Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4057/13.4TBVCT
Relator: ANTÓNIO SOBRINHO
Descritores: CONTRATO DE TRANSPORTE
NEGLIGÊNCIA GROSSEIRA
FURTO
LUCRO CESSANTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/21/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1. No âmbito do contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada, a actuação com negligência grosseira por parte do transportador quanto à ausência dos procedimentos adequados a guardar a mercadoria é enquadrável no conceito de falta a que alude artº 29º, nº1, da Convenção relativa ao Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada (CMR).
2. Pratica tal falta o transportador que, face ao percurso longo do transporte, ao tipo de mercadoria (de fácil descaminho), ao seu elevado valor, faz transportar a mercadoria num semi-reboque com cobertura exterior em lona (o que potencia muito o acesso ao seu interior), ficando este estacionado durante a noite, ao longo de 10 horas, em parque não fechado nem vigiado, existindo apenas um motorista, sem ajudante ou pessoa que o revezasse na vigia ao veículo e sem quaisquer mecanismos (alarmes, sensores, cabos ou cadeados) para evitar a intrusão neste.
3. A existência do dano decorrente dos lucros cessantes que podiam advir à destinatária da mercadoria transportada tem de ser traduzida em factos alegados e provados.
4. O furto dessa mercadoria não traduz ipso facto uma perda de ganho, um lucro frustrado, portanto, uma vez que a transacção dessa mercadoria podia não dar lucro ou até dar prejuízo.
5. Não tendo sido alegada nem provada sequer a existência de um prejuízo, a título de lucros cessantes, não é possível a sua liquidação em execução de sentença.
6. Tal liquidação respeita ao quantum indemnizatório, pressupondo que se mostra já apurada a existência do dano.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório;

Recorrentes: - B., LDA (RÉ);
- C., SA, (RÉ);
- D. (CHAMADA);
Recorrida: - E.- SEGUROS, SA (AUTORA);

*****
Pedido:
E. - SEGUROS, SA, intentou acção declarativa, com processo ordinário, contra B., LDA, C., SA, e COMPANHIA DE SEGUROS F., SA, pedindo a condenação solidária das rés a pagar à autora a quantia total de € 59.775,61, acrescida dos juros, calculados à taxa legal, desde a data da entrada da petição até integral pagamento.

Causa de pedir:
Alega a autora que celebrou com a sociedade G., Ldª um contrato de seguro de transportes (mercadorias) tendo por objecto garantir o seguro das mercadorias do comércio da segurada durante o seu transporte desde Portugal para todo o mundo e vice-versa.
Para o transporte, por via rodoviária, das mercadorias adquiridas pela sua segurada de Nola (Itália) para Setúbal, foi contratada a 1ª ré, empresa transitária Torrestir, que por sua vez subcontratou com a 2ª ré empresa transportadora J. Morais, que para o efeito emitiu o documento CMR nº 0054243.
Durante a execução do transporte de Nola para Setúbal, o camião da 2ª ré foi assaltado tendo desaparecido a mercadoria da segurada da Autora. O assalto deu-se quando o motorista do camião parou para dormir num parque que não é fechado nem vigiado, situado junto a uma auto-estrada.
A 3ª ré é responsável enquanto seguradora da 2ª ré e no âmbito de cobertura da apólice de responsabilidade civil nº 1854484.
Acrescenta que procedeu à regularização dos prejuízos através do pagamento da quantia total de € 58.925,61, depois de apurado o valor dos prejuízos efectivamente sofridos pela segurada e descontado o valor da franquia, tendo sido emitido o respectivo recibo de indemnização.

Contestou a ré B., LDA, alegando que não exerce, por si, a atividade de transportador, apenas faz a mediação entre expedidores e transportadores com quem celebra os respectivos contratos de transporte, sendo que, no caso também o transportador não é responsável pela perda da mercadoria transportada que ocorreu por ação de furto, na razão de que os elementos típicos integradores do tipo do ilícito configuram circunstâncias que o transportador não podia evitar e cujas consequências não podia obviar.
Mais contrapôs que o transportador não cometeu qualquer falta de segurança que lhe seja imputável e que tenha de algum modo contribuído para a ocorrência do furto, uma vez que o camião foi estacionado, enquanto o condutor dormia na cabine, em local adequado para pernoitar, destinado a viaturas pesadas, com via iluminação, onde se encontravam estacionados mais de cinquenta veículos pesados para o mesmo efeito e outros tantos veículos ligeiros.
Conclui pela improcedência da ação.
Requereu, ainda, o incidente de intervenção acessória provocada de “D.”, invocando ter celebrado com esta contrato de seguro de responsabilidade civil destinado a garantir a responsabilidade por danos causados no exercício da sua actividade a clientes ou a terceiros, em vigor à data do sinistro, titulado pela apólice n.º B….
A ré C., SA. contestou, sustentando que o caso dos autos é um caso de força maior, já que o furto ocorreu em circunstâncias que o transportador não podia evitar e para as quais não contribuiu culposamente, pelo que está o transportador desobrigado da responsabilidade pela perda total da mercadoria. Caso assim se não entenda, sempre a responsabilidade da ré está limitada nos termos do artº 23º. da Convenção CMR e transferida para a Companhia de Seguros F., SA., ao abrigo da apólice de seguro de responsabilidade civil do transportador sobre mercadorias em trânsito nº. ….
Também a ré COMPANHIA DE SEGUROS F., SA, contestou, arguindo a sua ilegitimidade dizendo que o contrato de seguro que celebrou com a ré C., S.A., não é um contrato de seguro obrigatório, mas antes facultativo. Mediante esse contrato não foi transferida para a ré qualquer responsabilidade de terceiro, tendo-se esta, apenas, comprometido a garantir, dentro de certos limites e condições, a responsabilidade imputável à sua segurada.
No mais, conclui que caso os factos relatados pela autora venham a ser demonstrados estará excluída a responsabilidade da ré por força do estabelecido nas cláusulas k) e m) das Condições Gerais da Apólice de seguro.
A autora replicou.
Foi a ré Companhia de Seguros F. considerada parte ilegítima na ação como parte principal e convidada a ré C. a fazer intervir a Companhia de Seguros F., mas como parte acessória.
A ré C. veio requerer o incidente de intervenção acessória provocada da Companhia de Seguros F..
Foram admitidos os incidentes de intervenção acessória deduzidos pelas co-rés contra a “D.” e a “Companhia de Seguros F., S.A.”.
A Companhia de Seguros F., como parte acessória, apresentou contestação, impugnando a factualidade alegada pela autora. Mais alegou que, caso a mesma se venha a demonstrar, então estará excluída a sua responsabilidade por força do estabelecido nas cláusulas k) e m) das Condições Gerais da Apólice de seguro.
D. apresentou contestação, sustentando a inexistência de dolo e que a responsabilidade pelos danos verificados é da entidade responsável pelo transporte, a empresa C..
A autora apresentou réplica às contestações das intervenientes.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença na qual se decidiu julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou-se, solidariamente, as rés B., Ldª e C., S.A. a pagar à autora a quantia de € 58.925,61 (cinquenta e oito mil novecentos e vinte e cinco euros e sessenta e um cêntimos), acrescida juros desde a data da instauração da acção e até integral pagamento.

Inconformadas com tal decisão, dela interpuseram recurso as rés “B.” e “C.” e a chamada “D.”, de cujas alegações se extraem, em súmula, as seguintes conclusões:
A- Apelação de “ B.”:
1- A sentença a quo aplicou aos autos o disposto nos normativos art. 15° do Decreto-Lei n." 255/99, com suas sucessivas alterações, acrescido do disposto no art. 17°, n.º 1 da Convenção CMR, mais fazendo operar o disposto nos arts. 23° e 29° CMR, em particular, excluindo a limitação de responsabilidade que este último prevê baseada na existência de dolo eventual por parte das rés, em particular, do agente da ré Transportes J. Morais. A exclusão da limitação de responsabilidade prevista no art. 23° da Convenção CMR é um erro de direito no que toca à sua integração e preenchimento da norma, sendo a aplicação da norma ao caso concreto uma decisão errada e que, por isso, deverá ser revertida.
2- Num quadro de furto de mercadoria transportada, a sentença a quo considerou que o camião foi assaltado quando estava estacionado numa área de serviço de auto-estrada, sendo que o motorista aproveitou a paragem para dormir e pernoitar, num local iluminado e preparado para estacionamento de viaturas pesadas de mercadorias e onde, aliás, várias outras viaturas estavam paradas com seus motoristas a pernoitar. Mais considerou, na sua fundamentação à resposta da matéria de facto que quatro testemunhas distintas afiançaram que, em seu entender, nenhuma outra medida adicional poderia ser tomada para evitar o furto, tendo este evento sido absolutamente imprevisível.
3- Nos termos do art. 15° do Decreto-Lei n." 255/99 e do art. 500° CCiv., a responsabilidade do transitário é objectiva e solidária com a responsabilidade do transportador com quem tenha sido celebrado contrato de transporte em execução do contrato de transitário.
4- Neste quadro, a sentença a quo deveria ter aplicado o art. 17°, n." 2 da Convenção CMR aos autos porquanto o furto da mercadoria representa uma circunstância que, no caso concreto, o transportador não lograria evitar, tendo cumprido com todos os seus deveres de cuidado.
5- Sendo certo que o condutor teria de dormir, parou em trajecto de auto-estrada na ausência de parques específicos para que os condutores de pesados possam pernoitar - cuja existência não foi dada como provada - mais parecendo idóneo o local de paragem considerada a existência provada de vários outros veículos pesados de mercadorias estacionados no local o que demonstra a aparente segurança e imprevisibilidade objectiva de furto.
6 - Não foi provada a ausência de cadeado na porta do camião, razão pela qual, acrescendo ao exposto, não se pode considerar que tenha ocorrido a violação de qualquer dever objectivo de cuidado necessária para fundar a imputação da comissão do ilícito a título de negligência.
7- Destarte, deveria ter sido a responsabilidade do transportador afastada por aplicação do disposto no art. 17°, n.º 2 da Convenção CMR, assim se fazendo correcta interpretação e aplicação do direito - art. 639°, n." 2, al. b) CPC.
8- Caso assim não se entenda, a responsabilidade da recorrente não poderá ultrapassar os limites do art. 23°, n.º 3 Convenção CNIR porquanto não foi preenchida factualidade que integre a previsão dos arts. 24° e 26° da Convenção CMR, razão pela qual não poderão ser exigidas indemnizações mais elevadas do que 8,33 unidades de conta, ou seja, Direitos de Saque Especiais (DSE), por cada quilograma de peso bruto em falta - art. 23°, n.? 1, 23°, n." 3, 23° n." 7 e 24° e 26° Convenção CMR -, ou seja, € 19.332,88 (dezanove mil trezentos e trinta e dois euros e oitenta e oito cêntimos) à data de entrega da encomenda, assim se fazendo correcta interpretação e aplicação do direito - art. 639°, n." 2, aI. b) CPC ..
9- Em caso algum deveria ter sido feita aplicação aos autos do disposto no art. 29°, n." 1 Convenção CNIR, porquanto não ocorreu qualquer dolo ou negligência grave, requisitos da redacção e jurisprudência britânicas, redacção francesa e portuguesa e jurisprudência lusa para aplicação do mesmo.
10- A unidade de sentido interpretativa internacional da Convenção CMR visa restringir a obrigação indemnizatória do transportador, a qual só abrangerá a plenitude do valor da mercadoria caso tenham sido cumpridos os procedimentos previstos no art. 24° e 26° da Convenção CM: não foram.
11- Não há qualquer dolo ou intenção do agente, desde logo porque o evento lesivo ocorre fora da sua esfera de intervenção, faltando para seu preenchimento o requisito volitivo do agente. Na verdade, este foi furtado! Como dizer que alguém foi dolosamente furtado?
12- Não comandou o furto de que foi objecto; não ocorre presença de qualquer acto de vontade em ser furtado; não surge provado nenhum facto capaz de integrar alguma indiferença pela parte do agente a qualquer valor em questão, nomeadamente face à sua obrigação de diligenciar pela mercadoria.
13- Sendo certo que é um dado do mais elementar bom senso que qualquer trabalhador teme pela perda de mercadoria a seu cargo pelo perigo que tal representa para a sua posição laboral, razão pela qual usa dos maiores cuidados na guarda da mesma, não sendo por isso expectável ou normal que o agente demonstrasse alguma indiferença face à tutela da mercadoria.
14- Na mesma medida, não se provaram factos capazes de integrar um conceito de negligência grave que pudesse ser equiparado ao dolo: nenhum dever de cuidado foi violado, quanto mais grosseiramente, sendo que o local era objectivamente idóneo para paragem considerando a presença de colegas de profissão do agente da ré estacionados e pernoitando no mesmo. Não estamos, portanto, diante de um comportamento repugnante e injustificável à luz das elementares regras de prudência uma vez que, e desde logo, o agente parou num local designado para o fazer - demonstração de que a ordem jurídica prevê o mesmo como local objectivamente adequado a paragem.
15- Assim, caso o alegado não proceda, deverá o acórdão ad quem julgar inexistente a ocorrência de dolo ou negligência grosseira por parte do agente da ré transportes J. Morais, reduzindo correspectivamente o montante indemnizatório para um valor máximo de € 19.332,88 (dezanove mil trezentos e trinta e dois euros e oitenta e oito cêntimos) em conformidade com o disposto no art. 23° da Convenção CMR, assim interpretando e aplicando correctamente o direito aos autos.
16 - Subsidiariamente, não consta dos autos qualquer alegação de factos comprovativos de uma perda de 20% relativamente a lucros cessantes originada pelo furto da mercadoria, nomeadamente não está comprovada a existência de qualquer acordo de venda da mercadoria já concluído à data do furto ou subsequente ao mesmo; neste particular deve, por isso, ser revogada a sentença a quo.
Pede a procedência do recurso.


