante ou ainda nos casos em que o mesmo é celebrado sem a presença das testemunhas exigidas por lei.
NNNNN) De facto, a letra da lei diz no seu art. 1577º do C. Civil que o casamento “é o contrato celebrado entre duas pessoas que pretendem constituir família mediante a plena comunhão de vida (…)”,
OOOOO) mas o casamento vai para além disso, pois trata de uma comunhão de vida em que os cônjuges estão reciprocamente vinculados, mas vinculados pelos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência, de uma comunhão de vida exclusiva e presumidamente imperecível.
PPPPP) A bem da verdade, o casamento civil não alterou o modo de vida da Recorrente e do pai dos Recorridos, simplesmente concretizou uma vontade já querida há muito por ambos, pois repita-se, o pai dos Recorrentes, de forma clara e inequívoca o disse perante a Ajudante de Conservadora, e bem assim tinha consciência do ato que praticava no momento que o praticava, pois, caso assim não fosse jamais esta celebraria casamento, porque bastava um “não” para que o ato não se consumasse, o que aliás nos parece óbvio.
QQQQQ) Quanto à acção de interdição e subsequente Sentença proferida nesses autos, saliente-se, uma vez mais que, o pai dos Recorridos apenas foi interdito provisoriamente e apesar disso não podemos olvidar que inúmeros foram os actos que o pai dos Recorridos praticou desde essa data de 29 de Outubro de 2011 e a data da celebração do casamento, actos esses provados documentalmente, mas cuja prova não foi valorada pelo Tribunal a quo.
RRRRR) É que além do testamento outorgado perante um oficial público, pelo menos mais dois actos foram realizados também perante a presença de um oficial público.
SSSSS) Assim, sempre se dirá que, a simples presença de um funcionário especializado que goza de fé pública, é uma primeira e qualificada garantia de que o documento que se outorga está de acordo com a vontade das partes.
TTTTT) Ainda, e já quanto à referência por parte do Tribunal a quo de que o pai dos Recorridos, não se encontrar bem no dia da citação realizada no processo de interdição que contra si corria termos, e que se presume que daí em diante o mesmo nunca mais se encontrou em condições, diga-se que tal raciocínio não tem qualquer suporte fáctico, nem tão pouco se pode concluir que o Sr. F. M. estava incapaz desde essa data só porque naquele momento, e nas naquelas circunstâncias concretas de tempo, modo e lugar, não se encontrava bem.
UUUUU) Por tal não corresponder totalmente à verdade, após ouvir o Senhor F. M. e de este expressar claramente a sua vontade, considerou e bem a Sra. Ajudante de Conservadora do Registo Civil de ..., que não a Conservadora, mas que tem igualmente legitimidade, ser isso suficiente para a realização de tal acto, porque realizado em cumprimentos das imposições legais.
VVVVV) Saliente-se que a d) do art. 297º do C. R. Civil sujeita à sanção prevista no art. 296º do mesmo diploma legal, o funcionário do registo civil que realize o casamento “quando algum dos nubentes reconhecidamente se encontre em estado de não poder manifestar livre e esclarecidamente a sua vontade.”
WWWWW) Não iria, como não foi e prova disso é o processo que correu termos, com toda a certeza a Sra. Funcionária ajudante da Conservadora do Conservatório do Registo Civil de ... correr o risco de lhe vir a ser aplicada tal sanção legalmente prevista.
XXXXX) Ora, dúvidas não há de que o consentimento deve ser livre, e para tal, é necessário que a vontade dos nubentes tenha sido esclarecida, ou seja, formada com exacto conhecimento das coisas.
YYYYY) e que a mesma se tenha formado com liberdade exterior, isto é, sem a pressão de violências e ou ameaças, pois só são relevantes em matéria de casamento os vícios da vontade previstos especialmente na lei, justamente o erro e a coacção, e não os restantes.
ZZZZZ) Já no que à anomalia psíquica respeita, e evidenciada pelo Tribunal a quo, refere-se que é impedimento dirimente absoluto a demência notória, culminando tal impedimento na anulabilidade do casamento.
AAAAAA) Limita-se o Tribunal a quo a dar como provado tal demência com base na acção de interdição que correu termos contra o pai dos Recorridos e bem assim com base nos factos de que teve conhecimento por causa das suas funções jurisdicionais, para assim servir de pilar à sua convicção.
BBBBBB) Não é preciso alguém padecer de demência para não poder tratar dos seus assuntos, pois casos há, em que pessoas perfeitamente sãs não o conseguem fazer simplesmente por falta de capacidades intelectuais.
CCCCCC) Mais se diga que, no casamento não se trata, de todo, de ponderar os interesses das duas partes e achar um ponto de equilíbrio entre ele, pois a lei não visa aqui proteger o interesse e uma das partes, mas sim o interesse social, por forma a exigir o cumprimento de regras e imposições legais aquando da prática de determinados actos, como sucede com o casamento civil.
DDDDDD) O casamento é sempre válido se a alteração das faculdades mentais não retirar ao nubente a consciência do acto,
EEEEEE) o que não só se verificou como encontra-se apoiado também no facto de durante o período que o Tribunal fixou como estando pai dos Recorridos interdito provisoriamente, existirem momentos de plena lucidez e capacidade jurídica.
FFFFFF) Finalmente, perante todo o alegado quer no que respeita à matéria de facto dada como provada e não provada pelo Tribunal a quo, quer no que toca ao direito aplicado ao caso em análise, insurgiu-se a Recorrente pois que foram violadas e ou mal interpretadas as seguintes normas jurídicas: n.º 2 do art. 542 do C.P. Civil, n. 1 do art. 119º do C.P. Civil, n. 2 do art. 257º do C. Civil, art. 294º do C. Civil, art. 1577º do C. Civil, art. 1601º do C. Civil, art. 1619º do C. Civil, art. 1627º do C. Civil, art. 1631º do C. Civil, art. 1632º do C. Civil, art. 1672º do C. Civil, art. 1773º do C. Civil, alínea d) do art. 297º do C.R. Notariado, n. 1 do art. 13 da C.R. Portuguesa, n. 1 do art. 36º da C.R. Portuguesa e ainda o n.1 do art. 202º da C.R. Portuguesa.

Termos em que devem Vossas Excelências conceder integral provimento ao presente recurso, revogando-se a douta Sentença recorrida em conformidade com o acima exposto e em consequência absolver a Recorrente da condenação em multa em virtude da litigância de má fé e bem assim, declarar válido o casamento civil celebrado no dia 4.5.2017, entre a Recorrente e F. M., assim se fazendo certa e Sã Justiça.
*
Os AA. vieram responder ao recurso e ampliar o seu objecto nesse sentido concluindo nos seguintes termos:

1. A Recorrente pretende por em crise a douta a sentença recorrida: i) Quanto à litigância de má fé; ii) Impugnando (rectius, dizendo que impugna) a matéria de facto provada e não provada; iii) Criticando a decisão jurídica (sem se vislumbrar como poderia ter decidido em sentido contrário); iv) À cautela, como que a preparar recurso para o TC, para obstaculizar ao trânsito da decisão, invoca a violação de preceitos constitucionais (sem nunca dizer em que é que as normas aplicadas violam esses preceitos constitucionais, e só isso seria fundamento de recurso para o TC).

LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ

2. Foi a Recorrente condenada como litigante de má fé porque, em síntese, a sua conduta “se enquadra nas alíneas a), b) e c), do n.º 1 do artigo 542.º do C.P.C”.
3. In casu, é por demais evidente que:

- A Ré bem sabia que o pai dos Recorridos padecia de anomalia psíquica, ao contrário do por si alegado na contestação, pois que, conforme afirmou à Funcionária Judicial que tentou a citação do pai dos Recorridos na acção de interdição, “segundo informação da D. R. M., há já muitos anos (sem especificar quantos), que o Senhor F. M., não tem condições para tratar dos «seus assuntos»”. Trata-se de documento autêntico, certificado nos autos, que faz prova plena do seu conteúdo.
Também assim o certificou o Inspector Tributário em 2016 (Doc. junto aos autos).
- A Ré bem sabia que o pai dos AA padecia de anomalia psíquica, ao contrário do por si alegado na contestação, porque com ele convivia há mais de 30 anos e sabe que, desde, pelo menos, 2011, deixou de falar (fazia-o apenas por monossílabos), deixou de andar (era a Ré quem o carregava aos ombros para o arrastar para onde queria…), deixou de pedir comida e bebida, sendo necessário dar-lha á boca, deixou de conhecer as pessoas – cfr. Itens 11 a 13 da matéria de facto provada e ainda a matéria de facto provada na acção de interdição, certificada nos autos, com a sua autoridade de caso julgado;
- A Ré bem sabia, ao contrário do por si alegado na contestação, que o pai dos AA estava incapaz de reger sua pessoa e bens, estando totalmente dependente da pessoa que dele tratava, a própria Ré;
- A Ré bem sabia, ao contrário do por si alegado na contestação, que o pai dos AA, enquanto esteve lúcido, e depois de ficar viúvo, jamais se casaria com outrem, especialmente com uma empregada doméstica.
- A Ré bem sabia e bem sabe, ao contrário do por si alegado na contestação, que, fruto da anomalia psíquica de que padecia o pai dos AA, a qual era notória – item 19 da matéria de facto provada – não entendeu nem pretendeu o acto que aconteceu na Conservatória do Registo Civil de ..., tendo-se aproveitado também dessa condição do idoso, da sua vulnerabilidade e ainda do ascendente que tinha sobre ele;
- A Ré, por saber da realidade do estado de saúde mental do pai dos Recorridos, e querendo fazê-lo, alterou a verdade dos factos quando alegou na contestação que, ao contrair o casamento anulando, o pai dos AA se apresentava lúcido, consciente, orientado, desperto, localizado no tempo e no espaço, com plena consciência do acto que queria praticar, manifestando essa vontade de forma expressa e inequívoca (tal é ontologicamente impossível como se demonstra no laudo pericial certificado nos autos, e tal como o afirmou a testemunha Dr. C. P., Psiquiatra que examinou o pai dos Recorridos – o item 17 da matéria de facto provada, também ele, fala por si);
- A Ré alterou a verdade dos factos, quando alegou despudoradamente que viveu com o idoso em condições análogas às dos cônjuges, partilhando leito – veja-se o depoimento de A. R., referenciado na fundamentação da sentença, testemunha arrolada pela Ré, que frequentava a casa e sabe que a Ré dormia numa cama de solteira, ao lado da cama do pai dos Recorridos -, mesa e património (a transacção na acção de petição da herança, anterior à contestação desta acção, na qual reconheceu que os bens que geria são todos da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito da mãe dos Recorridos, infirma tal alegação, devendo, por isso, impedi-la de a fazer).
4. Destarte, a Ré deduziu oposição cuja falta de fundamento não podia e não devia ignorar e alterou conscientemente a verdade dos factos dela bem conhecidos.
5. Mas, e por outro lado, tendo requerido as suas próprias declarações parte, entendendo o Tribunal que as mesmas eram importantes á descoberta da verdade material, pôs-se incontactável, furtando-se à acção da justiça pois que não compareceu em Tribunal quando para tal foi notificada e colocou-se em parte incerta para que a sua comparência não se fizesse pelos meios coercitivos, desta forma praticando omissão grave do dever de cooperação – tudo certificado nos autos.

A IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

6. A Recorrente pretende impugnar a matéria de facto sem que tenha cumprido os ónus impostos pelo n.º 2 do art.º 640º do CPC, o que implica rejeição do recurso, nesta parte. Com efeito:

a) Não indicou os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
b) Não indicou o sentido da decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas;
c) Limitou-se a transcrever passagens truncadas de depoimentos de testemunhas que nada impõem em sentido contrário, e que foram descredibilizadas pela Sr.ª Juiz a quo;
d) Quer impor a sua própria convicção contra a convicção da Sr.ª Juiz do processo, violando o princípio da livre apreciação da prova
7. A Relação de Guimarães tem vindo a afirmar, de forma uniforme, que “O Tribunal da Relação só deve alterar a decisão da matéria de facto se formar a convicção segura da ocorrência de erro na apreciação dos factos impugnados” (Por todos, cfr. o recentíssimo Ac da RG de 21/02/2019, processo 312/17.4T8CHV.G1, in www.dgsi.pt).
Situação que, manifestamente, não ocorre no caso em apreço, como se demonstrará.
8. A Sr.ª Juiz ancorou a matéria de facto provada e não provada nos seguintes meios probatórios:
- Os depoimentos de 8 das testemunhas arroladas pelos AA e da testemunha A. R., arrolada pela Ré, todas vizinhas e amigos do pai dos Recorridos, que bem o conheciam e com ele conviviam amiúde, as quais depuseram de forma credível, séria, desinteressada, espontânea, esclarecida, expressiva e objectiva, coincidente entre si e com razão de ciência inquestionável, o que a Recorrente nem ousa por em crise, as quais, em síntese, afirmaram que o pai dos AA, nos últimos anos de vida (por referência a Julho de 2017) estava absolutamente incapaz de gerir sua pessoa e património; que estava 100% incapaz; que estava apático, ausente; que já não punha nem dispunha, não dava ordens aos empregados; que já nem os conhecia e não conhecia ninguém; que estava já no outro mundo; que se estivesse bem não casava com a empregada; que esta ganhou a sua confiança e dela se aproveitou em seu benefício; que não estava em condições de dizer sim ou não para efeitos de casamento.

