Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
877/17.0T8VCT-A.G1
Relator: LINA CASTRO BAPTISTA
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
LEGITIMIDADE DAS PARTES
PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO
INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/25/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I – As providências cautelares, na falta de regime especial, regem-se pelas regras gerais dos art.º 30.º e ss. doC.P.Civil atinentes à legitimidade processual.
II - Assim, a legitimidade de Requerente e Requerido numa providência cautelar há-de aferir-se por referência aos titulares dos interesses jurídicos relevantes, quer no lado ativo (em demandar), quer no lado passivo (em contradizer).
III – Quer na ação de impugnação pauliana, quer na providência cautelar de arresto preparatória desta, os titulares do interesse juridicamente relevante, pelo lado passivo, são o devedor inicial e o adquirente dos bens, por se tratarem de partes complementares e indissociáveis quer na respetiva causa de pedir, quer no pedido correspondente (e, nesta parte, quer no pedido final de ineficácia do ato translativo da propriedade, quer no pedido provisório de arresto sobre os bens do adquirente).
IV – Consequentemente, pela própria natureza da relação jurídica apresentada na providência cautelar em causa, apenas a intervenção simultânea do devedor inicial e do adquirente dos seus bens assegura o interesse jurídico relevante em contradizer numa situação de litisconsórcio necessário passivo, nos termos do disposto no art.º 33.º do C.P.Civil.
V – Por aplicação do princípio da adequação formal e do dever de gestão processual (cf. art. 6.º e 547.º, ambos do C.P.Civil), a solução mais adequada, célere e justa para a questão processual em causa é a de se convidar o Requerente a suscitar a intervenção do alienante dos bens, por aplicação analógica do incidente de intervenção provocada, com as necessárias adaptações (Cf. art. 261.º e 316.º e ss. do C.P.Civil).
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I—RELATÓRIO
“N”, pessoa coletiva com sede na Avenida da Liberdade, n.º …, Lisboa, instaurou o presente procedimento cautelar de arresto contra I, residente na Rua da Bouça Longa, n.º 600, Meadela, Viana do Castelo, pedindo que, na dependência funcional de ação de impugnação pauliana da partilha outorgada através de escritura pública em 17/05/12, a propor contra a Requerida e contra Germano Pinto Sobreiro, se digne, sem audiência prévia da Requerida, decretar o arresto dos bens e direitos desta enumerados no art.º ….º do requerimento inicial.
Invocando, a título preliminar, que o crédito em causa nos presentes autos, foi transferido para si com o património do “B”, alega que, em virtude de operações bancárias realizadas no exercício da sua atividade, é dono e legítimo portador de três livranças, subscritas pelas sociedades “F” (uma delas) e “A” (as outras duas) e avalizadas simultaneamente por M e G, no montante global de € 1 573 245,51. Uma vez que, apresentadas a pagamento, estas livranças não foram pagas, entende ser credor da quantia total de € 1 708 866,27, correspondente a capital, juros e imposto de selo.
Acrescenta que a sociedade comercial “F” foi declarada em estado de insolvência em 11/04/12, por sentença proferida no âmbito do Processo n.º 892/12.0TBVCT; que a sociedade comercial “A” foi julgada em estado de insolvência em 31/10/11, por sentença proferida no Processo n.º 3257/11.8TBVCT, e que o co-avalista M foi declarado insolvente, por sentença proferida no Processo n.º 2966/13.1TBVCT, que correm termos na Comarca de Viana do Castelo – sem que haja qualquer perspetiva de recuperação dos créditos aí reclamados.
Expõe ter instaurado as competentes ações executivas para pagamento das quantias tituladas por aquelas livranças, sem que tenha conseguido obter, até ao presente, o pagamento dos títulos no âmbito das diligências judiciais e extrajudiciais empreendidas para o efeito.
