Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
407/12.0GBVLN-C.G1
Relator: TERESA COIMBRA
Descritores: PENA DE MULTA
NÃO PAGAMENTO
SUBSTITUIÇÃO TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
NÃO CUMPRIMENTO INTEGRAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
1. A prestação de trabalho a favor da comunidade que substitua, a requerimento do condenado, uma pena de multa, não é uma sanção, porque não é uma pena imposta, mas antes uma forma de cumprimento da pena de multa ( art. 490º do Código de Processo Penal, art. 48º do Código Penal e DL. 375/97 de 24.12, aplicável por força do art. 15º deste diploma).

2. Quando o trabalho não é integralmente prestado pelo condenado, tem o tribunal de tomar posição sobre se o incumprimento é ou não culposo, antes de tomar qualquer outra decisão sobre o pagamento da multa em falta.

3.O pagamento fracionado da multa, ou diferido no tempo ( art. 47 nº 3 do Código Penal), é uma situação de exceção, de desvio, à regra do pagamento, prevista no art. 489 nº 2 do Código de Processo Penal.

4. A elasticidade quanto ao fracionamento de uma multa não é ilimitada, porque sem um limite temporal definido a multa perderia o caráter de verdadeira pena que é.

5. Não viola o princípio da igualdade, constitucionalmente plasmado, a fixação do limite de dois anos subsequentes ao trânsito em julgado, previsto no nº 3 do art. 47º do Código Penal para pagamento da última prestação de uma pena de multa.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães.

I.
No processo que, com o nº 407/12.0GBVLN, corre termos no juízo de competência genérica de M. foi o arguido R. L. condenado, por sentença transitada em julgado, além do mais, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de 5,50€ (cinco euros e cinquenta cêntimos), num total de 660€ (seiscentos e sessenta euros).

Oportunamente, o arguido requereu, a título principal, a substituição do pagamento da pena de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade; subsidiariamente requereu também o pagamento da multa em prestações. O pedido principal foi deferido, pelo que o subsidiário não chegou a ser apreciado.

Não tendo prestado o trabalho integralmente, veio posteriormente a requerer o pagamento do remanescente de multa em prestações, pedido que foi indeferido.

É desse despacho de indeferimento que o arguido interpõe o presente recurso nele apresentando as seguintes conclusões ( transcrição):

1ª – O despacho recorrido, aderindo à promoção do MP, indefere o requerido; mas, atendendo à posição do MP, pensamos que se deve interpretar tal despacho no sentido de que o indeferimento é apenas quanto ao pagamento em prestações da multa e não quanto ao pedido do pagamento da multa em lugar da continuação da prestação de trabalho.
2ª – Requer-se que este tribunal corrija esta ambiguidade, nos termos do artigo 380º do C.P.P., no sentido referida na conclusão 1ª supra.
3ª – As razões do indeferimento do pagamento da multa em prestações são: o terem decorrido dois anos desde o trânsito em julgado da decisão condenatória e terem sido dadas “várias” oportunidades para cumprir; concluindo que não é possível o pagamento em prestações, nos termos conjugados dos artigos 489º, 490 e 491º do C.P.P.
4ª – Quanto à questão do decorrer dos dois anos após o trânsito em julgado, tal período decorreu precisamente enquanto houve a substituição da multa por prestação de trabalho; respeitando, portanto, tal período à prestação de trabalho.
5ª – Nunca, nesse período, o recorrente beneficiou de pagamento em prestações da pena de multa, nem foi apreciado o fundamento legal para o deferimento dessas prestações – a insuficiência económica; pelo que o requerimento, nesse sentido, deve ser deferido, revogando-se o despacho recorrido.
6ª – Nada nos preceitos legais referidos da fundamentação dispõe sobre o pagamento da multa em prestações.
7ª – O preceito que trata do pagamento da multa em prestações é o nº 3 do artigo 47º do C.P., que estabelece que o fundamento para deferir o pedido de pagamento da multa em prestações é o da insuficiência económica / situação económica e financeira; sendo que a insuficiência económica do recorrente é conhecida nos autos e foi melhor explicada no requerimento em causa.
8ª – Uma interpretação dos artigos 489º, 490º, 491º do C.P.P., ou mesmo do nº 3 do artigo 47º do C.P., na qual se considera que é de negar o pagamento da multa em prestações, pelo decurso de dois anos após o trânsito em julgado, quando durante esse tempo decorreu prazo para cumprimento de prestação de trabalho em substituição da multa, implica inconstitucionalidade dos mesmos, por violação do nº 2 do artigo 13º da Constituição.
9ª – Na verdade, tal interpretação discrimina as pessoas com insuficiência económica em relação aquelas que podem pagar a multa imediatamente, de uma só vez; porque, durante tal período o recorrente não beneficiou do pagamento em prestações, nem foi, com esse fito, apreciada a sua situação de insuficiência económica.
10ª – Quando, agora, lhe vem a ser exigido o pagamento da multa, deverá ter-se, pela primeira vez, em consideração essa insuficiência económica, perante o pedido de pagamento em prestações, deferindo-o.
11ª - O recorrente teve duas oportunidades para cumprir a prestação do trabalho: uma antes da prorrogação e outra depois dela; o que ocorreu porque os fundamentos aduzidos pelo recorrente, para tal, foram considerados plenamente justificados.
12ª – Portanto, o facto de o recorrente ter tido duas oportunidades de cumprir a prestação do trabalho, em virtude de (justificada) prorrogação, não é fundamento para recusar o pagamento em prestações; pois aquilo que está em causa, num pedido de pagamento em prestações, para o apreciar, é, nos termos do nº 3 do artigo 47º do C.P., a situação económica e financeira do requerente.
13ª – Portanto, o tribunal recorrido não aplicou, com a interpretação correta, o disposto no nº 3 do artigo 47º do C.P. - com respeito pelo preceituado no nº 2 do artigo 13º da Constituição; pelo que deve ser revogado o despacho recorrido.