- Nos documentos juntos aos autos, com realce para:

A nota de alta hospitalar, emitida por hospital público do SNS, junta a fls. 30, datada de 23/02/2017, que descreve o estado de dependência do pai dos Recorridos (“descreve o falecido como «totalmente dependente, vive com empregada… encaminhado do Hospital …»),;
Os relatórios psiquiátricos emitidos pelo Dr. C. P., médico que examinou (e não lhe fez apenas uma alegada entrevista como refere a testemunha Dr. F. G.) o pai dos Recorridos (fls. 30 vº, datado de 29/10/2011 - alude a “Processo Demencial com Deterioração Mental, doença que evolui há vários anos e é determinante de uma total incapacidade para ajuizar e valorar correcta e adequadamente, bem como cuidar de si mesmo e dos seus bens” – e fls. 34, datado de 25/01/2016 “que descreve o falecido com «um quadro demencial» e uma «situação incapacitante para ajuizar e valorar correcta e adequadamente a gestão dos seus bens» e conclui que, «por ser incapaz de exercer as actividades da vida diária, estando incapacitado de entender e querer, necessita permanentemente do apoio de terceira pessoa»” corroborados pelo depoimento isento e convincente do referido Clínico, o qual declarou que viu e examinou o pai dos Recorridos em 2011 e em 2016 “confirmou a alteração das funções cognitivas que lhe observou e diagnosticou, já nessa altura era uma pessoa influenciável e sugestionável – tendo usado a alegoria do “cofre com moedas”, a informação do cérebro humano, para explicar o que encontrou na pessoa do Sr. F. M., um “líder” que tinha perdido muitas moedas, que é um processo progressivo e gradual, que já tinha iniciado uns anos antes, com perdas de memória –, e a segunda em 2016, aquando da elaboração do relatório de fls. 34, em que, de forma peremptória, afirmou tê-lo encontrado numa clara situação de absoluta dependência e incapacidade, totalmente dependente de terceiros (“o líder estava acamado, no seu cadeirão”), perfeitamente vulnerável e influenciável, sem qualquer “janela de oportunidade”, refutando com bastante veemência o teor dos relatórios de fls. 156-15740 (“custa-me a acreditar que colegas meus tenham subscrito esses relatórios” – confrontado com afirmações particulares desses relatórios, referiu serem para si impossíveis), explicando que é totalmente inverosímil o invocado quadro depressivo, pois o sentimento de depressão e tristeza pressupõe que a pessoa tenha as capacidades cognitivas conservadas e, em 2016, com o défice cognitivo que apresentava, já não era possível dar-lhe qualquer oportunidade («a partir de 2015/2016 já não lhe dou qualquer oportunidade»), que o Sr. F. M. se encontrava numa fase de ascensão, próxima da condição de criança41, em que «a última coisa que ele vai esquecer é a que aprende em primeiro lugar» («as primeiras vivências que tivemos são sempre as últimas que perdemos», sendo essas «janelas temporais que surgem no momento»), num processo de degradação mental totalmente irreversível e, atento o estado máximo de incapacidade atingido (de perda total de «moedas»), já sem grande evolução, assegurando que, por essas razões, é impossível que no dia do casamento tivesse qualquer capacidade de entender o que estava a fazer, mas sendo uma pessoa perfeitamente sugestionável, influenciável (com isso percebendo o Tribunal claramente que o modo como a pergunta lhe é colocada pode sugestionar-lhe uma resposta fácil, ou «sim» ou «não», consoante a pergunta seja na positiva ou na negativa), subscrevendo inteiramente o relatório médico-legal, que reflecte bem a evolução que o senhor sofreu”;
A certidão negativa de fls. 35 (datada de 30.01.2017, que referencia “segundo informação da D. R. M., há já muitos anos… o Senhor F. M. não tem condições para tratar dos seus assuntos”;
As fotografias de fls. 101 e 102, que bem atestam o estado de debilidade do pai dos Recorridos;
O relatório de perícia psiquiátrica de fls. 20-23 do Apenso A (incidente sobre exame realizado em 08.06.2017, que conclui “o examinando evidencia uma Demência” e “um tal quadro neurodegenerativo, com carácter crónico e irreversível, incapacita-o totalmente, pelo menos desde 29 de Outubro de 2011, de governar a sua pessoa e bens”), o auto de interrogatório de fls. 94-96 do Apenso B e respectiva gravação constante de CD anexo ao mesmo Apenso. Tal relatório pericial “desmonta” ainda o relatório do Dr. F. G., ao afirmar que “Não parece assim verosímil, em bom rigor clínico-psiquiátrico, que, em datas recentes (como o mês de Abril do corrente ano) pudesse o examinado manifestar um quadro depressivo (reactivo), situação clínica que implica a existência de uma capacidade cognitiva plena, o que não se coaduna com o estado de deterioração mental avançado”.
A sentença proferida na acção de interdição, transitada em julgado, com toda a sua autoridade de caso julgado, que declarou verificados os pressupostos para a interdição definitiva por anomalia psíquica de F. M. que, não fora o seu falecimento na pendência da acção, seria de decretar; e fixou o começo da incapacidade do Requerido no dia 29.10.2011.
9. Toda esta documentação, tal como demonstra a Sr.ª Juiz a quo, corrobora o relato feito pelas testemunhas quanto ao claro e evidente estado de incapacidade (não só física mas também mental) de F. M., reportado a uns (bons) anos antes da data do falecimento – no que toca ao depoimento de algumas testemunhas, também quanto à tomada pela Ré, contemporânea do surgimento desse estado, da gestão da vida (traduzida em total dependência e ascendência da/sobre a pessoa de F. M.) e dos bens daquele.
10. Finalmente, e não menos importante, a Sr.ª Juiz a quo convocou a sua própria percepção dos factos adquirida “no interrogatório presidido pela signatária em 08.06.2017 (cujo conhecimento daí adveniente não poderia jamais ser ignorado e afastado), que verificou pessoalmente o estado de extrema degradação física e mental em que se encontrava o falecido, e no relatório médico-legal que teve por base o exame às suas faculdades mentais realizado por Perito Médico na mesma diligência”, estando o CD do interrogatório junto aos autos.
11. Conjugando todos estes meios de prova, de forma crítica, tal como fez a Sr.ª Juíza a quo, apenas uma conclusão é possível extrair: o pai dos Recorridos, desde pelo menos 2011, padecia de demência que o impedia de contrair casamento, doença essa que era bem conhecida da Ré. Demência essa que era notória porque conhecida de toda a Comunidade onde se inseria o pai dos Recorridos
12. No que tange ao relatório da perícia médico-legal, se é verdade que o resultado da perícia é livremente apreciado pelo Tribunal – art.º 489º do CPC -, não menos verdade é que tanto a doutrina como a jurisprudência entendem que o juízo científico que encerra o parecer pericial, só deve ser posto em crise por “uma crítica material e igualmente científica”, de igual ou superior valor (assim o Ac da RE de 23/03/2017, processo 65/14.8TBCVD.E1, in www.dgsi.pt), que inexiste nos autos, razão pela qual tem de se aceitar o seu laudo: o pai dos Recorridos estava absolutamente incapaz de entender e querer desde Outubro de 2011.

13. A Recorrente pretende por em causa todos estes meios de prova com base em:

Relatório de um Psiquiatra por si contratado, que despudoradamente mentiu em Tribunal;
Depoimento da uma Ajudante da Conservatória do Registo Civil, sobre a qual pende processo crime por ter levado a cabo o casamento de alguém absolutamente incapaz de entender e querer, que igualmente mentiu em Tribunal e que entrou em evidentes contradições;
Declarações truncadas da Autora M. P., que afirmou em julgamento, afirma e afirmará que a Ré era tratada como família, como eram e são todos os empregados da casa;
Depoimento da testemunha A. P., truncado e ignorado na parte em que afirmou que o pai dos Recorridos já não agia e que “se ele estivesse bem não casava com a empregada”; tendo afirmado ainda que nos últimos tempos já não o conhecia.
14. A simples enunciação da tese faz cair por terra a pretensão recursiva da Recorrida que, de resto, é manifestamente improcedente, salvo melhor opinião.

COM EFEITO:

15. O depoimento do Dr. F. G., que elaborou um relatório médico a pedido da Ré, “com base na anamnese efectuada”, ou seja, com base apenas em simples entrevista de 10/15 minutos, desacompanhada de qualquer exame clínico, é de uma pobreza franciscana. O aludido relatório foi posto em crise pela perícia médico-legal, efectuada pelo Instituto de Medicina Legal, certificada nos autos, a qual, de forma expressa e categórica, afirma que “Não parece assim verosímil, em bom rigor clínico-psiquiátrico, que, em datas recentes (como o mês de Abril do corrente ano) pudesse o examinado manifestar um quadro depressivo (reactivo), situação clínica que implica a existência de uma capacidade cognitiva plena, o que não se coaduna com o estado de deterioração mental avançado”. Ou seja, na prática afirma que o conteúdo do relatório é falso. Também a testemunha C. P., Psiquiatra de profissão, o pôs em crise ao afirmar no seu depoimento: “custa-me a acreditar que colegas meus tenham subscrito esses relatórios”; confrontado com afirmações particulares desses relatórios, referiu serem para si impossíveis).
16. O depoimento do Dr. F. G., é vergonhoso, pois que, no dizer da Sr.ª Juiz a quo, devidamente fundamentado, foi:
Comprometido;
Inseguro;
Titubeante;
Incoerente;
Inconsistente;
Sem qualquer razão de ciência
17. Chegou ao ponto de afirmar “se me tivessem dito que estava em causa um património de 2.000.000€ não teria elaborado o relatório”.
18. A Sr.ª Juiz censurou tal depoimento, descredibilizando-o de forma fundamentada, pois que, “referindo-se aos dois actos em que interveio, elaboração do relatório psiquiátrico e intervenção no testamento, com a justificação de que é diferente a capacidade cognitiva de uma pessoa que tem um pequeno património («pensei que eram apenas uns terrenos», «pessoa com poucas possibilidades económicas», tendo em conta as condições de vida que lhe viu) da capacidade cognitiva de uma pessoa que tem um grande património – com base no depoimento da testemunha C. P., corroborando o teor do relatório médico-legal de fls. 20-23 do Apenso A, e do entendimento advindo da experiência, do senso comum, da normalidade e da lógica, percebemos que não é assim, sendo outro o constrangimento da testemunha”. Reconheceu o dito Clínico que “nenhum exame lhe foi facultado e que seria necessária uma ressonância magnética cerebral45, tendo-se limitado ao exame directo, de perguntas e respostas”. O que valeu da Sr.ª Juíza a quo a afirmação de “que, pelas razões já expostas, duvidamos seriamente terem acontecido
– sabe bem o Tribunal o que aconteceu no interrogatório do Sr. F. M., que tipo de “diálogo” foi estabelecido com o centenário!”. A Sr.ª Juiz fez ainda ressaltar as incongruências do depoimento: “Assegurou que o Sr. F. M. lhe referenciou que o processo de interdição tinha sido instaurado pelos três filhos – sabendo-se que efectivamente o processo foi instaurado pelo Autor F. J. e vendo que a testemunha fez constar no relatório que foi “desencadeado por um dos filhos”, o que referiu tratar-se de erro quando foi confrontado com tal incongruência”; “Negou que lhe tivessem pedido o relatório para a celebração de casamento – tendo o relatório psicológico de fls. 156v/157, subscrito pela Psicóloga que o acompanhou na visita ao idoso, expressamente “por finalidade informar a Conservatória do Registo Civil [sobre] o actual estado em termos cognitivos”; “Também justificou a sua conclusão pela ausência de medicação para demência receitada pela médica de família, com a qual afirmou que um quadro demencial pode estabilizar”. “Afirmou que foi o próprio idoso que lhe falou do processo de interdição, mostrando-se zangado e triste, em sofrimento, com os três filhos que desencadearam o referido processo “para não o deixar fazer as coisas dele”. Refere a Sr.ª Juiz a quo, que também era a Juiz do processo de interdição: “sabendo-se que no processo de interdição não foi possível fazer a citação pessoal do idoso pois «segundo informação da D. R. M., há já muitos anos […] que o Senhor F. M. não tem condições para tratar dos seus assuntos» (cfr. certidão negativa de fls. 35). Continuou a testemunha dizendo que “esteve presente na outorga do testamento, em local de que já nem se lembrava (“ah, sim, em Vieira do Minho”), também a pedido da Advogada E. E., “por causa da idade”. Mas, diz – e bem - a Sr.ª Juiz a quo: “foi sugestiva a falta de resposta à observação que lhe foi feita no sentido de que para observar o idoso teve de se deslocar a Parada, atenta a sua incapacidade física, mas para fazer o testamento, note-se, a favor da pessoa com quem entretanto se havia casado, já o senhor se deslocou a 200 km de distância!”
19. Tal depoimento jamais pode impor seja o que for, para o que não tem sequer potencialidades, ademais quando contraditado por: uma i) perícia médico-legal; ii) relatórios de um Psiquiatra que, esse sim, examinou o pai dos Recorridos, complementados pelo seu depoimento claro e assertivo; iii) percepção da Sr.ª Juiz a quo no interrogatório que levou a cabo na acção e interdição e constante do CD junto aos autos; iv) restantes documentos juntos aos autos; v) depoimentos de todas as testemunhas inquiridas, vizinhos e amigos do pai dos Recorridos, que bem o conheciam e afiançaram do seu estado de incapacidade física e mental desde que veio do Hospital, em 2010
20. O depoimento da Ajudante da Conservatória do Registo Civil, também convocado pela Recorrente para impugnar a matéria de facto, sobre a qual pende processo-crime por ter levado a cabo o casamento de alguém absolutamente incapaz de entender e querer, é igualmente de uma pobreza tal que jamais pode impor seja o que for, para o que igualmente não tem potencialidades. Com efeito, a aludida testemunha não foi fiel à verdade e entrou em evidentes contradições, como a Sr.ª Juiz a quo bem salienta:

“Quanto às duas primeiras, para além de se tratar de pessoas que, para além do acto praticado no exercício das suas funções, esgotado no mesmo, nenhum outro conhecimento tiveram da pessoa do falecido F. M., portanto sem qualquer razão de ciência sobre a sua vivência e da sua condição pessoal – contrariamente às testemunhas cujos depoimentos acima sumulamos, todas próximas, vizinhas e amigas do falecido, sendo uma delas médico psiquiatra que o viu em circunstâncias com o distanciamento temporal suficiente para se afirmar a sua total desconexão com o processo de interdição, instaurado em 19.01.2017 (cfr. fls. 47 do Apenso B) –, estamos perante testemunhas com evidente interesse na questão, já que uma foi a 2.ª Ajudante da Conservatória do Registo Civil que celebrou o casamento e até foi visada por um procedimento disciplinar (sobre o qual recaiu decisão de arquivamento, ainda não transitada, pelo menos que seja do conhecimento da signatária, pois dela pois interposto recurso tutelar para a Ministra da Justiça, conforme fls. 181) (…); acresce que ambas prestaram um depoimento de forma evidentemente comprometida, parcial, insegura, incongruente, obviamente direccionado a “defender” o acto que cada uma praticou, mais do que a esclarecer as circunstâncias em que o praticaram, desiderato este não alcançado”.
“Com efeito, para além de ser para nós absolutamente certo e seguro, porque sustentado por prova que consideramos sólida, que F. M. à data de 19.04.2017 (da elaboração dos relatórios psiquiátrico e psicológico de fls. 156-157) e de 04.05.2017 (da celebração do casamento), cerca de dois meses antes de falecer, estava totalmente incapaz de querer e entender o que quer que fosse, as testemunhas M. B. e F. G. prestaram depoimentos confrangedores, por parte de quem os proferiu, e constrangedores, por parte de quem os ouviu, pela forma leviana, infundada, negligente, descuidada, nada convencida nem minimamente convincente, com que afirmaram terem feito a avaliação da situação que determinou a celebração do casamento, por parte de uma, e a elaboração do relatório psiquiátrico, por parte de outra, ambas na sequência de uma pretensa conversa mantida com o idoso, com a total colaboração deste”.