Alega que, através de escritura pública outorgada em 17/05/12, o devedor G e a Requerida, casados entre si no regime de comunhão geral de bens, mas separados de pessoas e bens, através de decisão proferida no âmbito do Processo n.º 4818/12, que correu termos na Conservatória do Registo Civil de Viana do Castelo, procederam à partilha de um elevado conjunto de bens imóveis, móveis e direitos (que enumera), que constituíam o seu património comum. Especifica que ao devedor G foram adjudicadas apenas quatro verbas, correspondentes a ações nominativas, supostos créditos referentes à sociedade “A”, a quota social e alegados suprimentos referentes à sociedade “F” e que à Requerida foram adjudicados todos os demais bens, nomeadamente vários imóveis, o recheio da habitação do casal, direitos e ações em heranças indivisas.
Afirma que o devedor G e a Requerida sabiam que as verbas adjudicadas àquele não tinham qualquer valor monetário. Bem como que ambos agiram com intenção de, através daquela partilha, retirar da esfera jurídico-patrimonial daquele devedor os bens passíveis de responder pelas dívidas pendentes e de causar prejuízo aos credores, concretamente a si, enquanto Banco credor.
Entende que, por esta via, resultou uma diminuição da garantia dos seus créditos sobre o devedor G, nos termos e para os efeitos do art.º 610.º do Código Civil (doravante apenas designado por C.Civil).
Subsidiariamente, alega que as declarações prestadas pela Requerida e pelo devedor na dita escritura pública não têm correspondência com a vontade real dos intervenientes resultando de mero conluio havido entre ambos, já que estes fingiram concluir um negócio que não queriam celebrar.
Defende que, por esta via, o negócio titulado pela escritura de partilha, porque simulado, se revela nulo e de nenhum efeito, por aplicação do disposto no art. 241.º do C.Civil.
Diz, por fim, que o presente arresto é requerido na dependência funcional de ação de impugnação pauliana da transmissão derivada da partilha de bens acima invocada, a propor contra a Requerida e contra G, onde se pedirá que seja declarada a ineficácia, em relação a si, de tal partilha.
Também que as regras da experiência comum aconselham que se profira uma decisão cautelar imediata, como fator potenciador da eficácia da ação de impugnação pauliana, atendendo a que a Requerida, com toda a probabilidade, irá dissipar ou ocultar tal património, ao ser citada para a ação principal.
Procedeu-se à inquirição das testemunhas arroladas pelo Banco Requerente.
Proferiu-se decisão a julgar procedente o procedimento cautelar, decretando o arresto sobre os bens e direitos elencados no art.º 107.º do Requerimento Inicial.
Efetuado o arresto sobre a generalidade dos bens indicados, a Requerida foi citada nos termos do disposto nos art.º 366.º, n.º 6, e n.º 1, alínea a) e b) do art.º 372.º, ambos do Código de Processo Civil
Inconformado com a decisão cautelar, a Requerida recorreu, terminando com as seguintes
Conclusões:
I. Na ação de impugnação pauliana, a relação controvertida envolve três sujeitos - o credor prejudicado, o devedor alienante e o terceiro adquirente - sendo necessária a intervenção de todos, como salvaguarda do princípio do contraditório, pelo que há litisconsórcio passivo.
II. Quando o arresto visa acautelar efeitos da impugnação, designadamente a pauliana, a legitimidade passiva para o respetivo processo terá que coincidir com a legitimidade passiva para a ação de impugnação.
III. No caso concreto, a apelada apenas intentou o procedimento cautelar de arresto contra a apelante (terceira adquirente), não demandando o devedor alienante, G.
IV. Assim, nos termos do n.º 2 do artigo 33.º do CPC, verifica-se que há preterição do litisconsórcio necessário, sendo tal questão do conhecimento oficioso, nos termos do artigo 578.º do C.P.C.
V. A verificação da exceção dilatória supra identificada obstava a que o Tribunal a quo conhecesse do mérito da causa e deveria ter dado lugar à absolvição da instância, nos termos do n.º 2 do artigo 576.º do C.P.C.