O Ministério Público em primeira instância respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência.

Nesta Relação o Exmo PGA, na sequência do entendimento de que o despacho recorrido foi prematuro, uma vez que, em bom rigor, a pena que ao ora recorrente incumbe cumprir é ainda a sanção de dias de trabalho, substitutiva da pena de multa, ou seja, a prestação de trabalho a favor da comunidade (…) não fazendo, pois, sentido questionar, pelo menos por ora, a pena de multa substituída que, por assim dizer, está “a se”, sem autonomia, emitiu parecer no sentido de o recurso dever ser julgado procedente, com a revogação do despacho recorrido, que deverá, na primeira instância, ser substituído por outro que desencadeie o procedimento tendente ao apuramento do incumprimento da prestação de trabalho e da culpa do condenado, nos termos apontados.

Foi cumprido o disposto no art. 417 º 2 do CPP.
Cumpre decidir, colhidos que foram os vistos e realizada conferência.

II.
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, temos que – analisando a síntese conclusiva – a única questão a decidir é a de saber se a pretensão do arguido de cumprir o remanescente da multa não paga, em prestações, pode ser deferida.

No entanto antes de entrar no conhecimento de mérito do recurso, uma questão prévia se impõe apreciar, como é dito no douto parecer antecedente, qual seja a de saber se é já processualmente possível tomar posição sobre a pretensão do arguido, uma vez que ainda não foi avaliada a prestação de trabalho a favor da comunidade oportunamente decidida.

Para apreciação da referida questão importa ter em conta que:

- Por sentença proferida e transitada em julgado em 19/12/2016, foi o arguido R. L. condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física p.p. artigo 143º nº 1 do Código Penal, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 5,5€, num total de 660€.
- Alegando a impossibilidade de pagar a multa requereu, em 08/03/2017, ao abrigo do disposto no artigo 48º do Código Penal, que a multa fosse substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade. No mesmo requerimento, subsidiariamente, requereu autorização para pagamento da multa em prestações mensais de 60€, conforme disposto no artigo 47º, nº 3 do CP (fls 49).
- Por decisão de 06/10/2017 foi decidido substituir a pena de multa aplicada ao arguido por 120 horas de trabalho, que seria prestado pelo arguido de acordo com o plano elaborado pela Direção Geral de Reinserção Social e junto aos autos em 28/09/2017.
- Em 09/04/2018 foi remetido aos autos pela DGRSP um relatório de anomalias no cumprimento do trabalho, dando conta de que o arguido demonstra falta de assiduidade e desmotivação para o cumprimento da pena.
- Ouvido o arguido, invocou dificuldades de natureza laboral e familiar e comprometeu-se a prestar todas as horas de trabalho, conforme determinado pelo Tribunal, nem que para tal tenha de arranjar folgas extraordinárias ou ir prestar trabalho após o seu horário normal.
- Em face da posição adotada pelo arguido, por despacho de 07/05/2018, foi decidido relevar a apontada falta e determinar que o mesmo retomasse a prestação de trabalho a favor da comunidade.
- Com data de 11/12/2018 a DGRSP enviou aos autos novo relatório de anomalias dando conta de que do trabalho iniciado em 26/02/2018 o arguido havia apenas prestado 9h30m até 04/06/2018, com a informação de que pretendia pagar as 110h30m de trabalho em falta e que iria fazer diligências junto do Tribunal para pagamento do remanescente da multa, alegando razões pessoais e profissionais.
- Notificado do teor do relatório apresentou o arguido, com data de 17.01.2019, nos autos, requerimento do seguinte teor:.