B – Apelação de “C.”:
I- O Tribunal não se pronunciou sobre os seguintes factos alegados pela Recorrente na sua contestação:
- Facto do artigo 11º. [o funcionário da Ré] Tinha conhecimento da segurança da aludida área de serviço, por ser movimentada.
- Facto do artigo 13º. …estacionou o camião em local iluminado, próximo do posto de atendimento e restaurante ali existentes, com as portas traseiras do veículo viradas para a frente do restaurante, sito na área de serviço,
- Facto do artigo 14º- Se verificam, durante o período diurno e noturno, constantes chegadas e partidas de veículos pesados de mercadorias e outros,
- Facto do artigo 27º. Imobilizou o camião numa área de serviço iluminada, movimentada, em local próximo do posto de atendimento e restaurante ali existentes, com as portas traseiras do veículo viradas para a frente do restaurante e
- Facto do artigo 29º. se verificam, durante o período diurno e nocturno, constantes chegadas e partidas de veículos pesados de mercadorias e outros,
- Facto do artigo 30º. O funcionário da R., após ter estacionado o veículo no local acima descrito, manteve-se no interior do mesmo durante toda a noite, nunca tendo abandonado o camião.
II- Os factos acima referidos estavam contidos nos temas da prova enunciados pelo Tribunal, e eram relevantes para a boa decisão da causa, nomeadamente para apreciação da culpa da recorrente.
III- Não se tendo o Tribunal pronunciado sobre esses factos, é a douta sentença nula, vício esse que se invoca nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615º n.º 1 alínea c) e d) do Código de Processo Civil.
IV- A sociedade proprietária da mercadoria furtada não celebrou qualquer contrato com a recorrente, tendo antes recorrido a uma empresa transitária, a Ré B. para planeamento do transporte.
V- A B. não agiu como transportadora, mas sim na qualidade de comissionista/transitária, do que decorre que o contrato celebrado entre essa empresa e a G. não é de transporte mas sim de comissão de transporte, de expedição ou de trânsito, sendo do incumprimento deste contrato que surge a eventual obrigação de indemnizar o proprietário da mercadoria (no caso a autora por sub-rogação) pelos prejuízos causados em resultado de tal incumprimento.
VI- Não se tratando, como não se trata, de um contrato de transporte não se aplica o disposto na Convenção CMR, mas sim o que dispõe o artigo 15.º do DL 255/99, de 7/7, nos termos do qual, o transitário responde perante o seu cliente pelo incumprimento das obrigações contraídas pelo transportador que contratou e com os limites para este estabelecidos, por lei ou convenção (o que remete, nesta sede, para a sobredita CMR), sem prejuízo do direito de regresso.
VII- Assim sendo, é à empresa transitária, em primeira linha, que incumbe o eventual dever de indemnizar e só essa empresa deve ser demandada para ressarcimento dos danos ocasionados na esfera do expedidor – cf. Referido artigo 15.º, n.º 1 do DL 255/99- devendo a recorrente ser absolvida do pedido;
VIII- E ainda que se entendesse que a B. não foi contratada na sua qualidade de transitária, mas antes de transportadora, ainda assim cairíamos sempre na conclusão de que não foi celebrado entre o expedidor e a recorrente qualquer contrato que possa por esta ter sido violado, pelo que não há qualquer fundamento para a responsabilizar pelo pagamento de qualquer indemnização.
IX- Não existe qualquer disposição legal que determine a responsabilidade solidária do transportador e da empresa transitária, ou entre transportadores pelo pagamento da indemnização.
X- Pelo que, quando muito, estaríamos perante uma obrigação parciária ou conjunta, devendo a Ré ser absolvida do pedido de condenação solidária e, quando muito, condenada, juntamente com a B., a pagar à A a quantia que, porventura, se considere devida.
XI- A indemnização devida pelo transportador tem como limite 8,33 unidades de conta por quilograma de peso bruto em falta, nos termos do disposto no artigo 23º n.º 3 da Convenção.
XII- No caso concreto e atendendo ao peso bruto da carga (1.856,70 Kg) e a Taxa de Câmbio do Direito de Saque Especial em vigor no dia da perda da mercadoria, publicada pelo Banco de Portugal (1,21199€), a indemnização devida à A não poderia exceder 18.745,01€ (8,33 x1.21199€ x 1.856,70 kg).
XIII- Não se verifica, no caso, a previsão do nº 1 do artigo 29º da Convenção;
XIV- Na sua redacção inglesa o texto do n.º 1 do artigo 29º aludia à expressão “wilful misconduct or defaullt (…) equivalent as wilful misconduct”, conceito que pode ser extraído tanto do artigo 8º das Regras de Hamburgo de 1978, quanto do artigo 21º da Convenção de Genebra de 1980 sobre Transporte Multimodal, nas quais é considerada como “acto ou omissão praticados com a intenção de causar dano ou de forma temerária e com conhecimento de que, provavelmente, iria ocorrer a perda, avaria ou atraso.
XV- Como vem sendo entendido pela doutrina, a chamada falta equivalente ao dolo corresponde a uma atuação temerária, embora não intencional, adotada pelo transportador, que desconsidera o risco existente e suas possíveis consequências danosas.
XVI- No âmbito das várias convenções que versam sobre o tema, não há a tendência para uma equiparação entre o dolo e a mera negligência, nem mesmo consciente, sendo antes de considerar incluído na norma do artigo 29º n.º1 da Convenção o dolo direto (aí designado como “dolo”) e o dolo eventual (referida como “falta equivalente”), porventura assimilável, nesta última vertente, à negligência grave e consciente do transportador.
XVII- A Convenção remete para a lex fori a determinação das faltas que devem ser equiparadas ao dolo, pelo que, no caso, é no nosso ordenamento que se deverá encontrar a resposta para a pergunta que se coloca.
XVIII- No nosso ordenamento jurídico é feita uma clara distinção entre a negligência (mera culpa) e o dolo.
XIX- O dolo e a negligência merecem tratamento diferente ao nível das suas consequências, do que é exemplo particularmente evidente a regra do artigo 494º do Código Civil, que estabelece uma limitação da indemnização no caso de mera culpa.
XX- Por outro lado, o diferente tratamento legal da atuação dolosa e meramente negligente de um sujeito de uma relação jurídica não é privativa da responsabilidade civil aquiliana, encontrando-se, também, no âmbito da responsabilidade civil contratual (cfr. por exemplo, o disposto nos artigos 814º n.º 1 e 815º n.º 1 do Código Civil).
XXI- Nenhuma norma do sistema legislativo português equipara o dolo à negligência (leve ou grave), regra que, porventura, merecerá, apenas, uma exceção.
XXII- A equiparação do dolo à negligência (e apenas a grave) surge isoladamente estabelecida na norma do n.º 2 do artigo 456º do CPC (na versão aprovada pelo 329-A/95, de 12 de Dezembro), que tem agora paralelo no artigo 542º n.º 2 do atual CPC, apenas para efeitos da penalização por litigância de má-fé.
XXIII- Na falta de disposição expressa que equipare o dolo à negligência, não pode o julgador concluir pela sua equiparação;
XXIV- Da norma do artigo 798º do Código Civil não se pode extrair o argumento de que, no âmbito da determinação do conteúdo da prestação indemnizatória devida pelo incumpridor, seja irrelevante a modalidade de culpa determinante desse incumprimento.
XXV- Com efeito e desde logo, a culpa no âmbito da responsabilidade contratual é apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil (cfr. art.º 799º n.º 2 do Código Civil).
XXVI- Ademais, a regra do artigo 798º não distingue o dolo da negligência apenas no âmbito da responsabilização do contraente faltoso, mas daí não se retira a conclusão de que essa distinção seja irrelevante, ou que não deva ser efetuada, em face de outros normativos, para efeitos indemnizatórios.
XXVII- Muito menos se pode concluir que, em face do texto desse normativo, se faça a equiparação do dolo à negligência para efeitos indemnizatórios, tanto mais que não versa sobre tal matéria.
XXVIII- Assim, face ao carácter excecional da equiparação da negligência ao dolo (limitada no nosso ordenamento, como se viu, ao contexto da condenação por litigante de má-fé), não pode o Tribunal ter por verificada a previsão do artigo 29º n.º 1 da Convenção se não estiver provado um comportamento do transportador ou seus agentes que consubstancie dolo, por não existir falta que, de acordo com a nossa legislação, lhe seja equivalente.
XXIX- Acresce que, analisando-se o regime jurídico respeitante ao contrato de transporte rodoviário nacional de mercadorias, estabelecido no DL nº. 239/2003 de 4 de Outubro, vemos que o legislador tão pouco opera essa equiparação;