VI. Assim, deverá concluir-se que o despacho recorrido fez errada interpretação dos artigos 30.º e 33.º, n.º 2, ambos do C.P.C., bem como dos artigos 610.º e 612.º do Código Civil, ao concluir que as partes têm legitimidade para o presente processo e não existem exceções dilatórias que obstem ao conhecimento da causa e que cumpra conhecer.
VII. Acresce que, o requerente do arresto deve deduzir os factos que tornam provável a existência do crédito e justificam o receio invocado, relacionando os bens (do devedor) que devem ser apreendidos, com todas as indicações necessárias à realização da diligência.
VIII. Sendo o arresto requerido contra o adquirente de bens do devedor - como acontece no caso concreto -, terá então o requerente, se não mostrar ter sido judicialmente impugnada a aquisição, que alegar ainda os factos que tornem provável a procedência da impugnação.
IX. Porque o terceiro perante a relação obrigacional, uma vez julgada procedente a impugnação, não pode obstar a que o credor execute no seu património o bem objeto do ato impugnado (cf. artigos 616°, n.º 1, e 818°, ambos do Código Civil), tendo este último direito à sua restituição na medida do seu interesse, no âmbito da providência do arresto requerido contra o adquirente de bens do devedor (cf. n.º 2, do art.º 392.° do CPC) justifica-se que, pelo menos no tocante aos bens objeto do ato impugnado, se exija a alegação e a prova indiciária (ónus a cargo do credor) do justo receio da prática pelo terceiro de atos, v.g., de alienação e/ou oneração.
X. Sucede que, no seu requerimento inicial, no que concerne à apelante (terceira obrigada à restituição dos bens adquiridos/partilhados), nada de concreto e com substrato fáctico alegou apelada credora no seu requerimento inicial, suscetível de integrar o requisito do periculum in mora e do justo receio nos termos supra delineados, máxime o risco de lograr dissipar os concretos bens que a credora pretende vir mais tarde a executar no seu património, na sequência do decretamento do arresto.
XI. Deste modo, deveria o Tribunal a quo ter indeferido a providência de arresto, por manifesta improcedência (ao abrigo do disposto no artigo 590.º do C.P.C.), uma vez que que pela recorrida não foram alegados quaisquer factos que permitam concluir pela verificação do pertinente requisito do receio justificado de perda/dissipação dos bens a arrestar, e cujo ato de transmissão do devedor para terceiro será objeto de impugnação judicial.
XII. Ao não entender assim, o douto despacho, ora em crise, fez errada interpretação do disposto nos artigos 601.º,616.º, 619.º e 887.º do Código Civil, bem como dos artigos 391.º e 392.º do Código de Processo Civil.
O Banco Requerenteapresentou contra-alegações, afirmando em resumo,
que:
i. A decisão recorrida, assenta numa interpretação certa e cuidada dos preceitos legais aplicáveis em contraponto com a matéria dada como provada, não merecendo qualquer censura ou reparo.
ii. Ao contrário da tese sufragada pela Recorrente, não emerge da leitura daqueles preceitos legais qualquer obrigatoriedade de instauração do arresto também contra o devedor transmitente dos bens a arrestar.
iii. Nos termos do alcance e significado da lei, o intérprete deve presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e que soube exprimir o seu pensamento em termos adequados – art.º 9.º, n.º 3, C.Civil.
iv. Seguramente que se pretendesse que o arresto fosse instaurado também contra o devedor, o legislador teria redigido os citados preceitos legais doutra forma, estabelecendo a possibilidade do arresto ser requerido contra o devedor eo adquirente de bens do devedor, não apenas contra este, conforme ficou no texto da lei.
v. Inexistindo, pois, nesta fase, qualquer litisconsórcio passivo necessário entre o adquirente e o transmitente desses bens, o qual apenas é exigido no âmbito da posterior ação de impugnação pauliana.
vi. Pois o que se pretende é evitar a perda da garantia patrimonial que o extravio desses bens pode ditar, caso os mesmos saiam da esfera patrimonial do adquirente, impossibilitando assim o sucesso que se pretende obter no ganho da futura ação pauliana.