R. L., Arguido nos autos em referência, notificado para o efeito, vem dizer o seguinte:

1 - O arguido já comprovou nos autos que a sua mulher estava grávida, com gravidez de risco.
2 - A sua filha nasceu em ../../2018, conforme cópia do cartão de cidadão que vai junta.
3 - Como é da experiência comum, o nascimento de um filho implica uma mudança drástica na vida dos pais, tornando-a muito mais exigente e com menos disponibilidade de tempo, implicando também um período de adaptação e aprendizagem sobre a nova realidade.
4 - O arguido é motorista dos Bombeiros Voluntários de M., estando agora a terminar a formação para passar à qualidade de "tripulante de ambulâncias de socorro".
5 - O seu horário de trabalho real é das 10h às 19h, durante a semana, e das 8h às 16h ao sábado.
6 - O horário de funcionamento do Arquivo, onde presta o trabalho comunitário é das 10h às 17h, durante a semana, e das 10h às 13h ao sábado.
7 - A situação que descrevemos torna impossível o cumprimento do trabalho a favor da comunidade, que o arguido requereu numa altura em que a sua vida era muito diferente - desempregado e sem filhos.
8 - Por isso, vem requerer o cumprimento do remanescente da multa, descontado o trabalho a favor da comunidade já prestado.
9 - Tendo em conta a situação exposta e que o arguido aufere um salário base de €618,00, o mesmo encontra-se impossibilitado de pagar a totalidade da multa, de uma só vez.
10 - Assim, requer o pagamento do remanescente da multa em prestações, sendo que o arguido, já com esforço, poderá pagar em dez prestações mensais.

Perante o requerimento, o Ministério Público em primeira instância promoveu o indeferimento da pretensão do arguido nos seguintes termos:

Vi o requerimento do condenado.

Vejamos:

Por sentença datada de 29.10.2015 - cfr. fls. 306 a 333 e confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães datado de 10.10.2016 - cfr. fls. 416 a 455, há muito transitado em julgado - 19.12.2016, foi R. L. condenado na pena de 120 dias de multa à taxa diária de €5,50, num total de €660,00, pagável até ao dia 06.03.2017 - cfr. fls. 494.
Através de requerimento que deu entrada a 8.03.2017 veio o condenado requerer a substituição da pena de multa pela prestação de trabalho a favor da comunidade - cfr. fls. 514 e 515, possibilidade essa que lhe foi concedida por despacho de fls. 561 e 562 datado de 06.10.2017.
Sucede que das 120 horas de trabalho que o condenado tinha por cumprir apenas cumpriu 6, referindo problemas de saúde do próprio e gravidez de risco da sua esposa - cfr. relatório da DGRSP de fls. 580.
Atendendo à referida justificação, relevou-se a falta de cumprimento do condenado, comprometendo-se o mesmo a cumprir o trabalho em falta.
Acontece que, até à presente data, apenas cumpriu 9h30 das 120 horas em que foi condenado - cfr. relatório da DGRSP de fls. 593.
Veio agora o condenado, através de requerimento datado de 17.01.2019, a fls. 597 e 598, referir que não tem condições para cumprir o trabalho atendendo ao seu horário de trabalho e ao facto de ter um filho com menos de um ano de idade, solicitando assim a possibilidade de pagar a multa em falta, fazendo-o em prestações.
Ora, sendo certo que é da experiência comum que o nascimento de um filho implica alterações drásticas na vida de uma pessoa a verdade é que R. L. foi condenado numa pena por decisão transitada em julgado a 19.12.2016, ou seja, há mais de dois anos e cerca de um ano e meio antes de nascimento do seu filho e, apesar das várias oportunidade que lhe foram sendo dadas, ainda não cumpriu a pena em que foi condenado.
Tendo sido condenado em 120 dias de multa e sendo deduzidas as 9h30 de trabalho prestadas temos que ainda se encontram por cumprir 110 dias e meio de multa, à taxa de e €5,50, o que perfaz o montante de €607,25 ainda em falta.
Acontece que já não é possível o pagamento dos valores em falta em prestações, nos termos conjugados dos artigos 489º, 490ºe 491º do Código de Processo Penal.
Destarte, promove-se seja o condenado notificado, por si e na pessoa do seu II. Mandatário, para vir comprovar nos autos o pagamento integral do remanescente da pena de multa em que foi condenado, no prazo que lhe for concedido, sob pena de poder ter de vir a cumprir 73 dias de prisão, nos termos do artigo 49º, nº 2, do Código Penal.
*
Seguiu-se o despacho recorrido que é do seguinte teor (transcrição)
Subscrevendo na íntegra a douta promoção que antecede, que por razões de economia processual, damos por integralmente reproduzida (sob pena de estarmos a repetir o que aí se encontra plasmado), indefiro o requerido.
Notifique, com cópia da promoção que antecede e proceda conforme promovido.