“Assim, a testemunha Maria, que começou por explicar que o acto foi marcado por telefone por uma advogada, Dr.ª E. E., e que lhe exigiu um atestado de residência e testemunhas, atenta a idade, e a advertiu que só celebraria o acto se o nubente lhe respondesse ao que lhe fosse perguntar (até aí tudo bem!), referiu que no dia 4 de Maio, pelas 09h30, compareceram apenas os nubentes e duas testemunhas e que esteve durante algum tempo a sós com o idoso, período esse durante o qual o mesmo esteve sempre “lúcido e colaborante”, respondeu a todas as perguntas que lhe fez e “conversou bem” (segundo a testemunha, disse-lhe o nome completo, a data e local do nascimento, local onde se encontrava, o nome dos cinco(?) filhos), para depois mencionar que, como tinha muita dificuldade em falar, aquele foi repetindo o que a testemunha lhe foi dizendo, como dizer “sim” quando lhe perguntou se era de sua livre vontade casar com a Ré (lembremo-nos do que a respeito nos explicou a testemunha C. P. e disseram todas as restantes testemunhas); também referenciou o momento em que o idoso assinou uma folha em branco, a pedido das pessoas que o acompanhavam sob o pretexto de tal vir a ser necessário (o que se estranha, já que a signatária presenciou no interrogatório de 08.06.2017, só dois meses depois do casamento, no âmbito da acção de interdição, conforme auto junto ao Apenso B, o Sr. F. M. sem qualquer força na mão para assinar, só tendo feito um “rabisco” imperceptível quando lhe foi dado um lápis, porque com uma esferográfica não conseguiu – confrontada com tal situação, a testemunha manteve que assinou –; e note-se que na referida acção foi junta uma procuração, supostamente outorgada pelo idoso, constando da mesma que “a presente procuração… vai ser assinada na residência do outorgante, e porque o mesmo já não assina, vai apor a sua impressão digital”, conforme se referência em IX. do despacho de fls. 71 do Apenso B); e descreveu a “cena” do pagamento do emolumento do acto, € 120,00, pasme-se pela mão de Aida (uma das testemunhas do acto), em que a testemunha achou graça à forma fixa como o idoso estava a olhar para as notas e lhe perguntou quantas eram, ao que o mesmo terá respondido que eram seis (não se percebe a atenção dada ao episódio e a necessidade de o interpelar para lhe dizer quantas notas eram, se estava tão lúcido e colaborante nas respostas solicitadas! – também no falado interrogatório a que a signatária presidiu, a pedido do Sr. Perito, o Sr. F. M. não soube identificar as notas que lhe foram apresentadas); mais ficou surpreendida a testemunha com a conversa que afirma ter ouvido entre o idoso e o indivíduo que testemunhou o acto sobre agricultura e tractores (também não se percebe o espanto se afirmou que o idoso teve consigo um conversa “boa”!); concluiu a testemunha com a afirmação de que não estranhou que uma pessoa residente em Bragança, que se encontrava fisicamente muito debilitado, locomovendo-se através de uma cadeira de rodas, se tenha deslocado a ... (note-se que são mais de 150km de distância), para casar, com o argumento de que “as pessoas são livres”, tendo a Dr.ª E. E. lhe contado que “eram pessoas conhecidas e não queriam que se soubesse” (o que seria suficiente para estranhar a situação, para não falar da idade e do estado de debilidade física e mental que foi visível para o Médico Psiquiatra C. P. em 2016 e para todas as supra referidas testemunhas, assim como para a signatária e o Perito Médico em 08.06.2017, no âmbito da acção de interdição), acrescentando de que estava munida de todos os documentos que lhe permitiam celebrar o acto, como a certidão de nascimento onde não constava qualquer impedimento, o documento de identificação e o atestado de residência (de cujo teor não se lembra), tendo ainda lhe sido apresentados dois atestados médicos de cujo teor não se lembra (o que deu jeito dizer, pois no relatório psiquiátrico faz-se menção à acção de interdição, o que teria de levar a Ajudante da Conservatória a ter outro procedimento, desde logo aquele que teve a Ajudante da Conservatória do Registo Civil de ..., como veremos infra) nem os relevou para nenhum efeito (o que também deu jeito dizer, pois seria sinal de que afinal não era para si notória a capacidade do idoso)”.
“Sucede, ainda, que do relatório do processo de inquérito do IRN de fls. 184-201 constam informações surpreendentes, não só quanto ao que se passou na Conservatória do Registo Civil de ..., mas também quanto ao que a 2.ª Ajudante visada por aquele, ora testemunha, declarou”.
“A fls. 185 e 186 consta que, no dia 12.04.2017, a 2.ª Ajudante G. R. falou com F. M., estando presentes a Advogada Dr.ª E. E. e uma senhora (que não a nubente) que apoiava aquele (dada a dificuldade deste se equilibrar) e sobre o que ali se passou disse: - “À pergunta quanto ao nome, o nubente disse que se chamava F. M.”; - “À pergunta sobre o que vinha fazer à Conservatória o nubente nada disse. Porém, a Sr.ª Advogada interveio, perguntando ‘Então não se veio casar, Sr. F. M.?’. A isto o nubente disse ‘Ahh…’”; - “À pergunta sobre quem tratava dele, o nubente nada disse. Aí, a Sr.ª Advogada perguntou-lhe ‘Então não é a R. M.? Quem trata do Senhor? É a R. M.!’”; - “A declarante perguntou ‘Quem é a R. M.?’ O nubente nada respondeu. A declarante insistiu ‘Quem é a R. M.? Como se chama? Qual é o nome completo dela?’ A isto o nubente respondeu ‘R. M.. A Advogada logo acrescentou que o Sr. F. M. se tinha enganado (o apelido da R. M. é M. e não G.)”; - “De seguida a declarante perguntou ao nubente quantos filhos este tinha. O nubente nada respondeu”. - “Já depois da declarante ter feito aquelas perguntas, a Sr.ª Advogada disse à declarante que, se fosse preciso, apresentaria um atestado médico, garantindo a capacidade do Sr. F. M.”.
“A fls. 186 consta ainda que a escriturária-superior M. S., que logo naquele dia atendeu o Sr. F. M. para obter cartão de cidadão que estava desactualizado quanto ao estado civil, “na tramitação do pedido do cartão de cidadão, ia fazendo perguntas ao senhor. Designadamente perguntou o nome completo, a residência e o número de telefone. O senhor nunca respondeu com a sua voz, embora de vez em quando fizesse sinais com a cabeça. Todas as perguntas feitas pela declarante foram respondidas por uma das senhoras que acompanhavam aquele senhor”.
“O mesmo senhor não fez – por não ter conseguido, não obstante ter feito várias tentativas – a assinatura que se destinava a constar do cartão de cidadão. As dificuldades eram por ele não conseguir equilibrar-se e por tremer muito”. “De fls. 186 e 187 vemos que não chegou a ser instaurado qualquer processo preliminar de casamento entre os nubentes F. M. e R. M., nem sequer foi proferido qualquer despacho de recusa de instauração daquele processo ou de celebração do pretendido casamento, em razão de, desde aquela data, o Sr. F. M. ou as Sr.ªs Dr.ª E. E. e R. M. não mais terem voltado a fazer qualquer contacto para a celebração do casamento com a 2.ª Ajudante G. R., tal como tinha sido combinado com a mesma (logo que o cartão de cidadão fosse recebido, o que se esperava para o dia 21.04.2017, para ser instaurado o processo preliminar de casamento), sabendo-se que aquela providenciou por se informar sobre a existência de algum processo de interdição relativo ao nubente e foi contactada pelo Autor F. J. que lho confirmou, tendo-lhe sido remetidos os elementos do respectivo processo pelo Tribunal Judicial de Bragança (no âmbito desse processo a signatária ordenou a prestação da informação solicitada pela Conservatória)”.
“A descrição feita de F. M. por parte das funcionárias da Conservatória do Registo Predial de ... confere em absoluto com o estado de debilidade física e mental que aqui já se deixou por demais descrito: a apatia, a ausência, a falta de comunicação, a incapacidade de escrever a sua assinatura, a falta de orientação, a confusão, longe da pessoa lúcida e colaborante descrita pela testemunha Maria. Repare-se na resposta que deu à pergunta “o que vinha fazer à Conservatória”: nenhuma; e na intervenção pronta da Advogada no sentido de lhe dizer “então não se veio casar?”, tendo aquele balbuciado um “Ahh” – claramente o idoso não sabia onde estava e o que ia fazer. Nem soube responder à pergunta “quem trata de si”, o que seria fácil para quem estivesse lúcido e soubesse que estava ali para casar com essa mesma pessoa que cuida de si. E à pergunta “quem é a R. M.” e “como se chama ela”, o idoso, só depois de muita insistência, respondeu “R. M. G”, errando redondamente no apelido, que prontamente a Advogada advertiu para o engano do idoso”.
“Também se apresenta altamente suspeita, e claramente denunciadora da sua motivação, a circunstância de nem a Ré nem a Advogada que a acompanhou não mais terem contactado a 2.ª Ajudante da Conservatória do Registo Civil para ser instaurado o processo preliminar de casamento. É evidente que a Ré pretendia que o casamento fosse celebrado sem o conhecimento de quem quer que seja – pelas razões, para nós evidentes, atinentes ao estado de incapacidade de F. M.. E já tinha sido descoberto pelos filhos”.
“Vejamos agora o que consta do referido relatório quanto às declarações prestadas pela ora testemunha Maria. A fls. 189 consta que esta declarou que: “A nubente entregou logo à declarante dois relatórios médicos e um certificado de residência, tudo documentos originais. A declarante fez uma leitura desses documentos” – ora, a testemunha referiu que não se lembra do seu conteúdo nem valorizou o mesmo, tendo refutado que o relatório psiquiátrico fizesse qualquer menção à existência de um processo de interdição, por jamais ter lido qualquer menção a esse respeito, pois caso contrário não poderia ignorar; embora tivesse ficado na dúvida sobre se realmente relevasse, dado que para si o idoso estava em plenas condições de celebrar o acto, inexistindo qualquer impedimento averbado ao seu assento de nascimento, o que se nos apresenta como grave e surpreendente (tanto mais que poderia ter sido decretada, como o foi efectivamente, a interdição provisória do idoso, conforme fls. 64-66 do Apenso B)”.
“Repare-se que a fls. 189 é dito que “considerando a conversa assim tida com o nubente, os relatórios médicos apresentados e o certificado de residência […], a declarante solicitou à escriturária-superior I. M. para iniciar o processo preliminar de casamento, o que aquela fez” – sinal de que, afinal, os relatórios psiquiátrico e psicológico foram considerados relevantes, contrariamente ao afirmado pela testemunha. Mais, quando confrontada com tal, a testemunha negou que o processo disciplinar em que era visada tivesse sido arquivado em virtude de se ter considerado que aquela estava “legitimada” pelos relatórios psiquiátrico e psicológico que lhe foram apresentados; basta ler a conclusão do relatório de fls. 184-201 para percebermos claramente que o foi!” “Nas mesmas fls. 189 consta o que a ora testemunha declarou ao inspector sobre o conteúdo da conversa tida com o nubente, o qual, pasme-se, disse-lhe “que queria casar com a R. M.”, que “estava no Registo” e que “é de minha livre vontade casar com a R. M.”, a mesma pessoa que, como vimos, três semanas antes não respondeu a qualquer das perguntas feitas pela 2.ª Ajudante da Conservatória do Registo Civil e dois meses depois se apresentou nos termos constantes do auto de interrogatório de fls. 94-96 do Apenso B e do relatório pericial de fls. 20-23 do Apenso A, sendo bem elucidativa a gravação desse mesmo interrogatório constante do CD anexo ao Apenso B, para cujo teor remetemos (apenas a título de exemplo deixamos aqui dito, e pode ser confirmado pela audição da dita gravação, que o idoso, que tinha acabado de chegar da Casa de Saúde …, no Porto – vide fls. 91/92 do Apenso B –, respondeu que tinha vindo de sua casa (em Parada), não sabia onde estava, não conheceu os filhos, não sabia o dia, mês e ano, etc.)”.
“De fls. 190 percebe-se bem a dificuldade e o esforço com que a testemunha Maria conseguiu que o idoso lhe respondesse mais alguma coisa do que um mero “sim”, sendo impressionante que a mesma tenha afirmado que o nubente conversou muito bem consigo e respondeu a todas as suas perguntas”.
21. Como poderia este depoimento, contraditório, repleto de inverdades, para não usar qualificativo mais forte, impor, repete-se, impor se desse como provado que o pai dos Recorridos estava lúcido no momento da celebração do casamento, sendo certo nada mais podia provar porque a Ajudante da CRC nunca antes tinha estado com o pai dos Recorridos, como não esteve com ele posteriormente?
22. Crê-se que o supra referido seria suficiente para demonstrar que o recurso é manifestamente improcedente no que tange à impugnação da matéria de facto.
No entanto, porque a Recorrente diz uma coisa aqui, acrescenta outra ali, tergiversa além, importa responder-se ponto por ponto às conclusões da motivação.
23. Nas alíneas I) a N) das conclusões, parece que a Recorrente pretende por em crise o item 8 dos factos provados: “Por sempre ter vivido na casa dos pais dos Autores, e atentas as funções que sempre exerceu, a Ré foi ganhando paulatinamente a confiança de F. M., que se foi acentuando à medida que aumentava a idade deste e se debilitava a sua saúde”. Trata-se de facto irrelevante à decisão da causa e não são as declarações da Autora M. P., que terá afirmado, com verdade, que tratavam a Ré com carinho e como sendo da família (como tratavam e tratam todos os funcionários da casa), ou as declarações do habilitado A. J., que não frequentava a casa há mais de 20 anos, estando incompatibilizado com o pai, que pode impor qualquer alteração ao item 8. A própria Recorrente confessa na contestação que: i) era empregada doméstica; ii) o pai dos Recorridos, com o passar dos anos, começou a apresentar fragilidades; iii) ela passou então a participar na gestão do casal agrícola. Não pode, por isso, ser alterada a aludida alínea da matéria de facto provada.
24. A conclusão a que chega a Recorrente na última parte da alínea M) (“fazendo vida em comum, como se de casal se tratasse”), para além de abusiva está em contradição com a matéria de facto apurada, não podendo, por isso, ser alterada a aludida alínea da matéria de facto provada
25. A afirmação constante da alínea N), para além de inócua relativamente ao destino da acção, é abusiva.
26. Nas alíneas P) a U) parece que a Ré pretende por em causa o item 10 da matéria de facto provada: “Com o avançar da idade, a saúde física e mental de F. M. começar a dar sinais de grande debilidade no ano de 2011, tendo estado internado por duas vezes em estabelecimentos hospitalares com um estado de saúde bastante crítico”, quando assim o afirmaram unanimemente todas as testemunhas inquiridas; quando assim o afirmaram os AA; quando assim o atestam os documentos juntos aos autos; quando assim o confessou a Ré na contestação (item 58 in fine); quando assim o refere o episódio de urgência a que a Ré alude na alínea R) das suas conclusões, no qual se alude já (em 2000) ao “síndrome demencial” do pai dos Recorridos; quando assim o afirma o Dr. C. P. e os seus relatórios médicos juntos aos autos. Nenhum meio de prova invoca em sentido contrário e relatório não impõe se altere seja o que for, designadamente quanto ao estado de saúde crítico, antes o confirma, o que, de resto, é irrelevante quanto ao destino da acção. Não pode, por isso, ser alterada a aludida alínea da matéria de facto provada