vii. Não estando em causa a proteção ou violação de qualquer "direito" do devedor transmitente, que, em bom rigor, já não tem qualquer ligação patrimonial aos bens objeto do arresto.
viii. Mas antes impor ao adquirente dos bens o dever de assegurar a sua titularidade nos mesmos, como se de um fiel depositário do direito de propriedade se tratasse, até que seja conhecida a decisão a proferir em sede de ação de impugnação pauliana e até ao seu trânsito em julgado.
ix. Tanto mais que da decisão que veio decretar o arresto não resulta qualquer força de caso julgado quanto ao alienante, não tendo este, nesta fase, qualquer ganho ou perda, sendo para ele irrelevante os efeitos jurídicos daquela decisão, uma vez que não incidem sobre a sua esfera pessoal e patrimonial.
x. Pelo que, pelo lado passivo, é perfeitamente irrelevante a intervenção do alienante no incidente cautelar de arresto.
xi. Inexistindo qualquer preterição do litisconsórcio necessário, não sendo aplicável o disposto no artigo 33.º n.º 2 do CPC, pois que o efeito útil do arresto, repete-se, é tão-somente o de evitar a perda da garantia patrimonial que os bens arrestados podem assegurar, bens esses atualmente apenas pertencentes à Recorrente, única interessada direta, pelo lado passivo, no resultado formal e material da providência decretada.
xii. Soma-se assim ao argumento literal o teleológico.
xiii. Sendo o arresto uma providência conservatória, apenas tem que ser instaurado contra aquele em relação ao qual existe o fundado receio de perda da garantia patrimonial.
xiv. Assim, um arresto deduzido como preliminar ou incidente de uma ação de condenação de várias pessoas no pagamento de uma dívida solidária não tem que ser instaurado contra todos os devedores: basta que seja instaurado contra aquele em relação ao qual se pretende assegurar o efeito útil da decisão.
xv. O argumento de que tal intervenção se justifica para salvaguarda do princípio do contraditório, salvo o devido respeito não colhe, já que no arresto não existe qualquer conflito de interesses entre o requerente e o devedor, uma vez que o bem atingido pela providência não lhe pertence.
xvi. Não tem por isso qualquer interesse em contraditar a matéria alegada na providência, até porque nem o julgamento da matéria de facto nem a decisão final da providência exercem qualquer influência na decisão final da ação principal - art. 364.º CPC (princípio da eficácia relativa da providência).
xvii. Para além de alegar a exceçãoperentória de ilegitimidade passiva por preterição do litisconsórcio passivo necessário, a Recorrente sustenta ainda que o Banco recorrido não demonstrou o "justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito", conforme previsto no n.º 1 do artigo 391.º do CPC, nomeadamente pela apresentação de prova donde resultasse a prática de atos pela Recorrente tendentes à dissipação, ou tentativa de dissipação, do património em causa.
xviii. Conforme vem estabelecido nos artigos 391.º n.º 1 do CPC e 619.º n.º 1 do CC, o credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor.
xix. Alargando, ainda, o n.º 2 do artigo 392.º do CPC e o artigo 619.º n.º 2 do CC, a possibilidade desse arresto poder ser instaurado contra terceiro que tenha adquirido bens do devedor a arrestar.
xx. Estando alegada e demonstrada a conduta praticada pela Recorrente, em conluio com o devedor G, e a essencialidade daqueles bens para garantirem o pagamento dos créditos do Banco recorrido, desde logo, se afigura a premência do arresto requerido como forma de impedir que a Recorrente possa dissipar todo aquele património.
xxi. E, atentas as regras da experiência comum, aconselha uma decisão cautelar imediata, como fator potenciador da eficácia da ação de impugnação pauliana.
xxii. Pois que não se pode afastar, sem elevado grau de risco, que a Requerida possa ser tentada a dissipar ou ocultar tal património ao ser citada para a ação de impugnação pauliana de que o presente procedimento cautelar era preliminar e ao qual é agora apenso.