XXX- Resulta claramente do disposto no artigo 21º desse DL que o legislador nacional não equipara, não quis equiparar, para efeitos de responsabilização do transportador para além do limite de indemnização previsto no seu artigo 20º, a negligência (revista ela a forma que revestir) ao dolo.
XXXI- Ora, visto o exposto, não se pode concluir razoavelmente que, para efeitos de responsabilização do transportador nacional, o legislador exija o dolo para afastar os limites, mas já considere tal solução inaceitável no transporte internacional.
XXXII- Na norma do artigo 21º do dito decreto-lei, o legislador expressa, claramente, o seu propósito de não equiparar o dolo à negligência, já que lhes dá um tratamento diferente: se se verificar dolo não são aplicáveis os limites de indemnização, já o sendo no caso de mera culpa.
XXXIII- De referir, aliás, que nem sequer pode ser invocado em abono de posição oposta o facto de a norma do DL 239/03 visar regular o transporte nacional de mercadorias, sendo inaplicável ao transporte internacional.
XXXIV- É que, por um lado, não estamos perante uma norma que se oponha ao regime da Convenção, na medida em que a regulação desta matéria é deixada para a legislação do foro.
XXXV- Mas, por outro, o próprio legislador anuncia no preambulo que as diferenças no regime estabelecido no DL 239/2003 em relação às previstas na Convenção se devem aos diferentes “espaços geográficos em que se realizam os transportes”.
XXXVI- Uma tal justificação não faria qualquer sentido no que diz respeito à diligência que deve ser empregue pelo transportador no cumprimento do conteúdo da prestação, isto é, a entrega da mercadoria do destinatário.
XXXVII- De facto, o risco que se pretende acautelar com a exclusão do limite de responsabilidade no âmbito de um contrato de transporte de mercadorias, seja ele nacional ou internacional, é o mesmo e consiste na perda da carga em face de um determinado comportamento do transportador.
XXXVIII- Pelo que o tratamento diferenciado desses dois tipos de contrato de transporte no que toca à determinação do grau de diligência do transportador no cumprimento da sua prestação não encontra na diferente distância geográfica a mais pequena justificação.
XXXIX- Portanto, só a atuação dolosa do transportador poderá justificar a exclusão dos limites previstos no artigo 23º n.º 3 da Convenção CMR.
XL- No caso em discussão não foram demonstrados factos suficientes para se concluir, sequer, pela verificação de negligência consciente do transportador.
XLI- No âmbito do Contrato de Transporte Internacional, apenas se presume a culpa do transportador em caso de perda da mercadoria, mas não o seu dolo, cabendo ao credor da indemnização o ónus de alegar os factos que o consubstanciam:
XLII- Não se provou que o motorista tenha agido com a vontade ou intenção de causar a perda da mercadoria, isto é, que tenha querido esse resultado (dolo direto), que o motorista (ou a recorrente) tenham representado a realização do resultado – perda da mercadoria – como efeito certo e seguro da sua conduta, conformando-se com o mesmo (dolo necessário), ou que o motorista (ou a recorrente) tenham representado a realização do resultado – perda da mercadoria - como um efeito possível da sua atuação e, disso conscientes, tenham aceite praticá-lo, conformando-se com o resultado (dolo eventual).
XLIII- De facto, sabemos apenas que o motorista estacionou o veículo numa estação de serviço iluminada, adequada a esse fim e onde existiam outros veículos parados, que jantou no veículo e aí pernoitou, o que revela que não deixou a questão da segurança da carga – e veículo – ao acaso, nem o abandonou.
XLIV- Um tal comportamento não revela dolo (em qualquer uma das suas modalidades), mas antes um comportamento diligente, ainda que insuficiente para evitar o desfecho.
XLV- Note-se que não se provou, sequer, que o furto da mercadoria tenha sido configurado pelo motorista (ou pela recorrente), como uma consequência possível – e, muito menos, necessária – do estacionamento do carro no local onde veio a ocorrer, pelo que está ausente o elemento intelectual do dolo necessário ou eventual.
XLVI- Os factos dados como provados não permitem, também, concluir que uma outra pessoa de normal diligência, colocada na posição do transportador, anteveria como resultado necessário ou possível da sua atuação a perda da carga nas circunstâncias demonstradas.
XLVII- De facto, nada se provou no que diz respeito à verificação típica desse risco no local em questão, ou que a recorrente ou seu motorista tivessem conhecimento de que se tratava de local onde era frequente a verificação desse tipo de acontecimento.
XLVIII- A circunstância de se tratar de uma carga com quase duas toneladas, embalada em 178 caixas, permitiria ao motorista, razoavelmente, antever que a sua movimentação por assaltantes seria demorada e produziria ruídos que o alertariam para a sua ocorrência, permitindo a prevenção da respetiva concretização.
XLIX- A circunstância de se tratar de um posto de abastecimento iluminado, com um restaurante aberto 24 horas por dia e onde se encontravam outros veículos pesados estacionados, contribuiu, também, para que o condutor se convencesse que o resultado em causa não era previsível, como teria suposto qualquer outra pessoa colocada na mesma posição.
L- Assim, os factos dados como provados não permitem concluir que, mesmo que o motorista tenha representado essa possibilidade, se tenha conformado com a sua verificação, antes sendo de admitir que agiu confiante de que assim não sucederia.
LI- Isto é, no limite, será apenas de admitir, face aos factos que a A. trouxe aos autos e aqueles que se provaram, que o motorista tenha podido prever o resultado como possível mas, acreditou na sua não verificação, isto é, não se conformou com a sua ocorrência.
LII- Assim, mesmo que se concluísse que o motorista agiu com negligência consciente e estando afastada a possibilidade de equiparação desta ao dolo, a responsabilidade da Ré está limitada ao montante de 18.745,01€, por força da aplicação do disposto no n.º 3 do artigo 23º da Convenção CMR.
LIII- Ainda que se entendesse que não são aplicáveis os limites indemnizatórios, o que não se concede, não seria devida à A. a totalidade da quantia que lhe foi fixada na douta sentença.
LIV- O direito da entidade sub-rogada (no caso a seguradora) tem dois limites: por um lado o limite do que pagou, na medida em que não pode exercer direito com extensão superior ao que satisfez, e, por outro, o direito do próprio lesado, já que, substituindo-o no seu exercício, está limitado pela sua conformação primitiva.
LV- No que diz respeito ao prejuízo decorrente da perda da mercadoria, foi, de facto, feita prova de que a mesma valia 54.560,75€, pelo que foi esse o dano da segurada da A., a quem cabia pagar 90%, o que ascende aos ditos 49.104,68€.
LVI- Todavia, no que diz respeito ao pretenso lucro de 20% acordado como prestação contratual do seguro, não se vêem provados quaisquer factos que permitam concluir que a segurada da A. sofreu, ou sofreria, tal prejuízo, já que nenhum foi alegado pela demandante a esse propósito.
LVII- A A. não fez prova, nessa parte, da existência e extensão do direito no qual se diz sub-rogada, o que impede que lhe seja reconhecido, nessa parte, o direito a ser reembolsada. LVIII- Seria, aliás, intolerável que a determinação da extensão da obrigação de indemnizar a cargo de terceiros esteja dependente, tão só, de acordo celebrado entre o sub-rogado (no caso o dono da mercadoria) e sua seguradora.
LIX- Aliás, a total omissão de alegação dos factos que consubstanciam esse prejuízo na esfera do segurado da A. inculca claramente a ideia de que estamos perante uma prestação previamente acordada entre seguradora e segurado, no âmbito da qual as partes se abstraíram da realidade e acordaram, em benefício do segurado (porque garantiu o recebimento de quantia superior, sem necessidade de prova, por mera verificação do risco),mas também da seguradora (porque, certamente, recebeu um prémio superior), uma determinada obrigação que não corresponde a um real prejuízo.
LX- E seja qual a for o montante no qual a Recorrente venha, porventura, a ser condenada, jamais o poderia ser solidariamente com a Ré B.;
LXI- A douta sentença sob censura violou as normas dos artigos 15º do DL 43/83, de 25/1, 513º, 798º e 799º do Código Civil, 23º n.º 3 da Convenção CMR e fez menos boa interpretação da regra do artigo 29º n.º 1 dessa Convenção.
Pede que dê provimento ao recurso, anulando-se ou revogando-se a sentença recorrida.