27. Nas conclusões V) a Z) a Recorrente diz querer impugnar a factualidade considerada provada nos itens 12 e 13. A favor da tese recursiva invoca perícia médico-legal na qual se diz que examinando conhece o valor facial do dinheiro; e o depoimento truncado da testemunha A. P.. Ignorou a Recorrente todos os restantes meios de prova e deturpou o conteúdo dos por si usados, pois que, como é lógico e óbvio, uma coisa é conhecer o valor facial do dinheiro (memória antiga), outra, bem diferente, é conhecer o dinheiro (memória recente). O depoimento da testemunha A. P., já com mais de 80 anos e evidentes sinais de senilidade, se a Recorrida bem o quiser analisar, e apenas na parte por si transcrita, vai no sentido dos factos provados (“nos últimos dois ou três anos é que se pôs mal e já não dava ordens, já não era ele que se ocupava (,…) já não falava (…) já se via bem que o homem estava um bocado em baixo (…)”. Na prática, a Recorrente não invoca qualquer meio de prova que imponha decisão diversa. E nem diz que matéria de facto deveria constar dos itens, razão pela qual não pode ser alterada a aludida alínea da matéria de facto provada.
28. Nas alíneas AA) e BB) a Ré pretende impugnar o item 14 da matéria de facto provada: “Aproveitando-se dessa condição de total incapacidade e vulnerabilidade, que bem conhecia, a Ré, em 04.05.2017, transportou o idoso até à Conservatória do Registo Civil de ... para a celebração do casamento que, pese embora o visível estado de saúde daquele, aí veio a ter lugar”. Entende que apenas pode ser dado como provado o facto de a Recorrente se ter deslocado com o pai dos Recorridos, naquele dia, à CRC de ... para realização do casamento. Ora, são factos irrefutáveis:
Que a Ré se deslocou a ... para casar o pai dos Recorridos consigo;
Que este já não se locomovia, não conhecia as pessoas, não falava e nem sequer pedia comida ou bebida (cfr. sentença da acção de interdição com a sua autoridade de caso julgado; cfr. item 13 da matéria de facto provada);
Que estava absolutamente incapaz de entender e querer como a Recorrida afirmou à Sr.ª Funcionária Judicial que tentou a citação na acção de interdição, o que é totalmente corroborado por todos os meios de prova produzidos, como supra se realçou;
Que a Recorrente, porque do pai dos Recorridos tratava, bem sabia desse estado de total incapacidade;
29. Lógico é, pois, a partir desses factos conhecidos, irrefutáveis, por força de presunção judicial, concluir-se que a Recorrente se aproveitou do estado de incapacidade do pai dos Recorridos para o levar a ... para o casar consigo, como conclui o vulgar cidadão. De resto, por muito esforço que se faça, não se consegue encontrar nas conclusões AA) e BB) um qualquer meio de prova que permita, quanto mais imponha, decisão diversa da recorrida, razão pela qual, só por si, não pode ser alterada a aludida alínea da matéria de facto provada.
30. Nas conclusões CC) e DD) diz a Recorrente que o Tribunal não podia dar como provado que “A Ré procurou os serviços daquela Conservatória depois de o ter feito em ... no dia 12.04.2017, desistindo de desencadear o respectivo processo junto da respectiva Conservatória do Registo Civil em virtude de a esta ter chegado o conhecimento da pendência do processo identificado em 20 e de os filhos de F. M. terem ficado a saber dos intentos daquela”. Diz que o casamento só não se realizou porque os documentos de identificação dos nubentes estavam desactualizados. A Ré continua a litigar com a mais despudorada má-fé: bem sabe a Sr.ª Juiz do processo, que também era Juiz do processo de interdição, tal como o transcreveu na fundamentação da sentença, estando tal factualidade certificada nos autos, que a Ajudante da CRC de ... indagou da existência de uma acção de interdição; como bem sabe a Sr.ª Juiz a quo, tal como o transcreveu na fundamentação da sentença, que os Recorridos alegaram, junto daquela Conservatória, a existência de impedimento dirimente absoluto, o que levou a Ex.ma Ajudante a dar o processo como encerrado. Trata-se de conhecimento funcional da Sr.ª Juiz, certificado nos autos e, por isso, fazendo prova plena do seu conteúdo. Tudo isto consta também do relatório do IRN, junto aos autos, que a Recorrente quer ignorar. Em todo o caso, a Recorrente não invocou qualquer meio de prova que imponha decisão diversa da recorrida, razão pela qual não pode ser alterada a aludida alínea da matéria de facto provada.
31. Nas alíneas EE) e FF) pretende impugnar o item 16 da matéria de facto provada:
“F. M., fruto do estado em que àquela data se encontrava, descrito em 11 a 13, não teve qualquer consciência do acto que teve lugar na Conservatória do Registo Civil de ... e, por conseguinte, não o pretendeu celebrar”.
Defende que o depoimento da Ajudante da CRC, M. B., quando afirma que conversou com o pai dos Recorridos, impõe se considere que, no momento do casamento, manifestou a sua vontade de contrair casamento de forma livre. O depoimento da M. B. foi descredibilizado pelas razões constantes da fundamentação da sentença e supra referidas. Remete-se para as contradições, para as suas afirmações sem suporte que acima realçámos. Em todo o caso não é o depoimento de uma testemunha, em contradição com os restantes depoimentos, com realce para o do Dr. C. P., bem como em contradição com os documentos autênticos juntos aos autos e bem assim contra as conclusões de uma perícia médico-legal, corroborada pela percepção da própria Juiz do processo, que impõe se dê como provado seja o que for. Não pode, pois, ser alterada a aludida alínea da matéria de facto provada.
32. No item GG pretende impugnar o item 17 da matéria de facto provada: “A Ré actuou sem o conhecimento e consentimento dos Autores, que a tinham proibido de sair sem a sua autorização, tudo fazendo para ninguém se aperceber da sua ausência com o idoso, deixando uma lâmpada acesa dentro de casa e o seu veículo automóvel estacionado à porta para que pensassem que estava em casa ou andava por perto”. É a própria Recorrente quem afirma que as declarações de parte dos Recorridos vão nesse sentido. Mas vão também no mesmo sentido os depoimentos das testemunhas J. S. e C. A. A Recorrente não invoca um qualquer meio de prova que possa impor decisão diversa, razão pela qual nem se vislumbra como pode querer impugnar o facto provado.
33. Nas conclusões HH) a JJ) a Recorrente, de vez de impugnar o item 18 da matéria de facto provada (“A Ré aproveitou-se também do ascendente que tinha sobre o idoso, fruto da referida incapacidade que o tornou totalmente dependente dos cuidados dela e vulnerável ao comando que a mesma passou a ter da sua pessoa e bens), acaba por confessar o ascendente que tinha sobre o pai dos AA [conclusão II)] e tenta arranjar uma explicação estapafúrdia para o mesmo e à margem da matéria de facto provada. Não invoca qualquer meio de prova que imponha a sua justificação/alteração da matéria de facto, razão pela qual não pode ser alterada a aludida alínea da matéria de facto provada.
34. Nas alíneas KK) a MM) a Recorrente pretende por em causa o item 19 da matéria de facto provada - “O estado de debilidade mental de F. M. era conhecido por toda a comunidade de Parada, onde aquele viveu durante cerca de 80 anos, e era notado por qualquer pessoa que com o mesmo interagisse”. Alega que se ouviram apenas 10 testemunhas e, por isso, não pode dar-se como provado que toda a Comunidade de Parada sabia do estado de debilidade mental do pai dos Recorridos. Em abono da sua tese invoca as declarações do Habilitado A. J. e da testemunha A. P.. Não transcreve as passagens que, na sua óptica, imporiam a pretendida alteração. O que tanto basta para não poder ser modificada a matéria de facto constante do item. Acrescenta-se apenas que se os Recorridos arrolaram apenas 10 testemunhas, o fizeram em cumprimento do preceito legal que limita a esse número as testemunhas a arrola; que a Recorrente ignora os depoimentos dessas mesmas 10 testemunhas e ainda as declarações de parte dos Recorridos, os relatórios psiquiátricos do Dr. C. P., o depoimento deste e bem assim o laudo pericial, e que não convoca nenhum meio de prova impõe decisão contrária, razão pela qual não pode ser alterada a aludida alínea da matéria de facto provada.
35. Na conclusão NN), em vez de impugnar o item 21 da matéria de facto provada (“F. M., cuja citação para os termos da referida acção, tentada em 30.01.2017, não se conseguiu por, segundo informação da ora Ré, “há já muitos anos… que o Senhor F. M. não tem condições para tratar dos seus assuntos”, veio a falecer em 06.07.2017, na pendência da referida acção, o qual, de resto reproduz o conteúdo de um documento autêntico junto aos autos, que faz prova plena do seu conteúdo, limita-se a dizer que “em sede própria explicou os termos em que a citação havia sido feita, mas tal não foi sequer ponderado pelo tribunal a quo”. Fica-se sem saber: i) Qual foi a sede própria; ii) Que explicação apresentou para a citação e para a sua própria afirmação. Não pode ser alterada a aludida alínea da matéria de facto provada até porque a Recorrente não diz quais os meios de prova – inexistentes – que impõem decisão diversa da recorrida.
36. A Recorrente pretende se considere provada toda a factualidade não provada. Invoca a favor da tese recursiva os depoimentos do Dr. F. G. e da Ajudante da CRC de ..., M. B. de seu nome, os quais foram descredibilizados pela Sr.ª Juiz a quo com sérias e fundamentadas razões, supra referidas. Recorde-se que as testemunhas F. G. e M. B. foram peremptórios em afirmar que não conheciam o pai dos Recorridos e que não estiveram com ele em qualquer outro momento para além daquele em cujos actos intervieram. Tais depoimentos estão também em total contradição com os depoimentos de todas as restantes testemunhas inquiridas, pessoas de Parada e que com o pai dos Recorridos conviviam, pessoas sérias, honestas e credíveis, que afiançaram que este já estava absolutamente incapaz de entender e querer há alguns anos antes do pseudo casamento, rectius, do casamento fraudulento levada a cabo pela Recorrente por causa do “golpe do baú”. Mais: estão em total contradição com a afirmação da Recorrente à Sr.ª Funcionária Judicial na acção de interdição, certificada nos autos: “há já muitos anos… que o Senhor F. M. não tem condições para tratar dos seus assuntos”. Ainda: tal matéria de facto está em total contradição com a matéria de facto provada, que a Recorrente não soube ou não quis impugnar em forma válida.
37. Na prática, pretende a Recorrente que a matéria de facto deve ser julgada em conformidade com a sua versão dos factos, ancorada em meios de prova descredibilizados, os quais devem impor a mudança de convicção fundamentada da Sr.ª Juiz a quo, querendo “impingir” ao tribunal o que gostaria que fosse considerado provado, quando, é certo, tais depoimentos não podem sequer permitir, quando mais impor a alteração da matéria de facto. A Recorrente nem se deu ao trabalho de transcrever as passagens que, em seu entender, imporiam decisão diversa da recorrida. Como não se deu ao trabalho de analisar criticamente os meios de prova a que faz alusão. Porque assim a tese recursiva é manifestamente improcedente, tendo de ser rejeitada, nesta parte.
38. A Recorrente insurge-se ainda contra o uso de factos que são do conhecimento funcional da Sr.ª Juiz. Só que esses factos, percepcionados pela Sr.ª Juíz do Tribunal a quo, estão documentados nos autos, designadamemte está certificado nos autos o interrogatório judicial que foi levado a cabo na acção de interdição, pela mesma Sr.ª Juiz presidido. Por isso, nos termos do n.º 2 do art.º 412º do CPC são meio de prova, não só válidos, mas também com valor reforçado.
39. Na conclusões DDD) e FFF) a Recorrente transcreve o por si alegado na contestação, sobre o qual nenhuma prova fez e, por isso, não pode ser considerado provado.
40. Refere na conclusão EEE) que a confissão feita só foi aproveitada na parte que lhe é desfavorável. Mal não era que assim não fosse, em obediência a lei expressa – art.º 352º do C. Civil. Se a Recorrente queria que fosse aproveitada na parte em que lhe era favorável, deveria ter comparecido em julgamento e sujeitar-se ao contraditório. O que, dolosamente, não quis fazer pois que até se pôs incontactável para as forças policiais.
41. Nas conclusões GGG) a JJJ) a Recorrente limita-se a atacar a convicção da Sr.ª Juiz afirmando, gratuitamente, que foi parcial na apreciação da prova.
42. Batalha a Recorrente – conclusão KKK) - com o depoimento da testemunha F. G., o homem que, por anamnese de 15 minutos – na companhia de uma Psicóloga, que também conversou com o Paciente no mesmo período de tempo, sem usar um único exame complementar de diagnóstico -, conseguiu afirmar que uma pessoa demente tinha ainda capacidades de aprendizagem!!!...
Realce-se o depoimento da testemunha: nunca antes vira o paciente e não lhe foram apresentados relatórios médicos, embora reconheça que seria necessário um electro-encefalograma. Acrescente-se outra das suas intervenções: pensei que estava em causa um pequeno património pois que se soubesse que estava em causa um património de 2 milhões de euros não teria passado o relatório!!!... E não sabia que o relatório visava conseguir um casamento (ao contrário do que afirma a Psicologa, que veio com ele do Porto e sempre estiveram juntos...). Que factos pode o depoimento desta testemunha impor ao tribunal???!!!
43. As conclusões seguintes são um mundo ... cheio de nada, a atirar pedras ao Tribunal, manifestando o seu legítimo – mas abusivo – desacordo com a matéria de facto provada, que jamais conseguiu por em crise, questionando a bondade do art.º 412º do CPC, e pondo em causa o acórdão da Relação de Guimarães que denegou a escusa à Sr.ª Juíza a quo, precisamente com o argumento de que era ela a melhor posicionada - fruto dos seus conhecimentos funcionais – para decidir desta acção. Para não maçar o Tribunal os Recorridos nem sequer extraem, nesta parte, as conclusões da sua resposta ao recurso, remetendo para a motivação (se houver curiosidade em saber o que os Recorridos pensam sobre a motivação da Recorrente, neste particular).
44. Em todo o caso, é bom realçar que o Supremo Tribunal de Justiça (Ac do STJ de 22/02/2018, processo 8319/09.9TBMAI.P1.S1, in www.dgsi.pt), tem vindo a afirmar que “Tendo sido fixada numa acção de interdição a data de começo da incapacidade, tal veredicto surge, noutra acção, como absoluto injuntivo, por força da autoridade de caso julgado, independentemente da coexistência ou não da tríplice identidade a que se refere o art. 581.º do CPC, sendo indiferente o circunstancialismo do recorrente achar, ou não, consistentemente fundamentada a fixação de tal momento”. Por isso, ad aeternum, o pai dos Recorridos estava absolutamente incapaz de entender e querer desde Outubro de 2011, seja, desde cerca de 6 anos antes do casamento fraudulento que a Ré com ele celebrou. E não podia ter momentos de lucidez como o afirma a perícia médico-legal e como o afiançou o Dr. C. P., Psiquiatra de profissão, os quais, a existir, e não existiam, seriam sempre irrelevantes para o destino desta acção. As conclusões periciais, repete-se, apenas podem ser postas em causa por meio de prova de igual ou superior valor, que inexiste nos autos.