xxiii. Face ao exposto, tem o Banco recorrido razões para ter fundado receio de que, saindo da esfera jurídica da Recorrente o crédito cujo arresto foi decretado, fique impossibilitado de se ressarcir do seu crédito sobre os devedores.
xxiv. Inexistindo, assim, fundamento factual e legalpara o recurso ora interposto pela Apelante.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

As questões a apreciar, delimitadas pelas conclusões do recurso, consistem nas seguintes:
I. Preterição de litisconsórcio necessário passivo.
II. Verificação dos pressupostos de decretamento da providência cautelar de arresto.

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III –PRETERIÇÃO DE LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO PASSIVO

O Recorrente invoca – em síntese – que na ação de impugnação pauliana, a relação controvertida envolve três sujeitos - o credor prejudicado, o devedor alienante e o terceiro adquirente - sendo necessária a intervenção de todos, como salvaguarda do princípio do contraditório, pelo que há litisconsórcio passivo.
Afirma que, quando o arresto visa acautelar efeitos da impugnação, designadamente a pauliana, a legitimidade passiva para o respetivo processo terá que coincidir com a legitimidade passiva para a ação de impugnação.
Especifica que, no caso concreto, a apelada apenas intentou o procedimento cautelar de arresto contra a apelante (terceira adquirente), não demandando o devedor alienante, G.
Entende que, nos termos do n.º 2 do artigo 33.º do CPC, se verifica preterição do litisconsórcio necessário, sendo tal questão do conhecimento oficioso, nos termos do artigo 578.º do C.P.C.
Defende que a verificação da exceção dilatória supra identificada obstava a que o Tribunal a quo conhecesse do mérito da causa e deveria ter dado lugar à absolvição da instância, nos termos do n.º 2 do artigo 576.º do C.P.C.
Contrapõe o Banco Recorrido que o que se pretende é evitar a perda da garantia patrimonial que o extravio dos bens pode ditar, caso os mesmos saiam da esfera patrimonial do adquirente, impossibilitando assim o sucesso que se pretende obter no ganho da futura ação pauliana.
Afirma que não está em causa a proteção ou violação de qualquer "direito" do devedor transmitente, que, em bom rigor, já não tem qualquer ligação patrimonial aos bens objeto do arresto. Mas antes impor ao adquirente dos bens o dever de assegurar a sua titularidade nos mesmos, como se de um fiel depositário do direito de propriedade se tratasse, até que seja conhecida a decisão a proferir em sede de ação de impugnação pauliana e até ao seu trânsito em julgado.
Entende que, pelo lado passivo, é perfeitamente irrelevante a intervenção do alienante no incidente cautelar de arresto.
Defende que, sendo o arresto uma providência conservatória, apenas tem que ser instaurado contra aquele em relação ao qual existe o fundado receio de perda da garantia patrimonial.
A questão a apreciar e decidir é, portanto, de natureza meramente processual, tratando-se, em concreto, de uma questão atinente à legitimidade processual, sob o lado passivo, nas providências cautelares de arresto.
Usando as palavras de Alberto dos Reis (in Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 1982, 3ª Edição – Reimpressão, Coimbra Editora, pág. 623) “(…) diremos que a providência cautelar surge como antecipação e preparação duma providência ulterior; prepara o terreno e abre o caminho para uma providência final.” Continua, sequencialmente, “O que justifica este fenómeno jurisdicional é o chamado periculum in mora. Há casos em que a formação lenta e demorada da decisão definitiva expõe o presumido titular do direito a riscos sérios de dano jurídico; para afastar estes riscos, para eliminar o dano, admite-se a emanação duma providência provisória ou interina, destinada a durar somente enquanto não se elabora o profere o julgamento definitivo.”
Atenta a natureza provisória dos procedimentos cautelares e a necessária celeridade das respetivas tramitação e decisão, a lei basta-se com uma prova perfunctória, de simples justificação, relegando a apreciação final e definitiva da relação material controvertida para o processo principal.