C – Apelação de “D.”:
A. A Sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia, nos termos do Art.º 615.º, n.º 1, alínea d) do C.P.C., por não ter decidido quanto ao pedido de reconhecimento do direito de regresso que possa vir a assistir à Ré transitária, suscitado pela Recorrente na sua contestação a fls. dos autos, nos termos do artigo 328.º, n.º 2 do CPC.
B. O Tribunal a quo deveria ter julgado como provado que "Em Itália, não há áreas reservadas e vigiadas por seguranças ou autoridades para paragem, estacionamento de veículos de transporte de mercadorias e descanso dos motoristas"(facto não provado 1.º), porquanto a sua prova resultou evidenciada da prova testemunhal produzida em julgamento, e, nessa sequência, ser alterada a matéria de facto provada em conformidade por este Digno Tribunal, nos termos do artigo 662º, n.º1do CPC
C. Foi produzida prova testemunhal nesse sentido, desde logo no depoimento da testemunha José, motorista internacional, ex-funcionário da Ré transportadora e motorista no caso em apreço, depoimento considerado inclusivamente pelo Tribunal a quo como fundamental e cuja larga experiência profissional no ramo inclui inúmeros serviços em território italiano (depoimento prestado em 25 de Junho, entre as 15:11 h e as 15:57 h, entre os minutos 33:08 – 35:00 da gravação).
D. O que foi igualmente confirmado por outras três testemunhas, designadamente as testemunhas António (depoimento prestado em 25 de Junho, entre as 16:26 h e as 16:29 h, entre os minutos 01:35 – 02:35 da gravação), João (depoimento prestado em 25 de Junho, entre as 16:19 h e as 16:24 h, entre os minutos 01:00 – 03:44 da gravação) e Lúcio (depoimento prestado em 25 de Junho, entre as 16:13 h e as 16:19 h, entre os minutos 01:00 – 03:44 da gravação), cujos depoimentos em qualquer dos casos foram sustentados na sua larga experiência no ramo do transporte internacional.
E. Mais resultaram provadas da produção de prova produzida em julgamento determinados elementos caracterizadores referentes à área de serviço em apreço, alegados nos artigos 25.º a 32.º da contestação da Recorrente a fls. dos autos e relacionados com o tema de prova seleccionado, sendo eles os seguintes: 1. A área de serviço disponibiliza um sistema de câmaras de vigilância que monitoriza a zona da auto-estrada, mas não a dos parques; 2. O parque é de livre acesso, mas apenas pela auto-estrada; 3. A área de serviço em causa é constituída por duas zonas de parque destinadas a carros e camiões, respectivamente, um zona de abastecimento e uma cafetaria; 4. Trata-se de uma área de serviço aberta 24 horas e onde se verifica um constante fluxo de movimento, incluindo patrulhamento frequente; 5.O motorista estacionou o camião em local iluminado, próximo do posto de atendimento e restaurante ali existentes, com as portas traseiras do veículo viradas para a frente do restaurante, sito na área de serviço.
F. Os factos 1., 2. e 3. resultam e forma inequívoca do relatório de peritagem de fls. 135. a 136, junto aos autos pela Autora, confirmado em audiência pela testemunha Alexandro (depoimento prestado em 25 de Junho, entre as 14:30 h e as 14:49 h, entre os minutos 01:00 – 03:44 da gravação), documento este que foi, inclusivamente, referenciado na fundamentação da matéria de facto como relevante para efeitos de configuração do local em que o furto se verificou.
G. Relativamente ao intenso fluxo de movimento que habitualmente se encontra no local do incidente, o mesmo foi atestado pelas testemunhas Fausto (depoimento prestado em 25 de Junho, entre as 15:57 h e as 16:13, entre os minutos 06:47 – 08:47 da gravação), Lúcio (depoimento prestado em 25 de Junho, entre as 16:13 h e as 16:19 h, entre os minutos 01:00 – 02:08 da gravação).
H. Quanto a toda a factualidade descritiva do local do furto, veja-se uma vez mais o depoimento de José (depoimento prestado em 25 de Junho, entre as 15:11 h e as 15:57 h, entre os minutos 01:36 – 06:15; 10:03 – 11:21; 15:13 – 24:19; 26:19 – 29:40 e 40:20 a 43:00 da gravação).
I. Tratando-se de prova inequivocamente relacionada com o tema da prova, bem como relevante para a apreciação do grau de diligência empregue na escolha do local de aparcamento, deve ser alterada matéria de facto provada em conformidade por este Digno Tribunal, nos termos do artigo 662º, n.º1do CPC, incluindo-se assim na mesma os referidos factos alegados nos artigos 25.º a 32.º da contestação da Recorrente a fls. dos autos.
J. De todo o modo, as Rés não poderiam ter sido condenadas ao pagamento de uma indemnização calculada de acordo com princípio da reparação integral dos danos, consagrado nos artigos 562º e 566º do Código Civil.
K. O contrato de transporte em apreço é um contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada, ao qual se aplicam as regras da Convenção CMR, pelo que a indemnização devida à Autora deve ser calculada de acordo com o preço do transporte, nos acordo com os limites previstos no artigo 23.º da Convenção CMR.
L. A prova produzida nos presentes autos não permite concluir que a conduta da Ré transportadora e os danos daí decorrentes advêm de uma conduta dolosa ou de falta que lhe seja imputável e equivalente ao dolo nos termos do artigo 29.º da Convenção CMR, mas antes que não mais do que negligência leve pode ser imputada à Autora.
M. Os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, referentes aos processos n.º 4562/13.4TBMAI.P1 e n.º 2015/07.9TBMTS.P1, de 10 de Março de 2015 e 20 de Novembro de 2011, respetivamente, de que o Tribunal a quo se serviu para fundamentar o juízo de valoração da culpa inscrito na Sentença recorrida, demonstram precisamente que o juízo de reprovação sob a conduta da Ré transportadora terá que ser necessariamente leve e não doloso.
N. Nos referidos Arestos, onde o Digno Tribunal da Relação do Porto decidiu pela imputação do facto ao agente a título de negligência, a factualidade em causa não somente se distingue significativamente dos referidos Arestos, como a sua dissemelhança sempre justificaria in casu um tratamento menos gravoso, pois o comportamento dos condutores e, em particular, a escolha e condições do local de repouso, se traduzem em fatores de inequívoca maior perigosidade relativamente à situação descrita nos presentes autos.
O. É notório que o motorista da Ré transportadora não representou a possibilidade de verificação do furto, nas circunstâncias concretas, porquanto i) a área de serviço em causa é constituída por duas zonas de parque destinadas a carros e camiões, uma zona de abastecimento e uma cafetaria (aberta 24h); ii) a viatura encontrava- se parqueada na referida área de serviço num local iluminado, movimentado e adequado para o estacionamento de viaturas de pesados de mercadorias; iii) a área de serviço em causa disponibiliza ainda um sistema de câmaras de vigilância que monitoriza a zona da auto-estrada, logo assegurando o controlo do fluxo de entradas e saídas pelo único acesso possível - a auto-estrada; e iv) encontrava- se na companhia de outras tantas viaturas de mercadorias.
P. Contrariamente ao sugerido pelo Tribunal a quo, um cenário de tripulação mista não obviaria o sucedido, pois nos termos do Regulamento (CE) n.º 561/2006, resulta do seu artigo 6.º, n.º 1, que o tempo diário de condução não deve exceder as 9 horas, podendo ser alargado até um máximo de 10 horas, por condutor, logo sempre existia a necessidade de pelo menos uma paragem obrigatória atento o tempo de duração médio do transporte contratado (Nola, Itália - Setúbal, Portugal) que é de cerca de 28 horas.
Q. Para além de que dois motoristas não representam um incremento de vigilância, dado que o período de repouso forçosamente deve ser canalizado para o descanso da tripulação, sob pena de violação do disposto no Regulamento (CE) n.º 561/2006, para além de que o furto teve lugar pese embora se tratar de um local bastante movimentado e com os serviços da área de abastecimento em operação 24h.
R. Ademais, e pese embora no entender da ora Recorrente ter ficado demonstrada a inexistência de parques vigiados e de áreas reservadas por seguranças ou autoridades para paragem na região de Itália, verdade é que não é comportável, nem funcional, exigir-se aos motoristas de longo curso que apenas estacionem os camiões em parques vigiados e guardados, precisamente, porque há poucos, os que há são bastante caros e este procedimento redundaria, a final, no incumprimento da legislação comunitária que obriga ao repouso de quatro horas e meia em quatro horas e meia (cfr. artigo 7.º do Regulamento (CE) n.º 561/2006).
S. Entendimento contrário implicaria um agravamento das exigências para a prossecução de serviços de transporte internacional pelos transportadores nacionais face aos demais concorrentes internacionais e a subversão da vontade harmonizadora subjacente quer à Convenção CMR, quer aos demais instrumentos de transporte internacional, tendentes à equiparação das normas e condições nacionais no âmbito do contrato de transporte.
T. Não resultando os danos advenientes do furto da mercadoria de uma conduta dolos nem tão pouco de negligência grosseira ou consciente, mas sim de negligência leve, e não se encontrando qualquer disposição que faça equivaler os atos negligentes a condutas dolosas no âmbito de responsabilidade contratual (vide a título de exemplo, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, sob o n.º 9268/07.0TBMAI.P1, de 25.10.2012, disponível em www.dgsi.pt) é, pois, forçoso concluir que a eventual imputação de responsabilidade às Rés não poderá ser enquadrada no âmbito do disposto no artigo 29.º da Convenção CMR.
U. A indemnização a imputar às Rés terá se ser calculada nos termos e dentro dos limites impostos pelo disposto no artigo 23.º da Convenção CMR, do qual beneficia igualmente a Ré transitária, ex vi do disposto no n.º 2 do artigo 15.º do DL n.º 255/99, de 7 de Julho, a qual, considerando o peso bruto da carga (1.856,70 Kg) e a Taxa de Câmbio do Direito de Saque Especial em vigor à data do furto (€ 1,21199), não deverá exceder o valor de € 18.745,01 [(8,33 x € 1.21199) x 1.856,70 Kg].
V. Por cautela de patrocínio, ainda que entenda ser de aplicar o disposto nos termos conjugados dos artigos 23.º n.º 1 e 29.º, n.º1 da Convenção CMR, afastando-se os limites indemnizatórios previstos na referida convenção, o cômputo indemnizatório determinado na Sentença recorrida peca por excesso, inexistindo qualquer prova que suporte uma das parcelas da indemnização.
W. Não se vislumbra nem dos factos provados, nem de qualquer alegação ou quaisquer outros elementos constantes nos presentes autos, o valor dos alegados benefícios que a segurada da Autora terá deixado de obter em consequência do furto da mercadoria. Desconhecem-se nessa medida se a segurada da Autora sofreu ou não um prejuízo correspondente a um lucro cessante e, em caso afirmativo, qual a sua extensão (e.g. eram os bens destinados a revenda? qual o lucro estimado?)
X. Apenas se conhece o valor pago integralmente pela Autora à sua segurada e a referência de que entre esta e a sua segurada foi acordado o pagamento de 20% de lucros cessantes, o que é manifestamente insuficiente pois a medida da indemnização devida à aqui Autora é, e apenas será, a correspondente ao direito de crédito sub-rogado (e correspondente prova), já não valor (declarado ou acordado?) convencionado interpares no âmbito do contrato de seguro r, por isso, não oponível às Rés.
Y. Não tendo a Autora logrado demonstrar, nem sequer perfunctoriamente, o prejuízo sofrido pela sua segurada a título de lucros cessantes, não poderão as Rés ser condenadas no pagamento do valor correspondente a essa parcela da indemnização, devendo a decisão recorrida ser alterada e, em consequência, modificar o valor da indemnização e absolver-se as Rés relativamente ao valor de € 9.820,94 (nove mil oitocentos e vinte euros e noventa e quatro cêntimos).
Pede que seja provimento ao presente recurso de apelação, revogando-se a sentença recorrida e substituindo- se a mesma por douto Acórdão que determine a absolvição parcial das Rés do pedido.