A IMPUGNAÇÃO DA SENTENÇA EM TERMOS JURÍDICOS

45. Que a imparcialidade do Juiz é garantia dos cidadãos, nem ousa discutir-se.
Ainda bem que assim é. Que essa imparcialidade está assegurada nos autos, é facto insofismável.
46. O novo CPC exige do Juiz uma atitude pro-activa em busca da verdade material, critério seguido pela Sr.ª Juiz a quo.
47. Ao contrário do que afirma a Recorrente – conclusão CCCCC) – a família e o casamento são protegidos em termos constitucionais – art.º 36º da CRP. E ainda pela legislação ordinária. O que a CRP não protege, e não podia proteger sob pena de contradição insanável, é o casamento fraudulento, como é o celebrado pela Recorrente em clara violação da lei.
48. Que o casamento civil não pode celebrar-se sem a “exata consciência e a vontade manifestada de forma inequívoca”, é verdade insofismável. Que o casamento anulando foi celebrado pelo pai dos Recorridos, quando estava absolutamente incapaz de entender e querer é também verdade irrefutável. Por isso, jamais podia ter manifestado uma vontade livre e consciente, que já a não podia manifestar fruto da sua demência permanente e notória.
49. Tendo o casamento sido contraído por alguém que padecia de demência notória, o que constituiu impedimento dirimente absoluto (citada alínea b) art.º 1601º do C. Civil) , naturalmente é o casamento anulável, como foi – art.º 1631º do C. Civil.
50. Temerária e contra legem é a afirmação – conclusão DDDDDD) – de que “O casamento é sempre válido se a alteração das faculdades mentais não retirar ao nubente a consciência do ato”, pois, na prática, revoga a alínea b) do art.º 1601º do C. Civil.
51. A Recorrente alega, sem sequer o tentar demonstrar, que terá sido violado o princípio da igualdade ínsito no art.º 13º da CRP, o qual, como constantemente tem afirmado o TC, tem uma tripla dimensão: “a da proibição do arbítrio legislativo, a da proibição de discriminações negativas, não fundadas, entre as pessoas e a eventual imposição de discriminações positivas”, a qual não se enxerga violada no caso em apreço. Jamais uma sentença, a declarar anulado um casamento celebrado por alguém que não tinha capacidade matrimonial, pode ter violado tal preceito legal, antes com ele se conforma. Não invoca a Recorrente qualquer interpretação normativa violadora do dito preceito constitucional e, por isso, soçobra a tese recursiva também nesta parte
52. Igualmente alega a Recorrente violação do n. º 1 do art. 36º da C.R. Portuguesa quando teve direito a contrair casamento. Devia era tê-lo feito com quem tivesse capacidade matrimonial e não com quem padecia de demência notória, como fez. Enquanto o pai dos Recorridos teve consiciência nunca o arrastou para uma qualquer CRC porque nem a tal se atreveria!... Não invoca a Recorrente qualquer interpretação normativa violadora do preceito constitucional, razão pela qual soçobra a tese recursiva, também nesta parte.
53. Alega ainda violação do n.º 1 do art. 202º da C.R. Portuguesa quando, ao decidir, a Tribunal está a administar justiça em nome do povo. Não invoca a Recorrente qualquer interpretação normativa violadora do preceito constitucional e nem sequer é possível equacioná-la, razão pela qual igualmente soçobra a tese recursiva nesta parte.

A AMPLIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

54. No decurso da acção, os AA apresentaram articulado superveniente, invocando nova causa de pedir: o casamento foi celebrado depois de publicitada a acção de interdição, vindo a ser reconhecido, por sentença transitada em julgado, que estava verificados os pressupostos para que a mesma fosse decretada, fixando-se a data da incapacidade em Outubro de 2011. Foi admitido o referido articulado superveniente e tramitado em conformidade com o prescrito na lei processual.
55. A Sr.ª Juiz a quo, reconhecendo, embora, que estão verificados os requisitos do n.º 1 do art.º 149º do C. Civil, entendeu que a aplicação deste preceito legal estaria prejudicada pelo destino da acção: a anulação do casamento.
56. Os AA, apesar de considerarem que tal factualidade foi apreciada em termos jurídicos, mas considerada prejudicada face ao destino da acção, pretendem se aprecie, de forma expressa, esse fundamento da acção em conformidade com o disposto no n.º 1 do art.º 636º do CPC porque, na realidade, nos termos do n.º 1 do art.º 149º do C. Civil, “São igualmente anuláveis os negócios jurídicos celebrados pelo incapaz depois de anunciada a proposição da acção nos termos da lei de processo, contanto que a interdição venha a ser definitivamente decretada e se mostre que o negócio causou prejuízo ao interdito”.
57. Como bem refere Mota Pinto Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora 1980, pg. 306), os negócios gratuitos, como é o caso típico do casamento, “devem considerar-se sempre prejudiciais ao interdito, para efeito de anulação dos actos, mesmo que circunstâncias concretas da sua realização tornassem razoável a prática daquele acto por uma pessoa normal”.
58. Tendo o casamento sido outorgado após o anúncio da acção de interdição, na qual, por sentença transitada, foi decidido que estavam reunidos os pressupostos para que fosse decretada a interdição, tendo sido fixada a data da incapacidade em Outubro de 2011, muito antes da outorga do casamento (Maio de 2017), apenas com base neste fundamento, terá de ser julgada procedente a acção, anulando-se o casamento. O Tribunal da Relação de Guimarães deverá analisar este fundamento da acção o qual, a proceder, como deve proceder, só por si, prejudica a análise das questões suscitadas pela Ré no seu recurso.

A LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ NO RECURSO

59. In casu, apesar da bem fundamentada sentença no atinente à matéria de facto, a Ré interpôs recurso, dizendo que a impugna, sem na realidade o fazer, para apenas obstaculizar ao trânsito em julgado da mesma. Por outro lado, afasta-se da matéria de facto provada, que ignora tentando impingir a sua versão dos factos. A título de exemplo:

Apesar de ter afirmado à Funcionária Judicial que lavrou a certidão negativa de fls. 35 (datada de 30.01.2017” que “segundo informação da D. R. M., há já muitos anos… o Senhor F. M. não tem condições para tratar dos seus assuntos”, vem afirmar em sede de recurso que não pode dar-se como provado que a demência do pai dos Recorridos era notória porque apenas 10 testemunhas o afirmaram (sabendo que os AA apenas puderam arrolar esse número de testemunhas por imposição legal), bem conhecendo as conclusões da perícia médico-legal. Contraia o por si afirmado e certificado em documento autêntico.
Dominando os meios de prova que conduziram à decisão quanto à matéria de facto provada, nem sequer ousa pô-los em crise, aceitando-os como consistentes. No entanto, pretende substituir os mesmos, incluindo a prova pericial, pelas afirmações de duas testemunhas que, e forma fundamentada, foram descredibilizadas pela Sr.º Juiz a quo, uma delas contratada pela sua Advogada e paga a peso de ouro (5.000€ mais 70 € para o almoço, assim o confessou a uma vizinha), e a outra paga em notas do BCE, como esta testemunhou.
Alega que a sua confissão só foi entendida, como é de lei, na parte que lhe foi desfavorável, esquecendo que recusou prestar as declarações que ela própria requereu.
Interpreta abusivamente a afirmação da A M. P. de que a Recorrente era considerada como da família, quando bem sabe que na casa dos pais dos AA todos os empregados eram e são tratados como família, nunca comendo em mesa diferente da dos patrões e seus filhos.
A partir daí tira conclusão que a afirmação não permite.
Alega em sede de recurso - última parte da alínea M): “fazendo vida em comum, como se de casal se tratasse”, quando não logrou provar tal factualidade porque nenhuma prova produziu a este respeito – cfr. matéria de facto não provada - e a mesma está em evidente contradição com a matéria de facto provada (e com o que alegou em outras acções, maxime na acção de prestação de contas, em recurso no TR da Guimarães, na qual categoricamente afirmou que era apenas a empregada de confiança da casa).
Alega que os Recorridos abandonaram o pai quando bem sabe que foi o A F. M. que assumiu a responsabilidade de transferir o pai para o Porto em 2010, quando já estava nos cuidados paliativos do Hospital de Bragança, dizendo os médicos que não chegaria ao Marão; e ainda bem sabe que os filhos estavam sempre presentes quando a Recorrente telefonava a dizer que o pai estava doente, e que iam a Parada com regularidade, especialmente nos dias festivos.
Alega que o pai dos Recorridos ainda conhecia o dinheiro quando a perícia médico-legal, que invoca a favor da tese recursiva, se limita a afirmar que conhece o valor facial do dinheiro, ao mesmo tempo que trunca o depoimento da testemunha A. P., quando a testemunha claramente afirmou que o pai dos Recorridos há mais de 2/3 anos já não sabia onde andava. Para além de que faz tábua rasa de todos os restantes meios de prova, bem analisados criticamente pela Sr.ª Juiz a quo.
Nas conclusões CC) e DD) diz a Recorrente que o Tribunal não podia dar como provado que “A Ré procurou os serviços daquela Conservatória depois de o ter feito em ... no dia 12.04.2017, desistindo de desencadear o respectivo processo junto da respectiva Conservatória do Registo Civil em virtude de a esta ter chegado o conhecimento da pendência do processo identificado em 20 e de os filhos de F. M. terem ficado a saber dos intentos daquela” pois que o casamento só não se realizou porque os documentos de identificação dos nubentes estavam desactualizados, querendo ignorar o ofício da Ajudante da CRC de ... ao processo de interdição e bem assim o requerimento dos Recorridos a invocar impedimento dirimente absoluto, tudo constante da fundamentação da sentença e certificado nos autos.
O alegado nas alíneas OO) a TT) é o exemplo acabado da má fé com que a Recorrente litiga nos autos (e já antes pois que levou uma pessoa demente a consigo se casar, aproveitando-se do ascendente que tinha sobre essa pessoa).
Diz a Recorrente que deveria ter sido dado como provado que “(…) - apesar de algumas fragilidades próprias da idade, F. M. tinha força para falar, articulava palavras, ainda lia, reconhecia o dinheiro, sabia perfeitamente o nome dos filhos e sabia bem onde estava e onde ia, pedia água e comida, pedia para ir à casa de banho, pedia para ir passear de carro;
- sabia o que queria e quando queria; - o casamento realizou-se em cumprimento de um desejo de ambos de longa data, apresentando-se F. M. lúcido, consciente, orientado, desperto, localizado no tempo e no espaço, com plena consciência do acto que queria praticar, manifestando essa vontade de forma expressa e inequívoca sem necessidade de qualquer relatório médico.”, quando ela própria afirmou à Sr.ª Funcionária Judicial na acção de interdição, que “há já muitos anos… que o Senhor F. M. não tem condições para tratar dos seus assuntos”, o que consta de documento autêntico e só por si põe em crise a pretensão recursiva. A conclusão de que o pai dos Recorridos teve momentos de lucidez entre Outubro de 2011 e o Junho de 2017 é temerária, abusiva e está em flagrante oposição com a prova produzida nos autos. Para além de que é inócua para o destino da acção.
60. Por outro lado ainda, tergiversa sobre institutos jurídicos que não têm aplicação no caso em apreço, interpretando contra legem o disposto na alínea b) do art.º 1601º d C. Civil. Tudo para dolosamente entorpecer a acção da justiça, obstaculizando ao trânsito em julgado da decisão.
61. Deve, por isso, ser condenada em multa e em indemnização de montante não inferior a 5.000€ a favor dos AA atendendo ao enorme trabalho material (e intelectual) que tiveram para responder ao complexo recurso que interpôs; e ainda para os ressarcir dos danos morais que lhes causa a manutenção do casamento fraudulento que celebrou com o pai do Requerentes, o qual é e continuará a ser motivo de chacota para pessoas mal formadas e mal informadas, informação essa que lhes é trazida com regularidade, ademais conjugada com afirmações gratuitas da Recorrente no sentido de que ainda lhe voltará tudo a parar às mãos. Para além de que, com a sua conduta, está a impedir a partilha dos bens do de cujus.

Termos em que:

A) Deve ser rejeitado o recurso quanto à matéria de facto;
B) Deve ser apreciada a causa de pedir referida na ampliação do objecto do recurso.
C) Deve ser negado provimento ao recurso da Ré.
D) Deve esta ser condenada em multa e em indemnização de montante não inferior a 5.000€ a favor dos AA por litigar de má fé no presente recurso.
*
O recurso foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
*
Foram colhidos os vistos legais.
*
III- O Direito

Como resulta do disposto no art.º 639.º, n.º 1 do NCPC, o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão, compreendendo-se tal exigência, porquanto são as conclusões que delimitam o objecto do recurso (cf. ainda arts. 608.º, n.º 2 e 635.º, n.º. 4 do mesmo Código).
O objecto do recurso é, assim, delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, tendo por base as disposições conjugadas dos art.º 608,º, n.º 2, 635.º, nº. 4 e 639.º, n.º. 1, todos do Novo Código de Processo Civil (NCPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26/6.
Face às conclusões das alegações de recurso, o objecto do presente recurso circunscreve-se a apurar se a prova foi bem analisada em 1ª instância, caso se considere cumprido o respectivo ónus de impugnação, e, consequentemente, consoante o caso, aplicar o direito eventualmente resultante dessa reapreciação, para além da apreciação da condenação da Ré como litigante de má fé, no sentido de ser, ou não, mantida, e proceder à decisão quanto ao pedido de ampliação do recurso, que se prende com o facto de saber se, tendo o casamento sido celebrado depois de publicitada a acção de interdição, tal importa a sua anulabilidade e prejudica a análise das questões suscitadas pela Ré no seu recurso, e se é de condenar a Ré em indemnização a pagar aos AA, em consequência da condenação daquela como litigante de má fé.
*
Fundamentação de facto