Estreitando mais a nossa análise para o âmbito da providência cautelar de arresto, deixamos esquematicamente referido que, em termos gerais, o património do devedor constitui a garantia geral dos credores, respondendo pelo cumprimento das obrigações com todos os bens susceptíveis de penhora, garantia essa que se torna efectiva por meio da execução - arts. 601.º e 817.º, ambos do C.Civil.
A providência cautelar em análise constitui uma das derrogações a este princípio geral, possibilitando aos credores o arresto de bens do devedor posto que demonstrem ter um justo receio de perder a garantia dos seus créditos.
Assim sendo, no arresto estão em confronto dois interesses antagónicos: o do credor em conseguir em tempo uma providência que o tranquilize quanto à satisfação do seu crédito e o do devedor em não ser antes do momento tipicamente previsto na lei sujeito a uma medida que se traduz numa antecipação da execução.
Decorre do disposto no art.º 391.º do C.P.Civil que o arresto depende da verificação cumulativa de dois requisitos: possibilidade da existência do crédito do requerente e receio justificado da perda da garantia patrimonial.
No entanto, apesar de uma das características mais marcantes das providências cautelares, entre elas o arresto, ser - como se viu - a sua ligação umbilical a uma acção definitiva proposta ou a propor, é, em tese geral configurável que a as respetivas causas de pedir e pedidos não sejam exactamente coincidentes, o que poderá conduzir a diferentes leituras quanto à legitimidade em cada uma delas.
Recorrendo às palavras de Abrantes Geraldes (in Temas da Reforma do Processo Civil, III Volume, 2010, 4ª Edição, Almedina, pág. 152 e 153), diremos que “(…) o objecto da providência há-se ser conjugado com o objecto da causa principal. Embora não se pressuponha na ação e no procedimento uma total identidade de direitos que se pretendem acautelar, nem tão pouco se exija a alegação do mesmo circunstancialismo fático integrador da causa de pedir na ação definitiva e nos fundamentos da providência solicitada, a função instrumental que a lei atribui aos procedimentos não é compatível com um total divórcio entre os respectivos objectos. A identidade entre o direito acautelado e o que se pretende fazer valer no processo definitivo impõe, pelo menos, que o facto que serve de fundamento à providência integre a causa de pedir da ação principal.”
Damos por nossa a conclusão subsequente tirada por este mesmo autor, no sentido do apuramento autónomo da legitimidade, à luz da causa de pedir e pedido da própria providência cautelar (ob. cit. pág. 220): “No lado passivo, deve encontrar-se o sujeito que, na versão do requerente, é responsável pelos atos ou omissões criadores do risco de lesão grave e dificilmente reparável a quem é imputada a conduta cujos efeitos se pretendem prevenir.”
Aqui chegados, entendemos poder já concluir que as providências cautelares, na falta de qualquer regime especial, se regem pelas regras gerais dos art.º 30.º e ss. doC.P.Civil atinentes à legitimidade processual.
Ao contrário do que defende o Banco Recorrido, não interpretamos as disposições legais dos art. 619.º, n,º 2, do C.Civil e 392.º, n.º 2 do C.P.Civil como pretendendo definir qualquer regra especial em sede de legitimidade. Diversamente, entendemos que estas disposições legais têm por paralelo escopo definir a possibilidade, em exceção à regra geral, de o arresto poder incidir sobre bens de terceiro sempre que seja simultaneamente impugnada a respetiva transmissão de bens.
Tal como refere António Abrantes Geraldes (in Temas da Reforma do Processo Civil, 2001, IV Volume, Almedina, pág. 207): “O disposto no art. 407.º, n.º 2 do CPC, mais não é do que a adjectivação do direito conferido ao credor de perseguir os bens do devedor para efectivo exercício de um direito de crédito, quando se verifique a prática de atos de que resulta a diminuição da garantia patrimonial (art. 619.º, n.º 2, do CC).”