Apreciação do recurso.

Conforme resulta da tramitação processual exposta, o arguido ora recorrente foi condenado pela prática do crime de ofensa à integridade física p.p. artigo 143º do Código Penal numa pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 5,5€ (cinco euros e cinco cêntimos).

A execução de uma pena de multa por iniciativa do arguido pode ocorrer por um dos seguintes modos: ou por pagamento voluntário (artigo 489º do Código de Processo Penal) ou por prestação de trabalho a favor da comunidade (artigo 490º do Código de Processo Penal, 48º do Código Penal e DL 375/97 de 24/12, aplicável por força do artigo 15º deste diploma).

A prestação de trabalho é, neste âmbito de cumprimento de uma pena de multa, não uma sanção, porque não é uma pena imposta -, mas antes uma forma de cumprimento da pena, aplicável a requerimento do condenado, quando for possível a conclusão de que realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (artigo 48º do Código Penal), finalidades essas que são as previstas no artigo 40º, nº 1 do Código Penal.

Nos termos do nº 2 do artigo 48º do Código Penal é correspondentemente aplicável à substituição da multa por trabalho o disposto nos nºs 3 e 4 do artigo 58º (cada dia de multa corresponde a uma hora de trabalho, podendo ser prestado aos sábados, domingos e feriados, bem como nos dias úteis, mas sem exceder por dia o permitido segundo o regime de horas extraordinárias) e, bem assim, o nº 1 do artigo 59º (que prevê a possibilidade de suspensão provisória da prestação de trabalho por motivo grave de ordem médica familiar, profissional ou outra, sem que o tempo de execução da pena possa ultrapassar 30 meses).

O não pagamento da multa tem consequências para o condenado. Elas estão previstas no artigo 49º do Código Penal.

Aí se diz que:

1 - Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão, não se aplicando, para o efeito, o limite mínimo dos dias de prisão constante do n.º 1 do artigo 41.º
2 - O condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado.
3 - Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de um a três anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Se os deveres ou as regras de conduta não forem cumpridos, executa-se a prisão subsidiária; se o forem, a pena é declarada extinta.

4 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é correspondentemente aplicável ao caso em que o condenado culposamente não cumpra os dias de trabalho pelos quais, a seu pedido, a multa foi substituída. Se o incumprimento lhe não for imputável, é correspondentemente aplicável o disposto no número anterior.

Esta norma distingue as situações em que a multa, não paga, não tenha sido substituída por trabalho, daquelas em que o tenha sido.

Interessa-nos esta última situação, pelo que teremos de nos socorrer do nº 4 do artigo 49º onde é dito que o disposto nos nºs 1 e 2 é correspondente aplicável ao caso em que o condenado, culposamente, não cumpre os dias de trabalho pelos quais, a seu pedido, a multa foi substituída.

Assim sendo, aqui chegados, estamos em condições de concluir, como o fez o Exmo PGA no parecer que antecede este acórdão, que o despacho recorrido, porque não se pronunciou sobre o incumprimento – culposo, ou não – do trabalho prestado - retirando daí as consequências legalmente previstas - é prematuro.

Mas também o requerimento do arguido é prematuro. É que, sem esperar essa tomada de decisão por parte do tribunal, veio o arguido requerer a possibilidade de pagamento em prestações da multa em falta.