Factos Provados

1. F. M. nasceu no dia -.-.1916.
2. F. M. casou com G. R. no dia 04.02.1939 segundo o regime da comunhão geral de bens.
3. Desse casamento nasceram quatro filhos, os Autores M. P., M. M. e F. J. e o Habilitado A. J..
4. G. R. faleceu em 08.09.1988 no estado de casada com F. M..
5. No dia 04.05.2017 foi celebrado na Conservatória do Registo Civil de ... o casamento entre F. M., com 101 anos, e a Ré, com 53 anos.
6. F. M. faleceu no dia 06.07.2017 no estado de casado com a Ré.
7. Em data não concretamente apurada mas em vida de G. R., a Ré foi contratada como empregada doméstica dos pais dos Autores, actividade que continuou a exercer após o falecimento daquela.
8. Por sempre ter vivido na casa dos pais dos Autores, e atentas as funções que sempre exerceu, a Ré foi ganhando paulatinamente a confiança de F. M., que se foi acentuando à medida que aumentava a idade deste e se debilitava a sua saúde.
9. Para além das tarefas de empregada doméstica, a Ré passou a apoiar F. M. também na gestão do património.
10. Com o avançar da idade, a saúde física e mental de F. M. começar a dar sinais de grande debilidade no ano de 2011, tendo estado internado por duas vezes em estabelecimentos hospitalares com um estado de saúde bastante crítico.
11. Desde que veio do último internamento, no Hospital da …, no Porto, F. M. ficou impossibilitado de gerir sua pessoa e bens e passou a depender em absoluto da Ré que, além das tarefas inerentes à função que sempre desempenhou, começou a cuidar permanentemente daquele e a gerir sozinha todos os seus bens.
12. F. M. deixou de ter força física para se locomover e para falar, de se levantar da cama pelo seu pé, de comer e beber pelos próprios meios e até de pedir comida e bebida, de conseguir articular palavras, apresentava perda de memória e de lucidez e sofria de incontinência urinária e fecal.
13. F. M. já não conhecia as pessoas, designadamente os filhos, nem o dinheiro e não conseguia orientar-se no tempo e no espaço, ao ponto de não conseguir tomar qualquer decisão sobre a sua vida, como o que fazer e para onde ir, nem dar qualquer ordem.
14. Aproveitando-se dessa condição de total incapacidade e vulnerabilidade, que bem conhecia, a Ré, em 04.05.2017, transportou o idoso até à Conservatória do Registo Civil de ... para a celebração do casamento que, pese embora o visível estado de saúde daquele, aí veio a ter lugar.
15. A Ré procurou os serviços daquela Conservatória depois de o ter feito em ... no dia 12.04.2017, desistindo de desencadear o respectivo processo junto da respectiva Conservatória do Registo Civil em virtude de a esta ter chegado o conhecimento da pendência do processo identificado em 20. e de os filhos de F. M. terem ficado a saber dos intentos daquela.
16. F. M., fruto do estado em que àquela data se encontrava, descrito em 11. a 13., não teve qualquer consciência do acto que teve lugar na Conservatória do Registo Civil de ... e, por conseguinte, não o pretendeu celebrar.
17. A Ré actuou sem o conhecimento e consentimento dos Autores, que a tinham proibido de sair sem a sua autorização, tudo fazendo para ninguém se aperceber da sua ausência com o idoso, deixando uma lâmpada acesa dentro de casa e o seu veículo automóvel estacionado à porta para que pensassem que estava em casa ou andava por perto.
18. A Ré aproveitou-se também do ascendente que tinha sobre o idoso, fruto da referida incapacidade que o tornou totalmente dependente dos cuidados dela e vulnerável ao comando que a mesma passou a ter da sua pessoa e bens.
19. O estado de debilidade mental de F. M. era conhecido por toda a comunidade de Parada, onde aquele viveu durante cerca de 80 anos, e era notado por qualquer pessoa que com o mesmo interagisse.
20. Correu termos nesta Secção Cível – J1 do Juízo Local de Bragança, sob o n.º 87/17.7T8BGC, a acção especial de interdição por anomalia psíquica instaurada em 19.01.2017 por F. J., ora Autor, contra F. M., seu Pai.
21. F. M., cuja citação para os termos da referida acção, tentada em 30.01.2017, não se conseguiu por, segundo informação da ora Ré, “há já muitos anos… que o Senhor F. M. não tem condições para tratar dos seus assuntos”, veio a falecer em 06.07.2017, na pendência da referida acção.
22. No âmbito da dita acção n.º 87/17.7T8BGC foi proferida em 17.11.2017 a sentença junta a fls. 236-240v e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, transitada em julgado em 05.01.2018, que, julgando-a procedente, por provada, “declaro[u] verificados os pressupostos para a interdição definitiva por anomalia psíquica de F. M. que, não fora o seu falecimento na pendência da acção, seria de decretar” e “fixo[u] o começo da incapacidade do Requerido no dia 29.10.2011”.
23. F. M., enquanto teve todas as suas capacidades, não deixava nem permitia que lhe dessem ordens ou o obrigassem ao que quer que fosse.
*
Factos não provados

- F. M. e a Ré tinham há algum tempo intenção de se casarem um com o outro;
- apesar de algumas fragilidades próprias da idade, F. M. tinha força para falar, articulava palavras, ainda lia, reconhecia o dinheiro, sabia perfeitamente o nome dos filhos e sabia bem onde estava e onde ia, pedia água e comida, pedia para ir à casa de banho, pedia para ir passear de carro;
- sabia o que queria e quando queria;
- F. M. e a Ré partilhavam cama e despesas, como se de um verdadeiro casal de tratasse;
- durante o período de tempo em que viveram juntos compraram bens em conjunto com dinheiro ganho por ambos;
- o casamento realizou-se em cumprimento de um desejo de ambos de longa data, apresentando-se F. M. lúcido, consciente, orientado, desperto, localizado no tempo e no espaço, com plena consciência do acto que queria praticar, manifestando essa vontade de forma expressa e inequívoca sem necessidade de qualquer relatório médico;
- razão por que não deram justificações do que tinham feito a quem quer que seja.
*
Fundamentação de direito

Importa começar, em conformidade com o anteriormente exposto quanto às questões objecto de recurso, pela apreciação da impugnação da matéria de facto pretendida pela Apelante, dado que sem a fixação definitiva dos factos provados e não provados não é possível extrair as pertinentes consequências à luz do direito aplicável.
Para tal, há que ter em conta que, nas contra-alegações que apresentaram, os Recorridos pugnam pela rejeição do recurso interposto, alegando, como fundamento, que a Recorrente não observou os ónus que lhe são impostos pelo artigo 640.º, do C.P.Civil, ao não ter indicado, nas suas conclusões, os meios probatórios que fundamentam o seu pedido de alteração dos factos, concretamente quanto à especificação das passagens das gravações a que alude em relação aos depoimentos por si realçados, bem como ao não proceder à indicação do sentido da decisão que, em seu entender, deveria ter sido proferida pelo tribunal a quo.
Na verdade, exigindo-se à recorrente que especifique e concretize os pontos da matéria de facto que entende mal julgados, bem assim os concretos meios de prova que impõem decisão diversa, e que, por fim, indique a decisão alternativa proposta, o certo é que na presente situação tal não se verificou.
Com efeito, analisando as alegações apresentadas constata-se que, pese embora, se tenha procedido à transcrição parcial de alguns dos depoimentos prestados, não se indicou, nas conclusões, as correspondentes passagens das gravações, a que se referem essas transcrições, nem se indicou qual o sentido da decisão a dar a cada um dos factos impugnados.

Ora, ao recorrente que impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto exige-se que:

- Especifique os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mencionando o diverso sentido em que se impõe decidir quanto a cada um dos factos impugnados, por referência ao que foi julgado provado na decisão recorrida (ou seja, que indique o sentido ou sentidos das respostas a dar, em substituição das consideradas);
- Fundamente as razões da discordância, especificando os concretos meios probatórios em que funda a impugnação;
- Quando se baseie em depoimentos testemunhais, que efectue a localização, por referência ao assinalado em acta, da parte dos depoimentos que considera sustentarem a sua versão. (Cfr. o Acórdão do S.T.J. de 7/07/2009, in www.dgsi.pt/jstj).

Neste sentido, e como resulta da análise do aludido preceito, e seguindo a lição de Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª Edição, pags. 155-156, quando o recurso verse a impugnação da decisão da matéria de facto deve o recorrente observar as seguintes regras:

a) indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
b) especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) indicar com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos, relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia;
d) expressar, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente.

Especificamente, como decorre do disposto no n.º 1, al. b), do citado artigo 640.º do CPC, no que aqui releva, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravações nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

Nesse caso, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (cfr. n.º 2, al. a), do citado preceito).
A exigência da indicação das passagens da gravação em que se funda o recurso, visa a localização de tais passagens no decurso do depoimento, para que se permita, mais facilmente, a análise dos depoimentos indicados e de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.
Nessa medida, há que ter em conta que, no domínio do nosso regime recursório cível, o meio impugnatório para um tribunal superior não visa propriamente um novo julgamento global ou latitudinário da causa, mas apenas uma reapreciação do julgamento proferido pelo tribunal a quo com vista a corrigir eventuais erros da decisão recorrida. Significa isto que a finalidade do recurso não é proferir um novo julgamento da acção, mas julgar a própria decisão recorrida.
Tem-se também suscitado, com frequência, a questão de saber se os requisitos do ónus impugnatório previstos no n.º 1 do artigo 640.º podem figurar apenas no corpo das alegações ou se devem antes ser levados às conclusões recursórias, não existindo consenso jurisprudencial nesta matéria.

No caso em apreço, no que se refere aos depoimentos das testemunhas em que funda a sua pretensão de alteração da decisão da matéria de facto, a apelante indica as testemunhas ouvidas em sede de audiência de discussão e julgamento e, quanto a cada uma delas não indica, em concreto, nas conclusões, as passagens da gravação em que se funda a sua pretensão, apenas fazendo essa indicação no corpo das alegações, aí referenciando os respectivos limites temporais.
Em princípio, a falta de indicação de tais passagens, a ser admitida, levar-nos-ia à possibilidade de haver recursos genéricos contra decisão de facto, que bem poderia passar pela remissão genérica para os depoimentos de todas ou de algumas das testemunhas, quando é seguro que, dada a diversidade da matéria a que as testemunhas depõem ou podem depor, uma parte dos depoimentos nada tem a ver com a argumentação necessária à defesa da posição do recorrente.
É que, em princípio, não pode deixar de se exigir uma maior objectividade e acutilância na argumentação, para permitir que efectivamente se limitem os recursos às situações em que haja uma real discordância das decisões recorridas e para correcção de erros da decisão e não também às situações em que apenas se pretende diferir a decisão.

Neste sentido, no Ac. do STJ com o n.º 134116/13.2YIPRt. E1.S1, publicado na dgsi, sumariou-se que:

“I. A razão de ser do requisito de impugnação estabelecido na alínea a) do n.º 2 do artigo 640.º do CPC tem em vista o delineamento, por parte do recorrente, do campo de análise probatória sobre o teor dos depoimentos convocados de modo a proporcionar, em primeira linha, o exercício esclarecido do contraditório, por banda do recorrido, e a servir de base ao empreendimento analítico do tribunal de recurso, sem prejuízo da indagação oficiosa que a este tribunal é legalmente conferida, em conformidade com o disposto nos artigos 5.º, n.º 2, alínea a), 640.º, n.º 2, alínea b), 1.ª parte, e 662.º, n.º 1, do mesmo Código.
II. Complementarmente, tal exigência constitui um factor de concentração da argumentação probatória do recorrente, numa base substancial, sobre a caracterização do erro de facto invocado, refreando, por outro lado, eventuais tendências para meras considerações de natureza generalizante e especulativa.
III. Todavia, o nível de exigência na exactidão das passagens das gravações não se pode alhear da metodologia ou do modo concreto como os depoimentos foram prestados e colhidos em audiência (…)”.

Certo é que o S.T.J. (cfr. Acs. do STJ de 27/10/2016, Processo 110/08.6TTGM.P2.S1 e Processo 3176/11.8TBBCL.G1.S1, in dgsi) tem vindo a distinguir, quanto aos ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, entre:

- Ónus primário ou fundamental, que se reportam ao mérito da pretensão;
- Ónus secundários, que respeitam a requisitos formais.

Relativamente aos requisitos primários, onde inclui a obrigação do recorrente de formular conclusões e nestas especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e a falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados e falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação, requisitos estes sobre que versa o n.º 1 do art. 640º, do CPC, a jurisprudência tem considerado que aquele critério é de aplicar de forma rigorosa, pelo que sempre que se verifique o incumprimento de algum desses ónus por parte do recorrente se impõe rejeitar o recurso.

Assim, de acordo com esta corrente jurisprudencial, impõe-se a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto quando ocorra:

a) Falta de conclusões sobre a impugnação da matéria de facto (art. 635º, n.º 4 e 641º, n.º 2, al. b);
b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados (art. 640º, n.º 1, al. a);
c) Falta de especificação (que pode constar apenas na motivação), dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exacta, (que pode constar apenas na motivação), das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa, (que pode constar apenas na motivação), sobre o resultado pretendido a cada segmento da impugnação (cfr., neste sentido Abrantes Geraldes, idem, pags 155-156).

In casu, pese embora a recorrente tenha feito constar no corpo das alegações as passagens das gravações dos depoimentos em que se baseia para impugnar a factualidade posta em causa, o facto é que não expressou, no seu recurso, qual a decisão que devia ter sido proferida em relação a cada segmento da sua impugnação.
Como tal, não cumprindo esse ónus, que o legislador estabeleceu no art. 640º do CPC, insusceptível de ser sanado, já que os despachos de convite ao aperfeiçoamento estão reservados apenas e só para os recursos sobre matéria de direito (art. 639.º, n.º 3 do CPC), impõe-se a rejeição, nessa parte, do recurso interposto, nos termos do artigo 640.º, n.º 1, do C.P.C.
Pese embora este entendimento, importa, de forma sequencial e mais lógica, apurar se o facto de ter sido decretada a interdição, com fixação da incapacidade reportada a Outubro de 2011, e o casamento ter sido celebrado depois de publicitada essa acção, sempre importaria, por si só, a anulabilidade daquele acto, o que consequentemente prejudicaria a análise das questões suscitadas no seu recurso.

Vejamos.