Assim, a legitimidade de Requerente e Requerido numa providência cautelar há-de aferir-se por referência aos titulares dos interesses jurídicos relevantes, quer no lado ativo (em demandar), quer no lado passivo (em contradizer).
Com efeito, em termos gerais, o art. 30.º do C.P.Civil, ao estabelecer o conceito de legitimidade, determina, no seu n.º 1, que o autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar e que o réu é parte legítima quanto tem interesse directo em contradizer, acrescentando o n.º 2 que o interesse em demandar se exprime pela utilidade derivada da procedência da acção e que o interesse em contradizer se exprime pelo prejuízo que dessa procedência advenha. Interpreta o nº 3 do mesmo artigo que, para efeito de legitimidade, são considerados titulares do interesse relevante os sujeitos da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor.
Acrescenta, depois, o art. 33.º, n.º 2, seguinte, que ocorre uma situação de litisconsórcio necessário sempre, entre o mais, que a natureza da relação jurídica imponha a intervenção de todos os interessados para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal.
Em termos processuais, e nos termos do disposto nos art. 278.º, n.º alínea d), 576.º, n.º 1 e 2, 577.º, alínea e), e 578.º do C.P.Civil, a ilegitimidade de qualquer das partes constitui uma excepção dilatória sendo, como tal, de conhecimento oficioso do Tribunal e tendo por consequência a absolvição da parte ilegítima da instância.
Nos presentes autos, tal como apresentado pelo Banco Recorrido, o presente arresto é requerido na dependência funcional de ação de impugnação pauliana da transmissão derivada da partilha de bens acima invocada, a propor contra a Requerida e contra G, onde se pedirá que seja declarada a ineficácia, em relação a si, de tal partilha.
Nesta providência cautelar a causa de pedir apresentada é idêntica à daquela ação a propor, apenas aditada pelos elementos especiais atinentes aos requisitos específicos do arresto, sendo o consequente pedido o decretamento do arresto sobre os bens adquiridos pela Requerida ao devedor, em conluio entre ambos, com o intuito de eliminar ou diminuir a garantia patrimonial dos débitos deste.
A nosso ver, quer na ação de impugnação pauliana, quer na providência cautelar preparatória desta, os titulares do interesse juridicamente relevante, pelo lado passivo, são lado a lado o devedor inicial e o adquirente dos bens.
Tratam-sede partes complementares e indissociáveis quer da respetiva causa de pedir, quer do pedido correspondente (e, nesta parte, quer se trate do pedido final de ineficácia do ato translativo da propriedade, quer se trate do pedido inicial de arresto sobre os bens do adquirente).
Tentando explicar melhor: o alienante é seguramente parte na causa de pedir e titular de interesse relevante em contradizer por ser o titular do débito para com o credor/Autor/Requerente e, cumulativamente, por ser um dos responsáveis pelo ato conluiado de promoção da dissipação do seu património. Por outro lado, o adquirente dos bens é também parte na mesma causa de pedir e titular de interesse relevante em contradizer por ser co-parte no mesmo acordo de diminuição da garantia patrimonial do débito em causa e, cumulativamente, por ser o detentor actual dos bens transferidos.
Assim sendo, entendemos que, pela própria natureza da relação jurídica, apenas a intervenção simultânea do devedor inicial e do adquirente dos seus bens assegura o interesse jurídico relevante em contradizer.
Estamos, portanto, perante uma situação de litisconsórcio necessário passivo, nos termos do disposto no art.º 33.º do C.P.Civil.
Encontramos decisões exactamente no mesmo sentido, quer no Supremo Tribunal de Justiça, quer nesta Relação.
Indicamos, a título exemplificativo, a decisão proferida no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08/02/01, tendo como Relator Ribeiro Coelho (proferido no Processo n.º 00A3812 e disponível em www.dgsi.ptna data do presente Acórdão), onde se decidiu precisamente: “Uma vez que, no caso do citado nº 2 do art. 619º, o arresto visa acautelar os efeitos da impugnação, designadamente a pauliana, a legitimidade passiva para o respectivo processo terá que coincidir com a legitimidade passiva para a acção de impugnação. É o que decorre da instrumentalidade substantiva da providência face ao direito subjectivo a proteger e da dependência do procedimento cautelar face à acção onde ele é discutido.”