Houve contra alegações por parte da autora - requerendo esta ainda ampliação do âmbito do recurso, nos termos do artº 636º, nº2, do CPC - e por parte da chamada “F.”.


II – Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar;

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos do artº 639º, do Código de Processo Civil (doravante CPC).

As questões suscitadas pelas Recorrentes são as seguintes:
A – Apelação de “B.”:
a) Erro na subsunção jurídica dos factos: aplicação dos artºs 17º, 23º e 29º da Convenção relativa ao Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada (doravante CMR) - assinada em Genebra em Erro na apreciação da prova;
B – Apelação de “C.”:
a) Nulidade da sentença;
b) Responsabilidade da 2ª ré perante a autora;
c) Exclusão ou limitação da responsabilidade da 2ª ré;
d) Exclusão ou limitação da responsabilidade da 2ª ré;

C – Apelação de “D.”:
a) Nulidade da sentença;
b) Erro na apreciação da prova;
c) Inexistência de culpa e exclusão ou limitação da responsabilidade
d) Redução da indemnização e indemnização por lucros cessantes;

D - Ampliação do âmbito do recurso pela recorrida “E.”.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.


III – Fundamentos;

1. De facto;

A factualidade dada como assente na sentença recorrida é a seguinte:
FACTOS PROVADOS
1º A autora dedica-se à actividade seguradora em Portugal.
2º A 1ª ré dedica-se à actividade transitária, sendo titular do alvará nº ….
3º A 2ª ré é uma empresa transportadora que se dedica à actividade de transportes rodoviários de mercadorias, sendo titular do alvará nº ….
4º A sociedade “G., Lda”, com o NIPC …, dedica-se à importação e comercialização de produtos de diversas marcas nas áreas do pronto-a-vestir, calçado, carteiras e outros acessórios de homem e mulher.
5º No exercício da sua actividade, acordou com a sociedade italiana “H.” a compra de 2382 bolsas de mão, pelo valor global de € 54.560,75.
6º A mercadoria foi vendida em condições Ex-works, pelo que competia à compradora G., Lda, contratar e pagar o transporte da mesma até ao destino.
7º Pela G., Lda foi solicitada a realização de um Seguro de Transportes (Mercadorias) tendo por objecto garantir o seguro das mercadorias do seu comércio durante o seu transporte desde Portugal para todo o mundo e vice-versa.
8º O seguro foi contratado com a autora tendo sido emitida por esta a apólice de seguros com nº …, que prevê um limite máximo de responsabilidade de € 120.000,00 por viagem e uma franquia de 10% sobre o valor dos prejuízos a deduzir em cada sinistro.
9º O transporte, por via rodoviária, das mercadorias adquiridas pela G., Lda, à empresa H., a efectuar de Nola (Itália) para Setúbal (Portugal), estava incluído no âmbito de cobertura da apólice, de acordo com a aplicação nº 2012/77.
10º O valor total segurado pela autora, relativamente a este transporte era de € 54.560,75 + 20% (lucros).
11º A mercadoria em causa (2382 artigos) vinha acondicionada em 178 volumes com o peso total bruto de 1.856,7 kg.
12º Para a execução do transporte foi contratada pela segurada da autora a empresa transitária B., Ld.ª.
13º O transporte foi por esta subcontratado com a empresa transportadora C., SA.
14º A 2ª ré emitiu, para o efeito, o documento CMR nº 0054243 no qual figuravam como Expedidor a sociedade “H.” e como destinatário “Centro Empresarial Sado Internacional”.
15º O camião da 2ª ré foi carregado no dia 30 de Agosto de 2012 em Nola (Itália), com destino ao Centro Empresarial Sado Internacional, sito em Vale da Rosa (Setúbal).
16º O transporte foi efectuado pelo camião da 2ª ré com a matrícula …EI e o semi-reboque L-… cuja cobertura exterior é de lona.
17º Durante a execução do transporte de Nola para Setúbal, no dia 31 de Agosto de 2012, pelas 7H30, foi constatado pelo motorista que o camião tinha sido assaltado quando estava estacionado numa área de serviço junto à A/14, em Itália, tendo sido furtada toda a mercadoria da segurada da autora.
18º O motorista parou nessa área de serviço para dormir por volta das 21.30 horas do dia 30 de Agosto, e aí ficou durante toda a noite num parque que não é fechado nem vigiado.
19º A área de serviço encontrava-se em local iluminado, e estava preparada para o estacionamento de viaturas pesadas de mercadorias.
20º No local encontravam-se aparcados outros veículos pesados de mercadorias.
21º O funcionário da 2º ré jantou no camião e aí pernoitou.
22º Na sequência do incidente, a autora solicitou à I. a realização de uma peritagem, a qual foi efectuada pelo agente da I. em Veneza e teve um custo de € 850,00.
23º A autora procedeu ao pagamento da quantia total de € 58.925,61, à sua segurada.
24º Ao valor da mercadoria foi descontado o valor da franquia correspondente a 10% do valor da factura (€ 6.547,29).
25º O recibo de indemnização foi emitido no dia 10 de Outubro de 2012.
26º Na sequência do pagamento da indemnização, a autora procurou obter junto das 1ª e 2ª rés o pagamento voluntário da quantia em causa.
27º A 1º ré celebrou com “D.” um seguro de responsabilidade civil destinado a garantir a responsabilidade por danos causados no exercício da atividade a clientes ou a terceiros, em vigor à data do sinistro, titulado pela apólice nº B1155MR00023OE-0008.
28º Entre a sociedade “C.” a Companhia de Seguros F., foi celebrado um contrato de seguro, titulado pela apólice …, mediante o qual esta se obrigou a garantir ao segurado “o pagamento das indemnizações que este venha a ser legalmente compelido a pagar, na sua qualidade de transportador, ao abrigo das disposições estabelecidas na Convenção”.
FACTOS NÃO PROVADOS
1º Em Itália, como no resto dos países do mundo, não há áreas reservadas e vigiadas por seguranças ou autoridades para paragem, estacionamento de veículos de transporte de mercadorias e descanso dos motoristas.
2º A 2ª ré exerce a atividade de transportador internacional há já mais de quinze anos, com destino a todos os locais da europa, com paragem diária dos veículos de transporte nas áreas de serviço, e nunca antes foi alvo de qualquer furto de mercadorias nos seus camiões.
*****

2. De direito;

A – Apelação de “B.”:
a) Erro na subsunção jurídica dos factos: aplicação dos artºs 17º, 23º e 29º da Convenção relativa ao Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada (doravante CMR) - assinada em Genebra em 15/05/56, ratificada por Portugal através do Decreto-Lei 46235, de 18/03/65 (modificada pelo Protocolo de Genebra de 5/07/78, aprovado, para adesão, pelo DL 28/88, de 6/09);

O objecto do recurso alicerça-se no invocado erro de direito.
1. Esgrime a recorrente que o furto da mercadoria representa uma circunstância que, no caso concreto, o transportador não lograria evitar, tendo cumprido com todos os seus deveres de cuidado, pelo que deveria ter aplicado o art. 17°, n.º 2 da Convenção CMR.
Não lhe assiste razão.
O artº 17º, da CMR, que consagra no seu nº1 uma presunção de culpa do transportador pela perda da mercadoria transportada, exclui a responsabilidade do transportador quando a perda da mercadoria teve origem em circunstâncias que o transportador não podia evitar e a cujas consequências não podia obviar.
Exige-se, assim, que a perda seja por causas inevitáveis e consequências inoponíveis.
Ora, atenta a factualidade provada, designadamente o transporte de bolsas de mão no valor de € 54.560,75, de Itália para Portugal, em camião cujo semi-reboque tem cobertura exterior em lona e conduzido apenas por um motorista, encontrando-se o veículo estacionado, durante 10 horas, à noite, em parque que não é fechado nem vigiado, é forçoso concluir que o furto dessa mercadoria não era inevitável e a sua subtracção podia ter sido impedida.
Desde logo, face ao percurso longo do transporte, ao tipo de mercadoria (de fácil descaminho), ao seu elevado valor, às características do semi-reboque em lona (o que potencia de sobremaneira o aceso ao seu interior), o estacionamento durante a noite, ao longo de 10 horas, em parque não fechado nem vigiado, sendo certo que apenas existia um motorista, sem ajudante ou pessoa que o revezasse na vigia ao veículo, sem quaisquer mecanismos (alarmes, sensores, cabos ou cadeados) para evitar a intrusão neste, tudo isto é de molde a concluir que foram omitidas regras básicas que podiam ter evitado o assalto e a perda da mercadoria.
Importa ainda não descurar que, ante a longa viagem, um só motorista obrigará a paragens constantes para não ultrapassar o número de horas de condução legalmente permitidas sem descanso, o que contribui necessariamente para potenciar tal subtracção.
Em suma, pelas razões sobreditas, não logrou o transportador provar, como era seu ónus (artº 18º, nº1, da CMR), que não podia evitar a subtracção da mercadoria nos termos em que ocorreu, ou seja, com introdução no interior do camião em que era transportada.