Só que, nem é o arguido que conduz a tramitação processual, nem esta se pode afastar dos procedimentos legalmente previstos, sendo certo que é a lei que diz o que acontece (artigo 49º, nºs 1, 2 e 4 do Código Penal) no caso de não cumprimento do trabalho fixado.
Mas, para que seja decidido se, efetivamente, o trabalho foi, ou não, cumprido tem que ser tomada posição sobre se o incumprimento é ou não imputável ao condenado, isto é, se é ou não culposo, e esta decisão ainda não foi expressamente tomada pelo Tribunal a quo.

Acresce que, independentemente do que vier a ser decidido, a lei limita no tempo a possibilidade do pagamento da multa em prestações (artigo 47º, nº 3 do Código Penal). E assim é porque o pagamento fracionado da multa ou diferido no tempo (artigo 47º do Código Penal) deve sempre ser encarado como uma situação de exceção, isto é, de desvio à regra do pagamento prevista no artigo 489º, nº 2 do Código de Processo Penal.

De facto, a elasticidade quanto à forma de pagamento da multa não é ilimitada. Se é verdade que com ela pretende o legislador permitir que o cumprimento da multa tenha lugar, mesmo no caso de dificuldades financeiras por parte do condenado, também é certo que sem um limite temporal definido a multa perderia o caráter de verdadeira pena que é.

O limite temporal previsto no artigo 47º, nº 3 do Código Penal – 2 anos após o trânsito em julgado da condenação -é, pois, plenamente justificado e nos presentes autos está objetivamente ultrapassado (sem prejuízo das vicissitudes processuais que possam vir a ocorrer em termos de execução coerciva, se esta vier a ter lugar).

Acresce que o facto de, quando requereu a substituição da multa por prestação de trabalho, o arguido ter subsidiariamente requerido o pagamento em prestações não invalida esta conclusão. É o que o pedido subsidiário só é conhecido no caso de não proceder o principal, pelo que é evidente que se o arguido viu deferida a sua pretensão principal de prestar trabalho a favor da comunidade, a pretensão subsidiária tornou-se irrelevante.

Acresce ainda que, não obstante o arguido se ter apercebido rapidamente da alegada dificuldade em prestar trabalho (o primeiro relatório de anomalias – falta de assiduidade e empenho – é datado de Abril de 2018), foi deixando arrastar a situação, transpondo para o (inevitável) pagamento da multa, a falta de empenho demonstrada na execução do trabalho e só quando o tribunal lhe recordou a eventual aplicação de prisão subsidiária, o arguido veio requerer que lhe fosse possibilitado o pagamento de multa em prestações, decorridos mais de 2 anos sobre o trânsito em julgado de condenação.

Para além de que, desde já se diga que, contrariamente ao afirmado pelo arguido, não há que acrescentar ao referido prazo de 2 anos previsto no artigo 47º, nº 3 do Código Penal, aquele durante o qual lhe foi dada a possibilidade de prestar trabalho a favor da comunidade, porque a referida limitação temporal, já o vimos, tem como objetivo evitar a desvirtuação da pena de multa como verdadeira pena, retirando-lhe a eficácia político – criminal que possui.

E não se diga, como o faz o arguido, que a interpretação literal da limitação temporal discrimina as pessoas com insuficiência económica, porque a situação económica é tida em conta no momento da fixação do quantitativo diário da multa, (que no caso foi, dado o seu montante encostado ao limite mínimo, necessariamente fixado em função da situação económico-financeira do condenado e dos seus encargos pessoais). É nesse momento (artigo 47º, nº 2 do Código Penal) que se realiza o princípio da igualdade dos sacrifícios a impor aos cidadãos condenados sendo certo que, no caso de clara impossibilidade de cumprimento, há ainda a possibilidade de suspensão de execução de prisão subsidiária, mediante subordinação a deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro (artigo 49º, nº 3 do Código Penal).

Portanto, não há qualquer violação do princípio da igualdade, constitucionalmente plasmado, na disposição legal que determina que o prazo de pagamento da multa em prestações não pode exceder 2 anos após o trânsito em julgado.

Em face do exposto - e sem prejuízo do que fica dito quanto à apreciação a levar a efeito nos autos principais da prestação de trabalho por parte do recorrente – improcede o recurso.
*
III.
DECISÃO.

Em face do exposto, decidem os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido R. L..
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 Ucs.
Notifique.
Guimarães, 11/06/2019

Maria Teresa Coimbra
Cândida Martinho