Como decorre dos factos provados, a 19.1.2017, foi instaurada acção especial de interdição por anomalia psíquica contra F. M., cuja citação foi tentada em 30.01.2017, no âmbito da qual veio a ser proferida sentença, transitada em julgado em 05.01.2018, que, “declaro[u] verificados os pressupostos para a interdição definitiva por anomalia psíquica de F. M. que, não fora o seu falecimento na pendência da acção, seria de decretar” e “fixo[u] o começo da incapacidade do Requerido no dia 29.10.2011”.
Por sua vez, na presente acção, a sentença foi proferida a 5.2.2019 e o casamento, alvo da invalidade aí peticionada, celebrado a 4.5.2017.
Coloca-se, assim, a questão do caso julgado, não formal, mas material - arts. 619.º, n.º 1, e 621.º, ambos do CPC.
Ora, decorre do que aí se preceitua que a força da decisão coberta por tal figura, se impõe a qualquer outro tribunal “dentro do processo e fora dele”, não podendo, por isso, exceptuada a hipótese de recurso de revisão, nos termos dos arts. 696.º e ss., ser objecto de qualquer controvérsia, por força da “autoridade de caso julgado”, independentemente da coexistência ou não da tríplice identidade a que se refere o art. 581.º do CPC (neste sentido José Lebre de Freitas, in “Cód. Proc. Civil- Anot., Vol. 2.º, 3.ª ed., Almedina, p. 599-600).
Estamos aqui confrontados com a chamada função positiva do caso julgado, mediante a qual a vinculatividade própria do instituto do caso julgado impõe que o objecto da primeira decisão funcione como pressuposto indiscutível da nova decisão de mérito, a proferir na segunda causa, incidente sobre relação jurídica diversa, mas dependente ou condicionada pela anteriormente apreciada, em termos definitivos, pelo tribunal (Cfr. acórdão do STJ de 24/4/2013 do processo n.º 7770/07.3TBVFR.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt e o acórdão da RP de 22/10/2013, proferido no processo n.º 272/12.8TBMGD.P1, publicado em www.dgsi,pt e na CJ, ano XXXVIII, tomo IV, págs. 199 a 202).
Igualmente, como se afirma no acórdão de 19/2/09 do STJ, proferido no processo n.º 09B0081, “a[A] excepção de caso julgado visa evitar que o tribunal se veja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior. A autoridade de caso julgado significa que, decidida com força de caso julgado material uma determinada questão de mérito, não mais poderá ela ser apreciada numa acção subsequente, quer nela surja a título principal, quer se apresente a título prejudicial, e independentemente de aproveitar ao autor ou ao réu.
Assim, em primeiro lugar, essa imutabilidade ou indiscutibilidade da decisão judicial definitiva impede que a questão que foi objecto da decisão proferida e inimpugnável (ou não tempestiva e adequadamente impugnada) possa voltar a ser, ela própria, na sua essencial identidade, recolocada à apreciação do tribunal: se tal ocorrer, por força da figura da excepção de caso julgado – que reflecte a chamada função negativa da figura do caso julgado - deve o juiz abster-se de voltar a apreciar a matéria ou questão que se mostra já jurisdicionalmente decidida, em termos definitivos, como objecto de uma anterior acção.”
Assim, a figura da autoridade do caso julgado tem a ver com a existência de relações – já não de identidade jurídica – mas de prejudicialidade entre objectos processuais: julgada, em termos definitivos, certa matéria numa acção que correu termos entre determinadas partes, a decisão sobre o objecto desta primeira causa, sobre essa precisa questio judicata, impõe-se necessariamente em todas as outras acções que venham a correr termos entre as mesmas partes – incidindo sobre um objecto diverso, mas cuja apreciação dependa decisivamente do objecto previamente julgado, perspectivado como verdadeira relação condicionante ou prejudicial da relação material controvertida na segunda acção.
Acontece que, no caso dos autos, a interdição foi decretada após ter sido celebrado o casamento, pese embora tivesse sido instaurada antes deste acto, sendo possível, ainda, constatar dos elementos juntos aos autos que, quer os editais, quer o anúncio, foram publicitados antes da data do casamento (cfr. fls. 208 a 210, do p.p.).
Assim, também para análise da situação, importa considerar que actualmente a Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto, veio criar o regime jurídico do maior acompanhado, eliminando os institutos da interdição e da inabilitação, previstos no Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de Novembro de 1966, aí se instituindo que, no seu art. 25.º, n.º 1, a sua entrada em vigor 180 dias após a sua publicação, com salvaguarda, contudo, da aplicação, aos actos dos requeridos, da lei vigente no momento da sua prática (cfr. art. 26.º, n.º 3, da citada lei).
Tudo conjugado, importa ter em conta que a interdição é, antes de mais, entendida como um instrumento que visa tutelar os interesses do incapaz, afirmando-se pela necessidade de cuidado da pessoa.
Implicando restrições aos direitos fundamentais à capacidade civil e ao desenvolvimento da personalidade, consagrados no artigo 26º da CRP, os fundamentos da interdição e da inabilitação consistem em situações de anomalia psíquica, no sentido de abranger não só as deficiências patológicas do intelecto, entendimento ou discernimento, mas também as deficiências patológicas da vontade, da sensibilidade e afectividade, que afectem a pessoa no todo ou em parte, para gerir os seus interesses pessoais e patrimoniais (Cfr., neste sentido, “Comentário ao Código Civil Parte Geral”, Luís Carvalho Fernandes e Brandão Proença, anotação ao art. 138.º, pág.297).
Contudo, a decretação da interdição, embora tenha, necessariamente, de ter por base uma avaliação médica que defina o estado da pessoa, não é, em si, uma decisão médica mas jurídica (cfr. “Breve estudo sobre o regime jurídico da inabilitação”, Estudos em homenagem ao Professor Doutor Henrich Ewald Horster, Almedina, pág. 90).
Acresce que a lei aplicável, à data em que o acto foi praticado, estabelece diferenças de tratamento, conforme esteja em causa negócio jurídico praticado pelo interdito (i) após o registo da sentença de interdição definitiva (art. 148º), ou (ii) na pendência do processo de interdição, depois de publicados os anúncios a que alude o art. 945º do CPC (art. 149º), ou (iii) anteriormente à publicidade da acção de interdição (art. 150º).
Ora, à data do casamento, consagrava-se no mencionado art. 149.º, n.º 1, do Cód. Civil, a anulabilidade dos negócios jurídicos celebrados pelo incapaz depois de anunciada a proposição da acção nos termos da lei de processo, contanto que a interdição viesse a ser definitivamente decretada e se mostrasse que o negócio tivesse causado prejuízo ao interdito.
Daqui decorre que, para além dos pressupostos enunciados em primeiro lugar, que se verificariam, sempre seria necessário alegar e provar o referido prejuízo para o interdito do negócio celebrado para que fosse passível de anulabilidade.
Contudo, quanto a determinados actos, de natureza pessoal, há que ter em conta o regime específico correspondente e, assim, que, no caso dos autos, se estabelecia, à data do acto praticado, no artigo 1631.º, alínea a), do Código Civil, sob a epígrafe «Causas de anulabilidade» do casamento, que “[é] anulável o casamento […] [c]ontraído com algum impedimento dirimente”, sendo impedimento dirimente, entre outros, a interdição por anomalia psíquica (cfr. 1601.º, al. b), 2.ª parte, do Cód. Civil).
Contudo, diferente de tudo o que foi exposto, é a questão que se relaciona com a fixação, na decisão que decreta a interdição, da data do início da incapacidade.
A este respeito, o Prof. GALVÃO TELLES, in Rev. dos Tribunais, ano 72º - 1954, pág. 268, em parecer que elaborou, refere que “provado o estado demencial, em período que abrange o acto anulando, é de presumir, sem necessidade de mais, que na data do mesmo acto aquele estado se mantinha sem interrupção (…). À outra parte caberá ilidir a presunção, demonstrando (se puder fazê-lo) que o acto recaiu num momento excepcional e intermitente de lucidez”.
Já os Profs. PIRES DE LIMA/A.VARELA, in Cód. Civil Anotado, vol. I, 1ª ed., Coimbra Editora, L.da, 1967, pág. 91, entendem que “(a) interdição resulta da decisão judicial, que cria uma presunção juris et de jure de incapacidade da pessoa interdita”, sustentando, no que concerne à data, fixada na sentença, em que principiou a incapacidade natural, que “(d)esde que o negócio tenha sido realizado posteriormente a essa data, há uma forte presunção de que ele foi celebrado por pessoa incapacitada de entender o sentido da declaração ou privada do livre exercício da sua vontade” (Ibidem, pág. 98).
Por sua vez, A. PAIS DE SOUSA, in a Incapacidade Jurídica dos Menores Interditos e Inabilitados, 2ª ed., Liv. Almedina, Coimbra 1983, pág. 232, sustenta que a sentença que decreta a interdição “cria uma presunção juris et de jure de incapacidade da pessoa interdita”, enquanto que a declaração judicial sobre a data do começo da incapacidade não constitui uma verdadeira presunção na acepção legal do termo, pelo que, é àquele que pede a declaração de nulidade de determinado acto praticado posteriormente à data fixada na sentença que decreta a interdição que cumpre provar a insanidade na data da prática do acto.
Posto isto, tem de se entender que a sentença que decretou a interdição, e transitou em julgado, não sofre afectação decorrente do facto de se ter vindo impugnar a matéria de facto, dado que aquela, por essa via, não é abalada, e na medida em que a data do começo da incapacidade não tem, face ao exposto, o efeito que os recorridos lhe atribuem.
Assim, tal importaria a reapreciação da prova quanto aos factos impugnados, não fosse o nosso posicionamento, de rejeição do recurso, por força da não observância do ónus de impugnação, no tocante ao facto de não se ter indicado o sentido da decisão pretendida, em conformidade com o anteriormente exposto.
De qualquer das formas, sempre acautelando um outro entendimento, há que ter em conta, antes de mais, que, sendo certo que a prova tem por função a demonstração da realidade dos factos (cfr. artº 341º, do CC), tal demonstração não exige de todo uma convicção assente num juízo de certeza lógica, absoluta, sob pena de o direito falhar clamorosamente na sua função essencial de instrumento de paz social e de realização da justiça entre os homens (Cfr. Prof. Antunes Varela e outros, in Manual de Processo Civil, 1984, págs. 420 e segs.).
É que, para o referido efeito, o que releva e é exigível é, tão só, que em função de critérios de razoabilidade essenciais à aplicação do Direito, o julgador forme uma convicção assente na certeza relativa do facto, ou, dito de um outro modo, psicologicamente adquira a convicção traduzida numa certeza subjectiva da realidade de um facto, existindo assim um alto grau de probabilidade (mas suficiente em razão das necessidades práticas da vida) da sua verificação.
Como refere Tomé Gomes, in “Um olhar sobre a demanda da verdade no processo civil”, in Revista do CEJ, 2005, nº 3, 158, o convencimento do julgador deve basear-se numa certeza relativa, histórico-empírica, dotada de um grau de probabilidade adequado às exigências práticas da vida, e sendo verdade que “Para a formação de tal convicção não basta um mero convencimento íntimo do foro subjectivo do Juiz “, basta porém para o referido efeito a formação de uma convicção“ suportada numa persuasão racional, segundo juízos de probabilidade séria, baseada no resultado da prova apreciado à luz das regras da experiência comum e atentas as particularidades do caso “.
In casu, a recorrente impugna a factualidade que consta dos pontos 8, 10, 12 a 20, dos factos provados, e dos itens 2.º, 3.º e 6.º, dos factos não provados.

Reportam-se eles, respectivamente à seguinte matéria factual:

8. Por sempre ter vivido na casa dos pais dos Autores, e atentas as funções que sempre exerceu, a Ré foi ganhando paulatinamente a confiança de F. M., que se foi acentuando à medida que aumentava a idade deste e se debilitava a sua saúde;
10. Com o avançar da idade, a saúde física e mental de F. M. começar a dar sinais de grande debilidade no ano de 2011, tendo estado internado por duas vezes em estabelecimentos hospitalares com um estado de saúde bastante crítico;
12. F. M. deixou de ter força física para se locomover e para falar, de se levantar da cama pelo seu pé, de comer e beber pelos próprios meios e até de pedir comida e bebida, de conseguir articular palavras, apresentava perda de memória e de lucidez e sofria de incontinência urinária e fecal;
13. F. M. já não conhecia as pessoas, designadamente os filhos, nem o dinheiro e não conseguia orientar-se no tempo e no espaço, ao ponto de não conseguir tomar qualquer decisão sobre a sua vida, como o que fazer e para onde ir, nem dar qualquer ordem;
14. Aproveitando-se dessa condição de total incapacidade e vulnerabilidade, que bem conhecia, a Ré, em 04.05.2017, transportou o idoso até à Conservatória do Registo Civil de ... para a celebração do casamento que, pese embora o visível estado de saúde daquele, aí veio a ter lugar;
15. A Ré procurou os serviços daquela Conservatória depois de o ter feito em ... no dia 12.04.2017, desistindo de desencadear o respectivo processo junto da respectiva Conservatória do Registo Civil em virtude de a esta ter chegado o conhecimento da pendência do processo identificado em 20. e de os filhos de F. M. terem ficado a saber dos intentos daquela;
16. F. M., fruto do estado em que àquela data se encontrava, descrito em 11. a 13., não teve qualquer consciência do acto que teve lugar na Conservatória do Registo Civil de ... e, por conseguinte, não o pretendeu celebrar;
17. A Ré actuou sem o conhecimento e consentimento dos Autores, que a tinham proibido de sair sem a sua autorização, tudo fazendo para ninguém se aperceber da sua ausência com o idoso, deixando uma lâmpada acesa dentro de casa e o seu veículo automóvel estacionado à porta para que pensassem que estava em casa ou andava por perto;
18. A Ré aproveitou-se também do ascendente que tinha sobre o idoso, fruto da referida incapacidade que o tornou totalmente dependente dos cuidados dela e vulnerável ao comando que a mesma passou a ter da sua pessoa e bens;
19. O estado de debilidade mental de F. M. era conhecido por toda a comunidade de Parada, onde aquele viveu durante cerca de 80 anos, e era notado por qualquer pessoa que com o mesmo interagisse;
20. Correu termos nesta Secção Cível – J1 do Juízo Local de Bragança, sob o n.º 87/17.7T8BGC, a acção especial de interdição por anomalia psíquica instaurada em 19.01.2017 por F. J., ora Autor, contra F. M., seu Pai;
- apesar de algumas fragilidades próprias da idade, F. M. tinha força para falar, articulava palavras, ainda lia, reconhecia o dinheiro, sabia perfeitamente o nome dos filhos e sabia bem onde estava e onde ia, pedia água e comida, pedia para ir à casa de banho, pedia para ir passear de carro;
- sabia o que queria e quando queria;
- o casamento realizou-se em cumprimento de um desejo de ambos de longa data, apresentando-se F. M. lúcido, consciente, orientado, desperto, localizado no tempo e no espaço, com plena consciência do acto que queria praticar, manifestando essa vontade de forma expressa e inequívoca sem necessidade de qualquer relatório médico.