2. Contrapõe ainda a apelante que a responsabilidade da recorrente não poderá ultrapassar os limites do art. 23°, n.º 3, da CMR porquanto não foi preenchida factualidade que integre a previsão dos arts. 24° e 26° da Convenção CMR, razão pela qual não poderão ser exigidas indemnizações mais elevadas do que 8,33 unidades de conta, ou seja, direitos de saque especiais, por cada quilograma de peso bruto em falta, ou seja, € 19.332,88 (dezanove mil trezentos e trinta e dois euros e oitenta e oito cêntimos) à data de entrega da encomenda.
Está em causa apurar o valor da indemnização a pagar pelas rés, com base na limitação de responsabilidade prevista na Convenção CMR ou, pelo contrário, devem responder pelo valor integral dos prejuízos que resultaram para a segurada da autora daquele incumprimento.
De facto o artº 23º, nº3, da CMR, prevê uma limitação de responsabilidade - limite máximo – da indemnização: esta não poderá ultrapassar 8,33 unidades de conta por quilograma de peso bruto em falta.
Contudo, o artº 29º da CMR estatui, no seu nº 1, que “O transportador não tem o direito de aproveitar-se das disposições do presente capítulo que excluem ou limitam a sua responsabilidade ou que transferem o encargo de prova se o dano provier de dolo seu ou de falta que lhe seja imputável e que, segundo a lei da jurisdição que julgar o caso, seja considerada equivalente ao dolo.”
E no nº 2 que “Sucede o mesmo se o dolo ou a falta for acto dos agentes do transportador ou de quaisquer outras pessoas a cujos serviços aquele recorre para a execução do transporte, quando esses agentes ou essas pessoas actuarem no exercício das suas funções. …”.
Em suma, o transportador não tem direito a aproveitar-se das disposições do presente capítulo que excluem ou limitem a sua responsabilidade ou que transferem o encargo da prova se o dano provier de dolo ou de falta que lhe seja imputável e que, segundo a lei da jurisdição que julgar o caso, seja equivalente ao dolo.
O que deve entender-se por falta equivalente ao dolo, segundo a lei da jurisdição que julgar o caso?
Perfilhando-se o entendimento plasmado no douto Acórdão do STJ de 14/06/2011, Processo 437/05.9TBANG.C1.S1, “a qualificação da culpa «lato sensu», para efeitos da Convenção CMR, tem a maior relevância, pois que, apenas em caso de dolo, ou equiparação no direito nacional que julgar o caso, de uma falta grave que seja equiparável ao dolo, é que a indemnização deixa de representar o valor correspondente ao preço do transporte, a que alude o n.º 5 do artigo 23º, para passar a observar como critério de referência o princípio da reparação integral dos danos, segundo a teoria da diferença, de acordo com o preceituado nos artigos 562º e 566º do Código Civil”.
Logo, quando houver dolo do transportador ou falta equivalente, a indemnização deve reparar integralmente os danos verificados, de acordo com a teoria da diferença.
In casu, os factos provados acima elencados patenteiam, pelo menos, que a transportadora agiu com negligência grosseira.
Como se decidiu no supracitado aresto, cuja posição foi sufragada também nos Acórdãos do STJ de 5.06.2012, Processo 3303/05.4TBVIS.C2.S1 e de 15.05.2013, Processo 9268/07.0TBMAI.P1.S1, “uma falta que segundo a lei da jurisdição que julgar o caso seja considerada equivalente ao dolo, como acontece com a jurisdição nacional, não pode deixar de ser, manifestamente, face à legislação nacional, enquanto elemento do nexo de imputação do facto ao agente, a negligência ou mera culpa que, conjuntamente com o dolo, faz parte da culpa lato sensu”.
Como se ressalta no referido Acórdão do STJ de 15.05.2013, “trata-se de duas modalidades de culpa lato sensu, sendo certo que tal equivalência a nível contratual flui logo do artigo 798º do Código Civil, em que para existir responsabilidade contratual é indiferente uma conduta dolosa ou negligente, apenas se exigindo como pressuposto a culpa lato sensu.
Ademais, no domínio da responsabilidade contratual não deixa de relevar a culpa em abstracto, ao preceituar o artº 478º, em conjugação com o artº 799º, nº2, ambos do Código Civil (CC), que a culpa é apreciada pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.
Ao transportador impunha-se a guarda e conservação da mercadoria, protegendo-a da acção dos elementos da natureza ou de terceiros, tal como o faria um profissional experiente, conhecedor e responsável, com o padrão de diligência adoptado por um bonus pater familiae.
Deste modo, no caso concreto, na esteira, aliás, do também decidido em tal aresto, por força do disposto no n.º 1 do artigo 29º da CMR, a indemnização a ser paga pelas rés à autora não deverá ser submetida ao limite imposto pelo n.º 3 do artigo 23º, sendo antes determinada pelo n.º 1 do artigo 23º da CMR, como decidido pelo tribunal recorrido.

3.Aduz ainda a recorrente que não há lugar à condenação por lucros cessantes, por não constar dos autos qualquer alegação de factos comprovativos de uma perda de 20% originada pelo furto da mercadoria.
É de acolher tal posição.
Com efeito, ficou apenas demonstrado - ponto de facto nº 10 - que “O valor total segurado pela autora, relativamente a este transporte era de € 54.560,75 + 20% (lucros)”.
Coisa distinta do valor segurado é o montante indemnizatório devido pela perda da mercadoria, seja por parte da transitária, seja pela transportadora.
Na verdade, a existência do dano decorrente dos lucros cessantes que podiam advir à sua destinatária - “G.” - segurada da ré, da venda ou revenda daquela mercadoria furtada, não foi sequer alegado nem se apurou.
Independentemente do valor seguro abranger tais lucros cessantes, no binómio contratual seguradora-segurada, por força do contrato de seguro entre ambas celebrado, certo é que, conexos com o contrato de comissão de transporte ou o contrato de transporte, não foram articulados nem feita a prova de quaisquer factos que consubstanciassem a verificação de um prejuízo decorrente daquilo que a destinatária deixou de auferir e o seu valor, decorrente da perda daquela mercadoria.
O furto dessa mercadoria não traduz ipso facto uma perda de ganho, um lucro frustrado, portanto. A transacção da mercadoria podia não dar lucro ou até dar prejuízo.
Daí que se impunha que a autora fizesse a alegação concreta e a prova de que, por via da perda da mercadoria, a sua segurada deixou de obter benefícios e quais, nomeadamente no peticionado valor de 20%.
Assim, não tendo sido alegada nem provada sequer a existência de um prejuízo, a título de lucros cessantes, por banda da destinatária da mercadoria, não é possível a sua liquidação em execução de sentença, como defende a recorrida, autora.
Tal liquidação respeita ao quantum indemnizatório, pressupondo que se mostra já apurada a existência do dano, o que não sucede neste caso.
Deste modo, não é devido o montante reclamado de € 5.456,08 (54.560,75-10% de franquia), cifrando-se a indemnização a pagar à autora pelas rés em € 49.104,67, acrescida dos juros de mora, desde a data da instauração da acção e até integral pagamento.

Procede-se assim parcialmente a apelação da ré “B.”.

B – Apelação de “ C.”

a) Nulidade da sentença;

A apelante insurge-se, desde logo, contra a sentença, alegando que a mesma padece de nulidade nos termos do artº 615º, nº1, als. c) e d) do CPC.
Concretamente, a recorrente invoca que o tribunal recorrido não se pronunciou sobre os factos constantes dos artigos 11º, 13º, 14º, 27º, 29º e 30º, por si alegados na contestação, os quais se encontravam contidos nos temas da prova enunciados pelo tribunal e eram relevantes para a boa decisão da causa, nomeadamente para apreciação da culpa da recorrente.
Carece de fundamento.
As nulidades da decisão previstas no artº 615º, do CPC são deficiências da sentença que não podem confundir-se com o erro de julgamento, o qual se traduz antes numa desconformidade entre a decisão e o direito (substantivo ou adjectivo) aplicável. Nesta última situação, o tribunal fundamenta a decisão, mas decide mal; resolve num certo sentido as questões colocadas porque interpretou e/ou aplicou mal o direito (cfr. Ac. RC de 15.4.08, in www.dgsi.pt).
Como se resumiu no Ac. RL de 10.5.95 (in CJ, 1995, t. 3, pág. 179), “As nulidades da sentença estão limitadas aos casos previstos nas diversas alíneas do nº 1 do art. 668º (actual artº 615º) do C.P.C.. Não se verificando nenhuma das causas previstas naquele número pode haver uma sentença com um ou vários erros de julgamento, mas o que não haverá é nulidade da decisão.”
Assim, a sentença será nula, além do mais, quando i) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade (alínea c) ou obscuridade que torne a decisão ininteligível ou ii) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (alínea d)).

No que concerne à alínea c) não se descortina qualquer oposição dos seus fundamentos com a decisão nem a sua ininteligibilidade por ambiguidade ou obscuridade.
No que tange à propalada omissão de pronúncia, está este tipo de nulidade directamente relacionada com o comando legal fixado no nº 2, do artº 608º, do CPC, segundo o qual «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».
Esta norma suscita o problema de se saber qual o sentido exacto da expressão «questões» nele empregue, sendo elucidativos os ensinamentos do Prof. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, 5º – 54, o qual refere que “ … assim como a acção se identifica pelos seus elementos essenciais (sujeitos, pedido e causa de pedir) (…) também as questões suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objecto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado».
Daí que a doutrina e a jurisprudência distinguem, por um lado, «questões» e, por outro, «razões» ou «argumentos» e, concluem que só a falta de apreciação das primeiras – das «questões» – integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das «razões» ou «argumentos» invocados para concluir sobre as questões. (1)
Por outro lado, é pacífico na doutrina e na jurisprudência que só a falta absoluta de fundamentação gera a nulidade prevista na citada alínea d) (2), não abarcando estas as alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito. Não comete, assim, tal nulidade a sentença que não trata explicitamente considerações, argumentos e juízos de valor alegados pela parte.
No que respeita à especificação dos fundamentos de facto e de direito, dispõe o artº 659º, nº 2, do CPC, que, na elaboração da sentença, após o relatório ( seu nº 1), seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.
E nessa fundamentação da sentença, o juiz considerará os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão e os que o tribunal deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer (nº 3).
Ora, no caso concreto, a sentença posta em crise não deixa de abordar e resolver as questões que as partes submeteram à sua apreciação, designadamente a questão fulcral relativa ao incumprimento do aludido contrato de transporte por culpa das rés.
O que poderia questionar-se era a necessidade de ampliação da matéria de facto, à luz do disposto no artº 662º, nº 2, al. c) parte final, e nº3, al. c), do CPC.
Todavia, além de a sentença recorrida não ter deixado de considerar toda a materialidade fáctica relevante para se aferir da culpabilidade (ou não) da transportadora no cumprimento do contrato, como se pode aferir dos pontos de facto nºs 17, 18, 19, 20, 21 provados, incorporou total ou parcialmente o factualismo vertido nos artigos 12, 13 e 15 da contestação, não deixando de conter os acima assinalados artigos 11, 13(parte), 14, 27, 29 e 30 matéria conclusiva.
Certo é que, ante o tema de prova enunciado nos autos - natureza, configuração e localização do parque onde o motorista do camião da 2ª ré parou para dormir – o aditamento daquela factualidade evidencia-se irrelevante.
Conclui-se, pois, que a decisão recorrida não padece do apontado vício de nulidade, v.g. por omissão de pronúncia, que pudesse afectar a sua validade, à luz dos apontados requisitos contidos naquelas alíneas c) e d), do artº 615º.

b) Responsabilidade da 2ª ré perante a autora;