Citamos, da mesma forma, o Acórdão desta Relação de 28/05/15, tendo como Relator Manuel Bargado (proferido no Processo n.º 3778/14.0T8GMR-B.G1 e disponível em www.dgsi.ptna data do presente Acórdão): “A procedência da acção de impugnação envolve, desde logo, em relação ao credor impugnante a ineficácia do acto impugnado e a possibilidade de execução do bem transmitido para o terceiro, in casu a requerida C… a quem o requerido (seu pai) fez a doação do imóvel arrestado.
Daí que o arresto tivesse de ser requerido contra ambos.”
Alcançada esta conclusão, importa aferir das consequências processuais para a providência cautelar em análise.
A solução processual prevista directamente no C.P.Civil é a da absolvição da Requerida da instância, como se viu.
No entanto, há que ponderar especialmente que a providência cautelar de arresto é, por força da estatuição do n.º 1 do art.º 393.º do C.P.Civil, decidida sem audiência da parte contrária.
Assim, a comprovada preterição de litisconsórcio necessário passivo nenhuma influência teve na decisão da providência, depois de analisadas e ouvidas “apenas” as provas apresentadas pelo Banco Requerente.
Por inerência, nenhum inconveniente processual existe no suprimento do verificado vício processual neste momento.
Por aplicação do princípio da adequação formal e do dever de gestão processual (cf. art. 6.º e 547.º, ambos do C.P.Civil), entende-se que a solução mais adequada, célere e justa para a questão processual em causa é a de se convidar o Banco Requerente a suscitar a intervenção do alienante dos bens, por aplicação analógica do incidente de intervenção provocada, com as necessárias adaptações (Cf. art. 261.º e 316.º e ss. do C.P.Civil).
Caso este Banco Requerente opte por não suprir a exceção de preterição necessário passivo por esta via, impor-se-á, então, a absolvição da instância, nos termos já acima referidos, por aplicação do disposto nos art.º 278.º, alínea d), 576.º, n.º 1 e 2, 577.º, alínea e), e 578.º, todos do C.P.Civil.
Consigna-se que a decisão que antecede prejudica, pelo menos neste momento, a apreciação do outro fundamento de recurso, referente á verificação dos pressupostos de decretamento da providência cautelar de arresto.
A conclusão final é, pois, a da procedência do recurso da Recorrente, em virtude da procedência do primeiro fundamento de recurso apresentado.
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IV - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso da Recorrente/Requerida, no que respeita à verificação de uma situação de preterição de litisconsórcio necessário passivo, determinando-se que, na 1ª Instância, se convide o Banco Recorrido/Requerente, por aplicação do princípio da adequação formal e do dever de gestão processual, a suprir esta exceção dilatória, suscitando a intervenção do alienante dos bens, G, por aplicação analógica do incidente de intervenção provocada, com as necessárias adaptações (Cf. art.º 261.º e 316.º e ss. do C.P.Civil).
Caso o Banco Recorrido/Requerente opte por não suprir a exceção de preterição necessário passivo por esta via, deverá julgar-se a instância extinta, por absolvição da instância da Requerida, nos termos acima referidos, por aplicação do disposto nos art.º 278.º, alínea d), 576.º, n.º 1 e 2, 577.º, alínea e), e 578.º, todos do C.P.Civil.
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Custas a cargo do Banco Recorrido/Requerente - art. 527.º do C.P.Civil.
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Notifique e registe.

(Processado e revisto com recurso a meios informáticos)
Guimarães, 25 de maio de 2017

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(Lina Castro Baptista)

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(Maria de Fátima Almeida Andrade)

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(Alexandra Maria Rolim Mendes)