Relativamente à matéria do ponto 8, dos factos provados, entende a recorrente que o tribunal a quo faz crer que foi ganhando a confiança do falecido F. M. à custa do seu estado de saúde e avançar da idade, o que, diz, não é verdade.
Seguidamente, confessa não existir qualquer dúvida que o pai dos recorridos depositava em si grande confiança, tal como os recorridos, enunciando, para esse efeito, os depoimentos do A. A. J. e da M. P..
Em primeiro lugar, da redacção dada à factualidade constante do ponto 8, da matéria de facto provada, não se extraí a conclusão que a recorrente retira, antes daí resulta que, face ao facto da Recorrente sempre ter vivido em casa dos pais dos AA. e funções que exercia, foi ganhando aos poucos a confiança do referido F. M. que se foi acentuando à medida que a idade deste ia avançando e se debilitava a sua saúde.
Esta factualidade resulta comumente aceite por praticamente todas as testemunhas e depoentes que, para além de atestarem a inquestionável ligação de confiança existente, referiram uma alteração de comportamento depois da doença do Sr. F. M., por parte da Recorrente, evidenciando que esta tinha a sua confiança pelo facto de prestar os seus serviços em maior proximidade com o núcleo familiar, por ser ela quem tratava das lides domésticas, para além de outros serviços que se tornassem necessários realizar, o que fez com que esses laços de confiança se fossem estreitando ao longo de mais de 30 anos, mas sem nunca deixar de ocupar o seu lugar e ser tratada como empregada que era, o que era recíproco, na medida em que a própria tratava o seu patrão como Sr. F. M. ou Sr. F. M..
Só depois deste ter vindo do Porto, onde tinha estado hospitalizado, e ter regressado a Parada, já debilitado e numa cadeira de rodas, é que a Ré terá passado a assumir o comando de todas as lides e trabalhos, dando ordens aos demais funcionários e trabalhadores até se assumir como dona e senhora de tudo, passando inclusive a apelidar aquele de ‘…, e a instá-lo sobre quem mandava, referindo que caso não fosse ela os filhos, que intitulava de ‘lobos’, vinham e levavam-no.
Este retrato foi dado essencialmente por quem trabalhou para o Sr. F. M. durante 20 anos e a tudo foi assistindo e vivenciando diariamente, concretamente pelas testemunhas J. S. e C. A., empregados da casa agrícola do Sr. F. M. durante 20 anos.
Já quanto à factualidade que consta dos ponto 10, dos factos provados, a recorrente defende que, mesmo tendo-se o tribunal a quo valido do relatório médico junto aos autos, retirou ilações que extravasam em absoluto a prova produzida ao dar como provado o ‘estado de saúde bastante crítico’ a essa data.
Relativamente a este facto importa atentar liminarmente que a própria Recorrente, no seu articulado de contestação, reconheceu que o falecido F. M. “esteve internado no Hospital de Bragança e posteriormente na Ordem do Carmo, no Porto”, antes de 05.12.2011),
Mas, esclarecedor, em relação aos factos deste ponto impugnado, foi o depoimento do depoente F. J. que mencionou, após o internamento do seu pai, em 2010, ter-se começado a aperceber que o mesmo já não tinha capacidade para subscrever cheques e que, contrariamente ao que até aí se verificava, os assinava já com dificuldade e sem atentar no seu valor ou questionar o seu destino.
Assim, perante isso e outras situações de que se foi apercebendo, preocupado que estava, pediu ao Dr. C. P. para examinar o seu pai, tendo sido nessa sequência que, após essa observação, elaborou o relatório que consta de fls. 30-v.º/251, do p.p., atestando padecer o mesmo de deterioração mental, com total incapacidade para ajuizar e valorar correcta e adequadamente, bem como cuidar de si e dos seus bens, tal como o confirmou, o dito médico, no depoimento que prestou.
Esse depoimento, foi confirmado, não só pelos demais depoentes, como pelas testemunhas J. S. e C. A. que relataram o estado em que o Sr. F. M. voltou para casa após o referido internamento, debilitado, numa cadeira de rodas, e praticamente sem falar.
Depoimentos esses que confirmaram de igual forma a matéria vertida nos pontos seguintes impugnados e foram corroborados pelas testemunhas A. P., F. M., C. C., J. G., M. G. e A. M., amigos e conhecidos de longa data do falecido Sr. F. M., que o visitaram e comprovaram que este já não os conhecia, estava dependente e extremamente debilitado, atestando a 1.ª dessas testemunhas que o mesmo ficava parado a olhar par si sem dizer nada, a 2.ª, que o mesmo já não falava, estando 100% incapaz, sendo necessário estar sempre a limpar-lhe a boca, a 3.ª, igualmente que o mesmo não falava, não o conhecia sequer, a 4.ª, que o mesmo já estava noutro mundo e, a última das testemunhas referidas, que o mesmo não a reconheceu e dava sinais de total ausência e demência.
Ora, tendo em conta todos estes relatos de quem o conhecia bem e pode comprovar a sua decadência e perda de faculdades físicas e mentais, pela forma como o fez, o que foi inclusive confirmado e atestado pela testemunha indicada pela Ré, A. R., que, por vezes, ficava a tomar conta do pai dos AA., não se vê como não dar como provada a factualidade vertida até ao ponto 13 e no ponto 19, dos factos provados que foram impugnados.
Acresce que, à excepção da testemunha M. I., todas as demais que revelaram um conhecimento directo dos factos, foram peremptórios a afirmar que o falecido F. M. jamais se iria casar com a empregada, tanto assim que nunca, em momento algum, deu qualquer sinal disso ou referiu o que quer que fosse que indiciasse isso.
Certo é que, como é do mais elementar bom senso e decorrente das regras da experiência, se fosse essa a vontade do referido F. M. então o normal seria que o tivesse feito antes, dado que se encontrava viúvo desde 1988 e, como é por todos reconhecido, se estava perante uma pessoa com uma personalidade bastante vincada e que só fazia o que bem entendia quando ainda estava na posse de todas as suas faculdades físicas e mentais.
Indicador da versão dada como provada é também o facto da própria testemunha da Ré, a referida A. R., ter confirmado ao tribunal que no quarto onde se encontrava o Sr. F. M. existia, para além de uma cama de casal, uma outra de solteiro para quem dele cuidava, sem que nesse quarto ocupado por aquele existisse qualquer pertença da Recorrente que permitisse extrair a conclusão de que partilhava de forma mais intimista essa divisão com o pai dos AA., o que foi confirmado pela depoente M. P. ao atestar que a ora Recorrente dormia noutro quarto, como o confirmava quando se deslocava a Parada e aí permanecia para cuidar do pai nas épocas festivas.
Aliás, pese embora o próprio depoente A. J., tenha referido que a ‘R. M. era a menina dos olhos dele’, afirmou peremptoriamente que tal jamais poderia ser entendido no sentido de constituírem um casal.
Aliás, em momento algum ou em qualquer circunstância resulta que a aqui Recorrente se intitulasse como companheira/mulher do falecido F. M..
Decorre, ainda, do depoimento dos empregados que directa e diariamente privavam com eles, que, com a doença e fragilidades do seu patrão ao longo do tempo e de forma crescente, a Recorrente foi assumindo o papel que antes era daquele, pela confiança angariada e por os filhos não o quererem retirar do espaço que lhe era familiar, por terem a indicação do médico que, caso o fizessem, o pai pouco tempo duraria, tal como o referiu o depoente F. J. e igualmente o mencionou a depoente M. P..
Por outro lado, para além do certificado pelo próprio médico que o examinou ainda em 2011 e das referidas testemunhas e depoentes que atestaram que, em 2016, o falecido F. M. já não os conhecia, falava ou revelava qualquer sinal de entendimento do que se lhe dizia e discernimento para decidir o que quer que fosse, certo é que a própria demandada aquando da tentativa de citação daquele, no processo de interdição, em 30.1.2017, informou que ‘há já muitos anos que o Sr. F. M. não tem condições para tratar dos seus assuntos’, sendo constatado pelo funcionário a sua impossibilidade de receber tal citação (Cfr. doc. de fls. 35, do p.p.).
Entende a Recorrente que o tribunal a quo não poderia ter dado uma maior credibilidade ao relatório do Dr. C. P. em relação àquele que foi elaborado pelo Dr. F. G. que atesta ter o falecido F. M. as capacidades cognitivas para decidir sobre si, o seu património e sobre a administração dos seus bens (cfr. fls. 49-v.º), quando impugna a factualidade dada como provada e não provada.
Acontece que, para além do já exposto, resulta do teor do documento junto a fls. 30, do p.p. – nota de alta hospitalar -, que o falecido F. M. era totalmente dependente e não comunicativo, resultando dos seus antecedentes pessoais o registo de uma síndrome demencial, atestando o perito médico psiquiatra na sua avaliação clínica e parecer psiquiátrico-forense que o examinado se encontrava num estado terminal de um quadro demencial (cfr. fls. 21 e 22, do documento junto ao apenso A).
Aliás, contrariando as afirmações do Dr. F. G., afirma o Sr. Perito médico não ser verosímil, em bom rigor psiquiátrico, que à data de Abril de 2017, pudesse o examinado manifestar um quadro depressivo (reactivo), por tal situação implicar a existência de uma capacidade cognitiva plena, que não se coaduna com o estado de deterioração mental avançado (crónico) patenteado no tribunal como este efectivamente pode observar e aperceber-se aquando do respectivo interrogatório no âmbito do processo de interdição.
Como se não bastasse, a funcionária da CRC de ..., onde anteriormente se tinha tentado realizar o casamento, a 12.4.2017, confirmou a falta de capacidade do falecido F. M. para a prática do acto (cfr. fls. 174, do p.p.), mal se percebendo a razão de se ter ido realizar esse casamento a ... que fica a mais de 150Kms de Parada, onde aquele vivia.
Se, de facto, nenhum obstáculo existisse a esse enlace, nada mais natural do que praticar o acto na área da respectiva residência, por forma a demonstrar a todos quantos os conheciam a manifestação voluntária e querida de ambos.
Igualmente, se nada houvesse a esconder, o mais natural seria que a aqui Recorrente tivesse comparecido em tribunal para prestar o seu depoimento, esclarecendo toda a situação, em vez de se colocar em parte incerta (cfr. informação da GNR de fls. 277-v.º, do p.p.).
Daqui decorre, pelo exposto, quanto à valoração que se faz da prova, pela audição dos depoimentos e documentos juntos aos autos, que não existe qualquer fundamento para alteração da decisão de facto tomada na 1ª instância quanto à matéria em apreço.
Antes revelando toda a prova produzida apreciada à luz da sua razão de ciência e tendo em conta as regras da experiência comum, que a mesma foi correctamente valorada, não se encontrando qualquer erro de percepção na decisão em causa que justifique a pedida alteração, por se basear tal decisão na prova produzida devidamente conjugada e não apenas como o faz a recorrente em interpretações parciais, relativas e subjectivas (as mais convenientes de acordo com a sua versão) do depoimento daqueles que intervieram, de forma directa ou indirecta, no acto e o tentam justificar, quanto mais não fosse pelos processos disciplinares instaurados.
Daqui decorre que, não é por uma testemunha referir determinados factos como ocorridos que o tribunal tem que os dar como provados. A convicção do tribunal é formada, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, como referimos, pela análise conjugada das declarações e depoimentos, com a demais prova produzida (pericial e documental), em função das razões de ciência, das certezas e, ainda da coerência de raciocínio, tudo valorado de acordo com as regras da experiência e da normalidade.
A recorrente acusa, ainda, o tribunal a quo de ter sido parcial, influenciado pela sua intervenção no interrogatório a que presidiu no processo de interdição e ter adoptado uma posição tendenciosa, ao ter inclusive tentado por todos os meios fazer com que a depoente comparecesse em tribunal para prestar as declarações que considerava necessárias.
A este respeito, como se decidiu no incidente de escusa, a intervenção de um juiz e a prolação da sentença numa causa com factualidade comum a outra, não encontra acolhimento de impedimento, daí o indeferimento desse pedido.
É incontestável que a imparcialidade dos juízes é um princípio constitucional, quer se conceba como uma dimensão da independência dos tribunais (art. 203.º, da CRP), quer como elemento da garantia do ‘processo equitativo (n.º 4, do art.20.º da CRP). Importa que o juiz que julga o faça com isenção e imparcialidade e, bem assim, que o seu julgamento surja aos olhos públicos como um julgamento objectivo e imparcial – neste sentido Peter Van Dijk, ‘Article 6 of the concept of objective impartiality, in Protéction des Droits de l’Homme: La perspective Européenne, 2000, p. 1495).
Como se pronunciou o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 324/2006, publicado no DR n.º 167, de 30.8.2006, ‘os impedimentos, tal como as suspeições, têm como justificação garantir a independência do tribunal que vai julgar uma causa, razão pela qual se tem opor as causas capazes de justificar tais situações antes do juiz se ver confrontado com a necessidade de decidir.
Acresce que, perante o caso Hauschildt C. Dinamarca, de 24.5.1989, o TEDH passou a decidir que o simples facto de um juiz já ter tomado decisões anteriormente no processo, não podia, só por si, justificar dúvidas em relação à sua imparcialidade.
Assim sendo, não tendo a parte suscitado previamente a existência de qualquer impedimento ou suspeição, tendo sido decidido, face à questão suscitada pelo próprio julgador, não existir qualquer obstáculo à sua intervenção nos autos principais apesar de ter tido intervenção no processo de interdição, tem de se considerar essa questão sanada.
Mesmo que assim se não entendesse, o facto é que diferente da visão da Recorrente, aqui o que se trata é de formação da convicção formada pelo tribunal a quo em consequência da conjugação de todas as provas produzidas.
Convicção essa que, perante as mesmas provas, foi formada por este tribunal no mesmo sentido, que permitem concluir que a Recorrente agiu em conformidade com o que consta dos pontos 14, 15, 17 e 18, nos precisos termos que aí constam, mais sendo de manter a factualidade dada como provada e não provada, face ao que se expôs quanto à reapreciação da prova.
Nestes termos, mantêm-se, pois, inalterada a decisão de facto, bem como, consequentemente, também, em termos de direito, a solução dada à causa pelo Tribunal a quo.

Quanto à questão relacionada com a litigância de má fé, preceitua o artigo 542.º do C.P.C. que:

1 - Tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2 - Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão”.

Por sua vez o artigo 543.º do Código de Processo Civil, estabelece que:

1 - A indemnização pode consistir:
a) No reembolso das despesas a que a má fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos;
b) No reembolso dessas despesas e na satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência directa ou indirecta da má fé.
2 - O juiz optará pela indemnização que julgue mais adequada à conduta do litigante de má fé, fixando-a sempre em quantia certa”.

Face ao preceituado nas várias alíneas do n.º 2, do art. 542.º, do citado diploma, quando conjugadas com a factualidade apurada, posição adoptada pela Ré/Recorrente e comportamento processual adoptado no decurso dos autos, tem de se entender que litigou de má fé, ao especificamente ter deduzido oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar e alterando a verdade dos factos, quando alegou despudoradamente que viveu com o idoso em condições análogas às dos cônjuges, partilhando leito, mesa e património, que aquele se apresentava lúcido, consciente, orientado, desperto, localizado no tempo e no espaço, com plena consciência do acto que queria praticar, manifestando essa vontade de forma expressa e inequívoca, e que o acto foi celebrado em cumprimento de um desejo de ambos de longa data, e praticando omissão grave do dever de cooperação, pelo que é de manter a sua condenação em multa.
Já quanto à indemnização requerida após a decisão que considerou não ser a mesma devida por não peticionada, importa ter em conta que, na sessão de julgamento de 3.12.2018, o tribunal a quo, apontando as razões e fundamentos subjacentes a essa sua decisão, determinou que as partes fossem notificadas para se posicionarem sobre o instituto de litigância de má fé que a posição da Ré era susceptível de preencher, sem que os AA./Recorridos e aqui Recorrentes, nessa parte, tivessem vindo aos autos deduzir qualquer pedido de indemnização, daí que se entenda que a situação presente configura uma situação diferente daquela a que se reporta o Acórdão a que aludem deste tribunal de 11.5.2017, proc. 1639/14.2TBVCT,G2, publicado no site da dgsi, também por mim subscrito.
Acresce que, como aí se refere, citando o Professor Alberto dos Reis, “a apreciação da má fé e a condenação em multa e indemnização não pode o juiz relegá-las para depois da sentença; (…) o que pode e deve deixar para depois da sentença é a fixação do quantitativo da indemnização”, que resolverá, ouvidas as partes e pedidas as informações ou esclarecimentos ou ordenadas as diligências indispensáveis, “usando de prudente arbítrio” (Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 3ª edição – Reimpressão, pág. 276 página 281).
Assim, não tendo a parte, no prazo que lhe foi concedido, vindo, antes da decisão final proferida, pedir a condenação da parte contrária, por ter litigado de má fé, em indemnização a esse título, tem, nessa parte, também o seu recurso de improceder.
*
IV. DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se nesta 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso interposto pela Ré/Recorrente, bem como o recurso ampliado interposto pelos AA./Recorridos, confirmando, assim, consequentemente, a decisão recorrida
Custas pelos apelantes (R. e AA.), quanto, respectivamanete, a cada um dos seus recursos (principal e ampliado).
Notifique.
*
Guimarães, 19 de Setembro de 2019
(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária e assinado electronicamente pelo colectivo)

Maria dos Anjos S. Melo Nogueira
Desembargador José Carlos Dias Cravo
Desembargador António Manuel Antunes Figueiredo de Almeida