Argumenta ainda a recorrente transportadora que não é responsável pelo pagamento da quantia reclamada, uma vez que não celebrou qualquer contrato com a segurada da autora – “G.” – e o contrato celebrado entre esta e a ré “B.” não é de transporte mas sim de comissão de transporte, de expedição ou de trânsito, sendo do incumprimento deste contrato que surge a eventual obrigação de indemnizar o proprietário da mercadoria (no caso a autora por sub-rogação) pelos prejuízos causados em resultado de tal incumprimento.
Vejamos:
A 2ª R. sustenta que a segurada da A. apenas estabeleceu um vínculo contratual com a 1ª R., pelo que só esta responde perante ela.
Apuraram-se nos autos os seguintes factos com relevância para o conhecimento desta questão:
“(…)
2º A 1ª ré dedica-se à actividade transitária, sendo titular do alvará nº ….
3º A 2ª ré é uma empresa transportadora que se dedica à actividade de transportes rodoviários de mercadorias, sendo titular do alvará nº ….
4º A sociedade “G., Lda.”, com o NIPC…, dedica-se à importação e comercialização de produtos de diversas marcas nas áreas do pronto-a-vestir, calçado, carteiras e outros acessórios de homem e mulher.
5º No exercício da sua actividade, acordou com a sociedade italiana “H.” a compra de 2382 bolsas de mão, pelo valor global de € 54.560,75.
6º A mercadoria foi vendida em condições Ex-works, pelo que competia à compradora G., Lda., contratar e pagar o transporte da mesma até ao destino.
(…)
12º Para a execução do transporte foi contratada pela segurada da autora a empresa transitária B..
13º O transporte foi por esta subcontratado com a empresa transportadora C..
14º A 2ª ré emitiu, para o efeito, o documento CMR nº 0054243 no qual figuravam como Expedidor a sociedade “H.” e como destinatário “Centro Empresarial Sado Internacional”.
15º O camião da 2ª ré foi carregado no dia 30 de Agosto de 2012 em Nola (Itália), com destino ao Centro Empresarial Sado Internacional, sito em Vale da Rosa (Setúbal).
16º O transporte foi efectuado pelo camião da 2ª R. com a matrícula …EI e o semi-reboque L-… cuja cobertura é de lona:
(…)”
Fica assim demonstrado que a segurada da A. comprou a mercadoria à sociedade italiana “H.”, nas condições EXW (ex works ou na fábrica), das quais resulta o mínimo de obrigações para o vendedor, tendo, por conseguinte, sido ela quem contratou o transporte e fez segurar a carga (já que o risco de perda e danos da mercadoria corria por sua conta).
Resulta, ainda, da referida matéria de facto que a segurada da A. contratou a execução do transporte à 1ª R. e esta subcontratou a execução da totalidade do transporte (de Nola para Setúbal) à 2ª R..
O transporte foi efectuado ao abrigo da declaração de expedição CMR nº 0054243, emitida pela 2ª R., na qual surge como expedidora a sociedade italiana “H.” (a quem a segurada da A. adquiriu a mercadoria), como destinatário (e lugar de entrega) o “Centro Empresarial Sado Internacional” e como transportadora a 2ª ré.
Assim, embora o “Centro Empresarial Sado Internacional” surja naquela declaração como recebedor da mercadoria e como lugar de entrega da mercadoria, a posição jurídica de destinatário pertencia, na realidade, à segurada da A., que comprou a mercadoria, fez o seu seguro e contratou e pagou o transporte.
Como pugna a recorrida, a aparência formal, emergente daquela declaração de expedição, no que concerne à identidade do destinatário, não pode deixar de ceder perante a realidade que transparece dos factos julgados provados.
Ou seja, o destinatário real e efectivo da mercadoria transportada era a segurada da autora, independentemente de até se considerar que, perante o factualismo apurado, o próprio expedidor foi a mesma segurada da autora – cfr. pontos provados nºs5, 6, 12, 13 e 14.
Daí que a questão de saber se a 2ª R. responde directamente perante a segurada da autora (“G.”) e, por via da sub-rogação, perante a autora não pode deixar de ser apreciada e resolvida à luz do regime jurídico da Convenção CMR.
Estipula o artº. 13º, nº 1, 2ª parte, da Convenção que “… Se se verifica perda da mercadoria, ou se esta não chegou até ao termo do prazo previsto no art. 19º, o destinatário fica autorizado a fazer valer em seu próprio nome, para com o transportador, os direitos que resultam do contrato de transporte (sublinhado nosso).”.
A interpretação do termo “contrato”, utilizado neste preceito não pode deixar de ser feita à luz do significado que o mesmo assume nessa Convenção.
Esse significado pode ser encontrado no artº. 4º da referida Convenção, que dispõe que “O contrato de transporte estabelece-se por meio de uma declaração de expedição. …” (sendo que o art. 6º enumera as indicações que essa declaração deve conter, entre as quais o nome e endereço do destinatário – alínea e)).
No caso sub judice, os factos provados revelam assim que a 1ª ré obrigou-se para com a segurada da A. a executar o transporte, como empresa transitária, e a 2ª ré a realizar o transporte físico da mercadoria, vinculando-se como transportadora perante a segurada da autora nos termos da declaração de expedição que corporiza o contrato de transporte internacional em causa.
Por conseguinte, é a 2ª ré igualmente responsável solidária pelo pagamento da quantia reclamada nos termos do citado artº 13º, nº1, 2ª parte e 17º, nº 1, da CMR.

c) Exclusão ou limitação da responsabilidade da 2ª ré;

No que tange à exclusão ou limitação da responsabilidade da 2ª ré, por inexistência de actuação dolosa ou de falta equiparável, defendida nas conclusões XI a LII, remete-se para os fundamentos acima explanados relativamente à apelação da ré “B.”, pontos 1 e 2, dada a similitude das questões recursivas, cujo teor se dá por reproduzido.
Acresce dizer que, em sede de responsabilidade do transportador, escuda-se ainda a apelante na invocação do artº 21º do Dec.Lei nº 239/2003, de 04.10, para afastar a sua responsabilidade com o argumento de só no caso de actuação dolosa do transportador é que este não pode prevalecer-se das disposições que excluem ou limitam a sua responsabilidade.
Independentemente da definição de tal conceito normativo, não pode a recorrente olvidar que tal diploma é inaplicável ao caso sub judice, uma vez que aquele respeita ao transporte rodoviário de mercadorias em território nacional, enquanto que a situação em análise se reporta ao regime específico dos contratos de transporte internacional - Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada (CMR), sendo que o artº 29º é mais lato, em termos de responsabilidade a imputar ao transportador, dado que, além do dolo, abrange a falta equiparável ao dolo - artº 29º, nº1, da CMR, o que a fortiori nos conduz para a conduta por mera culpa ou negligência.

e) Indemnização a título de lucros cessantes;

Nas conclusões LIII a LIX a recorrente questiona também que a indemnização englobe o montante fixado de 20% por lucros cessantes, negando ser devido o seu ressarcimento.
Quanto a esta questão remete-se para quanto foi explicitado no ponto 3 do recurso da ré “B.”, dada a similitude de fundamentos, acolhendo-se aqui a tese da apelante.

Procede, em parte, a apelação da 2ª Ré.

C - Apelação da interveniente “D.”;

a) Nulidade da sentença;

A recorrente diz que a sentença é nula por omissão de pronúncia, nos termos do artº 615º, nº1, al. c) do CPC, em virtude de não ter decidido quanto ao pedido de reconhecimento do direito de regresso que possa vir a assistir à ré “Torrestir” e que suscitou na sua contestação.
Não tem qualquer razão.
Basta atentar no último parágrafo da fundamentação de direito da sentença recorrida, onde se afirma expressamente que “ Face à posição processual de intervenientes acessórias em que as seguradoras D. e F. foram admitidas, não podem as mesmas ser condenadas com as rés.
A intervenção acessória destina-se apenas a impor às seguradoras o efeito de caso julgado”.
E uma das seguradoras com intervenção acessória é precisamente a “D.”.
A relação de regresso constitui um mero pressuposto da admissão da chamada, só sendo apreciada pelo tribunal para efeitos de admissibilidade do incidente de intervenção acessória, uma vez que o chamado não é condenado nem absolvido na acção onde aquele foi deduzido.
A posição processual que deve corresponder ao sujeito passivo da relação de regresso é a de mero auxiliar da defesa, tendo em vista o seu interesse indirecto ou reflexo na improcedência da pretensão do autor, com vista a afastar ulterior e eventual acção de regresso ou de indemnização contra si movida pelo réu da causa principal.
A intervenção do chamado circunscreve-se à discussão das questões que tenham repercussão na acção de regresso invocada como fundamento do chamamento.
É o que resulta do disposto no artº 321º, do CPC.
Acrescente-se apenas que o artº 317º, nº1, do CPC, citado pela recorrente, destina-se a prever a efectivação do direito de regresso entre partes principais, através do incidente de intervenção provocada (por exemplo da 1ª ré para a segunda, caso esta não fosse logo demandada pela autora), e não entre partes acessórias ou entre parte principal e parte acessória.
Não padece, pois, de nulidade a sentença nos termos alegados.

b) Erro na apreciação da prova;

Também esta recorrente, nas suas conclusões B) a I), se insurge contra a decisão de facto, impugnando a matéria não provada (facto não provado 1º) e pretendendo que se amplie a matéria de facto no sentido de ser aditada como provada factualidade que afirma constar nos artigos 25º a 32º da sua contestação, com o pretexto de que é abarcada pelo tema de prova.

Antes de mais, importa referir que, por força do estatuído no artº 631º, do CPC, só tem legitimidade para recorrer quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido – só podendo recorrer as partes acessórias que se configurem como pessoas directa e efectivamente prejudicadas pela decisão.
A seguradora “D.” figura nos autos na veste de parte acessória, na sequência da suscitação do seu chamamento pela 1ª ré “B.”- também interveniente acessória – sociedade subempreiteira, e nela segurada, denominada Empreitadas FF – cuja intervenção, também acessória, havia sido anteriormente peticionada pela empreiteira DD.
O seu papel como interveniente acessória provocada, na qualidade de seguradora da 1ª ré, é, pois, o de mero auxiliar da defesa desta, nos termos do assinalado artº 321º, do CPC - cingindo-se a sua participação processual à discussão das questões com repercussão na acção de regresso invocada como fundamento do chamamento e cabendo-lhes, nas fases subsequentes à respectiva citação, o estatuto de assistente, definido pelo art. 328º do CPC. E ao assistente não cabe o direito de recorrer pelo assistido, salvo na específica situação de substituição processual prevista no art. 329º do CPC, apenas lhe sendo lícito completar ou desenvolver, em alegações próprias, a alegação produzida no recurso da parte principal.
Neste sentido, vide o douto Acórdão do STJ de 25.03.2010, proc. 428/1999.P1.S1, in dgsi.pt.

No que concerne ao facto não provado 1º - matéria esta alegada pela 1ª ré, sendo que esta não impugnou recursivamente a não prova de tal factualismo - tem este a seguinte redacção: "Em Itália, não há áreas reservadas e vigiadas por seguranças ou autoridades para paragem, estacionamento de veículos de transporte de mercadorias e descanso dos motoristas" (facto não provado 1.º).
Para a sua modificação, dando tal matéria como provada, estriba-se a recorrente no testemunho de José, motorista, António, João e Lúcio, funcionários da 1ª ré.
Examinados tais depoimentos em consonância com a demais prova testemunhal, é de sufragar a decisão do tribunal a quo, já que globalmente tais testemunhas se limitaram a dizer displicentemente que não tinham conhecimento da existência de tais parques em Itália e não que estes não existiam, o que é diverso.
Pretende ainda a recorrente o aditamento da seguinte matéria que afirma ter alegado nos artigos 25.º a 32.º da sua contestação: 1. A área de serviço disponibiliza um sistema de câmaras de vigilância que monitoriza a zona da auto-estrada, mas não a dos parques; 2. O parque é de livre acesso, mas apenas pela auto-estrada; 3. A área de serviço em causa é constituída por duas zonas de parque destinadas a carros e camiões, respectivamente, um zona de abastecimento e uma cafetaria; 4. Trata-se de uma área de serviço aberta 24 horas e onde se verifica um constante fluxo de movimento, incluindo patrulhamento frequente; 5.O motorista estacionou o camião em local iluminado, próximo do posto de atendimento e restaurante ali existentes, com as portas traseiras do veículo viradas para a frente do restaurante, sito na área de serviço, quanto aos elementos caracterizadores referentes à área de serviço em apreço e por estarem relacionados com o tema de prova seleccionado.
No que respeita à sua relevância para efeitos da pretendida ampliação, face ao tema de prova, reproduz-se aqui a fundamentação acima explanada, em sede de apelação da ré “B.”, realçando-se que, “além de a sentença recorrida não ter deixado de considerar toda a materialidade fáctica relevante para se aferir da culpabilidade (ou não) da transportadora no cumprimento do contrato, como se pode aferir dos pontos de facto nºs 17, 18, 19, 20, 21 provados, incorporou total ou parcialmente o factualismo vertido nos artigos 12, 13 (…) da contestação (da 2ª ré, a que a ora recorrente interveniente alude nos seus artigos 30º e 31º da contestação) (…)", contendo os acima assinalados artigos 26º a 29º matéria nitidamente conclusiva.
Subjaz o artigo 25º que se limita a reproduzir o conteúdo do relatório pericial solicitado pelo agente da própria “D.”, sendo que tal relatório não é facto, mas apenas um meio de prova de factos.
Sem prescindir, sempre se reitera que, em função do tema de prova em causa, mostra-se seleccionada e apurada a matéria fáctica relevante em função do aduzido tema de prova, como se alcança dos pontos de facto provados nºs 17, 18, 19, 20 e não provados nº 1º.
Quanto ao primeiro facto (“A área de serviço disponibiliza um sistema de câmaras de vigilância que monitoriza a zona da auto-estrada, mas não a dos parques”), não se vislumbra a sua relevância, uma vez que o que dele resulta de pertinente é que o parque não é vigiado, o que consta já do facto provado nº 18.
O segundo facto (“O parque é de livre acesso”) sem a segunda parte (“ mas não pela auto-estrada”), que não deve ser considerada (porque não alegada pela interveniente, por um lado, e porque não resulta do relatório de peritagem de fls. 135 e 136, em que se fundamenta a impugnação da decisão de facto, quanto aos primeiros três factos, por outro), encontra-se já incluído no mencionado facto provado nº 18, do qual resulta que o parque “não é fechado”.
O terceiro facto (“ A área de serviço em causa é constituída por duas zonas de parque destinadas a carros e camiões, respectivamente, uma zona de abastecimento e uma cafetaria”) também não assume qualquer relevância que justifique a sua inclusão na decisão de facto, até porque as características em causa (duas zona de estacionamento, uma para carros e outra para camiões, uma zona de abastecimento e uma cafetaria) são comuns à generalidade das áreas de serviços situadas nas auto-estradas.
O quarto facto (“Trata-se de uma área de Serviço aberta 24 horas e onde se verifica um constante fluxo de movimento, incluindo patrulhamento frequente”) não foi alegado pela assistente na sua contestação, por um lado, e é conclusivo, na parte em que se diz “constante fluxo de movimento” e “patrulhamento frequente”, por outro (“constante” e “frequentes” não são factos objectivos).
Acresce que o motorista José declarou que, na noite que está aqui em causa, afirmou não viu não verificou a presença da polícia, acabando por concluir que não tinha memória de ter presenciado qualquer acção de patrulhamento.
O quinto facto (“O motorista estacionou o camião em local iluminado, próximo do posto de atendimento e restaurante ali existentes, com as portas traseiras do veículo viradas para a frente do restaurante” foi alegado pela 2ª R., e não pela assistente, como, de resto, esta refere no art. 30º da sua contestação.
Aliás, enquanto a sua primeira parte (até “… iluminado”) consta já do facto provado nº 19, a segunda parte (“próximo do posto de atendimento e restaurante ali existentes”) carece da objectividade necessária à sua inclusão nos factos provados, una vez que a 2ª R. não alegou a distância concreta entre o local onde o camião estava estacionado e o restaurante.
E ao assistente não cabe o direito de recorrer pelo assistido, salvo na específica situação de substituição processual prevista no art. 329º do CPC, apenas lhe sendo lícito completar ou desenvolver, em alegações próprias, a alegação produzida no recurso da parte principal.
Acresce que, pelo que acima ficou dito quanto à legitimidade de recorrer por parte da assistente e à delimitação do objecto do seu recurso, enquanto mero auxiliar da defesa da parte principal assistida - a 1ª Ré - carece a aqui recorrente de legitimidade para impugnar a decisão da matéria de facto, por omissão nos factos provados de factos alegados pela 2ª R., que não é, sequer, sua assistida.
É que a alteração da decisão de facto nos termos pretendidos pela apelante/assistente da 1ª ré (esta nem sequer impugnou a matéria de facto) poderia até ser favorável à assistente, mas não à 2ª Ré, valendo-se a assistente/recorrente de factos que nem sequer por si foram alegados, nem pela parte principal que auxilia.
Concluindo, a decisão de facto contém os factos relevantes e necessários ao correcto julgamento e boa decisão da causa – razão pela qual se decide manter, nos termos do artº 663º, nº 6, do CPC.

c) Inexistência de culpa e exclusão ou limitação da responsabilidade

No que respeita à exclusão ou limitação da sua responsabilidade (conclusões J) a T)), por inaplicabilidade do disposto no artº 29º da CMR, por inexistência de conduta dolosa ou com culpa por parte das rés, remete-se mais uma vez para os fundamentos acima explanados relativamente à apelação da ré “B.”, pontos 1 e 2, dada a similitude das questões recursivas, cujo teor se dá por reproduzido.
Acresce apenas dizer que o argumento de “concorrência desleal” ou de violação de normas comunitárias no transporte internacional de mercadorias, caso fosse adoptada a utilização de dois motoristas, não tem consistência.
E como acima se disse, a segunda pessoa pode ser um ajudante e não motorista.
Porém, no caso sub judice, o que se mostra mais relevante, em termos de negligência grosseira, é que, atento o tipo e o valor da mercadoria, a duração e longevidade do percurso, o transporte foi feito em semi-reboque com cobertura exterior em lona (que foi inclusive rasgada), permitindo a fácil intrusão de terceiros.

d) Redução da indemnização e indemnização por lucros cessantes;

Quanto à redução da indemnização e indemnização por lucros cessantes, suscitada nas conclusões U) a Y), mais uma vez se remete para os fundamentos aduzidos nos pontos 2 e 3 supra da apelação da ré “B.”, dada a similaridade das questões recursivas invocadas – fundamentos esses que aqui se dão por reproduzidos.

Procede parcialmente a apelação da interveniente.

D - Ampliação do âmbito do recurso pela recorrida “E. Seguros”.

A autora requereu a ampliação do âmbito do recurso, nos termos do artº 636º, nº2, do CPC.
Fê-lo a título subsidiário, fundada na eventual procedência das questões suscitadas pelas rés e assistente, no que concerne à exclusão ou limitação da responsabilidade destas com base na inexistência de dolo ou falta grave, quanto aos procedimentos adoptados pelo transportador para evitar a perda da mercadoria.
Improcedendo tais questões nos termos acima explanados, fica prejudicado o conhecimento de tal ampliação do objecto de recurso.

*

Sintetizando:
1. No âmbito do contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada, a actuação com negligência grosseira por parte do transportador quanto à ausência dos procedimentos adequados a guardar a mercadoria é enquadrável no conceito de falta a que alude artº 29º, nº1, da Convenção relativa ao Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada (CMR).
2. Pratica tal falta o transportador que, face ao percurso longo do transporte, ao tipo de mercadoria (de fácil descaminho), ao seu elevado valor, faz transportar a mercadoria num semi-reboque com cobertura exterior em lona (o que potencia muito o acesso ao seu interior), ficando este estacionado durante a noite, ao longo de 10 horas, em parque não fechado nem vigiado, existindo apenas um motorista, sem ajudante ou pessoa que o revezasse na vigia ao veículo e sem quaisquer mecanismos (alarmes, sensores, cabos ou cadeados) para evitar a intrusão neste.
3. A existência do dano decorrente dos lucros cessantes que podiam advir à destinatária da mercadoria transportada tem de ser traduzida em factos alegados e provados.
4. O furto dessa mercadoria não traduz ipso facto uma perda de ganho, um lucro frustrado, portanto, uma vez que a transacção dessa mercadoria podia não dar lucro ou até dar prejuízo.
5. Não tendo sido alegada nem provada sequer a existência de um prejuízo, a título de lucros cessantes, não é possível a sua liquidação em execução de sentença.
6. Tal liquidação respeita ao quantum indemnizatório, pressupondo que se mostra já apurada a existência do dano.

IV – Decisão:

Em face do exposto, acordam os Juizes da 1ª Secção Cível deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação da 1ª Ré, da 2ª Ré e da Interveniente “D.”, alterando-se a sentença recorrida nos seguintes termos:
1. Condenam-se solidariamente as rés “B., Ldª” e “C., S.A.” a pagar à autora a quantia de € € 49.104,67 (quarenta e nove mil, cento e quatro euros e sessenta e sete cêntimos), acrescida juros de mora desde a data da instauração da acção e até integral pagamento.
2. Absolvem-se as Rés do demais pedido.

Custas pelas apelantes e pela autora na proporção do decaimento.
Guimarães,............/......../.........,
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(1) Neste sentido, vide Acórdão STJ de 02.07.1974, de 06.01.1977 e de 05.06.1985, entre outros.
(2) Veja-se, entre outros os Acs. do STJ, de 26.11.1997: SASTJ, 15ª/16º-246; da RC de 14.04.1993: BMJ, 426º-541; da RE, de 03.07.1991: AJ, 17º-21